Informativo do STJ 825 de 17 de Setembro de 2024
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
SÚMULAS
SÚMULA N. 672 A alteração da capitulação legal da conduta do servidor, por si só, não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar. Primeira Seção, aprovada em 11/9/2024, DJe de 16/9/2024.
SÚMULA N. 673 A comprovação da regular notificação do executado para o pagamento da dívida de anuidade de conselhos de classe ou, em caso de recurso, o esgotamento das instâncias administrativas são requisitos indispensáveis à constituição e execução do crédito. Primeira Seção, aprovada em 11/9/2024, DJe de 16/9/2024.
RECURSOS REPETITIVOS
REsp 2.069.644-SP , Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por maioria, julgado em 11/9/2024. ( Tema 1226 ). REsp 2.074.564-SP , Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por maioria, julgado em 11/9/2024 ( Tema 1226 ).
DIREITO COMERCIAL, DIREITO TRIBUTÁRIO
Plano de Compra de Ações. Sotck Option Plan . Imposto de Renda. Incidência apenas no momento da alienação com lucro. Operação de natureza mercantil. Ausência de natureza remuneratória do regime. Tema 1226.
a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente. b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital.
Cinge-se a controvérsia em "definir a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos (Stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo". Em linhas gerais, o denominado Stock Option Plan (SOP) consiste na oferta, pela Sociedade Anônima, de opção de compra de ações em favor de seus executivos, empregados ou prestadores de serviços, sob determinadas condições e com preço preestabelecido (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976). O interessado, então, poderá aderir à opção e, a tempo e modo, efetivar a compra das respectivas ações, por elas pagando o preço outrora definido pela companhia. Posteriormente, já titular das ações, poderá o adquirente realizar a sua venda no mercado financeiro. Ao que se tem, a adesão ao SOP é totalmente voluntária e, considerando as características antes elencadas, mesmo quando efetivada a opção, o empregado não é obrigado a concretizar a compra das ações imediatamente: pode considerar as flutuações do mercado e o momento para ele mais vantajoso para essa aquisição. Por outro lado, de acordo com o art. 43 do CTN, o fato imponível para a tributação do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial. Ao que tudo indica, contudo, está-se diante de simples operação de oferta e compra de ações. Verifica-se que na opção pela aquisição das ações, ainda que ofertadas com valor inferior ao do mercado financeiro, não há como vislumbrar a existência de "renda" ou "acréscimo patrimonial" na definição própria de direito tributário para a ocorrência do fato gerador do imposto sobre a renda, uma vez que o que se tem, nesse momento, é simplesmente o optante exercendo um direito que a ele foi ofertado (de aquiescer com a compra de ações nos moldes estabelecidos no SOP), somado ao dispêndio que deverá fazer do valor pré-estabelecido para a aquisição do bem, a ação). A tese de que o empregado aufere renda consistente na diferença apurada entre o valor estipulado/pago pela ação e aquele outro correspondente ao praticado no mercado financeiro no mesmo instante não se coaduna com a previsão normativa de que, para que haja fato imponível à incidência do imposto, deve-se estar diante de real disponibilidade econômica ou financeira de riqueza acrescida ao seu patrimônio. Conforme explica a doutrina, não existe renda presumida, uma vez que a renda há de ser sempre real. Presumido, ou arbitrado, pode ser o montante da renda, a existência desta, porém, há de ser sempre real. Assim, não se pode considerar como fato gerador o mero ingresso do bem (ação) no patrimônio (conceito de direito civil) do empregado que exerce a opção de compra, o que, só por si, não representa "acréscimo patrimonial" para fins tributários. Assumir a existência de "renda" nesses termos corresponderia a ter como válida "ficção" de acréscimo patrimonial tributável sempre que houvesse a aquisição de bens com algum tipo de desconto ou deságio - o que não é admissível pela norma tributária, uma vez que os princípios da tipicidade fechada e da estrita legalidade impedem a tributação ou a condenação do contribuinte por presunções, ficções ou indícios. Outro aspecto diz respeito à imutável natureza da operação de oferta e aquisição de ações. A circunstância desse negócio jurídico se dar no âmbito do SOP não logra transmutar, em ato jurídico diverso, a ação que efetivamente se passa no mundo dos fatos; sequer desmembrá-la em outros. Rememore-se ainda que não é dado ao intérprete da norma tributária alterar os conceitos de direito civil, no caso, da renda advinda do negócio jurídico específico de compra e venda de ações, para alargar hipóteses de cobrança de tributos, consoante inteligência do art. 110 do CTN. Logo, considerando que se está diante de "compra e venda de ações" propriamente dita, cuja natureza é estritamente mercantil, e não laboral-remuneratória, a incidência do imposto de renda dar-se-á sob a forma de ganho de capital, no momento em que ocorrer a alienação com lucro do bem. Código Tributário Nacional (CTN), art. 43 e art. 110 Lei n. 6.404/1976, art. 168, § 3º
REsp 1.938.265-MG , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/9/2024, DJe 16/9/2024. ( Tema 1188 ). REsp 2.056.866-SP , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/9/2024, DJe 16/9/2024 ( Tema 1188 ).
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Aposentadoria por tempo de contribuição. Comprovação do tempo de serviço. Sentença trabalhista homologatória e anotações em CTPS. Impossibilidade de utilização como início de prova material. Necessidade de outros elementos probatórios contemporâneos ao período. Tema 1188.
A sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente será considerada início de prova material válida, conforme o disposto no art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, quando houver nos autos elementos probatórios contemporâneos aos fatos alegados e que sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período que se pretende reconhecer na ação previdenciária, exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior.
A questão submetida ao STJ cinge-se em definir se a sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e demais documentos dela decorrentes constituem início de prova material para fins de reconhecimento de tempo de serviço, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a sentença trabalhista homologatória de acordo só pode ser considerada como início de prova material se fundada em elementos que demonstrem o labor exercido na função e os períodos alegados pelo trabalhador, sendo, dessa forma, apta a comprovar o tempo de serviço, conforme previsão do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991 e do art. 60 do Decreto n. 2.172/1997. A temática também foi reanalisada pela Primeira Seção do STJ em 20/12/2022, por ocasião do julgamento do Pedido de Uniformização de Lei (PUIL) n. 293/PR, no qual, após amplo debate e por maioria de votos, fixou a seguinte tese: "A sentença trabalhista homologatória de acordo somente será considerada início válido de prova material, para os fins do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991, quando fundada em elementos probatórios contemporâneos dos fatos alegados, aptos a evidenciar o exercício da atividade laboral, o trabalho desempenhado e o respectivo período que se pretende ter reconhecido, em ação previdenciária" (PUIL 293/PR, rel. Min. Og Fernandes, rel. para acórdão Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, DJe de 20/12/2022). De fato, da interpretação da legislação de regência, extrai-se que o início de prova material é aquele realizado mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados. O entendimento mencionado está baseado na ideia de que, na ausência de instrução probatória adequada, incluindo início de prova material e exame de mérito da demanda trabalhista, não é possível considerar a existência de um início válido de prova material que demonstre efetivamente o exercício da atividade laboral no período correspondente. Isso significa que a sentença trabalhista meramente homologatória do acordo não constitui início válido de prova material, apto à comprovação do tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991, uma vez que, na prática, equivale à homologação de declaração das partes, reduzida a termo, exceto na hipótese de ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito devidamente comprovado. Tese repetitiva: "A sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente será considerada início de prova material válida, conforme o disposto no art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, quando houver nos autos elementos probatórios contemporâneos que comprovem os fatos alegados e que sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período que se pretende reconhecer na ação previdenciária, exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior." Lei n. 8.213/1991, art. 55, § 3º Decreto n. 2.172/1997, art. 60
REsp 2.089.298-RN , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/9/2024. ( Tema 1240 ). REsp 2.089.356-RN , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/9/2024 ( Tema 1240 ).
