Informativo do STJ 829 de 15 de Outubro de 2024
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
RECURSOS REPETITIVOS
REsp 1.966.058-AL , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024. ( Tema 1130 ). REsp 1.966.059-AL , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1130 ). REsp 1.968.284-AL , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1130 ). REsp 1.966.060-AL , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1130 ). REsp 1.968.286-AL , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1130 ). REsp 1.966.064-AL , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1130 ).
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação coletiva. Substituição processual dos sindicatos. Coisa Julgada. Abrangência. Integrantes da respectiva categoria profissional (filiados ou não). Restrição. Servidores públicos com domicílio necessário na base territorial da entidade sindical autora e àqueles em exercício provisório ou em missão em outra localidade. Tema 1130.
A eficácia do título judicial resultante de ação coletiva promovida por sindicato de âmbito estadual está restrita aos integrantes da categoria profissional, filiados ou não, com domicílio necessário (art. 76, parágrafo único, do Código Civil) na base territorial da entidade sindical autora e àqueles em exercício provisório ou em missão em outra localidade.
Cinge-se a controvérsia, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, em "definir se a eficácia do título judicial de ação coletiva promovida por sindicato de âmbito estadual está restrita aos integrantes da respectiva categoria profissional (filiados ou não) lotados ou em exercício na base territorial da entidade sindical autora". Em ações individuais, em regra, a coisa julgada, com o fim de propiciar segurança jurídica às partes e ao sistema, vincula apenas as partes do processo, conforme dicção do art. 506 do Código de Processo Civil (efeitos inter partes). No que se refere às ações coletivas, contudo, o art. 103, II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê que a sentença fará coisa julgada: "Ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81". Necessário pontuar, ainda, que a eficácia do título judicial formado é limitada à competência territorial para a jurisdição (em processo de execução, por exemplo), devendo observar critérios objetivos para que produza efeitos; enquanto a eficácia da coisa julgada, como qualidade intrínseca e inseparável à sentença transitada em julgado, é ampla. O objeto ora em análise antecede qualquer discussão acerca de efeitos territoriais ou mesmo de competência para o processamento de execuções, porque atinente, mais especificamente, à legitimidade ativa (efeito subjetivo da coisa julgada), devendo ser considerados, primordialmente, os sujeitos beneficiados pelo título, conforme a abrangência do sindicato-parte. Assim, a limitação territorial dos efeitos da sentença, para se concluir quanto à tese aqui debatida, não ocorre pelo critério geográfico propriamente, mas é corolário da substituição processual no caso dos sindicatos que, esses sim, têm sua atuação limitada conforme sua base territorial e seu registro sindical. A limitação dos efeitos do título judicial à base territorial do sindicato autor decorre, portanto, do princípio constitucional da unicidade sindical, conforme o art. 8º, II, da Constituição Federal (CF), que veda a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial. O texto constitucional impôs limites à atuação substitutiva dos sindicatos, sendo imperioso o respeito ao princípio da territorialidade, de modo que somente uma entidade sindical representativa de categoria pode existir em cada base territorial - podendo ser um município, um estado, ou todo o território nacional. Consoante o raciocínio apresentado, profissionais que não estejam dentro da mesma base territorial do sindicato, ainda que servidores federais que exerçam a mesma função em localidade diversa e vinculados a ente de outro território, não são por ele alcançados na substituição processual. Portanto, em virtude dos princípios da unicidade, da territorialidade e da especificidade, a substituição processual deve abranger os membros da categoria situados em cada base territorial, conforme registro sindical. Ressalte-se, que não é necessário que o membro da categoria seja sindicalizado ou resida no território de abrangência do sindicato. Isso porque o servidor poderá, por vontade sua ou do órgão a que pertence, ser deslocado para o exercício de suas funções em determinada localidade. Da mesma forma, um servidor federal lotado em determinado estado da federação pode trabalhar de forma remota e residir em localidade diversa. Esse servidor não poderá ser substituído pelo sindicato que defende a sua categoria exclusivamente no âmbito do estado onde reside, uma vez que está vinculado ao serviço federal exercido (ainda que em home office) junto a órgão de outro estado. Assim, os efeitos de uma decisão judicial abrangida pela autoridade da coisa julgada e proferida no bojo de uma ação coletiva teria como beneficiários os integrantes da respectiva categoria profissional (filiados ou não). Logo, para se aferir quem são os servidores beneficiários dessa decisão, necessário distinguir os conceitos de domicílio, exercício e lotação no serviço público. Não obstante a possibilidade, de modo geral, de se ter mais de um domicílio, nos termos do art. 76, parágrafo único, do Código Civil (CC), é domicílio necessário do servidor público o "lugar em que exercer permanentemente suas funções". Por local de exercício entende-se, de modo mais literal, a localidade física a que o servidor teria que se apresentar acaso trabalhasse de forma presencial. Já a lotação representa a unidade, repartição, departamento, órgão ou entidade, em que o servidor presta ou exerce as atribuições e responsabilidades de seu cargo, ou seja, a menor unidade em um órgão a que o servidor esteja vinculado. Nesse sentido, é mais adequada a utilização da terminologia "domicílio", cuja acepção decorre da lei, para o fim de se aferir os legitimados a propor o cumprimento de título executivo judicial decorrente de ação coletiva ajuizada por sindicato. Sob essa perspectiva, servidor federal com domicílio necessário em determinado estado - portanto substituído pelo sindicato de sua categoria cuja base territorial é aquele estado -, ainda que lotado e em exercício provisório em outro estado, não se beneficia do título formado a partir de ação coletiva proposta por sindicato de servidores federais do estado onde se encontra lotado provisoriamente, sendo parte ilegítima a propor o cumprimento daquela sentença. Dessa forma, o sindicato limita a sua substituição processual e atuação conforme a sua base territorial, prevista em seu registro sindical, o que legitima os servidores nela domiciliados (nos termos do art. 76, parágrafo único, do CC) a se beneficiarem da coisa julgada formada em ação coletiva em que figure como autor. A questão da localidade, portanto, resolve-se na abrangência da atuação do sindicato-autor da demanda coletiva: basta ser a ele vinculado, independentemente de filiação, para ser por ele substituído, devendo ser observada a categoria profissional e a pertinência do direito reconhecido na ação coletiva. Constituição Federal (CF), art. 8º, III Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 103, II Código de Processo Civil (CPC), art. 506 Código Civil (CC), art. 76 Súmula n. 629/STF
REsp 2.046.269-PR , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024. ( Tema 1229 ). REsp 2.050.597-RO , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1229 ). REsp 2.076.321-SP , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1229 ).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO
Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Prescrição intercorrente. Acolhimento. Extinção do feito executivo. Honorários advocatícios. Não cabimento. Princípio da causalidade. Tema 1.229.
