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Jurisprudência TSE 060000266 de 03 de maio de 2024

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Floriano De Azevedo Marques

Data de Julgamento

25/04/2024

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao agravo em recurso especial eleitoral interposto por José Edinício Gonçalves da Cunha, Iraci Ribeiro dos Santos Júnior e Joefferson Alves da Silva, a fim de conhecer do recurso especial eleitoral e provê¿lo, para reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos na ação de impugnação de mandato eletivo, determinando: a) a nulidade dos votos obtidos pelo Partido Verde (PV) e por todos os seus candidatos e candidatas ao cargo de vereador do Município de Abaetetuba/PA nas Eleições de 2020; b) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Partido Verde (PV) do Município de Abaetetuba/PA, nas Eleições de 2020, e dos diplomas das candidatas e dos candidatos a ele vinculados, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário; e c) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Cármen Lúcia (art. 7º, §2º, da Resolução TSE nº 23.598/2019), Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. CARACTERIZAÇÃO. PROVIMENTO.  SÍNTESE DO CASO 1. Trata–se de agravo interposto em face de decisão do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Pará que negou seguimento a recurso especial manejado visando à reforma de acórdão que, por maioria, negou provimento a recursos e manteve a sentença do Juízo da 7ª Zona Eleitoral daquele Estado, que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação de impugnação de mandato eletivo proposta em desfavor do Partido Verde (PV) – Municipal e das candidatas e dos candidatos ao cargo de vereador do Município de Abaetetuba/PA nas Eleições de 2020 pela referida agremiação, por considerar ausentes provas robustas de fraude à cota de gênero estampada no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.  ANÁLISE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2. O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Pará negou seguimento ao recurso especial por entender que não foram preenchidos os pressupostos específicos de admissibilidade e por incidência do verbete sumular 24 do TSE.  3. Diante da impugnação aos fundamentos da decisão agravada e da relevância da matéria em discussão, dá–se provimento ao agravo para análise do recurso especial eleitoral.  ANÁLISE DO RECURSO ESPECIALJURISPRUDÊNCIA DO TSE E DO STF  4. A partir do leading case de Jacobina/BA (AgR–AREspE 0600651–94, red. para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.6.2022), a jurisprudência deste Tribunal tem reiteradamente assentado que a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição (REspEl 0600001–24, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 13.9.2022). Precedentes.  5. A jurisprudência desta Corte está alinhada ao entendimento do STF, firmado no julgamento da ADI 6.338/DF, rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, sessão virtual, DJE de 4.4.2023.  6. Ao apreciar o REspEl 972–04, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 26.10.2022, o REspEl 0600965–83, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJE de 15.9.2023, e o RO–El 0601822–64, rel. Min. Raul Araújo Filho, DJE de 15.2.2024, esta Corte reconheceu a fraude à cota de gênero, considerando, além de outros elementos objetivos – votação ínfima ou zerada, inexistência de atos efetivos de campanha, ausência de registro de despesas, não apresentação das contas, entrega de prestações de contas padronizadas ou com movimentação financeira zerada, conforme o caso –, as seguintes circunstâncias fáticas, por, em conjunto, evidenciarem inércia dolosa do partido em se adequar aos percentuais estampados no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97; i) indeferimento de pedidos de registro de candidaturas femininas que não observavam os requisitos de processamento do registro (não apresentação de documentos obrigatórios) ou não preenchiam as condições de elegibilidade; ii) prolação das sentenças de indeferimento antes do término do prazo para substituição; iii) não interposição de recursos contra o indeferimento dos registros de candidaturas; iv) inércia da agremiação em providenciar a substituição das candidatas cujos registros foram indeferidos, mesmo havendo tempo hábil.  