DIREITO TRIBUTÁRIO
IRPJ e CSLL. Apuração pelo lucro presumido. Base de cálculo. ISS. Inclusão. Tema 1240.
O ISS compõe a base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando apurados pela sistemática do lucro presumido.
A questão submetida ao Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos repetitivos, diz respeito à possibilidade de exclusão de valores de Imposto sobre Serviços (ISS) nas bases de cálculo do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) quando apurados pela sistemática do lucro presumido. No regime de tributação pelo lucro real, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL é o lucro contábil, ajustado pelas adições e deduções permitidas em lei. Na tributação pelo lucro presumido, multiplica-se um dado percentual - que varia a depender da atividade desenvolvida pelo contribuinte - pela receita bruta, que constitui apenas ponto de partida, um parâmetro, na referida sistemática de tributação. Sobre essa base de cálculo, por sua vez, incidem as alíquotas pertinentes. A adoção da receita bruta como eixo da tributação pelo lucro presumido demonstra a intenção do legislador de impedir quaisquer deduções, tais como impostos, custos das mercadorias ou serviços, despesas administrativas ou financeiras, tornando bem mais simplificado o cálculo do IRPJ e da CSLL. A redação conferida aos arts. 15 e 20 da Lei n. 9.249/1995 adveio com a especial finalidade de fazer expressa referência à definição de receita bruta contida no art. 12 do Decreto-Lei n. 1.598/1977, o qual, com a alteração promovida pela Lei n. 12.793/2014, contempla a adoção da classificação contábil de receita bruta, que alberga todos os ingressos financeiros decorrentes da atividade exercida pela pessoa jurídica. O Tema 69 da repercussão geral deve ser aplicado tão somente à Contribuição ao PIS e à COFINS, porquanto extraído exclusivamente à luz do art. 195, I, "b", da Lei Fundamental, sendo indevida a extensão indiscriminada. Basta ver que a própria Suprema Corte, ao julgar o Tema 1.048, concluiu pela constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) - a qual inclusive é uma contribuição social, mas de caráter substitutivo, que também utiliza a receita como base de cálculo. Dessa forma, deve ser fixada a seguinte Tese: "O ISS compõe a base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando apurados pela sistemática do lucro presumido". Lei n. 9.249/1995, art. 15 e art. 20 Decreto-Lei n. 1.598/1977, art. 12 Lei n. 12.793/2014 Tema n. 69/STF Tema n. 1.048/STF
RECURSOS REPETITIVOS
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/9/2024, DJe 13/9/2024. ( Tema 1219 ).
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Recurso em sentido estrito. Cabimento. Interposição de apelação. Princípio da fungibilidade. Aplicação. Tempestividade e demais pressupostos de admissibilidade do recurso cabível. Observância. Tema 1219.
É adequada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal aos casos em que, embora cabível recurso em sentido estrito, a parte impugna a decisão mediante apelação ou vice-versa, desde que observada a tempestividade e os demais pressupostos de admissibilidade do recurso cabível, na forma do art. 579, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal.
Em sede penal, há norma processual (art. 579 do CPP) que, de forma inequívoca, contempla a incidência do princípio da fungibilidade, prevendo, como requisito para incidência, a ausência de má-fé. O parâmetro do que se deve ser taxado de má-fé foi estabelecido no julgamento dos EDcl no AgRg nos EAREsp n. 1.240.307/MT, no qual Terceira Seção desta Corte, ao acolher o voto do Ministro Joel Ilan Paciornik, estabeleceu as seguintes conclusões: 1) a ausência de má-fé, enquanto pressuposto para aplicação do princípio da fungibilidade, não é sinônimo de erro grosseiro, devendo ser adotado o critério estabelecido em lei sobre o que se considera litigância de má-fé (art. 80 do CPC, c/c o art. 3º do CPP), de modo que é possível rechaçar a incidência do princípio da fungibilidade com base no erro grosseiro na escolha do recurso, desde que verificado o intuito manifestamente protelatório, tal como como ocorre no caso de interposição de agravo regimental em face de acórdão exarado por órgão julgador colegiado; 2) a tempestividade, considerando o prazo do recurso cabível, bem como o preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade do reclamo adequado, também consubstanciam requisitos para aplicação da fungibilidade, pois o parágrafo único do art. 579 do CPP traz requisito implícito para a aplicação do princípio da fungibilidade, qual seja, a possibilidade de processamento do recurso impróprio de acordo com o rito do recurso cabível, de modo que o princípio da fungibilidade não alcança as hipóteses em que a parte lança mão de recurso inapto para o fim que se almeja ou mesmo direcionado a órgão incompetente para reformar a decisão atacada, tal como no caso da oposição de embargos de declaração ou interposição de agravo interno em face da decisão que inadmite o recurso especial na origem. Em suma, em sede processual penal, caso verificado que o recurso interposto, embora flagrantemente inadequado (erro grosseiro), foi interposto dentro do prazo do recurso cabível e ostenta os requisitos de admissibilidade daquele reclamo, sendo possível processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível, é possível receber tal reclamo no lugar daquele que seria o adequado por força do princípio da fungibilidade recursal, desde que não se verifique intuito manifestamente protelatório, condição apta a caracterizar a má-fé (art. 80 do CPC, c/c o art. 3º do CPP) e a obstar a incidência da norma processual em comento (art. 579 do CPP). Assim, fixa-se seguinte tese: é adequada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal aos casos em que, embora cabível recurso em sentido estrito, a parte impugna a decisão mediante apelação ou vice-versa, desde que observados a tempestividade e os demais pressupostos de admissibilidade do recurso cabível, na forma do art. 579, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal. Código de Processo Penal (CPP), art. 3º, art. 579; Código de Processo Civil (CPC), art. 80.
SEGUNDA SEÇÃO
CC 199.496-CE , Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL TRABALHISTA, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
Execução de crédito trabalhista concursal. Período de blindagem ( Stay Period ). Exaurimento. Crédito Concursal. Ausência de deliberação do plano de recuperação judicial. Retomada. Justiça trabalhista. Competência.
Ultrapassado o período de blindagem (Stay Period) e inexistindo decisão do Juízo recuperacional determinando sua prorrogação ou a subsistência de seus efeitos, a execução do crédito trabalhista concursal pode prosseguir normalmente perante o Juízo trabalhista.
