Jurisprudência TSE 060000146 de 21 de marco de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
07/02/2023
Decisão
Julgamento conjunto: AREspe nº 060000146 e TutCautAnt nº 060133615.O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as questões preliminares e, no mérito, deu provimento ao agravo e ao recurso especial eleitoral, julgando improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo, bem como procedente a tutela cautelar antecedente, confirmando a liminar anteriormente deferida, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO E VICE–PREFEITO REELEITOS. CONDENAÇÃO. ABUSO DO PODER POLÍTICO ATRELADO A ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CASSAÇÃO DOS MANDATOS. PROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO1. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, por apertada maioria (e em voto de desempate da Presidência), deu parcial provimento ao recurso eleitoral para, reformando a sentença de improcedência da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo 0600001–46.2021.6.13.0351, reconhecer a ocorrência de abuso do poder político atrelado a abuso do poder econômico, com fulcro no § 10 do art. 14 da Constituição da República, e determinar a cassação dos mandatos do prefeito e do vice–prefeito do Município de Ibirité/MG, com a realização de novas eleições no referido município.2. Após a interposição de agravo em recurso especial, foi proposta tutela cautelar com fundamento no art. 300 do Código de Processo Civil, a fim de atribuir efeito suspensivo ao apelo, a qual foi deferida e referendada, à unanimidade, pelo colegiado deste Tribunal Superior.ANÁLISE DO RECURSO3. Preenchidos os requisitos formais, devidamente impugnada a matéria e sendo relevante o fundamento do recurso especial, é o caso de provimento do agravo para submeter o apelo nobre a julgamento.4. Está ausente a demonstração de ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral, porquanto o Tribunal de origem assentou expressamente que os temas suscitados e os documentos juntados pelos então embargantes não foram analisados por terem sido colacionados naquela instância recursal ordinária e estarem acobertados por preclusão.5. De acordo com o relator na origem, os documentos juntados em sede recursal não eram tecnicamente novos nem decorreram de alegação já deduzida nos autos e sobre a qual o Tribunal a quo devesse se manifestar, razão pela qual não foram conhecidos. Inexistência de mácula ao art. 435 do Código de Processo Civil.6. Em relação à primeira das duas condutas que deram lastro à procedência parcial da ação de impugnação de mandato eletivo – o envio de Projeto de Lei Complementar à Câmara de Vereadores, em 27.10.2020, e a sua retirada de pauta, pelo Executivo, em 23.11.2020, ou seja, logo após o pleito –, o Tribunal de origem assentou que não houve efetivo emprego de recursos públicos, circunstância fática que afasta a caracterização do abuso do poder econômico, ilícito marcado "pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa" (AIJE 0601779–05, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 11.3.2021). Assim, se é incontroverso que não houve emprego de recursos, não há falar em abuso do poder econômico.7. Demonstram–se relevantes as considerações expostas pelo Juízo Eleitoral, nos termos do trecho transcrito no próprio voto condutor na Corte mineira: "[...] para comprovar que essa ação de apresentação do projeto de lei e sua retirada logo após a eleição visava angariar votos, outros elementos deveriam ter sido apresentados pela parte autora. O fato, por si só, não permite essa conclusão. O autor não se desincumbiu do dever de trazer elementos que pudessem demonstrar, o que se mostra como uma mera suspeita apresentada nos autos, a intenção fraudulenta para enganar o eleitor e a exploração exagerada, em propaganda, da conduta em questão". 8. Está evidenciada a ofensa ao art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 quanto à segunda conduta que embasou a procedência parcial da ação de impugnação de mandato eletivo, qual seja, a distribuição, no âmbito do Programa Habitar, de benefício social em forma de repasse de recursos financeiros a, pelo menos, 641 ou 644 pessoas/beneficiários (quantum indicado a depender do trecho do voto condutor, embora o voto vencido do relator pontue que seriam efetivamente 642 munícipes, em face da menção, por três vezes, de um mesmo nome na listagem).9. A maioria na Corte de origem se lastreou na ausência de autorização legal e na não persistência do estado de calamidade pública para