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Informativo do STJ 856 de 05 de Agosto de 2025

Publicado por Superior Tribunal de Justiça


RECURSOS REPETITIVOS

Processo:

REsp 1.953.602-SP , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025, DJEN 30/6/2025. ( Tema 1258 ). REsp 1.987.628-SP , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025, DJEN 30/6/2025 ( Tema 1258 ). REsp 1.986.619-SP , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025, DJEN 30/6/2025 ( Tema 1258 ). REsp 1.987.651-RS , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025, DJEN 30/6/2025 ( Tema 1258 ).

Ramo do Direito:

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Reconhecimento de pessoa (fotográfico e/ou presencial). Prova irrepetível. Alinhamento de pessoas semelhantes. Congruência com o acervo probatório. Regras do art. 226 do CPP. Observância obrigatória. Repercussão geral no STF. Tema 1258/STJ .

Destaque:

1) As regras postas no art. 226 do CPP são de observância obrigatória tanto em sede inquisitorial quanto em juízo, sob pena de invalidade da prova destinada a demonstrar a autoria delitiva, em alinhamento com as normas do Conselho Nacional de Justiça sobre o tema. O reconhecimento fotográfico e/ou pessoal inválido não poderá servir de lastro nem a condenação nem a decisões que exijam menor rigor quanto ao standard probatório, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia ou a pronúncia.2) Deverão ser alinhadas pessoas semelhantes ao lado do suspeito para a realização do reconhecimento pessoal. Ainda que a regra do inciso II do art. 226 do CPP admita a mitigação da semelhança entre os suspeitos alinhados quando, justificadamente, não puderem ser encontradas pessoas com o mesmo fenótipo, eventual discrepância acentuada entre as pessoas comparadas poderá esvaziar a confiabilidade probatória do reconhecimento feito nessas condições.3) O reconhecimento de pessoas é prova irrepetível, na medida em que um reconhecimento inicialmente falho ou viciado tem o potencial de contaminar a memória do reconhecedor, esvaziando de certeza o procedimento realizado posteriormente com o intuito de demonstrar a autoria delitiva, ainda que o novo procedimento atenda os ditames do art. 226 do CPP.4) Poderá o magistrado se convencer da autoria delitiva a partir do exame de provas ou evidências independentes que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento.5) Mesmo o reconhecimento pessoal válido deve guardar congruência com as demais provas existentes nos autos.6) Desnecessário realizar o procedimento formal de reconhecimento de pessoas, previsto no art. 226 do CPP, quando não se tratar de apontamento de indivíduo desconhecido com base na memória visual de suas características físicas percebidas no momento do crime, mas, sim, de mera identificação de pessoa que o depoente já conhecia anteriormente.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia a saber se a determinação contida no art. 226 do Código de Processo Penal, constitui norma de observância obrigatória sob pena de nulidade e qual o seu alcance. Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que a eventual inobservância das formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal para o reconhecimento não corresponderia a causa de nulidade, uma vez que não se trata de exigências, mas de meras recomendações a serem observadas na implementação da medida. Rompendo com a posição jurisprudencial majoritária até então, a Sexta Turma do STJ, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC, julgado em 27/10/2020, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, propôs nova interpretação do art. 226 do CPP, segundo a qual a inobservância do procedimento descrito no mencionado dispositivo legal torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo. No mesmo sentido, em recente julgado, a Quinta Turma do STJ, à unanimidade, reconheceu que, "Não obstante a relevância da palavra da vítima, em especial em crimes sexuais, não é possível manter a condenação do paciente com fundamento em reconhecimentos viciados, convalidados pela existência de outros reconhecimentos realizados com os mesmos vícios, e desconstituídos por meio de prova pericial que não identificou o perfil genético do paciente nos materiais coletados das vítimas" (PExt no HC n. 870.636/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 20/5/2024). A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, de maneira consistente, vem entendendo que "O reconhecimento fotográfico realizado sem a observância das formalidades do art. 226 do CPP não constitui prova válida para sustentar a autoria delitiva, especialmente quando realizado de forma isolada e sem acompanhamento de outras provas robustas" (HC 245.814 AgR, Relator: Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 27/11/2024, 5/12/2024). De outro lado, há julgados recentes da Primeira Turma admitindo a ratificação, em juízo, de reconhecimento fotográfico falho, desde que valorado com o restante do conjunto probatório. Diante da divergência, mais recentemente, o plenário do STF afetou o ARE 1.467.470/RG, para julgamento no rito de repercussão geral (Tema 1.380), cuja controvérsia discute se o reconhecimento de pessoa realizado em desconformidade com o art. 226 do Código de Processo Penal é inválido por afronta às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da vedação às provas ilícitas. No estudo do tema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 484, de 19/12/2022, que "estabelece diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário". A resolução é resultado do trabalho do grupo criado pelo CNJ em 2021, e que produziu, em 2024, um Manual de Procedimentos de Reconhecimento de Pessoas conforme a Resolução CNJ n. 484/2022, que se debruça, detalhadamente, tanto sobre dados indicativos de erros no reconhecimento de pessoas no Brasil e no mundo quanto sobre os processos e variáveis que afetam a memória humana identificados em estudos especializados sobre o tema. A partir dos aprofundados estudos realizados pelo grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça ou aqueles já mencionados no leading case da Sexta Turma do STJ, pode-se concluir que a rigorosa observância do art. 226 do CPP não é mero formalismo estéril; pelo contrário, possui fundamentação técnico-científica sólida e respaldo em políticas legais de redução de erros. Nesse cenário, a observância obrigatória das disposições postas no art. 226 do CPP se coaduna com uma compreensão do processo penal de matiz garantista voltada para a busca da verdade real de forma mais segura e precisa. Funciona como uma garantia procedimental alinhada com os princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal. Sob o ângulo técnico-científico, a formalidade do art. 226 se justifica como um meio de controle de qualidade da prova testemunhal. É uma resposta normativa às vulnerabilidades inerentes da memória humana. A falta de cumprimento dessas cautelas aumenta exponencialmente a chance de identificação equivocada, podendo levar um inocente à prisão - resultado diametralmente oposto à finalidade do processo penal. Ademais, um ponto científico crucial apontado pela Sexta Turma do STJ é a irrepetibilidade cognitiva do reconhecimento. Diferentemente de certas provas (v.g., perícias) que podem ser refeitas, o ato de reconhecimento não pode ser simplesmente reproduzido depois sem o risco de viés, porque a primeira exposição do suspeito à testemunha altera a memória desta. Estudos mostram que, após um reconhecimento, a testemunha pode incorporar a imagem do suspeito em sua memória como sendo a do autor - mesmo que estivesse incerta antes -, fenômeno conhecido como "efeito do reforço da confiança". Assim, se a primeira identificação foi errônea ou conduzida de forma inadequada, todas as subsequentes estarão comprometidas. Esse é o fundamento científico da regra jurisprudencial que veda convalidação posterior: a contaminação da memória é irreversível, motivo pelo qual a única forma de garantir justiça é prevenir o erro na origem, seguindo o procedimento adequado. Quanto aos efeitos processuais e probatórios da inobservância do art. 226 do CPP, o reconhecimento fotográfico e/ou pessoal irregular é prova inválida, devendo ser desconsiderada pelo julgador, na formação de seu convencimento. Assim, mesmo diante de posterior ratificação em juízo, com a observância dos ditames do art. 226 do CPP, o reconhecimento inicialmente viciado tem o potencial de macular a percepção futura do identificador, pelo que esvazia o seu grau de certeza. E, mais recentemente, a Quinta Turma do STJ, no AgRg no HC 819.550/SP, publicado em 6/11/2024, corroborando a tese, afirmou que "A nulidade do reconhecimento inicial contamina os subsequentes, conforme entendimento consolidado por esta Corte, especialmente quando não há outras provas independentes que confirmem a autoria delitiva". Por outro lado, se vítima e/ou testemunha já conheciam previamente o suspeito de cometimento do delito e são capazes de identificá-lo, o reconhecimento pessoal é desnecessário. No que concerne à possibilidade de decretação de prisão preventiva, recebimento de denúncia e pronúncia com base em reconhecimento fotográfico e/ou pessoal efetuado em descompasso com o art. 226 do CPP, há precedentes da Quinta e da Sexta Turma afirmando que "A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não demandando juízo de certeza necessário à sentença condenatória", bem como que "O reconhecimento fotográfico, ainda que questionável, é considerado indício mínimo de autoria para justificar a prisão cautelar". No entanto, diante das ponderações trazidas tanto pelo julgado da Sexta Turma do STJ no HC 712.781/RJ quanto no precedente da Segunda Turma do STF no RHC 206.486/SP, tem-se que, com efeito, o reconhecimento (fotográfico e/ou pessoal) comprovadamente efetuado em descompasso com as diretivas do art. 226 do CPP não é apto, de forma isolada e por si só, a consubstanciar indício suficiente de autoria para lastrear decretação de prisão preventiva, recebimento de denúncia ou pronúncia. Quanto à sentença condenatória, o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, somente se presta a identificar o réu e a consubstanciar evidência da autoria delitiva se observadas as formalidades previstas no art. 226 do CPP e após sua submissão ao crivo do contraditório e da ampla defesa, na fase judicial. Ademais, diante das várias nuances capazes de afetar a memória humana, é de todo conveniente que mesmo o reconhecimento efetuado com observância aos preceitos do art. 226 do CPP seja confrontado com as demais evidências existentes nos autos, de modo a atenuar a fragilidade epistêmica que caracteriza a prova produzida por meio do reconhecimento pessoal. Cumpre ressalvar, contudo, que "É possível que o julgador, destinatário das provas, convença-se da autoria delitiva a partir de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato do reconhecimento pessoal falho, porquanto, sem prejuízo da nova orientação, não se pode olvidar que vigora no sistema probatório brasileiro o princípio do livre convencimento motivado, desde que existam provas produzidas em contraditório judicial" (AREsp 2.852.641/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN 10/4/2025). Código de Processo Penal (CPP), art. 226 Resolução do CNJ n. 484/2022 Manual de Procedimentos de Reconhecimento de Pessoas Tema 1258/STJ Tema n. 1.380/STF