A controvérsia centra-se em definir se, a partir da Lei n. 14.112/2020, diante do exaurimento do período de blindagem estabelecido no § 4º do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 e inexistindo deliberação da assembleia geral de credores quanto à aprovação do plano de recuperação judicial, o cumprimento de sentença trabalhista, cujo crédito é concursal, deve ter seu curso retomado perante o Juízo trabalhista ou se subsistiria a competência do Juízo recuperacional. Conforme disposto pela Lei n. 14.112/2020, após o período máximo de blindagem, a subsistência do stay period somente pode ser admitida se os credores reputarem conveniente apresentar um plano de recuperação de sua autoria dentro do prazo assinalado de 30 (trinta) dias (ou até, entendendo ser o caso, acertarem uma prorrogação negociada, conforme REsp n. 1.991.103-MT). O disposto no contido no inciso I do § 4º-A do art. 6º da LRF é expresso em acentuar que, escoado o prazo inicial de blindagem sem a deliberação do plano de recuperação judicial pelos credores, as suspensões (das execuções dos créditos submetidos à recuperação judicial e dos prazos prescricionais) e a proibição dos correlatos atos constritivos "não serão aplicáveis caso os credores não apresentem plano alternativo no prazo de 30 (trinta) dias, contado do final do prazo referido no § 4º deste artigo ou no § 4º do art. 56 desta Lei". Diante dos termos resolutivos da lei (art. 6º, §§ 4º e 4º-A, inciso I), não se afigura possível manter o sobrestamento da execuções individuais, a despeito do encerramento do período de blindagem sem deliberação do plano e sem apresentação de plano alternativo pelos credores, permitindo, reflexamente, a extensão dos efeitos do stay period, sem que haja a indispensável autorização dos credores para tanto. Exaurido o prazo de blindagem e não tendo o Juízo da recuperação judicial determinado sua prorrogação ou a subsistência de seus efeitos (decisão, naturalmente, passível de ser impugnada pela via recursal própria), as execuções individuais, inclusive, as de crédito concursal, podem prosseguir, não mais subsistindo a competência do Juízo recuperacional. Em havendo, contudo, a aprovação do plano pela assembleia de credores e sua homologação pelo Juízo, é certo que a prolação de sentença concessiva da recuperação judicial opera, de imediato, a novação dos créditos concursais, de modo a extinguir as execuções em curso, caso ainda não satisfeito o correlato crédito ali executado, devendo-se o pagamento observar, doravante, os termos ajustados no plano de recuperação judicial. De igual modo, os efeitos de um eventual e superveniente decreto falencial poderá produzir efeitos na execução individual, caso ainda não satisfeito o crédito ali perseguido. Sendo assim, diante do exaurimento do stay period - e inexistindo decisão exarada pelo Juízo recuperacional destinada a determinar sua prorrogação ou a subsistência de seus efeitos - a execução do crédito trabalhista concursal pode prosseguir normalmente perante o Juízo trabalhista, com a determinação dos inerentes atos constritivos. Lei n. 11.101/2005, art. 6º, § 4º e § 4º-A, I; e art. 56, § 4º
SEGUNDA TURMA
REsp 2.145.338-MG , Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 11/9/2024.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Complementação de aposentadoria. Ex-ferroviário da Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU. Subsidiária da Rede Ferroviária S/A - RFFSA. Plano de cargos e salários da extinta RFFSA. Sucedida pela Valec S.A. Equiparação com remuneração de empregados da CBTU. Impossibilidade.
A complementação de aposentadoria devida aos aposentados da extinta RFFSA, mesmo que ao tempo da inatividade estivessem vinculados à CBTU (empresa subsidiária), terá como referência os valores previstos no plano de cargos e salários para os empregados daquela empresa controladora, sucedida pela VALEC S.A., e não nos valores previstos para os empregados da própria CBTU.
A controvérsia versa acerca do benefício de complementação de aposentadoria que foi concedido a todos os funcionários admitidos pela RFFSA e suas subsidiárias até a data de início da vigência da Lei n. 8.186/1991, em 21 de maio de 1991. O Decreto n. 74.242/1974 autorizou a RFFSA a criar uma empresa subsidiária, qual seja, a Empresa de Engenharia Ferroviária S.A. - ENGEFER, a qual passou a denominar-se Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, nos termos do Decreto n. 89.396/1984. A subsidiariedade da CBTU em relação à RFFSA perdurou até a entrada em vigor da Lei n. 8.693/1993, quando a RFFSA transferiu à União a totalidade de suas ações no capital social da CBTU. O art. 1º da Lei n. 8.186/1991 estabeleceu, como um dos requisitos para a concessão da complementação de aposentadoria, que o ferroviário tenha sido admitido até 31/10/1969. Posteriormente, a Lei n. 10.478/2002, em seu art. 1º, estendeu o direito à complementação aos ferroviários admitidos até 21/5/1991. A alteração no marco temporal de admissão promovida pela Lei n. 10.478/2002 teve por escopo conceder aos empregados da RFFSA e suas subsidiárias, no caso a CBTU, um tratamento isonômico aos empregados que se encontravam na mesma situação. Logo, a pretensão do legislador foi estender o benefício de complementação de aposentadoria a todos os funcionários admitidos pela RFFSA e suas subsidiárias até a data de início da vigência da Lei n. 8.186/1991. Assim, os ferroviários da CBTU, embora esta tenha deixado de ser subsidiária da RFFSA em 1993, fazem jus à complementação de aposentadoria desde que tenham sido admitidos até 21/5/1991 e preencham os demais requisitos legais. Esta complementação está prevista na Lei n. 8.186/1991, que atribuiu à União Federal a complementação da aposentadoria dos ferroviários por determinação expressa de seu art. 5º, igualmente estabelecendo que continuará a ser paga pelo INSS, contemplando todos os ferroviários admitidos até 31 de outubro de 1969 e os regidos pela Lei n. 6.184/1974, e pelo Decreto-Lei n. 5/1966, conforme dispõem os arts. 1º, 2º e 3º da supracitada norma legal. Assim, constatada a complementação da aposentadoria nos termos das Leis n. 8.186/1991 e 10.478/2002, houve controvérsia acerca da possibilidade ou não de receber tal complementação em patamar que igualasse seus proventos ao valor da remuneração do quadro de pessoal em atividade da CBTU. A Lei n. 11.483/2007, ao decretar a liquidação e extinção da RFFSA, transferiu os trabalhadores ativos da companhia, alocando-os em carreira especial. Portanto, a paridade garantida aos aposentados tem como parâmetro a remuneração dos funcionários ativos do quadro especial da extinta RFFSA, e não a dos empregados das empresas que a sucedeu. Cabe referir que a Lei n. 11.483/07 previu ainda que, mesmo quando não existir mais nenhum empregado da extinta RFFSA em atividade, os valores dos proventos dos ferroviários inativos não seguirão o plano de cargos e salários das empresas que a sucederem, passando a ser reajustados de acordo com os mesmos índices aplicáveis aos benefícios do regime geral de previdência social. Nesse sentido, a garantia de complementação como prevista não constitui uma aposentadoria complementar, um benefício autônomo, mas apenas um benefício legal objetivando a paridade entre ativos e inativos. Por essa razão, não há falar em ilegalidade em eventual redução do valor da compensação, o que poderá ocorrer, v.g., para que o inativo não passe a receber mais do que o empregado em atividade, quando houver descompasso entre os reajustes dos benefícios concedidos pelo INSS e os concedidos aos empregados em atividade. Assim, percebe-se, das disposições legais atinentes à espécie, que a complementação de aposentadoria devida aos aposentados da extinta RFFSA, mesmo que ao tempo da inatividade estivessem vinculados à CBTU, terá como referência os valores previstos no plano de cargos e salários da extinta RFFSA, sucedida pela VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. Ademais, inexiste amparo legal à equiparação com a remuneração dos empregados da própria CBTU. Lei n. 8.186/1991 Lei n. 10.478/2002 Lei n. 11.483/2007 Decreto n. 74.242/1974 Decreto n. 89.396/1984
REsp 1.968.880-RS , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Medidas executivas atípicas. Inclusão do nome da parte executada no SERASAJUD. Utilização do Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB). Possibilidade. Observância da proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto.
É admitida a adoção de medidas executivas atípicas, como o uso da ferramenta denominada "SERASAJUD" que inclui o nome de parte executada nos cadastros de inadimplência, bem como o lançamento de indisponibilidade junto à CNIB, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto.