À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei n. 6.830/1980.
A questão jurídica controvertida a ser equacionada, em julgamento submetido à sistemática dos repetitivos, diz respeito à possibilidade de fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais - LEF). A fixação da verba de advogado com base no princípio da sucumbência consiste na verificação objetiva da parte perdedora, à qual caberá arcar com o ônus referente ao valor a ser pago ao advogado da parte vencedora, e está assim previsto no art. 85, caput, do CPC/2015: "a sentença condenará o vencido a pagar os honorários ao advogado do vencedor". Já o princípio da causalidade tem como finalidade responsabilizar aquele que fez surgir para a parte ex adversa a necessidade de se pronunciar judicialmente, dando causa à lide que poderia ter sido evitada, como bem leciona a doutrina. É exatamente sob essa perspectiva - aplicação do princípio da sucumbência e/ou da causalidade - que deve ser examinado o cabimento, ou não, da fixação da verba honorária nos casos em que, após a apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado, a execução fiscal é extinta em razão da ocorrência da prescrição intercorrente. Vale destacar que a prescrição intercorrente, diferentemente da prescrição ordinária ou direta, prevista no art. 174 do CTN, cujo marco inicial consiste na constituição definitiva do crédito tributário e antecede a propositura do feito executivo, é deflagrada já no curso da execução fiscal, com a prolação da decisão de arquivamento dos autos, conforme dispõe o art. 40 da Lei n. 6.830/1980. Verifica-se que, no caput do art. 40 da Lei n. 6.830/1980, há um aspecto fundamental ao deslinde da controvérsia: a prescrição intercorrente, no âmbito da execução fiscal, pressupõe a não localização do devedor ou de bens de sua propriedade sobre os quais possa recair a penhora, situações de fato relacionadas essencialmente ao devedor e cuja constatação apenas se dará após a propositura feito executivo. É relevante pontuar, ainda, que o reconhecimento da prescrição intercorrente, nas hipóteses acima apontadas, não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução fiscal, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do executado. Assim, a constatação da prescrição no curso da execução fiscal, pelo juiz da causa, mesmo após a provocação por meio da apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado, inviabiliza a atribuição ao credor dos ônus sucumbenciais, de acordo com os princípios da sucumbência e causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação. Cabe pontuar que essa conclusão deve ser admitida mesmo que a exequente se insurja contra a alegação do devedor de que a execução fiscal deve ser extinta com base no art. 40 da LEF. Ou seja, se esse fato superveniente - prescrição intercorrente - for a justificativa para o acolhimento da exceção de pré-executividade, não há falar em fixação de verba honorária. Tese jurídica fixada: À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei n. 6.830/1980. Código Tributário Nacional (CTN), art. 174 Código de Processo Civil (CPC), art. 85, caput Lei n. 6.830/1980 (LEF), art. 40
REsp 1.914.902-SP , Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024. ( Tema 1134 ). REsp 1.944.757-SP , Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1134 ). REsp 1.961.835-SP , Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024 ( Tema 1134 ).
DIREITO TRIBUTÁRIO
Responsabilidade tributária. Adquirente de imóvel. Tributos incidentes na data da arrematação. Sub-rogação no preço. Art. 130, parágrafo único, do CTN. Previsão de responsabilidade do arrematante no edital de leilão. Irrelevância. Tema 1134.
Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação.