CORTE ESPECIAL

Processo:

AgInt nos EDcl na HDE 4.880-EX , Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 13/3/2025, DJEN 24/3/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO INTERNACIONAL

Tema:

Homologação de sentença arbitral estrangeira. Citação por notificação extrajudicial. Cabimento.

Destaque:

A citação em procedimentos arbitrais pode ser realizada por meios diversos da carta rogatória, desde que haja prova inequívoca de recebimento.

INTEIRO TEOR:

A questão em discussão consiste em saber se a citação realizada por meios diversos da carta rogatória, como por notificação extrajudicial e courrier internacional, é válida no contexto de homologação de sentença arbitral estrangeira. O art. 39, parágrafo único, da Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) estabelece que é possível que a citação ocorra nos moldes da convenção de arbitragem ou nos moldes da lei do país em que a arbitragem tem lugar ou, ainda, por meio postal com prova inequívoca do recebimento. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "o núcleo essencial da citação é a ciência pelo destinatário acerca da existência da ação, razão pela qual é imprescindível que se certifique, em primeiro lugar, que a informação foi efetivamente entregue ao receptor e que seu conteúdo é límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvida sobre qual ato ou providência deverá ser adotada a partir da ciência e no prazo fixado em lei ou pelo juiz". (REsp 2.030.887/PA e REsp 2.045.633/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi). Em se tratando de homologação de decisão estrangeira originada de procedimento arbitral, o STJ entende que a tomada de conhecimento do processo pode ocorrer por meios diversos que não a carta rogatória, sendo possível inclusive que seja feita por carta com aviso de recebimento ou courrier internacional (SEC 9.820/EX, rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 19/10/2016, DJe de 26/10/2016; SEC 12.041/EX, rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 7/12/2016, DJe de 16/12/2016; e AgInt na HDE 4.174/EX, rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 7/3/2023, DJe de 4/4/2023). No caso, mostra-se evidente a existência de citação válida, uma vez que uma funcionária da agravante teve ciência do inteiro teor da citação e, somente após isso, recusou-se a recebê-la. Portanto, o núcleo essencial do instituto jurídico da citação foi atendido, pois a) a parte demandada tomou conhecimento da existência do procedimento; b) o conteúdo da citação foi comunicado ao receptor, sem que a inteligibilidade tenha sido questionada; e c) a recusa em receber a cópia física do documento de citação e em se identificar com o RG demonstram má-fé. Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), art. 39, parágrafo único.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo:

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 3/4/2025, DJEN 23/4/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO DA SAÚDE

Tema:

Prescrição de terapias multidisciplinares para tratamento de beneficiária portadora de paralisia cerebral. Pediasuit. Bobath. Hidroterapia. Técnicas adotadas durante as sessões de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia. Previsão no rol da ANS sem diretrizes de utilização. Eficácia reconhecida pelo Conselho Federal do Profissional de Saúde responsável pela realização do procedimento. Natureza experimental afastada. Obrigatoriedade de cobertura.

Destaque:

A hidroterapia e as terapias multidisciplinares pelos métodos Bobath e Pediasuit, prescritos para o tratamento de beneficiário diagnosticado com paralisia cerebral, devem ser cobertas pela operadora de plano de saúde, seja porque tais técnicas são utilizadas durante as sessões de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, procedimentos esses previstos no rol da ANS em número ilimitado e sem quaisquer diretrizes de utilização; seja porque, a partir dos parâmetros delineados pela ANS, os referidos métodos não podem ser considerados experimentais.

INTEIRO TEOR:

O propósito recursal é decidir sobre a obrigatoriedade de cobertura, pela operadora de plano de saúde, de hidroterapia e terapias multidisciplinares pelos métodos Bobath e Pediasuit, prescritos para o tratamento de beneficiário diagnosticado com paralisia cerebral. Isso posto, das normas regulamentares da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), extraem-se duas conclusões: a primeira, de que as sessões com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas são ilimitadas para todos os beneficiários, independentemente da doença que os acomete; a segunda, de que a operadora deverá garantir a realização do procedimento previsto no rol e indicado pelo profissional assistente, cabendo ao prestador apto a executá-lo a escolha da técnica, método, terapia, abordagem ou manejo empregado. Por conseguinte, infere-se que a ausência de previsão no rol da ANS de determinada técnica, método, terapia, abordagem ou manejo a ser utilizado pelo profissional habilitado a realizar o procedimento previsto no rol e indicado pelo médico assistente, em conformidade com a legislação específica sobre as profissões de saúde e a regulamentação de seus respectivos conselhos, não afasta a obrigação de cobertura pela operadora; não justifica, por si só, a recusa de atendimento. No tocante ao tratamento clínico experimental, o art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998, exclui a sua obrigação de cobertura, pela operadora de plano de saúde. E, de acordo com o art. 17, parágrafo único, I, da Resolução Normativa n. 465/2021 da ANS, que regulamenta o art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998, são tratamentos clínicos experimentais aqueles que: a) empregam medicamentos, produtos para a saúde ou técnicas não registrados/não regularizados no país; b) são considerados experimentais pelo Conselho Federal de Medicina - CFM, pelo Conselho Federal de Odontologia - CFO ou pelo conselho federal do profissional de saúde responsável pela realização do procedimento; ou c) fazem uso off-label de medicamentos, produtos para a saúde ou tecnologia em saúde, ressalvado o disposto no art. 24. Com relação à terapia pelo método Pediasuit, não há norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) que a defina como tratamento clínico experimental. De seu turno, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) reconheceu a sua eficácia, atribuindo a fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais a competência para o utilizar nas sessões de fisioterapia e terapia ocupacional. Importante acrescentar que o Referencial Nacional de Procedimentos Fisioterapêuticos (RNPF), que codifica e enumera todos os procedimentos fisioterapêuticos reconhecidos pelo conselho, após a análise de evidência científica e análise técnico-financeira de custo operacional, elenca a cinesioterapia intensiva com vestes terapêuticas (como o protocolo Pediasuit) dentre as espécies de atendimento fisioterapêutico por meio de procedimentos, métodos ou técnicas manuais e/ou específicos. O Coffito, portanto, reconheceu a eficácia da terapia pelo método Pediasuit e atribuiu a fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais a competência para utilizá-lo durante o atendimento aos pacientes, razão pela qual o procedimento não se enquadra na hipótese do art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998. Com relação às terapias pelo método Bobath, a ANS, desde 2015, afirma, expressamente, que estão incluídas nos procedimentos clínicos ambulatoriais e hospitalares de reeducação e reabilitação neurológtica, reeducação e reabilitação neuro-músculo-esquelética e reeducação e reabilitação no retardo do desenvolvimento psicomotor ou ainda nas consultas com fisioterapeuta e nas sessões com terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo, todos esses previstos no rol da ANS sem quaisquer diretrizes de utilização. Com relação à hidroterapia, o Coffito disciplinou a especialidade profissional de fisioterapia aquática, considerada a utilização da água nos diversos ambientes e contextos, em quaisquer dos seus estados físicos, para fins de atuação do fisioterapeuta no âmbito da hidroterapia, dentre outras técnicas. Já o RNPF elenca a fisioterapia aquática (hidroterapia) - individual e em grupo - dentre as espécies de atendimento fisioterapêutico por meio de procedimentos, métodos ou técnicas manuais e/ou específicos. Destarte, na hipótese, as terapias multidisciplinares prescritas para o tratamento da beneficiária devem ser cobertas pela operadora, seja porque a hidroterapia e as terapias pelos métodos Pediasuit e Bobath são utilizadas durante as sessões de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, todas estas previstas no rol da ANS, em número ilimitado e sem quaisquer diretrizes de utilização; seja porque, a partir dos parâmetros delineados pela ANS, não podem ser consideradas experimentais. Lei n. 9.656/1998, art. 10, I. Resolução Normativa n. 465/2021 da ANS, art. 17, parágrafo único, I; e art. 24.