Cinge a controvérsia em analisar a possibilidade de deferimento de pedido de inclusão de nome das partes executadas no SERASAJUD, bem como o lançamento de indisponibilidade junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, alinhada ao entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADI 5.941/DF, admite a adoção de medidas executivas atípicas, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto, como, por exemplo, o uso da ferramenta denominada "SERASAJUD" que inclui o nome do executado nos cadastros de inadimplência, porquanto seu uso confere maior efetividade na demanda executória. Em casos análogos, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade (REsp n. 1.788.950/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 26/4/2019). A análise da proporcionalidade da medida deve considerar as circunstâncias específicas de cada caso em particular, uma vez que é crucial assegurar que a medida coercitiva não prejudique de maneira desproporcional a subsistência do executado. Nesse sentido, é importante mencionar que o art. 782, § 3º, do Código de Processo Civil se refere especificamente aos casos de inclusão em cadastro de inadimplentes, não trazendo requisitos para a almejada inclusão, sendo dispensável eventual "resistência das referidas instituições". Além disso, o fato de ser possível a inclusão na via extrajudicial não impede que o credor requeira em juízo, conforme disposto na lei processual, uma vez que interpretação diversa implicaria em extensão a um óbice não previsto em lei, em prejuízo ao credor; bem como ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF. Ademais, o Provimento n. 39/2014 instituiu a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens -CNIB com fito de propiciar uma resolução mais célere das execuções e cumprimentos de sentença que envolvam obrigações de pagar, bem como frustrar eventual ocultação de patrimônio em outros municípios ou estados da federação diversos do foro competente. Dessa forma, considerando, ainda, que o Juízo pode adotar todas as medidas que estiverem ao alcance do Estado, e que não sejam expressamente vedadas na lei, não são verificados óbices à sua utilização para ordenar o lançamento de indisponibilidade em eventual bem imóvel do devedor, sendo ônus do executado apontar eventual desproporcionalidade na utilização da ferramenta. Sendo assim, tendo-se em vista que a adoção dos mecanismos anteriormente citados visam à resolução das lides em menor tempo, observando o princípio da duração razoável do processo e da eficiência, tais mecanismos se mostram plenamente aplicáveis ao caso concreto. Constituição Federal, art. 5º, XXXV. Código de Processo Civil (CPC), art. 782, § 3º. Provimento do CNJ n. 39 de 25/07/2014 ADI 5.941/DF
EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 2.433.838-SP , Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, julgado em 19/8/2024, DJe 22/8/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tempestividade. Carimbo de protocolo ilegível. Comprovação por certidão da origem. Momento de apresentação. Primeira oportunidade após a afirmação de ilegibilidade.
Afirmada a ilegibilidade do carimbo de protocolo, compete à parte, no momento processual subsequente, demonstrar a data de protocolo por meio de certidão da origem.
No caso, o prazo recursal teve início em 4/11/2019, esgotando-se em 25/11/2019. A decisão afirmando a intempestividade foi proferida por esta Corte pelo STJ, ao analisar agravo em recurso especial que combatia fundamentos distintos de inadmissão, adotados pela origem. Por ocasião dos embargos a essa decisão, a parte apresentou cópia de sua via de protocolo, onde é possível ler a data de 25/11/2019 como de registro da petição de recurso especial. A decisão integrativa afirmou que dita prova somente poderia ser feita por certidão da origem. Com o agravo interno, a parte juntou certidão da origem nesse sentido, dando conta da data de protocolização do recurso especial em 25/11/2019. A certidão esclarece, ainda, a ilegibilidade do protocolo original constante nos autos e a natureza do carimbo de 26/11/2019 no verso da petição recursal, que trata de trâmite interno no Tribunal de Justiça. Desse modo, a parte cumpriu com seu ônus de demonstrar a tempestividade recursal. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conquanto seja seu dever comprovar a data de protocolo por certidão emitida na origem, quando o carimbo é ilegível, o momento dessa comprovação não é a de interposição do recurso, mas o agravo interno da decisão que declare a ilegibilidade. É devido esclarecer que não há incompatibilidade com a regra de comprovação da tempestividade no momento da interposição do recurso especial, uma vez que a ilegibilidade do carimbo pode não ocorrer de forma imediata ao protocolo, sendo vício superveniente, havido no trâmite dos autos físicos, em particular se digitalizados, como no caso. Assim, a parte deve ter oportunidade de demonstrar sua lisura, no momento processual cabível.
TERCEIRA TURMA
REsp 2.121.497-RJ , Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 12/9/2024.
DIREITO CIVIL
Direito autoral. Camisetas estampadas com letras de músicas. Ausência de autorização do autor. Danos materiais. Indenização. Duplo caráter. Compensatório e sancionatório.
Viola o direito do autor o uso não autorizado de suas letras musicais em estampas de camisetas, quando ultrapassam a mera referência à sua obra.
Em seu aspecto patrimonial, o direito autoral confere ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica, dependendo de autorização prévia e expressa do titular do direito a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como a sua reprodução parcial ou integral e sua utilização, direta ou indireta, conforme preveem os arts. 28 e 29 da Lei dos Direitos Autorais - LDA. A utilização da obra intelectual, mediante sua reprodução ou representação, não configura intertextualidade, que é comum na atividade criativa, mas está sujeita a princípios que distinguem o reaproveitamento lícito do ilícito, de modo que a relação entre a criação preexistente e a nova é apenas de referência, sem que se caracterize o plágio. Um exemplo de intertextualidade lícita é a paródia, expressamente autorizada pelo art. 47 da LDA. No caso de comercialização indevida de camisetas com reprodução de obras musicais - no caso, do cantor e compositor Tim Maia - em que as estampas ultrapassam a mera referência às obras do autor, tratando-se de cópia das letras de suas músicas com o acréscimo do conectivo "&", resta configurada a apropriação indevida da obra para exploração comercial. Ademais, as palavras foram dispostas expressando sons, ritmo e melodia, da mesma forma em que combinadas harmoniosamente na obra do autor, o que apenas corrobora a originalidade e a criatividade empregada pelo autor na composição da obra. Nesse caso, a indenização por perdas e danos por violação ao direito autoral, deve observar o duplo caráter indenizatório das ofensas, isto é, abrangendo tanto a finalidade ressarcitória como também a punitiva. Uma vez que o arbitramento da indenização por danos materiais no montante apenas do lucro auferido com a vendas das camisetas não se compatibiliza com esse duplo caráter indenizatório. A vinculação do artista a uma determinada marca sem a devida autorização pode representar um endosso do autor a um pensamento que não se compactua com sua convicção pessoal, tornando-o praticamente um sócio da grife, mas sem o seu aval, podendo implicar uma vantagem muito maior para o infrator, como a valorização de sua marca e o incremento na venda de outros produtos. Assim, para que haja a adequada remuneração do autor que teve seu direito preterido, considerando as consequências econômicas negativas sofridas pelo artista e os lucros indevidamente obtidos pelo infrator, a indenização por perdas e danos deve abarcar o montante total auferido ilicitamente e todos os prejuízos suportados pelo titular do direito. Lei n. 9.610/1998 (Lei dos Direitos Autorais), art. 28, art. 29 e art. 47
REsp 2.095.584-SP , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 12/9/2024.
DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Seguro de vida. Beneficiários. Contrato omisso. Ordem de vocação sucessória. Identificação. Comoriência. Direito de representação. Aplicação.
Mesmo em caso de comoriência, é cabível o direito de representação para fins de identificação dos beneficiários de seguro de vida, quando o contrato é omisso e os beneficiários são definidos pela ordem de vocação sucessória.