A questão submetida a julgamento diz respeito à "Responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários anteriores à arrematação, incidentes sobre o imóvel, em consequência de previsão em edital de leilão". Conforme o art. 146, III, da CF/1988, as normas gerais que versem sobre matéria tributária, dentre as quais se incluem a responsabilidade tributária, estão sujeitas à reserva de lei complementar. O Código Tributário Nacional, recepcionado com status de lei complementar, dedicou capítulo específico para tratar do tema, discorrendo sobre suas modalidades e esclarecendo que a lei poderá atribuir a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, a responsabilidade pelo pagamento do crédito tributário (art. 128, caput, do CTN). Especificamente em relação à responsabilidade dos sucessores, o caput do art. 130 do Código Tributário Nacional previu que, ressalvada a prova de quitação, o terceiro que adquire imóvel passa a ter responsabilidade pelos impostos, taxas ou contribuições de melhorias devidas anteriormente à transmissão da propriedade. Caso a aquisição ocorra em hasta pública, contudo, o parágrafo único excepciona a regra para estabelecer que o crédito tributário sub-rogar-se-á no preço ofertado. A partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, extrai-se que a distinção de tratamento entre a hipótese prevista pelo caput e a tratada no parágrafo único do art. 130 do CTN levou em conta o modo de aquisição da propriedade, da doutrina civilista. Na alienação comum, a aquisição do domínio ocorre de forma derivada, transmitindo-se, além do bem, os vícios, ônus ou gravames incidentes sobre ele (obrigação propter rem), tendo-se em vista a relação de causalidade existente entre a propriedade do transmitente e a sua aquisição pelo adquirente. Já na alienação judicial, por sua vez, inexiste tal relação jurídica, visto que a aquisição do domínio é feita sem intermediação entre o proprietário anterior e o terceiro arrematante, concretizando-se de forma direta, originária, isentando-se, por consequência, o arrematante de quaisquer ônus que eventualmente incidam sobre o bem. Nesse sentido, a atribuição de responsabilidade tributária a terceiro, além das hipóteses já previstas pelo Código Tributário Nacional, depende de previsão em lei complementar e da existência de vínculo entre o terceiro e o fato gerador da obrigação (art. 146, III, da CF/88 c/c art. 128, caput, do CTN). A falta de liame entre o arrematante do bem e o fato gerador da obrigação tributária não permite a inclusão desse terceiro no polo passivo da relação jurídico-tributária, quanto o mais por simples previsão no edital do leilão judicial. Frente a previsão do Código de Processo Civil de que o edital da hasta pública deve mencionar os ônus incidente sobre o bem a ser leiloado (art. 686, V, do CPC/73 e art. 886, VI, do CPC/15), o Superior Tribunal de Justiça havia firmado entendimento de que o conteúdo do art. 130, parágrafo único, do CTN deveria ser afastado quando houvesse expressa previsão no edital imputando responsabilidade tributária ao arrematante, caso em que haveria sub-rogação pessoal, e não real, do crédito tributário. Necessário considerar, todavia, que, ao especificar o conteúdo mínimo do edital da hasta pública, o Código de Processo Civil (art. 686 do CPC/73 e art. 886 do CPC/2015) não atribuiu, sequer implicitamente, responsabilidade tributária ao arrematante, como também não poderia fazê-lo. A teor do art. 146, III, b, da CF/88, lei ordinária, notadamente a de natureza processual, não se presta para disciplinar norma geral de direito tributário, que se sujeita à reserva de lei complementar. Por se tratar de um ramo do Direito Público, o arcabouço normativo que disciplina o Direito Tributário possui natureza cogente, impondo claros e expressos limites à autonomia da vontade (art. 123, do CTN). Portanto, a prévia ciência e a eventual concordância, expressa ou tácita, do arrematante em assumir o ônus das exações que incidam sobre o imóvel não têm aptidão para configurar renúncia à aplicação do parágrafo único do art. 130 do CTN. Em observância ao regime jurídico de direito público, as normas gerais de direito tributário, entre as quais se inclui a responsabilidade tributária, devem ser tratadas como tal, não podendo sofrer flexibilização por meros atos administrativos, estes sim, sujeitos ao controle de legalidade. Do mesmo modo, como a responsabilidade tributária decorre de lei, não pode o edital da praça alterar o sujeito passivo da obrigação tributária, quer para criar nova hipótese de responsabilidade, quer para afastar previsão de irresponsabilidade, sob pena de afronta aos arts. 146, III, b, da CF/88 e arts. 97, III, 121, 128 e 130, parágrafo único, do CTN. Portanto, à luz dos conceitos basilares sobre hierarquia das normas jurídicas, não é possível admitir que norma geral sobre responsabilidade tributária, prevista pelo próprio CTN, cujo status normativo é de lei complementar, seja afastada por simples previsão editalícia em sentido diverso. A partir da interpretação sistemática da legislação tributária, conclui-se que: i) a aquisição da propriedade em hasta pública ocorre de forma originária, inexistindo responsabilidade do terceiro adquirente pelos débitos tributários incidentes sobre o imóvel anteriormente à arrematação, por força do disposto no parágrafo único do art. 130 do CTN; ii) a aplicação dessa norma geral, de natureza cogente, não pode ser excepcionada por previsão no edital do leilão, notadamente porque o referido ato não tem aptidão para modificar a definição legal do sujeito passivo da obrigação tributária; iii) é irrelevante a ciência e a eventual concordância, expressa ou tácita, do participante do leilão, em assumir o ônus pelo pagamento das exações que incidam sobre o imóvel arrematado, não configurando renúncia tácita ao disposto no art. 130, parágrafo único, do CTN; e iv) em atenção à norma geral sobre responsabilidade tributária trazida pelo art. 128 do CTN e à falta de lei complementar que restrinja ou excepcione o disposto no art. 130, parágrafo único, do CTN, é vedado exigir do arrematante, com base em previsão editalícia, o recolhimento dos créditos tributários incidentes sobre o bem arrematado cujos fatos geradores sejam anteriores à arrematação. Tese jurídica firmada: Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação. Com amparo nos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, impõe-se a modulação dos efeitos desta decisão. Por aplicação analógica do art. 1.035, § 11º do CPC/2015, a tese repetitiva fixada deverá ser aplicada aos leilões cujos editais sejam publicizados após a publicação da ata de julgamento do tema repetitivo, ressalvadas as ações judiciais ou pedidos administrativos pendentes de julgamento, em relação aos quais a aplicabilidade é imediata. Constituição Federal (CF), art. 146, III Código Tributário Nacional (CTN), art. 97, III, art. 121, art. 123, art. 128, art. 130, caput e parágrafo único Código de Processo Civil (CPC), art. 886, VI, e art. 1.035, § 11º
CORTE ESPECIAL
Inq 1.721-DF , Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 2/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Inquérito. Pedido de Arquivamento. Extinção da Punibilidade. Prescrição. Juízo de Mérito. Coisa Julgada Material. Inaplicabilidade do art. 18 do CPP. Decisão que vincula órgão ministerial.