Processo:

CC 211.941-PR , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 5/6/2025, DJEN 10/6/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Ação de usucapião. Ausência de discussão a respeito de relação empregatícia. Competência da Justiça Comum e não da Justiça do Trabalho.

Destaque:

Compete à Justiça Comum Estadual (e não à Justiça do Trabalho) o julgamento de ação de usucapião de bem imóvel em que a posse exercida pela parte usucapiente supostamente decorre de vínculo empregatício já extinto à época do ajuizamento.

INTEIRO TEOR:

A questão em discussão consiste em definir se a Justiça do Trabalho é ou não competente para o julgamento de ação de usucapião de bem imóvel em que a posse exercida pela parte usucapiente supostamente decorre de vínculo empregatício já extinto à época do ajuizamento. Na origem, trata-se de conflito de competência entre o Juízo de Direito da Vara Cível e o Juízo do Trabalho, originado em ação de usucapião. O conflito de competência instaurou-se em razão do vínculo empregatício mantido pelas partes anteriormente ao ajuizamento da ação de usucapião, que levou o juízo comum a declinar da competência ao juízo laboral. Na ação de usucapião que tem por objeto bem imóvel, o essencial corresponde à prova da posse qualificada pelo lapso temporal exigido em lei para a respectiva modalidade de usucapião. A relação jurídica que subjaz ao exercício da posse pela parte usucapiente é relevante, na medida em que pode conduzir, a depender das circunstâncias concretas, ao julgamento de improcedência do pedido, se, por meio dela, houver a descaracterização do animus domini. Limitando-se a pretensão à declaração de domínio, sem que a discussão esteja especificamente relacionada ao vínculo empregatício e à míngua de qualquer outra situação que poderia atrair a competência da justiça especializada, deve a ação tramitar no juízo cível comum.

PRIMEIRA TURMA

Processo:

REsp 2.032.814-RS , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Rel. para acórdão Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por maioria, julgado em 10/6/2025, DJEN 30/6/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema:

Transação tributária. Renúncia para fins de adesão. Silêncio da legislação. Condenação em honorários advocatícios com base no art. 90 do CPC/2015. Não cabimento. Princípios da segurança jurídica, da boa-fé, da proteção e da confiança. Violação.

Destaque:

A cobrança, pela Fazenda Pública, de honorários advocatícios sem previsão na legislação que instituiu as condições da transação tributária viola os princípios da segurança jurídica, da boa-fé do administrado e da proteção da confiança.

INTEIRO TEOR:

Discute-se, no caso, se a parte recorrida, que renunciou ao direito pleiteado na presente ação como condição para aderir à transação tributária prevista na Lei n. 13.988/2020, deve ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios, com base no artigo 90 do Código de Processo Civil/2015, aplicado subsidiariamente. Dentre os compromissos a serem assumidos pelo administrado/contribuinte na celebração da transação, previstos no art. 3º da Lei n. 13.988/2020, está a renúncia do direito objeto do litígio, independentemente de qual ação judicial está sendo utilizada para discutir o valor cobrado pelo fisco. O parágrafo 1º deixa evidente que o administrado/contribuinte deve aceitar todas as condições estabelecidas na Lei e sua regulamentação, confessando o débito. Diferentemente de outros acordos que possam ser realizados, os dispositivos legais transcritos deixam clara a supremacia da Fazenda Nacional na celebração da transação, ao fixar suas condições no edital que a parte aderirá ou não. Não há negociação e sim o aceite ou não pelo administrado/contribuinte das condições impostas, ou seja, não há horizontalidade na relação. Por sua vez, quanto à incidência dos honorários advocatícios na renúncia, pelo contribuinte, das ações judiciais nas quais o valor transacionado está sendo discutido a Lei n. 13.988/2020 é omissa. Assim, essa é a questão que se coloca: realizada a adesão do contribuinte à transação, em caso de silêncio da respectiva lei regente, deve ser aplicado subsidiariamente o CPC/2015, como lei geral, para arbitramento de honorários quando da renúncia ao direito em que se fundam ações judiciais em andamento? A transação apresenta verdadeira novação em relação ao crédito tributário que estava sendo discutido judicialmente. Toma-se o valor do crédito, divide-se pelo número de parcelas, e eis o valor que será cobrado do contribuinte. Não é possível admitir que, após a transação, se venha a incluir no montante transacionado novos valores não previstos na lei que a instituiu nem no edital com o qual o contribuinte concordou. A cobrança de honorários advocatícios não previstos no instrumento de transação - elaborado pela própria Fazenda Nacional - viola os princípios da boa-fé e da não-surpresa. Nessa esteira de raciocínio está o venire contra factum proprium, implícito na cláusula geral da boa-fé objetiva, pois não há previsão de honorários na lei que rege a matéria nem na Portaria da transação elaborada pela própria Fazenda Nacional. Assim, não cabe a ela requerer ao Poder Judiciário que supra uma lacuna que ela mesma criou. Não se trata aqui de negar vigência ao art. 90 do CPC/2015, que versa sobre a incidência de honorários sucumbenciais em caso de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação. É que a renúncia, em geral, é o ato unilateral da parte, a qual havia ingressado em Juízo e, por qualquer razão, desejou deixar de litigar. Aplica-se a regra geral do CPC/2015. Contudo, no caso da transação tributária, o negócio jurídico realizado tem todas as suas condições estabelecidas na nova lei que a instituiu. E elas estão todas previstas no artigo 3º da Lei n. 13.988/2020 e respectivas regulamentações. No tocante ao princípio da segurança jurídica, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que: "a proteção da confiança no âmbito tributário, uma das faces do princípio da segurança jurídica, prestigiado pelo CTN, deve ser homenageada, sob pena de olvidar-se a boa-fé do contribuinte, que aderiu à política fiscal de inclusão social, concebida mediante condições onerosas para o gozo da alíquota zero de tributos." (REsp 1.928.635/SP, rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 16/8/2021). Aqui a renúncia não é totalmente voluntária. É uma condição para a realização da transação a que o contribuinte aderiu, como a própria Fazenda Nacional alega em seu recurso especial. Por isso, somente podem ser incluídos no instrumento de transação as verbas expressamente previstas na legislação que a permitiu. Ou seja, a situação foge ao que ordinariamente se encontra, e não se pode aplicar a regra do CPC/2015 de forma subsidiária. Aplica-se o art. 171 do Código Tributário Nacional: somente valem as condições expressas na lei. Desse modo, sem previsão na legislação que instituiu as condições da transação, a Fazenda Pública não pode cobrar honorários sem violar os princípios da segurança jurídica, da boa-fé do administrado e da proteção da confiança. O silêncio da norma quanto à aplicação de honorários advocatícios não permite a aplicação do artigo 90 do CPC/2015 ao caso, pelas razões já expostas. Sendo assim, o fato de a Lei n. 13.988/2020 e a Portaria PGFN n. 14.402/2020 silenciarem a respeito da inclusão de honorários sucumbenciais por ocasião da renúncia em ações em andamento não constitui uma omissão a ser suprida pela aplicação subsidiária do CPC/2015. É um silêncio deliberado, que leva à aplicação da lei especial, o art. 171 do CTN e a lei específica que regula a transação e exclui a aplicação da lei geral. Lei n. 13.988/2020, art. 3º, § 1º. Código de Processo Civil (CPC/2015), art. 90. Código Tributário Nacional (CTN), art. 171. Portaria PGFN n. 14.402/2020.