O propósito da controvérsia é decidir se a comoriência entre o segurado e a irmã afasta o direito de representação dos filhos desta, para fins de utilização da ordem de vocação sucessória como critério para a definição dos beneficiários de seguro de vida diante da omissão do contrato. Em momento algum, a legislação brasileira determina que a situação de mortes simultâneas por presunção (comoriência) afasta o direito de representação (ou por estirpe). E não haveria razão de assim o prever. Pois, conferir tratamento jurídico diferente a pessoas que se encontram em situações fáticas semelhantes representaria afronta ao princípio da isonomia consagrado no art. 5º da CF. É preciso interpretar o art. 1.851 e o art. 1.854 do CC de acordo com a finalidade do direito de representação, que se destina a resguardar o interesse daquele que perdeu precocemente seus genitores - seja antes ou simultaneamente à morte do autor da herança. Ainda mais quando os que pleiteiam o direito de representação são crianças e adolescentes - inseridos na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, conforme reconhecido pelo art. 6º do ECA, e cuja proteção deve ser garantida com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado (art. 227 da CF). Na mesma linha, o Enunciado n. 610 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF dispõe que, "nos casos de comoriência entre ascendente e descendente, ou entre irmãos, reconhece-se o direito de representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos". Portanto, o direito de representação tem lugar quando aquele que seria sucessor, se vivo fosse, mas morreu antes (pré-morte) ou simultaneamente à abertura da sucessão (comoriência), é representado por seus filhos, que recebem a herança diretamente do autor, concorrendo com parentes de grau mais próximo. Constituição Federal de 1988, art. 5º, art. 227 Código Civil (CC), art. 1.851, art. 1.854 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 6º Enunciado n. 610 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF
REsp 1.985.436-SP , Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 12/9/2024.
DIREITO CIVIL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Plano de recuperação homologado. Insurgência de apenas um credor quirografário. Matéria de interesse público suscitada pelo Ministério Público. Posterior desistência do recurso de agravo de instrumento em razão da cessão do crédito. Possibilidade.
O credor pode desistir de agravo de instrumento interposto contra sentença que homologou o plano de recuperação judicial, ainda que as questões nele veiculadas sejam ordem pública e de interesse da coletividade dos credores da empresa em recuperação judicial.
Cinge-se a controvérsia a definir se é possível não aceitar o pedido de desistência do agravo de instrumento interposto por credor contra a sentença que homologou o plano de recuperação judicial, considerando a suposta existência de matéria de interesse público suscitada pelo Ministério Público Estadual. Nos termos do art. 998 do CPC/2015, "O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso" (caput), sendo que "A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos" (parágrafo único). A desistência do recurso constitui ato unilateral, não dependendo do consentimento da outra parte e nem sequer de homologação judicial para a produção de seus efeitos, concretizando-se pela simples manifestação de vontade do recorrente. Logo, a desistência do recurso produzirá efeitos imediatamente, sob pena, inclusive, de violação ao princípio da voluntariedade recursal, que vigora em nosso ordenamento jurídico. Na hipótese, apenas um único credor quirografário interpôs agravo de instrumento contra a decisão que homologou o plano de recuperação judicial, no qual impugnou questões exclusivamente relacionadas à "classe III" do referido plano (créditos quirografários). Porém, após a cessão do crédito do recorrente e antes da inclusão do agravo de instrumento em pauta de julgamento, a parte cessionária pleiteou a desistência do recurso, que foi devidamente homologada pelo Tribunal de origem. Tal o quadro delineado, não se mostra possível que o Ministério Público Estadual opte por não recorrer da decisão que homologou o plano de recuperação judicial, a despeito de ter acompanhado todo o trâmite processual, e, posteriormente, queira discutir junto ao Tribunal de Justiça questões relacionadas à "classe I" (créditos trabalhistas) utilizando-se de um recurso interposto por um credor quirografário, que impugnava exclusivamente questões relacionadas à "classe III" (créditos quirografários), afastando-se o pedido de desistência recursal formulado pelo recorrente antes do início do julgamento. O processo deve ser uma marcha para frente, não comportando o retorno às etapas já vencidas, em que não houve qualquer impugnação pelos sujeitos processuais atuantes no feito, em razão do fenômeno da preclusão. Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte Superior, "sujeitam-se à preclusão consumativa as questões decididas no processo, inclusive as de ordem pública, que não tenham sido objeto de impugnação recursal no momento próprio" (AgInt no AREsp 2.019.623/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de 4/10/2022). Ademais, "Para que o Poder Judiciário exerça o controle judicial da legalidade do plano de recuperação judicial é imprescindível a existência de provocação por uma das partes da relação processual" (REsp 1.930.837/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 25/10/2022). Código de Processo Civil (CPC), art. 998
REsp 1.983.478-SP , Rel. Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Dissolução total da empresa. Incidência dos preceitos da parcial dissolução empresaria à hipótese de total resolução. Cabimento. Interpretação analógica.
As disposições do art. 602 do CPC/2015, que tratam da dissolução parcial da sociedade, se mostram compatíveis à hipótese de dissolução total da empresa.
A resolução parcial da sociedade foi "criação pretoriana" decorrente da ausência de expressa previsão legal, visto que, sob a regência do CPC de 1939 (mantida no CPC de 1973), havia apenas a previsão legal relativa à extinção total da entidade societária, de modo que a utilização dos preceitos contidos nos arts. 655 a 674 do CPC/1939 àquelas hipóteses de parcial dissolução se impôs para cobrir a lacuna legal. Nesse sentido, manifestação da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp n. 613.629-RJ: "A dissolução parcial de sociedades comerciais é criação pretoriana, não encontrando sua regulação na lei. Sua base legal, portanto, sempre se deu por interpretação analógica, seja do disposto nos arts. 655 a 674 do CPC de 1939, seja do disposto nos arts. 1.102 a 1.112 do CC/02, que tratam da liquidação total". Nesse contexto de ideias, se a entrada em vigor do CPC/2015 reverteu a então situação para expressamente conter tão somente a previsão legal de "dissolução parcial de sociedade", à luz da previsão contida nos arts. 599 a 609, dúvida não surge quanto à sua analógica incidência na resolução total. A doutrina consigna "ser possível que o magistrado utilize por apoio, naquilo que for compatível e útil, o regramento da ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 599 a 609 do CPC/15) para a ação de dissolução total". As disposições do art. 602 do CPC/2015 se mostram compatíveis e úteis à hipótese de dissolução total da empresa, visto que, ao fim e ao cabo, conduzem à liquidação da sociedade por meio da efetiva apuração dos valores de cada sócio, sendo possível a apuração de indenização decorrente da condução irregular da sociedade. Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), arts. 599 a 609 Código de Processo Civil de 1939 (CPC/1939), arts. 655 a 674 Código Civil de 2002 (CC/2002), arts. 1.102 a 1.112
QUARTA TURMA
REsp 2.066.238-SP , Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 3/9/2024.
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
Liberdade de imprensa. Personalidade pública. Primeira-dama. Nota jornalística. Ausência de relevância pública. Direito à intimidade. Abuso da liberdade de informar.
A nota jornalística que divulga informações estritamente pessoais da vida da primeira-dama do Brasil, abordando questões de ordem puramente privada do casal presidencial, aparta-se da legítima prerrogativa de informar, contrariando princípios fundamentais de direitos da personalidade.
A controvérsia cinge-se à avaliação sobre eventual abuso no exercício da liberdade de imprensa, com possível violação da honra, imagem, da privacidade e da intimidade da primeira-dama do Brasil. Quanto ao ponto, a jurisprudência do STJ orienta que, para situações de conflito entre a liberdade de informação e a proteção aos direitos da personalidade, devem ser ponderados os seguintes elementos: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, dentre os quais se incluem os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de divulgar crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi). Ante o interesse público envolvido e a posição que exercem na sociedade, as personalidades públicas podem ter reduzida a expectativa de privacidade em comparação com cidadãos comuns, o que todavia não autoriza a desconsideração total de sua intimidade. A avaliação do interesse da sociedade para se divulgar informações sobre personalidades públicas deve ser ponderado em face do direito à intimidade e à privacidade, evitando-se a desnecessária exposição de detalhes da vida pessoal que não tenham relevância social. Dessa forma, a nota jornalística que divulga informações estritamente pessoais da vida da primeira-dama do Brasil, abordando questões de ordem puramente privada do casal presidencial, aparta-se da legítima prerrogativa de informar, contrariando princípios fundamentais de direitos da personalidade.