O requerimento ministerial de arquivamento de inquérito ou procedimento investigatório criminal fundamentado na extinção da punibilidade ou atipicidade da conduta exige do Judiciário uma análise meritória do caso, com aptidão para formação da coisa julgada material com seu inerente efeito preclusivo, não se aplicando as disposições do art. 18 do Código de Processo Penal.
O arquivamento do inquérito ou procedimento investigativo criminal será obrigatório, caso o membro do Ministério Público Federal que atua perante o Superior Tribunal de Justiça formalize o respectivo pedido por inexistirem suficientes elementos de materialidade, bem como autoria (ausência de base empírica) para a continuidade das investigações ou o oferecimento da peça acusatória. Por outro lado, se o requerimento ministerial de arquivamento do inquérito é fundamentado na extinção da punibilidade ou atipicidade da conduta, compete ao Judiciário uma análise meritória do caso com aptidão para formação da coisa julgada material, com seu inerente efeito preclusivo, não se aplicando as disposições do art. 18 do CPP, pois a decisão vinculará o titular da ação penal. O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência sobre o tema: "se o Poder Judiciário, ao reconhecer consumada a prescrição penal, houver declarado extinta a punibilidade do indiciado/denunciado, pois, em tal caso, esse ato decisório revestir-se-á da autoridade da coisa julgada em sentido material, inviabilizando, em consequência, o ulterior ajuizamento (ou prosseguimento) de ação penal contra aquele já beneficiado por tal decisão, ainda que o Ministério Público, agindo por intermédio de novo representante e mediante reinterpretação e nova qualificação dos mesmos fatos, chegue a conclusão diversa daquela que motivou o seu anterior pleito de extinção da punibilidade". (HC 84253, Relator Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 26/10/2004). Código de Processo Penal (CPP), art. 18
PRIMEIRA TURMA
REsp 1.808.482-RS , Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO
Repetição de indébito tributário. Título executivo judicial. Direito à restituição das parcelas cujo recolhimento indevido tenha sido comprovado. Parcelas posteriormente reconhecidas pela administração pública no cumprimento de sentença. Direito à restituição. Ofensa à coisa julgada. Inexistência.
Não ofende a coisa julgada o reconhecimento do direito a repetição do indébito de parcelas cujos adimplementos não foram comprovados pelo contribuinte na ação de conhecimento, mas cujo pagamento foi noticiado pelo ente público por meio de documento apresentado junto a impugnação ao cumprimento de sentença.
A controvérsia versa acerca de impugnação ao cumprimento de sentença apresentada por município objetivando que fossem excluídas do cálculo dos valores devidos as parcelas cujos pagamentos não foram comprovados nos autos do processo de conhecimento pela parte contribuinte. De acordo com o ente público, o acolhimento da pretensão da parte contribuinte na fase de cumprimento de sentença de restituição de parcelas do indébito que não foram devidamente comprovadas na ação de conhecimento caracterizaria a alteração do título executivo judicial em afronta à coisa julgada. No caso em discussão, foi expressamente reconhecido pelo acórdão recorrido que a condenação do ente na ação de conhecimento seria restrita à restituição do indébito correspondente às parcelas do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) comprovadamente adimplidas. Contudo, embora a parte contribuinte não tenha se desincumbido de sua obrigação de apresentar as guias comprobatórias do recolhimento do tributo, o ente público executado apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, colacionando documento emitido por agente administrativo do qual constou informação acerca dos pagamentos realizados pela parte contribuinte. Nesse sentido, observa-se que os atos administrativos são revestidos de fé pública e gozam de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, de modo que somente em situações excepcionais, e desde que haja prova robusta e cabal, pode-se autorizar a desconsideração das informações prestadas por agente administrativo; o que não se verifica no caso concreto, mormente quando o ente público recorrente não invoca dúvidas quanto à veracidade do documento que noticia o efetivo pagamento das parcelas postuladas pela parte recorrida e cujo direito à restituição já foi reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado. Segundo preconizam os artigos 371, 374, 389 e 493 do CPC, o magistrado tem o poder-dever de julgar a lide com base nos elementos suficientes para nortear e instruir seu entendimento, especialmente quando os fatos estão demonstrados de forma incontroversa, e por meio de prova documental sobre a qual milita presunção legal de veracidade, qual seja, o documento emitido pelo agente público reconhecendo expressamente o pagamento da parcela do tributo indevido, instrumento que se equipara à confissão de dívida. Dessa forma, não há a necessidade de se exigir da parte contribuinte a juntada de comprovantes de pagamento para cumprimento da sentença que declarou o direito à repetição do indébito tributário. Ademais, o ordenamento jurídico pátrio veda o enriquecimento sem causa, sendo ele caracterizado, inclusive, quando há recebimento de quantia paga indevidamente, razão pela qual não há censura a se fazer ao acórdão recorrido no ponto em que reconheceu o direito da parte contribuinte à restituição das parcelas cuja quitação indevida é inconteste. Código de Processo Civil (CPC), arts. 371, 374, 389 e 493.