reconhecer o ilícito quanto ao programa assistencial, muito embora seja certo que não cabe apreciar condutas vedadas em sede de ação de impugnação de mandato eletivo. Portanto, não podem ser avaliadas como circunstâncias decisivas para a caracterização da infração a inexistência de autorização legal específica para ação e a não comprovação da calamidade legal, visto que esses requisitos são inerentes à conduta vedada pelo referido dispositivo legal, a qual não pode ser apurada isoladamente em sede de ação de impugnação de mandato eletivo.10. De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral, os principais elementos que levaram à caracterização do abuso de poder econômico em relação ao Programa Habitar foram:i) o valor da execução do programa, da ordem de R$ 585.284,40;ii) a concentração de recursos nos meses anteriores ao pleito;iii) o benefício a 641 ou 644 indivíduos ou núcleos familiares.11. A despeito das conclusões da Corte de origem, destacam–se as seguintes circunstâncias, que infirmam o juízo de gravidade do ato tido como abusivo:i) é incontroverso que as ações do programa de habitação decorreram de estado de emergência declarado pelo Governo do Estado de Minas Gerais, por meio do Decreto 33, de 25 de janeiro de 2020, cuja abrangência alcançou o Município de Ibirité/MG e que durou até junho de 2020, apenas um mês antes do início do efetivo repasse dos recursos. Tal circunstância indica que a ação assistencial não teve necessariamente como desiderato influir no pleito de 2020, cujo primeiro turno, nos termos da Emenda Constitucional 107/2020, ocorreu apenas em 15 de novembro daquele ano;ii) embora a maioria na origem destaque o atraso na liberação de recursos, em descompasso com a data da situação emergencial, não se pode presumir, a partir desse único dado, que o programa assistencial estaria atrelado ao pleito, ou se a falha teria decorrido de alguma vicissitude administrativa. No ponto, é relevante a premissa fática do acórdão regional, destacada pela douta Procuradoria–Geral Eleitoral, no sentido de que o processo de obtenção do benefício dependia de trâmites burocráticos alusivos à iniciativa do morador afetado, ao cadastro respectivo e à possível aprovação;iii) segundo constou do voto do relator originário, em parte não contraditória com a corrente majoritária, os recorrentes não tinham interferência direta e pessoal na escolha de beneficiários, a qual também ocorreu segundo critérios estabelecidos, e não de forma indiscriminada;iv) o fundamento da sentença e da corrente minoritária no Tribunal de origem, no sentido de que a ampla diferença de votos deveria ser sopesada no exame da gravidade – considerando que o programa habitacional beneficiou apenas 641 ou 644 famílias –, afigura–se relevante, pois os requerentes obtiveram 47.105 votos, número muito superior ao do segundo colocado, que obteve 35.142 votos, num eleitorado correspondente, à época do pleito de 2020, a 121.310 cidadãos, contexto em que não se revela compatível com a reserva legal proporcional a cassação dos diplomas e a declaração de inelegibilidade em razão do suposto benefício eleitoral, muito menos quando não foi indicado elemento explícito da vinculação eleitoral do programa assistencial. Com efeito, a expressiva diferença de votos, da ordem de 11.963 ou aproximados 14%, serve para reforçar a possível desproporcionalidade de cassar diplomas e declarar a inelegibilidade ante o suposto ilícito eleitoral que teria beneficiado 641 ou 644 famílias.12. A jurisprudência deste Tribunal Superior é iterativa no sentido de que, "com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda conduta vedada e nem todo abuso do poder político acarretam a automática cassação de registro ou de diploma, competindo à Justiça Eleitoral exercer um juízo de proporcionalidade entre a conduta praticada e a sanção a ser imposta" (REspe 336–45, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 16.4.2015). Ademais, vale registrar que, "embora o resultado das eleições – sob o enfoque da diferença de votos obtidos entre os colocados – traceje, com inegável preponderância técnica, critério de potencialidade (não mais aferível por força do art. 22, XVI, da LC nº 64/90), seu descarte na vala comum dos dados inservíveis revelaria equívoco por constituir lídimo reforço na constatação da gravidade das circunstâncias verificadas no caso concreto" (REspe 576–11, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 16.4.2019).CONCLUSÃOAgravo e recurso especial eleitoral a que se dá provimento. Ação cautelar julgada procedente.