SEGUNDA TURMA

Processo:

REsp 1.694.816-SC , Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 3/6/2025, DJEN 9/6/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema:

Declaração de importação. Erro na classificação fiscal da mercadoria importada (NCM diverso). Recolhimento dos tributos, globalmente considerados, em quantia superior ao efetivamente devido. Multa indevida. Reconhecimento.

Destaque:

A imposição de multa pela inobservância de um dever instrumental, especificamente o relacionado à prestação de informações eventualmente imprecisas pelo contribuinte, não dispensa a verificação, em concreto, do comprometimento ou do embaraço, em qualquer extensão, da atividade fiscalizatória do ente que tributa e, principalmente, da correta arrecadação.

INTEIRO TEOR:

A controvérsia centra-se em saber se foi adequada, ou não, a imposição, pela fiscalização aduaneira, de multa à empresa importadora que, ao proceder à Declaração de Importação, classificou erroneamente a mercadoria (em NCM - Nomenclatura Comum do Mercosul - diversa da que veio a ser retificada pela administração), a ensejar o recolhimento de Imposto de Importação (II), de PIS-Importação e de COFINS-Importação e de Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) em alíquotas diversas, porém, em valores superiores aos que efetivamente devidos (considerados os tributos globalmente). As obrigações tributárias acessórias constituem deveres formais impostos pela legislação tributária, sem conteúdo econômico e permanentes (por não se exaurir com o seu cumprimento), destinadas a viabilizar, ao ente competente para instituir tributos, as condições materiais necessárias ao exercício do controle e fiscalização, voltado à correta arrecadação destes. Ainda que a obrigação acessória subsista independentemente da existência de obrigação tributária principal, do que sobressai nítido seu viés instrumental. É dizer, a obrigação acessória subsiste, independentemente da obrigação principal; mas só existe em função desta. Evidenciado, nesses termos, o caráter instrumental da obrigação acessória, voltada a auxiliar a administração tributária no exercício do controle e da fiscalização, a viabilizar a correta arrecadação de tributos, a análise a respeito de seu descumprimento, com as consequências legais daí advindas (notadamente, a imposição de penalidade), deve, necessariamente, considerar o atingimento ou não de suas finalidades precípuas. Na hipótese, a Declaração, tal como levada a efeito pela contribuinte, não embaraçou, em nenhuma extensão, o exercício da atividade fiscalizatória e, principalmente, não culminou no recolhimento a menor dos tributos incidentes na operação de importação em exame - finalidade última e fundamental da Administração fiscal e da lei de regência ao instituir as obrigações acessórias -, inexistindo qualquer prejuízo ao ente tributante. Independentemente do fato de os tributos incidentes possuírem fatos geradores diversos, devendo-se considerá-los individualmente, referem-se, indiscutivelmente, à mesma operação de importação de mercadorias, objeto de uma única Declaração de Importação. Desse modo, a Administração aduaneira, ao determinar a retificação da Declaração de Importação e conferir a regularidade dos valores recolhidos pela contribuinte, não poderia desconsiderar o fato de que estes, na verdade, excederam ao valor devido (retificado), sobretudo para impor sanção pecuniária ao contribuinte. Descabida, assim, a tese defensiva expendida pela Fazenda Nacional acerca de uma suposta "pretensão de compensar tributos administrados pela Receita Federal, ao arrepio da lei". Sendo assim, refoge da razoabilidade e da proporcionalidade - preceitos balizadores da atuação administrativa - admitir possa o contribuinte, a despeito de recolher os tributos atinentes à mesma Declaração de Importação em valor superior ao efetivamente devido, remanescer em débito e, ainda, ser penalizado em multa.

TERCEIRA TURMA

Processo:

REsp 2.163.919-PR , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 19/5/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Legado de renda vitalícia. Termo inicial para exigibilidade do pagamento. Data da abertura da sucessão. Arts. 1.923 e 1.926 do CC.

Destaque:

É possível exigir, aos herdeiros instituídos pelo testador, o pagamento de legado de renda vitalícia desde a abertura da sucessão, independentemente de conclusão do inventário.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia em saber se é possível exigir, aos herdeiros instituídos pelo testador, o pagamento de legado de renda vitalícia desde a abertura da sucessão, independentemente de conclusão do inventário. Conforme estabelece o art. 1.923, caput, do Código Civil (CC), "desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva". Ademais, dispõe o art. 1.926 do diploma civil que "se o legado consistir em renda vitalícia ou pensão periódica, esta ou aquela ocorrerá da morte do testador". Ambos os artigos preveem que o legatário recebe a propriedade do bem legado desde a abertura da sucessão; a posse, porém, não se dará automática, pois dependerá da transmissão do legado pelo herdeiro. Com efeito, o legado constitui dívida da herança e se cumpre por meio do herdeiro, que realiza a transmissão da posse ao legatário. Assim, embora seja certo que a propriedade do legado de renda vitalícia é devida desde a abertura da sucessão, questiona-se o momento em que pode o legatário exigir a transmissão da posse - é dizer, o pagamento do valor. Em regra, caberá ao legatário pedir aos herdeiros o legado após o julgamento da partilha, tendo em vista que esse é o momento em que se verifica a possibilidade de cumprimento das disposições testamentárias após a dedução do passivo do monte, quando são individualizados os quinhões hereditários e determinados os pagamentos dos legados. No entanto, especificamente para o legado de renda, instituto cuja natureza é de garantir a subsistência do legatário, o pagamento somente após a ultimação da partilha, considerando a morosa realidade de tais procedimentos, parece não conferir solução prática razoável. A doutrina, ao analisar a matéria disposta no Código Civil de 1916, observa que a regra prevista no art. 1.695 daquele diploma legal estabelecia que, se o legado de renda fosse de quantia certa, em prestações periódicas, dataria da morte do testador o primeiro período. O testador teria liberdade para dispor de forma diversa em testamento, elegendo o início do pagamento a partir da conclusão do inventário, por exemplo, se fosse essa sua vontade. Não o fazendo, a regra jurídica é dispositiva. Assim, é prerrogativa do testador a eleição pelo termo inicial do pagamento do legado de renda vitalícia. No seu silêncio, considerar-se-á o seu início a data da abertura da sucessão, como assim determina o art. 1.926 do CC. Ademais, o legado de renda, em regra, tem natureza assistencial, pois busca garantir a subsistência daquele que dependia economicamente do falecido. Dessa forma, a interpretação sistemática do instituto do legado de renda vitalícia, dada sua natureza assistencial aproximada ao legado de alimentos, permite concluir que o cumprimento do encargo caberá ao onerado, desde o falecimento do testador, na proporção de seu quinhão hereditário, independentemente da conclusão do inventário. Código Civil (CC/2002), art. 1.923, caput; e art. 1.926 Código Civil (CC/1916), art. 1.695

Processo:

REsp 2.183.144-SE , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 1°/4/2025, DJEN 7/4/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Interveniente. Incorporação imobiliária. Terreno oferecido em garantia do empreendimento. Desmembramento posterior. Construção de unidades. Substituição por novas matrículas individualizadas. Extinção da garantia. Reconhecimento. Ilegitimidade passiva configurada.