REsp 1.900.147-RJ , Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 3/9/2024, DJe 9/9/2024.
DIREITO CIVIL, DIREITO FALIMENTAR
Falência. Extensão dos efeitos. Empresas do mesmo grupo econômico. Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 50 do Código Civil. Requisitos. Necessidade de indicação específica e inequívoca de fatos que a justifique.
O tipo de relação comercial ou societária travada entre empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, sendo necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o abuso ou desvio da finalidade em detrimento da empresa prejudicada.
Cinge-se a controvérsia em saber se o tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, seria suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. No caso, foi debatido se os requisitos elencados no art. 50 do Código Civil teriam sido declinados suficientemente para a desconsideração da personalidade jurídica da falida e, consequentemente, para a extensão dos efeitos da falência. As empresas recorrentes afirmaram que não teriam sido declinados no acórdão recorridos fatos hábeis à configuração de confusão patrimonial ou desvio de finalidade. O Tribunal de origem entendeu que a ausência de prova de que o relacionamento entre as empresas tenha resultado em concentração de prejuízos e endividamento exclusivo da recorrida não infirmava a decisão de extensão da falência às empresas recorrentes, dada a descrição minuciosa, no mesmo laudo, das "transações estabelecidas entre as sociedades empresárias, desde o repasse da matéria prima até a venda do produto industrializado". Dessa relação entre as empresas, que, segundo o acórdão, não se traduziria em mero contrato de facção, mas revelaria natureza essencialmente societária, não se extrai, todavia, os elementos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica e muito menos para a extensão da falência. O tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. Igualmente não é relevante para tal finalidade perquirir se as empresas recorrentes agiram com a intenção de ajudar a empresa que apresentava em frágil saúde financeira ou com o objetivo de lucro. Tais ânimos, aliás, não são incompatíveis, pois nada impede um agente econômico trave uma relação comercial que seja de um lado especialmente benéfica para o outro contratante, e, de outro, geradora de lucros para si. Na hipótese, a extensão da responsabilidade pelas obrigações da falida às empresas que nela fizeram investimentos dependeria, em primeira instância, da "eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo em apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas", o que, todavia, não foi comprovado pela perícia para tal fim determinada, a qual, o acórdão recorrido consignou não haver "apontado, ou descartado, a existência dos créditos mencionados pelo MP, nem elaborado o histórico de pagamento e a comparação pedida". A afirmação genérica de que os custos e riscos ficavam exclusivamente com a falida e os lucros com as demais empresas não foram chanceladas por nenhum elemento de prova. Dessa forma, para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica e a extensão da falência, seria necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o abuso ou desvio da finalidade em detrimento da empresa prejudicada. Código Civil (CC), art. 50
REsp 1.913.811-SP , Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 16/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Honorários advocatícios sucumbencias e contratuais. Natureza alimentar. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS. Impenhorabilidade absoluta. Art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.036/1990.
Não é permitido o bloqueio do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o pagamento de créditos relacionados a honorários, sejam contratuais ou sucumbenciais.
Considerando a natureza alimentar dos honorários sucumbenciais ou contratuais, cinge-se a controvérsia acerca da admissibilidade da penhora dos valores provenientes do FGTS para o pagamento de dívida. A jurisprudência do STJ é pacífica quanto à possibilidade de penhora de valores constantes na conta vinculada do FGTS para a execução de alimentos por envolver a própria subsistência do alimentando, prevalecendo o princípio constitucional da dignidade da pessoa e do direito à vida. Contudo, têm-se tratado de modo diverso prestações alimentícias e verbas de natureza alimentar. Recentemente, a Corte Especial reafirmou esse entendimento ao julgar os recursos especiais repetitivos n. 1.954.380/SP e n. 1.954.382/SP (Tema 1153). Apesar da natureza alimentar dos honorários advocatícios, não é permitido o bloqueio do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o pagamento de créditos relacionados a honorários, sejam contratuais ou sucumbenciais, em razão da impenhorabilidade absoluta estabelecida pelo art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.036/1990. Essa disposição visa assegurar que o FGTS continue cumprindo sua função essencial de proteção ao trabalhador e seus dependentes em situação de vulnerabilidade social. As circunstâncias que autorizam o saque do FGTS são restritas e destinam-se a garantir suporte financeiro ao trabalhador em casos que possam comprometer gravemente sua subsistência e dignidade, como no desemprego involuntário, aposentadoria e doenças graves, além de outras hipóteses previstas no art. 20 da Lei n. 8.036/1990. Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), art. 85, § 14 Lei n. 8.036/1990 (Lei do FGTS), art. 2º, § 2º e art. 20 Tema 1153/STJ
QUINTA TURMA
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024.
DIREITO PENAL
Crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. Art. 218-B, § 2º, I, do CP. Favorecimento sexual em troca de vantagens econômicas diretas ou indiretas. Menor de idade na condição de sugar baby . Tipicidade configurada.
O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) que oferece vantagens econômicas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, porquanto essa relação se constrói a partir de promessas de benefícios econômicos diretos e indiretos, induzindo o menor à prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.
A dignidade sexual é um valor intrinsecamente moral, cuja tutela pelo direito penal reflete a imperiosa necessidade de resguardar os princípios éticos fundamentais da sociedade. Ao criminalizar condutas que atentam contra a dignidade sexual, o legislador reitera o compromisso moral da sociedade em proteger seus membros mais vulneráveis. O crime de exploração sexual de menores, delineado no art. 218-B, §§ 1º e 2º, do Código Penal, exemplifica claramente essa intersecção entre direito e moral. O § 1º do artigo tipifica a conduta de quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, nas circunstâncias descritas no caput. Já o § 2º responsabiliza o proprietário, gerente ou responsável pelo local onde se verificam as práticas referidas no caput. A proteção conferida por esse dispositivo legal estende-se não apenas aos menores de 18 anos, mas também àqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não possuem o discernimento necessário para a prática do ato. O crime tipificado pelo art. 218-B, § 2º, I, do CP não se presta a punir meras circunstâncias de ordem moral, tampouco se submete aos preconceitos socialmente arraigados. O tipo penal em questão não se debruça sobre a maturidade sexual da vítima, uma vez que o legislador, ao estabelecer a vulnerabilidade relativa, reconhece que adolescentes entre 14 e 18 anos podem desenvolver sua vida sexual. Contudo, ao mesmo tempo, exige uma atenção especial do Estado devido à sua condição peculiar de desenvolvimento, conforme preceitua o art. 6º do Lei n. 8.069/1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente, necessitando de proteção integral, nos moldes do ECA. Essa proteção especial decorre da compreensão de que, embora os adolescentes possam manifestar sua sexualidade, eles ainda se encontram em uma fase de desenvolvimento que requer salvaguardas adicionais