TERCEIRA TURMA
REsp 2.173.088-DF , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, Dje 11/10/2024.
DIREITO CIVIL
Ação de usucapião extraordinária. Imóvel pertencente à sociedade de economia mista. Bem destinado à prestação de serviço público essencial. Imóvel público. Impossibilidade de usucapião.
Não há possibilidade de usucapião de imóvel afetado à finalidade pública essencial pertencente à sociedade de economia mista que atua em regime não concorrencial.
O propósito da controvérsia é definir se há possibilidade de usucapião de imóvel de sociedade de economia mista. Conforme entendimento do STJ, os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de economia mista ou empresa pública não podem ser objeto de usucapião quando sujeitos à destinação pública. A concepção de "destinação pública", apta a afastar a possibilidade de usucapião de bens das empresas estatais, tem recebido interpretação abrangente por parte do STJ, de forma a abarcar, inclusive, imóveis momentaneamente inutilizados, mas com demonstrado potencial de afetação a uma finalidade pública. Exemplo disso é que o STJ, conforme julgamento no REsp n. 1.874.632/AL, firmou o posicionamento de que, "mesmo o eventual abandono de imóvel público não possui o condão de alterar a natureza jurídica que o permeia, pois não é possível confundir a usucapião de bem público com a responsabilidade da Administração pelo abandono de bem público. Com efeito, regra geral, o bem público é indisponível [...]. Eventual inércia dos gestores públicos, ao longo do tempo, não pode servir de justificativa para perpetuar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de se chancelar ilegais situações de invasão de terras". Diante disso, na eventual colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro, porquanto a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável. Assim, na verificação da destinação pública de um bem pertencente a uma empresa pública ou sociedade de economia mista, deve-se observar a premissa da supremacia do interesse público sobre o privado e o potencial de utilização do bem para atender a alguma finalidade pública.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024.
DIREITO CIVIL
Ação de prestação de contas. Legitimidade ativa e interesse processual de ex-cônjuge de herdeira contra inventariante. Casamento sob regime de comunhão universal de bens. Comunicação imediata de bens a partir do óbito. Dever legal de prestação de contas atribuído ao inventariante.
O ex-cônjuge, casado em regime de comunhão universal de bens na data de abertura da sucessão do seu ex-sogro, tem legitimidade e interesse para a propositura de ação de prestação de contas contra a parte inventariante de todos os bens e direitos integrantes do quinhão hereditário de sua ex-consorte, ainda que ultimada a partilha decorrente da dissolução da sociedade conjugal.
O propósito da controvérsia consiste em definir a legitimidade ativa e o interesse processual de ex-cônjuge - casado com a filha do autor da herança em regime de comunhão universal de bens - para o ajuizamento de ação de prestação de contas em desfavor de inventariante. A ação de prestação de contas, assim denominada na vigência do revogado CPC/1973, pode ser proposta por quem tiver o direito de exigí-las, decorrendo a obrigação do inventariante de prestar as respectivas contas de expressa disposição legal (art. 919 do CPC/1973 e 553, caput, do CPC/2015). Por outro lado, o casamento contraído sob o regime de comunhão universal de bens tem como consequência a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas (art. 1.667 do CC/2002), salvo, quanto aos bens herdados, os gravados com cláusula de incomunicabilidade (art. 1.668, I, do CC/2002), dos quais, porém, são partilhados os respectivos frutos (art. 1.669 do CC/2002). Além disso, o direito sucessório pátrio rege-se pelo princípio da saisine, positivado no art. 1.784 do CC/2002, segundo o qual, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, bastando apenas a aceitação da herança para o aperfeiçoamento dessa sucessão mortis causa (art. 1.804 do CC/2002). Portanto, o ex-cônjuge, casado em regime de comunhão universal de bens na data de abertura da sucessão do seu ex-sogro, tem legitimidade e interesse para a propositura de ação de prestação de contas contra a parte inventariante, ante a comunicação imediata, a partir do óbito do autor da herança, de todos os bens e direitos integrantes do quinhão hereditário de sua ex-consorte, segundo o princípio da saisine, ainda que ultimada a partilha decorrente da dissolução da sociedade conjugal. Código Civil (CC/2002), arts. 1.667; 1.668, I; 1.669; 1.784; e 1.804 Código de Processo Civil (CPC/2015), art. 553, caput Código de Processo Civil (CPC/1973), art. 919
REsp 2.166.273-SP , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/8/2024, DJe 10/10/2024.
DIREITO CIVIL
Nulidade de negócio jurídico. Compra e venda. Terreno não registrado. Ciencia do adquirente. Contrato entre particulares. Ilicitude do objeto. Vedação legal. Negócio jurídico nulo.
A compra e venda de lote não registrado é nula, independentemente de ter sido firmada entre particulares que estavam cientes da irregularidade do imóvel no momento do negócio jurídico.