Destaque:

No caso de incorporação imobiliária, o interveniente garantidor hipotecante não possui legitimidade passiva no caso de o imóvel objeto da garantia contratual ter sido substituído pelas diversas unidades autônomas.

INTEIRO TEOR:

A responsabilidade do interveniente hipotecário está restrita ao bem oferecido como garantia e não à sua pessoa, que não comprometeu seu patrimônio além daquele indicado no instrumento contratual. No caso concreto, apesar da inclusão do garantidor ter sido justificada pela qualidade de interveniente hipotecante, sua manutenção no polo passivo da execução não se mantém, pois o imóvel objeto da garantia contratual foi substituído por diversas unidades autônomas. Ademais, as unidades recebidas pelo garantidor em contrato de permuta realizado com a construtora também não podem ser objeto de penhora, já que as hipotecas que incidiam sobre os apartamentos foram baixadas por decisão judicial transitada em julgado.

Processo:

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2025, DJEN 16/6/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO BANCÁRIO

Tema:

Fraude bancária. Arranjo de pagamento. Ação de reparação de danos ajuizada por instituição bancária contra credenciadora. Alegação de falha no credenciamento de usuários. Inobservância de obrigações legais e regulamentares. Indeferimento do pedido de produção de provas. Sentença de improcedência por falta de provas. Cerceamento de defesa configurado. Prova pericial. Necessidade.

Destaque:

A credenciadora de arranjo de pagamentos pode responder por prejuízos decorrentes de fraude em caso de falha no credenciamento de usuários, sendo necessária a realização de prova pericial, com foco nas áreas de compliance e de gestão de riscos, para apurar eventual inobservância de obrigações legais e regulamentares.

INTEIRO TEOR:

Ressalta-se, de início que o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de descrever o papel dos diversos agentes que integram os denominados meios ou arranjos de pagamento, a partir do conteúdo extraído de cartilha disponibilizada pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). De acordo com a referida publicação, incumbe à credenciadora: i) habilitar os lojistas a aceitarem pagamentos com instrumentos de pagamento/cartões com os quais possui relacionamento contratual, além de habilitar facilitadores de pagamento, que fazem a ponte entre o lojista e a credenciadora; ii) implantar rede de captura e terminais eletrônicos, máquinas de venda (POS e outros equipamentos), que são locados ou vendidos aos lojistas para realizar transações de pagamento com instrumentos de pagamento/cartões, e iii) efetuar pagamentos aos lojistas (liquidação de transação). A partir da análise dessa mesma estrutura, esta Corte Superior já teve a oportunidade de examinar algumas demandas em que contendiam i) o portador e o emissor (REsp 1.898.812/SP e REsp 1.633.785/SP); ii) o lojista, a credenciadora e a subcredenciadora (REsp 1.990.962/RS), e iii) o lojista e a credenciadora (REsp 2.180.780/SP e REsp 2.036.764/SP). No caso em apreço, diferentemente, o litígio se estabeleceu entre o emissor e a credenciadora, estando a causa de pedir atrelada à atividade de credenciamento de usuários. A esse respeito, é importante ressaltar que, na atualidade, o credenciamento de novos usuários das conhecidas maquininhas de pagamento (Point Of Sale e outros tipos de equipamento) não se restringe a lojistas, com todas as características inerentes à atividade comercial, não sendo incomum encontrar esse tipo de equipamento com vendedores ambulantes, com pequenos prestadores de serviços de forma não habitual e não profissional e até com os conhecidos "flanelinhas", que delas se utilizam para recebimento de gorjetas, tamanha a facilidade de acesso e credenciamento. Também é importante salientar que o uso das referidas maquininhas não está mais restrito a operações de crédito e débito, sendo possível, atualmente, realizar pagamentos via "QR Code" e "Pix", mediante utilização conjugada do equipamento fornecido pela credenciadora com o aplicativo bancário do cliente, além de diversas outras operações (antecipação de recebíveis, geração de relatórios de vendas, gestão de estoque etc.). Diante desse expressivo aumento de operações possíveis, diversas normas foram e continuam sendo constantemente editadas pelas autoridades competentes com o intuito de regulamentar esse setor, surgindo, a partir delas, diversas obrigações para todos os personagens envolvidos. Esse cenário não seria diferente para as entidades credenciadoras, que, além de estarem obrigadas a prestar informações aos diversos órgãos de fiscalização, dos mais variados setores (tributário, financeiro etc.), estão submetidas a um emaranhado de normas regulamentares, a exemplo da Resolução BCB nº 150, de 6 de outubro de 2021, e às próprias disposições da Lei nº 12.865/2013. No caso, o autor afirma que a credenciadora ré não teria observado esses deveres legais e regulamentares a ela impostos ao permitir o credenciamento de um agente fraudador, em favor de quem teriam sido efetuados diversos pagamentos indevidos. É importante recordar que os arranjos de pagamento constituem operação de alta complexidade, resultante da pluralidade de contratos que se inter-relacionam com vistas a alcançar um objetivo comum. Dessa complexa teia de relações jurídicas, exsurgem responsabilidades para todos os entes envolvidos no arranjo de pagamento - portador, emissor, bandeira, credenciador, subcredenciador e lojista, - sendo igualmente certo que, para o sucesso de atos fraudulentos, todos eles podem concorrer, ao menos com culpa. Diante desse cenário, além de responder perante o lojista por falhas no processamento de transações de pagamento realizadas com os instrumentos que elas disponibilizam (maquininhas), as credenciadoras também poderiam, em tese, responder perante os demais entes envolvidos em tais operações na hipótese de comprovação de falha no credenciamento de usuários. Com efeito, em casos de fraudes, a credenciadora pode ser responsabilizada por danos aos demais integrantes do arranjo de pagamento caso não ofereça segurança mínima e não cumpra as disposições regulamentares, podendo sua responsabilidade também exsurgir das próprias disposições contratuais entabuladas entre ela e os demais personagens envolvidos em tais operações. Nesse contexto, a realização de prova pericial, com foco nas áreas de compliance e de gestão de riscos, mostra-se necessária para apurar se a credenciadora de arranjos de pagamento, no desempenho de sua atividade, não vem cumprindo suas obrigações legais e regulamentares.

Processo:

REsp 2.182.362-SP , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2025, DJEN 17/6/2025.

Ramo do Direito:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Tema:

Recuperação judicial. Plano aprovado pela Assembleia Geral de Credores. Previsão de índice de correção monetária. Posterior revisão judicial. Impossibilidade. Autonomia privada dos credores.

Destaque:

Não é possível a posterior revisão judicial do índice de correção monetária estabelecido no plano de recuperação judicial regularmente aprovado pela Assembleia Geral de Credores e homologado judicialmente.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia em saber se é possível a revisão judicial do índice de correção monetária estabelecido no plano de recuperação judicial regularmente homologado. Embora a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ, no REsp 2.081.432/SC, tenha uniformizado o entendimento de que a taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) não pode ser adotado como índice de correção monetária em contratos bancários, por não representar a desvalorização do valor da moeda em razão da inflação, forçoso reconhecer que este entendimento não se estende aos casos em que referida taxa foi prevista no plano de recuperação judicial, regularmente aprovado pela Assembleia Geral de Credores e homologado. Isso porque, o controle da legalidade é a atividade jurisdicional voltada à verificação da regularidade formal e material do plano de recuperação, em respeito às normas legais e constitucionais, sem interferência na autonomia privada dos credores, salvo em casos de flagrante ilegalidade, abusos ou vícios que comprometam o interesse público ou os direitos indisponíveis. Por seu turno, o juiz não pode rejeitar o plano com base em juízo subjetivo de viabilidade econômica, pois isso compete exclusivamente aos credores, nem alterar cláusulas do plano, exceto se forem ilegais. E, no caso dos autos, não foi constatado nenhum abuso ou ilegalidade que justificasse a intervenção do Poder Judiciário no mérito da decisão negocial deliberada pelos credores no 5º Aditivo do Plano, homologado em 02.02.2022 e juntado no REsp 2.193.929/SP. Não obstante as recuperandas impugnarem a taxa CDI utilizada como remuneração do capital, não há como desconsiderar que o aditivo foi apresentado pela própria empresa recuperanda, portanto, sabedora do impacto que essa escolha poderia resultar ao longo dos anos. Na recuperação judicial, a boa-fé fica ainda mais acentuada na execução do plano aprovado, de modo que a alteração unilateral de alguma de suas cláusulas pelas devedoras causaria flagrante desequilíbrio e insegurança jurídica, em um ato que pressupõe renúncia e perda financeira dos credores em prol do soerguimento da empresa. Desse modo, a pretensão de mudança de índice após a aprovação (e cumprimento parcial) do plano esbarra no princípio da boa-fé, que exige lealdade, transparência, cooperação e confiança mútua entre as partes. Aliás, essa conduta processual contraditória não pode ser legitimada em decorrência do princípio do venire contra factum proprium, considerado como um desdobramento da boa-fé objetiva. Nesse sentido, o STJ já se manifestou expressamente sobre a impossibilidade de revisão judicial do índice de correção monetária estabelecido no plano de recuperação homologado (AgInt no REsp 2.107.336/SP, relator Ministro Marco Aurélio Belizze, Terceira Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024). Dessa forma, no caso em análise, tendo-se em vista que os temas discutidos no plano relativos a correção monetária e os juros enquadram-se nas matérias passíveis de deliberação entre os credores e devedores, fica afastada a possibilidade de revisão judicial do índice estabelecido no plano que foi regularmente aprovado.