para evitar a exploração e o abuso. A faixa etária entre 14 e 18 anos é um período crítico no desenvolvimento humano, marcado por intensas transformações físicas, emocionais e psicológicas. Os adolescentes estão em processo de formação de sua identidade e ainda não possuem maturidade plena para tomar decisões que envolvam aspectos complexos e sensíveis, como a sexualidade. A vulnerabilidade desses jovens é exacerbada por fatores como pressão social, falta de experiência e, muitas vezes, a influência de adultos que podem explorar essa imaturidade para fins lascivos. Outrossim, a intenção é prevenir que adultos usem de manipulação, poder econômico ou influência para envolver adolescentes em práticas sexuais. Ao tipificar a conduta de forma objetiva, a lei visa a desestimular comportamentos predatórios e garantir um ambiente mais seguro para o desenvolvimento dos jovens. A proteção jurídica se materializa na objetividade do tipo penal, que busca um desenvolvimento saudável e seguro para os menores. A proteção da dignidade sexual dos menores entre 14 e 18 anos é um imperativo jurídico e moral em uma sociedade em que a sexualidade precoce está cada vez mais presente. A eficácia dessa proteção, no entanto, depende de um diálogo constante entre a lei e as mudanças sociais, bem como de uma educação sexual adequada e da aplicação rigorosa da legislação vigente. Assim, é possível garantir um desenvolvimento saudável e seguro para os jovens, preservando sua dignidade e integridade. Nesse contexto, a figura do sugar baby refere-se a um indivíduo mais jovem que mantém uma relação com uma pessoa mais velha e financeiramente abastada, o sugar daddy, em que a troca de benefícios é uma característica preponderante. Tais relações são pautadas mais por interesses materiais do que por afeto genuíno, constituindo-se em um arranjo consensual entre adultos. Contudo, a tipificação penal deve ser analisada à luz do contexto específico de cada caso. No arranjo sugar baby e sugar daddy, a relação, ainda que envolva a troca de benefícios materiais, não se enquadra necessariamente nos elementos configuradores do crime de exploração sexual. A ausência de abuso e de vulnerabilidade afasta a tipicidade penal, quando se considera que ambas as partes são adultas e consentem com os termos do relacionamento. No entanto, induzir adolescente maior de 14 anos e menor de 18 anos a praticar conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso mediante vantagens econômicas indiretas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal. Tal prática, ao substituir as normas sociais afetivas por uma relação puramente mercantilista, degrada a relação interpessoal saudável entre as pessoas, prática esta vedada pelo legislador. Destarte, a prática de induzir adolescentes, maior de 14 anos e menor de 18 anos, a relações sexuais mediante vantagens econômicas, na terminologia conhecida como sugar baby, fere profundamente os princípios de proteção à dignidade e ao desenvolvimento saudável dos jovens. A intervenção legislativa busca assegurar um ambiente de crescimento livre de exploração e coerção comercial, garantindo a tutela jurídica adequada conforme os ditames do art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal. Código Penal, art. 218-B, §§ 1º e 2º Lei n. 8.069/1990 (ECA), art. 6º
AgRg no AREsp 2.349.885-BA , Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Rel. para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por maioria, julgado em 3/9/2024, DJe 10/9/2024.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Crime contra a ordem econômica. Comercialização de combustíveis em quantidade inferior à indicada na bomba medidora. Crime de perigo abstrato. Comprovação do dolo. Necessidade.
Para a configuração do crime de perigo abstrato previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.176/1991, é imprescindível a comprovação do dolo, sendo vedada a responsabilização penal objetiva.
A controvérsia centra-se na necessidade de comprovação do dolo para a caracterização do crime de perigo abstrato previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.176/1991, e na análise da compatibilidade de uma condenação fundada em responsabilidade penal objetiva com os princípios da presunção de inocência e da intervenção mínima do Direito Penal. O Tribunal de origem reformou a sentença absolutória, sob o argumento de que o crime imputado ao réu se caracteriza como de perigo abstrato, bastando, para sua configuração, a simples violação da norma, sendo, portanto, dispensável a presença do elemento subjetivo. Contudo, a análise dos crimes de perigo abstrato sob a ótica do elemento subjetivo revela a complexidade intrínseca desses tipos penais, que, embora caracterizados pela presunção legal de risco à ordem jurídica, não podem prescindir da presença de um elemento subjetivo que informe a conduta do agente. Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífico o entendimento de que, mesmo nesses crimes, o dolo se configura como imprescindível à correta subsunção da conduta ao tipo penal. Os crimes de perigo abstrato, por sua própria definição, se revelam por meio da simples realização da conduta descrita na norma penal, dispensando a necessidade de demonstração concreta do perigo. Isso significa que o perigo ao bem jurídico protegido é presumido pela lei, tornando irrelevante, sob o ponto de vista jurídico, a efetiva ocorrência de um dano, como o delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.176/1991, que tipifica como crime contra a ordem econômica a aquisição, distribuição e revenda de derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes em desacordo com as normas estabelecidas pela legislação. Esse tipo penal, ao pressupor a proteção de bens jurídicos coletivos de elevada importância, como a ordem econômica, sustenta-se na premissa de que a simples prática da conduta já coloca em risco tais bens, não se exigindo que o perigo concreto seja demonstrado. Todavia, a configuração do crime exige a presença do dolo, entendido como a vontade livre e consciente do agente de realizar a conduta descrita no tipo penal. Destaque-se que a figura típica do crime previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.176/1991 não admite a modalidade culposa. Isso implica que, na ausência de dolo, ou seja, na inexistência de uma intenção deliberada por parte do agente de descumprir as normas estabelecidas, não há falar em responsabilização penal. A falta de comprovação do dolo conduz inexoravelmente à absolvição, pois a culpabilidade do agente é diretamente vinculada à presença do elemento subjetivo. Portanto, ao se perscrutar a aplicação dos crimes de perigo abstrato, é crucial compreender que a tipicidade penal não se exaure na mera realização da conduta objetivamente perigosa, sendo indispensável a exigência de dolo para assegurar que a intervenção penal permaneça restrita às condutas realmente reprováveis. Nesse contexto, a condenação imposta pelo Tribunal a quo, fundada apenas na violação da norma sem a devida comprovação do dolo, é incompatível com os princípios fundamentais do Direito Penal, notadamente a presunção de inocência e a necessidade de intervenção mínima. Assim, no caso, a ausência de dolo, demonstrada pela falta de provas de que o acusado tinha intenção deliberada de lesar o consumidor, impede a subsunção da conduta ao tipo penal descrito no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.176/1991. Lei n. 8.176/1991, art. 1º, inciso I
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO TRIBUTÁRIO
Crime contra a ordem tributária. Art. 1º da Lei n. 8.137/1990. Conduta fraudulenta. Investigação criminal sem prévia constituição definitiva do crédito tributário. Possibilidade. Situação que excepciona a Súmula n. 24/STF.
A ação fraudulenta, que constitui o Fisco em erro, configura o desvalor da conduta nos crimes tributários do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, o que permite a instauração de inquérito policial sem prévia constituição definitiva do crédito tributário.