O propósito recursal é decidir se é válida a venda de lote não registrado quando o adquirente tem ciência desta irregularidade no momento da compra. Para a aplicabilidade da Lei n. 6.766/1979 é irrelevante apurar se o loteamento e o desmembramento ostentam o caráter de empreendimento imobiliário, se o vendedor atua como profissional do ramo, ou se incide relação consumerista. Não tendo o loteador requisitado a aprovação do loteamento perante a prefeitura municipal e iniciado mesmo assim a urbanização deste, estar-se-á diante do chamado loteamento clandestino ou irregular. O objeto do contrato de compra e venda de terreno não registrado é ilícito, pois a Lei n. 6.766/1979 objetiva exatamente coibir os nefastos efeitos ambientais e sociais do loteamento irregular. O art. 37 da referida lei estabelece que é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado. Tratando-se de nulidade, o fato de o adquirente ter ciência da irregularidade do lote quando da sua aquisição não convalida o negócio, pois, nessas situações, somente se admite o retorno dos contratantes ao status quo ante. Não tendo o loteador providenciado o registro do imóvel, independentemente de ter sido firmada entre particulares cientes da irregularidade do imóvel, a compra e venda de loteamento não registrado é prática contratual taxativamente vedada por lei e que possui objeto ilícito, sendo o negócio jurídico nulo, portanto. Lei de Parcelmento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979), art. 37
QUARTA TURMA
AgInt no AREsp 1.269.142-SP , Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 2/9/2024, DJe 5/9/2024.
DIREITO DA SAÚDE
Plano de saúde coletivo. Ex-empregado aposentado. Direito de permanência. Art. 31 da Lei n. 9.656/1988. Aplicação do REsp n. 1.818.487-SP. Tema 1034.
Ao ex-empregado aposentado deve ser garantido o mesmo modelo de custeio e valor de contribuição aplicados aos beneficiários ativos de plano de saúde coletivo, devendo os inativos pagarem integralmente as contribuições.
Cinge-se a controvérsia acerca da legalidade da manutenção de ex-empregado aposentado em plano de saúde coletivo. O Tribunal de origem manteve a sentença de procedência do pedido inicial, sob a seguinte fundamentação: O art. 31 da Lei n. 9.656/98 dispõe que "ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava, quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral". Sobre o tema, a Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 1.818.487-SP, sob a sistemática dos recurso repetitivos (Tema 1034), firmou a seguinte tese jurídica: "o art. 31 da Lei n. 9.656/1998 impõe que ativos e inativos sejam inseridos em plano de saúde coletivo único, contendo as mesmas condições de cobertura assistencial e de prestação de serviço, o que inclui, para todo o universo de beneficiários, a igualdade de modelo de pagamento e de valor de contribuição, admitindo-se a diferenciação por faixa etária se for contratada para todos, cabendo ao inativo o custeio integral, cujo valor pode ser obtido com a soma de sua cotaparte com a parcela que, quanto aos ativos, é proporcionalmente suportada pelo empregador". Dessa forma, a orientação adotada pelo Tribunal de origem está em consonância com o entendimento pacificado pelo STJ, no sentido de que deve ser assegurado ao ex-empregado aposentado o mesmo modelo de custeio e valor de contribuição aos estipulados para os beneficiários ativos, ressalvando-se que os inativos devem arcar com o pagamento integral das contribuições. Lei n. 9.656/1998, art. 31 Tema 1034/STJ
AgInt nos EDcl no AREsp 2.160.071-RJ , Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 2/9/2024, DJe 4/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Impenhorabilidade de bem de família. Apresentação de embargos à execução pelo devedor. Resistência do credor embargado. Honorários advocatícios. Cabimento.
Reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, nos embargos à execução opostos pelo devedor, são devidos honorários advocatícios pelo credor embargado que se opõe a pedido de exclusão da penhora deste bem.
Quanto aos honorários advocatícios, se o devedor apenas reclamasse a incidência da Lei n. 8.009/1990, o que poderia ser atendido mediante simples petição nos autos, e o credor, instado a se manifestar, concordasse de pronto com o pleito, aceitando a exclusão do bem atingido, estaria por afastar o deferimento de verba honorária. Do contrário, diante da resistência do credor e do contraditório, com alegações e recursos, não há como deixar de deferir a verba honorária. Nesse sentido, inclusive, já entendeu esta Quarta Turma: os executados podem alegar a impenhorabilidade do imóvel destinado à residência da família por simples petição no processo de execução ou mediante ação de embargos. Escolhendo essa última via, mesmo porque tinham outras teses a apresentar contra a pretensão executória, e vendo acolhida a alegação fundada na Lei 8.009/90, fazem jus aos honorários do seu patrono, a serem estipulados na forma do art. 20, § 4º, do CPC. Recurso conhecido e provido. (REsp n. 254.411/MG, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 29/8/2000). Esse entendimento deve continuar sendo aplicado, mesmo com a vigência do novo Código de Processo Civil, o qual possui lógica semelhante no que tange à possibilidade de peticionar, a qualquer tempo, pela impenhorabilidade do bem de família, até mesmo por simples petição. Código de Processo Civil (CPC), art. 525, § 11 Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), art. 20, § 4º Lei n. 8.009/1990
QUINTA TURMA
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024.
DIREITO PENAL
Estupro de vulnerável. Motorista de van escolar. Relação de poder, confiança ou subordinação entre o agente e a vítima. Incidência da causa de aumento de pena do art. 226, II, do Código Penal. Possibilidade.
O motorista de van escolar, ao cometer o crime de estupro de vulnerável contra criança ou adolescente sob sua vigilância, está sujeito à causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do Código Penal, devido à sua posição de autoridade e garantidor da segurança e incolumidade moral das vítimas.