Dos elementos indiciários caracterizadores da fraude à cota de gênero  7. De acordo com as premissas fáticas registradas no acórdão regional, afiguram–se patenteadas as circunstâncias evidenciadoras da fraude à cota de gênero, quais sejam:  a) as candidatas Josiane Gomes Oliveira e Maria do Carmo Passos Góes tiveram os seus pedidos de registro de candidatura indeferidos por ausência de apresentação de documentos obrigatórios (prova de alfabetização e certidões expedidas pela Justiça Comum Estadual e Federal, respectivamente);  b) não houve a interposição de nenhuma espécie de recurso em face das sentenças que indeferiram os requerimentos de registro das candidaturas questionadas – seja pelas candidatas, seja pelo partido;  c) o partido não providenciou a substituição das candidatas, embora as sentenças que indeferiram os pedidos de registro tenham sido proferidas cinco dias antes da data–limite para pleitear a substituição de candidaturas, tampouco adotou providências para redução da quantidade de candidaturas do gênero masculino, a fim de se adequar aos percentuais da cota de gênero;  d) as candidatas Josiane Gomes Oliveira e Maria do Carmo Passos Góes não realizaram gastos eleitorais e o acórdão regional não registra que elas tenham praticado atos efetivos de campanha, não obstante os pedidos de registro de candidatura tenham sido indeferidos vinte e cinco dias depois do início do período de propaganda;  e) a candidata Ana Jhenefer de Almeida Gomes obteve votação inexpressiva (5 votos) e, embora tenha contabilizado, na prestação de contas, o recebimento de recursos oriundos do FEFC (R$ 2.043,00) e a realização de despesas financeiras para produção de jingles e videoclipe (R$ 1.000,00) e pagamento de multa eleitoral (R$ 43,00), o acórdão recorrido não registra a eventual comprovação da utilização do referido material audiovisual em ato efetivo de campanha, tampouco apresenta outras informações a respeito da sanção pecuniária contabilizada.  8. Embora não tenha sido registrado no acórdão recorrido, é público e aferível no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, disponível no sítio eletrônico deste Tribunal Superior, que as recorridas Josiane Gomes de Oliveira e Maria do Carmo Passos Góes não apresentaram prestações de contas alusivas ao pleito de 2020 e, como anotado no parecer ministerial, tiveram as contas julgadas como não prestadas.  9. Não subsistem as conclusões do acórdão recorrido de que estaria demonstrada a intenção da candidata Ana Jhenefer de Almeida Gomes na divulgação da candidatura e seria infundada a alegação de que ela não teria realizado propaganda eleitoral. Isso porque tais conclusões estão amparadas apenas na realização de despesas para a produção de material de áudio ou de vídeo, a qual não pode ser considerada ato de campanha, mas apenas ato preparatório (AREspE 0600556–65, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 18.10.2022), e deve ser acompanhada de prova da divulgação do material produzido – o que não ocorreu na espécie –, a fim de demonstrar a efetiva prática de ato de campanha eleitoral, tal como se exige na hipótese de material gráfico (REspEl 0600002–66, rel. Min. Isabel Gallotti, DJE de 2.2.2024; e AREspE 0600002–86, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 8.9.2023). Na mesma linha, o mero registro do pagamento de multa eleitoral na prestação de contas da candidata não demonstra a prática de ato efetivo de campanha, à míngua de outras informações quanto ao ponto no acórdão regional.  Das razões para o não acolhimento das alegações de mérito apresentadas pelas partes recorridas  10. Para a configuração de fraude à cota de gênero, não se exige prova cabal da existência de dolo, má–fé ou de ajuste de vontades entre representantes partidários e as candidatas, bastando a evidência de elementos puramente objetivos (AREspE 0600002–81, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 8.5.2023; e AgR–REspEl 0600311–66, rel. Min. Raul Araújo Filho, DJE de 12.5.2023), a exemplo da votação ínfima ou zerada, da ausência de atos efetivos de campanha, da inexistência de gastos eleitorais e da não apresentação de prestação de contas.  