QUARTA TURMA

Processo:

REsp 1.986.335-SP , Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/4/2025, DJEN 10/4/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL

Tema:

Publicação em rede social. Crítica de viés político. Pessoa pública. Direitos de personalidade reduzido. Danos morais indevidos.

Destaque:

Críticas políticas relacionadas a fatos de interesse geral não geram danos morais, notadamente, se a pessoa pública for ré em várias ações de improbidade administrativa e não ficar demonstrada a intenção de propagar informação inverídica (fake news).

INTEIRO TEOR:

O uso da internet fundamenta-se no respeito à liberdade de expressão, de comunicação e de manifestação do pensamento e impõe a observância de diversos princípios previstos na Lei n. 12.965/2014 e na Constituição Federal. Consoante o art. 220, caput da CF, a livre manifestação do pensamento não é direito absoluto. Assim, considera-se abusiva a expressão se tiver por objeto promover ofensa, difamação ou injúria, pois em dissonância com garantias constitucionais de proteção à honra, à imagem e à privacidade. A publicação em questão consistia em uma foto do então político com os dizeres: fulano de tal é réu no maior caso de corrupção da história do estado. Entende-se que a fake news de conteúdo ilícito e causadora de ofensa a pessoa ou coletividade causa dano indenizável, devendo ser repudiada. Por sua vez, há indicativo de afastamento da característica de fake news quando a publicação feita nas redes sociais foi notícia veiculada por vários meios de comunicação. Nesse contexto, a esfera de proteção dos direitos da personalidade de pessoas públicas é reduzida, especialmente quando se trata de críticas políticas relacionadas a fatos de interesse geral e conexos com a atividade desenvolvida pela pessoa noticiada. No caso, a publicação não desbordou do exercício do direito à liberdade de expressão, configurando mera crítica política, uma vez que a notícia que consta da postagem foi amplamente divulgada na época e que o demandante era réu em várias ações de improbidade administrativa, sendo assim, ela não se qualifica como fake news. Constituição Federal (CF), art. 220, caput Lei n. 12.965/2014

QUINTA TURMA

Processo:

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 26/3/2025, DJEN 2/4/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL

Tema:

Dosimetria da pena. Maus antecedentes. Longo prazo decorrido entre os delitos. 10 (dez) anos. Afastamento da circunstância. Aplicação do direito ao esquecimento. Possibilidade.

Destaque:

O direito ao esquecimento pode ser aplicado para afastar a valoração negativa de antecedentes criminais muito antigos, considerando um prazo de 10 anos entre a extinção da pena e a prática do novo delito.

INTEIRO TEOR:

A questão em discussão consiste em saber se o direito ao esquecimento pode ser aplicado para afastar a consideração de maus antecedentes, considerando o tempo decorrido entre a extinção da pena de crime anterior e a prática do novo delito. O legislador não estipulou um prazo para a delimitação dos efeitos dos antecedentes, como fez com a agravante da reincidência, para a qual previu o prazo de 5 (cinco) anos, contados entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior (art. 64, I, do CP). Sucede que a leitura do art. 59 do CP deve ser feita tomando como base a Constituição da República, que, em seu art. 5º, XLVII, b, veda, expressamente, sanções de caráter perpétuo, bem como a finalidade da ressocialização da pena. Esta previsão demonstra, claramente, a preocupação do legislador em limitar, temporalmente, os efeitos da condenação. Quanto ao tema, o Supremo Tribunal Federal, no RE n. 593.818/SC, sob o regime da repercussão geral (Tema 150), pacificou a compreensão de que: "Não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal, podendo o julgador, fundamentada e eventualmente, não promover qualquer incremento da pena-base em razão de condenações pretéritas, quando as considerar desimportantes, ou demasiadamente distanciadas no tempo, e, portanto, não necessárias à prevenção e repressão do crime, nos termos do comando do artigo 59, do Código Penal." Destarte, alinhando-se com este entendimento, a teoria do direito ao esquecimento passou a ser reconhecida em alguns julgados da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, para afastar a configuração dos maus antecedentes quando as condenações utilizadas são muito antigas. Outrossim, ciente de que a neutralização da vida pregressa deve ser feita em etapas, no silêncio do legislador, convencionou-se a adoção do prazo de 10 (dez) anos, contados entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, para a aplicação da denominada teoria do direito ao esquecimento, em tenção ao direito à ressocialização e ao princípio da dignidade da pessoa humana. No ponto, cabe ponderar que esta delimitação temporal não é estanque e objetiva, permitindo uma apreciação discricionária do magistrado, em consonância com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Além do mais, a menção a este prazo não viola o princípio da legalidade, pois não há uma atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, mas como instância garantidora dos direitos fundamentais, na medida em que o objetivo é proteger o indivíduo contra uma omissão do Poder Legislativo que pode lhe acarretar a eternização da pena. Dessa forma, o direito ao esquecimento pode ser aplicado e o cômputo do prazo (10 anos) para a sua aplicação, em relação aos antecedentes, é realizado entre extinção da pena anteriormente imposta e a prática do novo delito. Código Penal (CP), art. 59 e art. 64, I Constituição Federal (CF), art. 5º, XLVII, b Tema n. 150/STF

Processo:

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/4/2025, DJEN 24/4/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL

Tema:

Sentença penal condenatória. Transito em julgado. Correção de erro material ex officio . Perda de cargo público. Reformatio in pejus . Impossibilidade.

Destaque:

A correção de erro material em sentença penal condenatória, após o trânsito em julgado, não pode ser realizada de ofício, pois configura reformatio in pejus.

INTEIRO TEOR:

A questão consiste em saber se a correção de erro material em sentença penal condenatória, após o trânsito em julgado, realizada de ofício pelo juiz configura reformatio in pejus. No caso, após o trânsito em julgado da condenação e a expedição de guia de recolhimento, o escrivão da vara solicitou ao Juízo orientações sobre qual órgão público oficiar acerca da perda do cargo do sentenciado. Isso porque o réu, ao tempo dos fatos, ocupava dois cargos públicos, um estadual e outro municipal, circunstância ignorada na sentença condenatória que decretou a perda do cargo de servidor público municipal, não obstante todo o cenário dos autos darem conta de que o crime ocorreu no contexto da ocupação do cargo público estadual. A magistrada sentenciante compreendeu se tratar de mero erro material (erro de digitação) em sentença condenatória já acobertada pela coisa julgada, decidindo, de ofício, sanar o vício para, nos termos do art. 92, inciso I, a, do Código Penal, declarar a perda do cargo de servidor público estadual, em evidente prejuízo ao réu, uma vez que a correção realizada na sentença lhe causou a perda do cargo de maior remuneração. De fato, no caso, correto seria a declaração de perda do cargo de servidor público estadual. No entanto, não é possível a alteração manejada pelas instâncias ordinárias. A coisa julgada constitui garantia individual, inserta expressamente no texto constitucional (art. 5º, inciso XXXVI, da CF), sendo a revisão criminal, que também possui a mesma natureza de garantia constitucional, o instrumento adequado para sanar erros judiciários em casos excepcionais na esfera penal, nos termos das disposições do art. 621 do Código de Processo Penal. O Tribunal de origem, ao entender que a correção de erro material não se sujeita aos institutos da preclusão e da coisa julgada por constituir matéria de ordem pública cognoscível de ofício e a qualquer tempo pelo julgador, utilizou-se de compreensão proferida no âmbito do direito processual civil. No entanto, "[t]ratando-se, como se trata, de Direito Penal adjetivo, não se pode falar em correção ex officio de 'erro material', mormente em detrimento do réu". Isto porque, "[n]a esfera penal prevalece o princípio do non reformatio in pejus que impede o agravamento da situação do réu sem uma manifestação formal e tempestiva da acusação nesse sentido". Nesse contexto, conclui-se que "seja por nulidade absoluta, seja por erro material, não se pode agravar (quantitativamente ou qualitativamente) a situação do réu sem recurso próprio do acusador, sob pena de configurar indevida revisão criminal pro societate." (HC 257.376/PB, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 26/3/2013). Desse modo, trata-se de situação em que a correção do erro material, além de indevida, inclusive por violação ao princípio da não surpresa, que busca evitar que as partes sejam surpreendidas por decisões ou atos judiciais que não foram objeto de prévia discussão, caracterizou evidente reformatio in pejus, na medida em que a situação do réu foi realmente agravada, sendo, portanto, nula decisão que reformou a sentença condenatória. Constituição Federal (CF), art. 5º, inciso XXXVI Código de Processo Penal (CPP), art. 621 Código Penal (CP), art. 92, inciso I, a

Processo:

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2025, DJEN 16/6/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL

Tema:

Abandono material. Art. 244 do Código Penal. Incidência da agravante do art. 61, II, f , do Código Penal. Prevalência de relações domésticas e de coabitação. Possibilidade.

Destaque:

A agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea "f", do Código Penal, aplica-se ao crime de abandono material quando este ocorre em contexto de relações domésticas e de coabitação.

INTEIRO TEOR:

A agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal é de natureza objetiva e visa a recrudescer a censurabilidade da conduta delitiva em contextos de relações de proximidade e vulnerabilidade intensificada. As relações domésticas referem-se àquelas estabelecidas entre membros de um núcleo familiar, independentemente de vínculo consanguíneo, sendo suficiente a convivência sob laços de afetividade e assistência mútua. Trata-se de conceito amplo, abrangendo situações em que há dependência material ou emocional, sendo prescindível a existência de parentesco formal. A coabitação, por sua vez, denota a partilha de um mesmo espaço habitacional, caracterizando uma convivência sob o mesmo teto que, por sua própria natureza, propicia um ambiente de controle e influência recíproca. É nesse cenário de proximidade cotidiana que se potencializam os riscos de abusos e violências, o que justifica, sob a ótica do legislador, a exacerbação da resposta penal quando da prática de ilícitos sob essas circunstâncias. No que tange ao abandono material, tipificado no art. 244 do Código Penal, cuida-se de crime omissivo próprio, cuja consumação prescinde de resultado naturalístico, bastando a conduta negativa do agente em prover os meios de subsistência aos seus dependentes legais. A reprovabilidade do tipo penal assenta-se na quebra do dever jurídico de assistência material, especialmente em contextos de vulnerabilidade acentuada. A análise dos fundamentos normativos da agravante permite vislumbrar que sua aplicação transcende a mera constatação de vínculo familiar ou de coabitação. A prevalência de relações domésticas ou de convivência sob o mesmo teto, quando utilizada como instrumento de controle, dominação ou abuso para perpetração do abandono material, eleva a reprovabilidade da conduta. No caso em análise, a situação de abandono e negligência ficou evidenciada, pois as vítimas (crianças em situação de extrema vulnerabilidade) eram submetidas a condições de vida indignas, marcadas pela privação de alimentação adequada, falta de higiene básica e ausência de cuidados médicos essenciais. A coabitação entre os acusados (a mãe e o padrasto) e as vítimas é aspecto determinante para a aplicação da referida majorante. Isso porque, a convivência sob o mesmo teto, revela que a exposição das crianças à situação de abandono se dava em ambiente doméstico, espaço que, por natureza, deveria representar segurança e proteção. Nesse contexto, a responsabilidade dos acusados, por serem os responsáveis diretos, transcende a mera obrigação legal de sustento, alcançando o campo da tutela integral e contínua, que se manifesta no dever de cuidado, zelo e assistência. Com efeito, o vínculo de convivência doméstica acentua a gravidade da omissão, uma vez que a exposição constante das vítimas à situação de negligência reforça a vulnerabilidade, potencializando os efeitos deletérios da conduta omissiva. Diante desse panorama, indiscutível a aplicação da agravante, haja vista a coexistência dos requisitos normativos previstos no art. 61, II, f, do Código Penal: (i) a relação de coabitação entre agentes e vítimas; (ii) a preexistência de um vínculo doméstico que impunha aos acusados o dever de amparo e proteção; e (iii) a perpetração do abandono material no ambiente familiar, agravando a situação de vulnerabilidade das crianças. Código Penal (CP), arts. 61, II, f e 244

Processo:

HC 961.560-SP , Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 9/4/2025, DJEN 28/4/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL

Tema:

Crime de furto com emprego de explosivo. Conduta anterior à Lei n. 13.654/2018. Princípio da consunção. Impossibilidade. Concurso de crimes. Aplicação retroativa do § 4º-A do art. 155 do Código Penal. Legalidade.

Destaque:

Não é possível a aplicação do critério da consunção na hipótese de crime de furto praticado com emprego de explosivo em data anterior à vigência da Lei n. 13.654/2008, sendo legal, contudo, a aplicação retroativa do § 4º-A do art. 155 do Código Penal, pois constitui tipo de dupla objetividade jurídica, tutelando a incolumidade pública e o patrimônio.

INTEIRO TEOR:

A controvérsia consiste na viabilidade da aplicação do critério da consunção no crime de furto praticado com emprego de explosivo, em data anterior à vigência da Lei n. 13.654/2018, que instituiu a figura típica do § 4º-A do art. 155 do Código Penal. O critério da consunção pressupõe uma relação de necessidade ou de transitoriedade entre os tipos penais, isto é, o crime, derivado da norma consumida, deve ser fase, ou etapa, da manifestação do outro delito, norma consuntiva, ou, ainda, uma regular forma de transição para o crime consuntivo, conforme a formulação da doutrina sobre a matéria. Assim, o delito-meio, menos grave, é absorvido pelo delito-fim, mais grave. Contudo, na redação originária dos dispositivos penais em análise, não se pode afirmar que há a possibilidade de absorção do crime de explosão pelo delito de furto. Por duas razões. Não existe relação de necessidade ou de transitoriedade entre as figuras típicas, seja porque protegiam bens jurídicos diversos, seja porque o delito menos grave, o furto qualificado - punido com reclusão de 2 a 8 anos -, não poderia absorver o crime mais grave, a explosão majorada, punida de 4 a 8 anos, nos termos do art. 251, §2º, Código Penal. Na verdade, o que se tinha antes da vigência da Lei n. 13.654/2018 não era um conflito aparente de normas penais, mas concurso de crimes. Assim, prevalecia o entendimento de que o agente que praticava a conduta de furtar caixa eletrônico com emprego de explosivo respondia por furto qualificado pelo rompimento de obstáculo à subtração da coisa, nos termos do art. 155, § 4º, Código Penal, em concurso formal impróprio com o crime de explosão majorada, nos moldes do art. 251, § 2º, Código Penal. Diante da correção da aplicação do concurso formal impróprio, por mais estranho que possa parecer - tendo por suposição que o legislador tinha o objetivo de recrudescer a punição para o furto com emprego de explosivo -, com a vigência da Lei n. 13.654/2018, o § 4º-A do art. 155 do Código Penal tornou mais branda a resposta penal a essa conduta específica. Note-se que, anteriormente, o agente respondia pelo art. 155, § 4º, I c /c o art. 251, § 2º do Código Penal, cuja pena mínima é de 6 anos; depois passou a responder pelo art. 155, § 4º-A do CP, cuja pena mínima é de 4 anos. Registre-se que, atualmente não é mais possível a hipótese de concurso de crimes, sob pena de violação do princípio da proibição de bis in idem. Isso porque o § 4º-A do art. 155 do Código Penal constitui tipo de dupla objetividade jurídica porquanto passou a tutelar, em figura típica única, a incolumidade pública e o patrimônio. Assim, não se verifica ilegalidade na aplicação retroativa do § 4º-A do art. 155 do Código Penal, nos termos do parágrafo único do art. 2º do Código Penal e do inciso XL do art. 5º da Constituição. Código Penal (CP), arts. 2º, 155, §4º-A e 251, §2º Constituição Federal (CF), art. 5º, XL

Processo:

REsp 2.204.582-GO , Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 20/5/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Lei Maria da Penha. Indeferimento ou revogação de medidas protetivas. Vítima de violência doméstica. Legitimidade recursal.