A causa de aumento da pena do inciso II do art. 226 do CP se ancora na especial relação de poder, confiança ou subordinação entre o agente e a vítima, o que confere ao delito uma gravidade diferenciada. Tal relação transcende a mera circunstância do fato, consistindo em um abuso de uma posição que deveria promover proteção e respeito, mas que, ao contrário, se corrompe em instrumento de violação à dignidade sexual da vítima. A intensificação do abuso é exacerbada pela vulnerabilidade intrínseca da vítima, que, confiando no agente, se vê subjugada pela proximidade ou pela autoridade exercida. A intenção da majorante é clara: sancionar mais severamente aqueles que, valendo-se de uma posição de confiança, subvertem tal relação para fins ilícitos, potencializando a gravidade do crime pelo uso do poder ou da autoridade. A confiança, aqui, torna-se uma causa de aumento da pena, na medida em que a vítima, por confiar no agente, vê sua capacidade de resistência fragilizada, sendo conduzida a uma situação de completa vulnerabilidade. É preciso considerar essa vulnerabilidade no momento da dosimetria da pena, como um fator a justificar uma resposta penal mais rigorosa, que leve em conta o abalo psicológico e social causado. Nessa linha, no julgamento do AgRg no HC 567.406/RS, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual, nos casos de estupro de vulnerável, a posição de garante contratual, como a exercida por um motorista de transporte escolar, configura autoridade de fato sobre a vítima, legitimando a aplicação da referida causa de aumento. O preposto, nesse contexto, não apenas assume o dever de proteger a integridade física e moral dos menores transportados, mas também exerce uma influência direta sobre eles, caracterizando a relação de confiança e autoridade requerida para o aumento da pena. No que concerne à condenação de um motorista de transporte escolar pelo crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal, é crucial ressaltar que a função de motorista de van escolar o coloca na posição de garantidor da integridade física e moral dos menores sob sua vigilância. Nessa qualidade, exerce, de fato, uma forma de autoridade que transcende a simples prestação de serviço de transporte, pois lhe é conferida a responsabilidade de zelar pela segurança e bem-estar dos passageiros. A violação desse dever, ao invés de apenas constituir uma quebra contratual, assume relevância penal, uma vez que transforma o próprio vínculo fiduciário em instrumento para a perpetração do crime. O ordenamento jurídico, ao prever o aumento de pena no art. 226, II, reconhece o maior grau de censurabilidade daquele que, estando em posição de garantidor, se vale dessa posição para a prática do ilícito, comprometendo assim tanto a confiança depositada nele quanto o dever de resguardar a formação moral e a integridade física do indivíduo sob sua tutela. Aqui, o desvalor da ação é ainda mais evidente, pois o agente infringe o dever ético-jurídico de proteger, o que debilita sobremaneira a capacidade de defesa da vítima, especialmente em razão de sua vulnerabilidade etária. Essa gravidade, portanto, não se limita ao desvalor da ação em si, mas expande-se ao plano subjetivo do agente, cujo dever de proteção é intencionalmente transgredido para violar a dignidade da vítima, ensejando, assim, a necessária aplicação do aumento penal, como medida de reprovação e prevenção, conforme preconiza o sistema penal pátrio. Código Penal (CP), art. 217-A e art. 226, II
AREsp 2.406.856-SP , Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Crime continuado. Hipótese não prevista no art. 28-A, § 2º, II, do Código de Processo Penal. Acordo de não persecução penal. Possibilidade.
A continuidade delitiva não impede a celebração de acordo de não persecução penal.
O Tribunal de origem entendeu que a continuidade delitiva impede a aplicação do acordo de não persecução penal, considerando-a como indício de dedicação à atividade criminosa. Contudo, o rigor inerente ao princípio da legalidade foi devidamente contemplado na redação do art. 28-A, §2º, II, do CPP, que, ao estabelecer as condições impeditivas para o acordo de não persecução penal, explicitou de maneira taxativa as hipóteses excludentes, dentre as quais se encontram as condutas praticadas de forma criminosa habitual, reiterada ou profissional. A legislação em momento algum incluiu a continuidade delitiva como causa impeditiva para a celebração do ANPP, como se depreende da uma leitura clara e objetiva do texto legal. A figura do crime continuado é distinta do crime habitual. O afastamento da continuidade delitiva em casos de habitualidade criminosa se justifica pela própria teleologia do instituto, que visa a atenuar o rigor punitivo em face de uma série de infrações semelhantes e, essencialmente, conectadas por um desígnio comum. Quando tal conexão não se verifica, e a prática reiterada de delitos evidencia uma propensão criminosa contínua e autônoma, impõe-se o tratamento mais severo e proporcional ao desvalor da conduta e à periculosidade do agente, como medida necessária à adequada reprovação e prevenção do delito. A inclusão da continuidade delitiva como óbice à celebração do acordo de não persecução penal constitui uma interpretação que extrapola os limites impostos pela norma, inserindo um requisito que o legislador, de forma deliberada, optou por não contemplar. Não se pode olvidar que a norma processual penal tem seus parâmetros definidos de maneira a equilibrar o poder punitivo do Estado com as garantias constitucionais do acusado, sendo inadmissível a criação de obstáculos não previstos expressamente em lei, sob pena de violação ao princípio da estrita legalidade. Nesse sentido, a ausência de menção à continuidade delitiva no rol das hipóteses impeditivas para o ANPP reforça o entendimento de que o legislador, ao estabelecer os requisitos para a aplicação do instituto, procurou restringir tais impedimentos àquelas condutas que, por sua habitualidade, reiteração ou caráter profissional, revelam maior gravidade e periculosidade. A interpretação extensiva que inclui a continuidade delitiva como barreira ao acordo configura criação judicial que não encontra respaldo no ordenamento jurídico vigente. Código de Processo Penal (CPP), art. 28-A, §2º, II
SEXTA TURMA
HC 845.533-SC , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Furto qualificado. Denúncia recebida antes da vigência da Lei n. 13.964/2019. Acordo de não persecução penal. Pedido formulado antes do trânsito em julgado. Possibilidade. Adequação ao entendimento firmado pelo STF no HC 185.913/DF.