11. Não obstante as partes recorridas afirmem que os motivos do indeferimento dos registros das candidaturas femininas em apreço não poderiam ser atribuídos à agremiação, a qual não teria ciência da inaptidão das postulantes, é certo que o partido é o responsável pela apresentação à Justiça Eleitoral dos pedidos coletivos de registro das suas candidatas e dos seus candidatos e, no caso, o indeferimento ocorreu em razão da ausência de comprovante de alfabetização e de certidões da Justiça Comum, o que evidencia a desídia na apresentação de documentos elementares para a apreciação do pedido de registro e cuja ausência tornava sabidamente inviáveis as candidaturas.  12. Não é possível subscrever a afirmação do Tribunal de origem de que, cumpridos os percentuais de gênero no momento em que se defere o DRAP, não poderia configurar a fraude à cota de gênero o posterior desatendimento da regra, por razões supervenientes supostamente não imputáveis ao partido (na espécie, o indeferimento dos pedidos de registro de candidaturas femininas em razão da não apresentação de documentos essenciais, sem que a agremiação pleiteasse a substituição, embora tivesse tempo hábil). Isso porque, como bem assinalado no parecer da Procuradoria–Geral Eleitoral, "a lógica proposta pelo acórdão recorrido possibilitaria a convalidação de situação ilícita de lançamento de candidatura fictícia, configurando proteção deficiente à política afirmativa positivada no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97".  13. Como anotado no julgamento do REspEl 0600965–83, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJE de 15.9.2023, as agremiações partidárias devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais, mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa. Assim, caso haja questionamento em relação à candidatura do gênero sub–representado e seja ainda viável a substituição, a grei deve fazer as adequações para cumprir a cota de gênero e, não o fazendo a tempo e modo, as candidaturas femininas juridicamente inviáveis ou sobre as quais haja razoável dúvida sobre a sua viabilidade podem ser consideradas fictas para fins de apuração de fraude ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.  14. A alegação, feita de passagem nas contrarrazões, de que o Partido Verde (PV) não tinha advogado constituído nos autos dos pedidos de registro de candidaturas femininas indeferidos incide no óbice previsto no verbete sumular 24 do TSE. De todo modo, incumbia ao partido e às candidatas acessar o mural eletrônico para verificar o recebimento de intimações da Justiça Eleitoral a eles dirigidas, a teor dos arts. 23, XI, 24, VII, e 38, caput e § 6º, da Res.–TSE 23.609.  15. Não afasta a configuração da fraude à cota de gênero, na espécie, a alegação de que o Partido Verde (PV) tomou ciência do indeferimento dos registros das candidatas femininas em período próximo ao fim do prazo legal para substituição de candidaturas. Embora o voto condutor do acórdão regional registre que partido não foi intimado para regularizar os percentuais de gênero em momento posterior ao julgamento do DRAP, ocorrido em 15.10.2020, ou para interpor recurso naqueles autos, e adote o trânsito em julgado ocorrido nos RRC no dia 28.10.2020 como parâmetro para assentar a suposta inexistência de tempo hábil para substituição, depreende–se do voto vencido que a grei foi intimada das sentenças que indeferiram os requerimentos de registro de candidaturas femininas no dia 21.10.2020, cinco dias antes do término do prazo para substituição, o que, à míngua de informação em sentido diverso no voto condutor do julgado, permite concluir que a agremiação, desde então, tinha ciência de que a sua lista de candidaturas ao pleito proporcional ficara em desacordo com a cota de gênero.  CONCLUSÃO  Agravo em recurso especial eleitoral a que se dá provimento, para reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos formulados na ação de impugnação de mandato eletivo, com base em ofensa ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, determinando–se o seguinte:  a) a nulidade dos votos obtidos pelo Partido Verde (PV) e por todos os seus candidatos e candidatas ao cargo de vereador do Município de Abaetetuba/PA nas Eleições de 2020;  b) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Partido Verde (PV) do Município de Abaetetuba/PA, nas Eleições de 2020, e dos diplomas dos candidatos e das candidatas a ele vinculados, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.  Determina–se, ainda, o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão.


Jurisprudência TSE 060000266 de 03 de maio de 2024