Destaque:

A vítima de violência doméstica possui legitimidade para recorrer de decisão que indefere ou revoga medidas protetivas de urgência.

INTEIRO TEOR:

A questão consiste em definir se a vítima de violência doméstica é parte legítima para recorrer de decisão que revoga ou indefere medidas protetivas de urgência. O Tribunal de origem, ao afastar a legitimidade da vítima para impugnar a decisão que revogou as medidas protetivas anteriormente aplicadas, consignou que "[a] vítima, ainda que acompanhada pela Defensoria Pública, não detém legitimidade para recorrer de decisão que revogou medida protetiva de urgência, porquanto não evidenciado o fundamento legal para recorrer de tal provimento judicial, nos termos do artigo 271 do Código de Processo Penal". Sobre o tema, vale destacar que o art. 19 da Lei n. 11.340/2006 assegura a mulher vítima de violência doméstica, a possibilidade de solicitar a imposição de medidas restritivas ao agressor. Seria incoerente atribuir à vítima a legitimidade processual para buscar a defesa de seus direitos, mas negar a legitimidade recursal para impugnar decisão que indefira seus pedidos. Ressalte-se que, nos termos da disposição contida no art. 19, § 5º, da Lei n. 11.340/2006, "as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência". Assim, não é difícil notar que a legitimidade recursal da vítima não pode ser limitada pela previsão contida no art. 271 do Código de Processo Penal (que disciplina a atuação do assistente de acusação), quando se trata da imposição de medidas protetivas. Isso porque a concessão não depende da ocorrência de um fato que caracterize ilícito penal, de modo que a vítima não atua propriamente como assistente de acusação, mas sim em nome próprio, na defesa de seus próprios direitos (inclusive de sua integridade física). Com efeito, não há como se afastar a legitimidade recursal da vítima de violência doméstica que tem negado o requerimento de imposição de medidas protetivas, uma vez que a própria legislação de regência lhe assegura legitimidade para pedi-las (art. 19 da Lei n. 11.340/2006), e também os meios necessários ao exercício desse direito (arts. 27 e 28 da Lei n. 11.340/2006). Restringir o acesso da vítima à instância recursal prejudica a prestação jurisdicional em questão tão sensível e complexa na vida das mulheres, que merecem a máxima efetividade das disposições contidas na Lei Maria da Penha. Ademais, é importante destacar que a jurisprudência desta Corte Superior há muito tem se debruçado sobre o instituto da intervenção de terceiros e da própria legitimidade recursal no âmbito do processo penal, sobretudo no que diz respeito ao assistente de acusação. Nessas ocasiões, tem se adotado uma interpretação sistemática das disposições do art. 271 do Código de Processo Penal, de modo a não restringir sua aplicabilidade à literalidade do dispositivo, prestigiando a maior efetividade da disposição normativa. Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), art. 19, § 5º, art. 27 e art. 28 Código de Processo Penal (CPP), art. 271

SEXTA TURMA

Processo:

HC 916.770-SC , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 30/4/2025, DJEN 7/5/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL

Tema:

Dano qualificado. Dolo específico. Animus nocendi . Necessidade. Viatura policial atingida em acidente. Dolo eventual. Insuficiência.

Destaque:

A ausência do dolo específico de deteriorar ou destruir o patrimônio público (animus nocendi) impede a condenação pelo crime de dano qualificado.

INTEIRO TEOR:

A questão em discussão consiste em saber se a configuração do crime de dano qualificado, previsto no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, exige a presença de dolo específico, ou se o dolo genérico é suficiente. Para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois deve haver o animus nocendi. Na espécie, o réu, após perder o controle da direção do veículo e colidir com um poste, atingiu a viatura policial que realizava o acompanhamento. Trata-se, portanto, de resultado acidental, decorrente da colisão anterior com o poste, não havendo indicativo de que o réu tenha dirigido deliberadamente o veículo contra a viatura policial visando a danificá-la. Com efeito, o fato de o acusado haver agido de forma imprudente no trânsito, dirigindo em alta velocidade e praticando manobras arriscadas, por si só, não caracteriza o dolo específico de danificar o patrimônio público, requisito indispensável à configuração do delito de dano. Ainda que se possa cogitar de dolo eventual em relação aos possíveis danos resultantes da condução imprudente, tal modalidade não satisfaz a exigência de animus nocendi que, como visto, configura elemento subjetivo específico do tipo. Código Penal (CP), art. 163, parágrafo único, III.

Processo:

AgRg no REsp 2.150.485-MG , Rel. Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 19/3/2025, DJEN 25/3/2025.

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Danos morais coletivos. Tráfico de drogas. Sujeito passivo indeterminado. Pedido expresso e instrução probatória específica. Necessidade.

Destaque:

A fixação de danos morais coletivos, decorrentes da prática do crime de tráfico de drogas, exige instrução probatória específica para demonstrar o abalo à esfera moral coletiva.

INTEIRO TEOR:

A discussão consiste em saber se a fixação de valor mínimo para reparação de danos morais coletivos, em casos de tráfico de drogas, exige instrução probatória específica ou se basta o pedido expresso na denúncia. A aplicação do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal quando a conduta delitiva envolve sujeito passivo determinado, como por exemplo, roubo, furto ou estelionato, impõe o atendimento de 02 (dois) requisitos mínimos: (i) o pedido expresso de indenização para reparação mínima dos danos causados pelo fato delituoso e (ii) a indicação clara do valor pretendido a esse título, sob pena de violação do princípio do contraditório e ao próprio sistema acusatório. A situação, contudo, é totalmente diversa quando se está a divisar a reparação de danos morais coletivos, relativos à infração penal cujo sujeito passivo é indeterminado, como é o caso dos autos, em que se imputa a prática do crime de tráfico de droga. Para tanto, é necessário socorrer-se do conceito de direitos e interesses transindividuais difusos e coletivos, reputados pelo art. 81, parágrafo único, inciso I e II, do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, aqueles transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ou um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a reparabilidade decorrente da violação desses direitos ou interesses transindividuais exige a demonstração da lesão à esfera moral de uma comunidade - isto é, violação de direito transindividual de ordem coletiva, de valores de uma sociedade atingidos sob o ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade (REsp 1.402.475/SE, rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 09/05/2017, DJe de 28/06/2017). Portanto, a fixação de danos morais coletivos requer instrução probatória específica para demonstrar o abalo à esfera moral coletiva, especialmente em crimes como tráfico de drogas, em que o sujeito passivo é indeterminado. Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 81, parágrafo único, inciso I e II; Código de Processo Penal (CPP), art. 387, IV.

RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO

Processo:

ProAfR no REsp 2.205.262-RJ , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 1°/7/2025, DJEN 9/7/2025. ( Tema 1367 ). ProAfR no REsp 2.201.422-RJ , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 1°/7/2025, DJEN 9/7/2025 ( Tema 1367 ). ProAfrR no REsp 2.200.477-RJ , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 1°/7/2025, DJEN 9/7/2025 ( Tema 1367 ).

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.205.262-RJ, REsp 2.201.422-RJ e REsp 2.200.477-RJ ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se na hipótese de prisão por delito cometido durante o período de prova do livramento condicional ainda não revogado, o termo inicial da nova execução será a data da prisão ou o dia seguinte ao encerramento do benefício".