É cabível a celebração de acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado.
O Tribunal de origem rejeitou o pedido de intimação do Ministério Público para propor acordo de não persecução penal, na forma do art. 28-A do CPP, fundamentado no fato de que somente seria cabível a propositura do ANPP para fatos ocorridos antes da vigência da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. Contudo, tal entendimento destoa da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do HC 185.913/DF, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, ocorrido em 18/9/2024, pacificou a controvérsia a respeito da retroatividade do acordo de não persecução penal, nos seguintes termos: "1. Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente e no exercício do seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno; 2. É cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado; 3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais, em tese, seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo; 4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura, pelo órgão ministerial, no curso da ação penal, se for o caso". No caso, o pedido da defesa foi formulado antes do trânsito em julgado. Assim, verificada a possibilidade de aplicação do instituto, em conformidade com o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, é cabível o desarquivamento da ação penal, devendo o Juízo da origem provocar o Ministério Público, a fim de verificar a possibilidade de oferecimento do ANPP, devendo eventual recusa ser devidamente fundamentada. Código de Processo Penal (CPP), art. 28-A. HC 185.913/DF (STF)
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 14/10/2024.
EXECUÇÃO PENAL
Pecúlio. Liberação antecipada. Aquisição de produtos básicos de higiene. Hipótese prevista no art. 29, § 1º, c , da LEP. Observância da ordem de preferência legal. Possibilidade de levantamento no montante adequado.
É possível a liberação antecipada do pecúlio no montante adequado à aquisição de produtos de higiene pessoal pelo apenado, desde que inexistam outros descontos pendentes, observada a ordem de preferência prevista no § 1º do art. 29 da LEP, e o produto solicitado não seja fornecido regularmente pelo estabelecimento prisional.
Da leitura do art. 29, §§ 1º e 2º, da LEP, fica evidente que o pecúlio corresponde ao valor que sobra do produto do trabalho remunerado prestado pelo apenado - após os descontos autorizados na mesma norma -, valor esse que será aplicado em poupança e revertido ao preso quando posto em liberdade. Segundo a doutrina, realizados os descontos previstos no art. 29, § 1º, da LEP, o restante do dinheiro arrecadado destina-se à formação de um pecúlio, a ser utilizado quando deixar o cárcere. Excepcionalmente, pode o sentenciado fazer uso do referido pecúlio antes de ser solto; porém, há de ser por um motivo relevante, a critério do juiz das execuções. Com efeito, se o apenado solicitar o levantamento do pecúlio para fins de atendimento de alguma das despesas previstas no § 1º da norma em comento, incumbe ao Juízo da execução avaliar se a justificativa apresentada se enquadra em alguma das hipóteses de desconto e, em caso positivo, autorizar o levantamento no valor pertinente, observando a ordem de preferência preconizada na lei. No caso, a justificativa apresentada pelo reeducando - aquisição de materiais de higiene - enquadra-se no que se convencionou denominar em lei como pequenas despesas pessoais (art. 29, § 1º, c, da LEP), de modo que não se vislumbra justificativa razoável para o indeferimento do levantamento em valor adequado para esse fim. Ora, é consabido que a estrutura carcerária no País é demasiadamente precária, convicção essa reforçada pelo reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal (ADPF n. 347/DF) da existência de um estado de coisas inconstitucional nessa matéria, de modo que beira a alienação a presunção de que ente estatal esteja efetivamente arcando com todas as despesas básicas de higiene do preso, sendo razoável presumir exatamente o inverso. Logo, mostra-se viável o levantamento do pecúlio no montante adequado para o fim almejado, ressaltando-se, no entanto, que esse levantamento somente pode ocorrer se inexistirem outros descontos pendentes (art. 29, § 1º, a e b, da LEP), de modo a obedecer à ordem de preferência preconizada em lei, incumbindo ao Juízo fixar o valor necessário para aquisição dos produtos de higiene indicados, sem prejuízo da possibilidade de indeferir o pedido, caso constatado concretamente, ou seja, mediante informação do estabelecimento prisional, que o produto de higiene solicitado pelo apenado já lhe é fornecido regularmente. Lei n. 7.210/1984 (LEP), art. 29, §§ 1º e 2º. ADPF n. 347/DF (STF)
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
ProAfR no REsp 2.060.432-RS , Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, julgado em 8/10/2024, DJe 14/10/2024. ( Tema 1287 ). ProAfR no REsp 2.133.370-SP , Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, julgado em 8/10/2024, DJe 14/10/2024 ( Tema 1287 ). ProAfR no REsp 2.133.454-SP , Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, julgado em 8/10/2024, DJe 14/10/2024 ( Tema 1287 ).
DIREITO TRIBUTÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.060.432-RS, 2.133.370-SP e 2.133.454-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "discutir a legalidade da incidência do IRRF sobre os recursos remetidos ao exterior para pagamento de serviços prestados, sem transferência de tecnologia, por empresas domiciliadas em países com os quais o Brasil tenha celebrado tratado internacional para evitar a bitributação".