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de instaurar investigação criminal lato sensu sem que exista constituição definitiva do crédito tributário, tendo em vista o teor da súmula vinculante n. 24 do STF. O STF admite exceções à exigência da constituição definitiva do crédito tributário para iniciar uma investigação penal. São hipóteses excepcionais: I) quando "imprescindível para viabilizar a fiscalização" (HC 95.443, Segunda Turma, Rel. Ministra Ellen Gracie, j. 02.02.2010); II) havendo indícios da prática de outros delitos (HC 107.362, Segunda Turma, Ministro Rel. Teori Zavascki, j. 10.02.2015); e III) de acordo com as peculiaridades do caso concreto, (...) nos casos de embaraço à fiscalização ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal" (ARE 936.652 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Roberto Barroso, j. 24.05.2016). Na mesma linha, a jurisprudência do STJ deixa claro que a prática de falsidades e omissões de informações que constituem a conduta típica seriam suficientes para admitir a instauração de investigação policial ainda que sem a existência de constituição definitiva do crédito tributário. É entendimento pacífico que a investigação por crimes tributários não exige a prévia realização de fiscalização tributária. Assim sendo, para a aplicação da exceção não há necessidade de embaraço à fiscalização, com atos concretos e diversos da fraude típica, que impeçam que a autoridade tributária consiga ter as informações necessárias. Basta, na realidade, a verificação de fraudes dos investigados com relação a características e elementos do fato gerador, pois, em tais situações, a fiscalização tributária é completamente ineficaz. Ou, então, a existência de crimes diversos do delito tributário. Quando um indivíduo pratica comportamento proibido pela norma penal disposta no tipo dos incisos do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, já se está diante do que a dogmática penal chamada de desvalor da conduta. Ainda que outro seja o momento do desvalor do resultado, que é o da efetiva supressão ou redução do valor a ser pago a título de tributo (e que exige a constituição definitiva do crédito tributário), não se pode negar que já existe uma conduta fraudulenta proibida pelo tipo. Em suma, ao utilizar o termo "não se tipifica", a Súmula n. 24/STF afirmou somente que não era possível verificar a ocorrência do desvalor do resultado de redução ou supressão do valor do tributo a ser pago sem que, antes, o crédito deste tributo seja constituído definitivamente. Porém, não afastou - e nem poderia fazê-lo - o caráter fraudulento de determinadas condutas que têm a capacidade de ensejar a mencionada redução ou supressão do valor a ser pago a título de tributo. No caso, os investigados são suspeitos de realizarem vendas de veículos de luxo por meio de sua empresa, mas registrarem as vendas em nome de pessoas físicas, bem como de declarar valor da venda a menor. A conduta fraudulenta, independentemente da constituição definitiva do crédito tributário, (i) é contrária à norma disposta nos incisos do art. 1º; (ii) pode configurar a prática de delitos autônomos de falsidades e (iii) tem como característica exatamente dificultar ou impedir que o Fisco seja capaz de efetuar o lançamento por homologação, isto é, constitui o Fisco em "erro". Por conta desses três aspectos, não há dúvida de que essa conduta pode ser objeto de investigação independentemente da constituição definitiva do crédito tributário. Portanto, o teor da súmula vinculante n. 24 do STF somente impede que se inicie uma ação penal pelo delito consumado enquanto não houver tal constituição, mas não impede que se inicie investigação. Lei n. 8.137/1990, art. 1º Súmula Vinculante n. 24/STF
SEXTA TURMA
AgRg no AREsp 2.583.236-MG , Rel. Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Tribunal do Júri. Pronúncia. Princípio do in dubio pro societate . Pseudonorma. Inaplicabilidade. Acusação pautada em testemunhos indiretos (de ouvir dizer) e no clamor popular. Impossibilidade.
A submissão do acusado ao Tribunal do Júri, quando os indícios mínimos de autoria delitiva inquisitorial não são corroborados por elementos colhidos na fase processual, configura manifesto excesso acusatório.
O entendimento dogmático (outrora) firmado quanto à aplicabilidade do princípio do in dubio pro societate, na rarefeita fase de pronúncia vem sendo arrefecido pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, não mais se aplica a referida "pseudonorma", com base nos edificantes princípios da legalidade, do devido processo legal e, sobretudo, da presunção de inocência, conjugados à interpretação sistêmica dos artigos 413 e 414, do CPP, quando o standard probatório delineado nos autos não preenche necessário juízo de probabilidade (e não de mera prospecção/possibilidade) da acusação. Conforme já pontuado pela Suprema Corte, nos autos do RE 593.443/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema n. 154/STF), eventual decisão judicial de impronúncia de réu, despida de justa causa (fumus comissi delicti), não viola a atribuição persecutória a cargo do Parquet (como dominus litis), tampouco usurpa a competência constitucional - atribuída pelo constituinte originário - do legitimado juiz natural Popular, para regular processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Ambas as Cortes de Superposição têm assentado que elementos informativos, colhidos exclusivamente na fase inquisitorial, a exemplo da confissão extrajudicial e/ou quando fincados em testemunhos indiretos, de ouvir dizer (hearsay testimony), não se afiguram aptos, segundo inteligência sistemática dos arts. 155, caput, e 413, ambos do CPP, a amparar eventual pronúncia da parte acusada. A submissão do agente a (temerário) julgamento perante o Conselho de Sentença, por suposta prática de crime doloso contra a vida e eventuais crimes conexos - notadamente quando não corroborados (indícios mínimos de autoria delitiva inquisitorial) com outros elementos de convicção, em dialética fase processual, ainda que em sede de rarefeito juízo de prelibação acusatório (judicium accusationis), configura manifesto e insustentável (overchargin) excesso acusatório. Código de Processo Penal (CPP), art. 155, art. 413 e art. 414 Tema n. 154/STF
REsp 1.977.897-MS , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR
Justiça Castrense. Depoimento das testemunhas de acusação. Sistema presidencialista de inquirição. Expressa previsão do art. 418 do CPPM. Aplicação subsidiária do CPP. Inviabilidade.
Não há ilegalidade na adoção do sistema presidencialista de inquirição de testemunhas pela Justiça Militar.
A Lei n. 11.690/2008, que alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, não alterou a redação do art. 418 do Código de Processo Penal Militar. Assim, não há ilegalidade na adoção do sistema presidencialista de inquirição de testemunhas pela Justiça castrense. A regra insculpida no art. 418 do Código de Processo Penal Militar, o qual, encontra-se válido e regulamenta o sistema presidencialista de inquirição, em que o Juiz auditor pode inquirir, diretamente, as testemunhas, exercendo, ainda, a função de intermediar os questionamentos realizados pelos Juízes Militares, procuradores, assistentes e advogados das partes, não havendo, notadamente diante da existência de comando expresso, falar em aplicação subsidiária do Código de Processo Penal. Portanto, havendo regulamentação expressa no Código de Processo Penal Militar, relativa ao poder de inquirição do Juiz auditor, inviável a aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Penal, haja vista a exegese do art. 3º do CPPM disciplina que somente os casos omissos devem ser supridos pela legislação processual penal comum. Código de Processo Penal (CPP), art. 212 Código de Processo Penal Militar (CPPM), art. 3º e art. 418
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
ProAfR no REsp 2.124.701-MG , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024. ( Tema 1280 ). ProAfR no REsp 2.124.713-MG , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024 ( Tema 1280 ). ProAfR no REsp 2.124.717-MG , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024 ( Tema 1280 ).
DIREITO DO CONSUMIDOR
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.124.701-MG, n. 2.124.713-MG e n. 2.124.717-MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "aplicabilidade do instituto jurídico do consumidor, por equiparação, às ações indenizatórias decorrentes do desastre ambiental ocorrido em Brumadinho, e consequente cômputo do prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor".
ProAfR no REsp 2.109.502-SP , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 3/9/2024, DJe 16/9/2024. ( Tema 1281 ). ProAfR no REsp 2.110.632-SP , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 3/9/2024, DJe 16/9/2024 ( Tema 1281 ). ProAfR no REsp 2.116.714-SP , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 3/9/2024, DJe 16/9/2024 ( Tema 1281 ). ProAfR no REsp 2.116.715-SP , Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 3/9/2024, DJe 16/9/2024 ( Tema 1281 ).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.109.502-SP, n. 2.110.632-SP, n. 2.116.714-SP, e n. 2.116.715-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "possibilidade da aplicação do princípio da fungibilidade em apelação interposta contra ato judicial que julga a primeira fase da ação de exigir/prestar contas, ou sua impossibilidade, por se tratar de erro grosseiro, pelo entendimento de ser uma decisão parcial de mérito, quando procedente, desafiando o recurso de agravo de instrumento, ou terminativa de mérito, quando improcedente, a autorizar o manejo da apelação".
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
ProAfR no REsp 2.092.308-SP , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 16/9/2024. ( Tema 1282 ). ProAfR no REsp 2.092.310-SP , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 16/9/2024 ( Tema 1282 ). ProAfR no REsp 2.092.311-SP , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 16/9/2024 ( Tema 1282 ).
DIREITO DO CONSUMIDOR
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.092.308-SP, n. 2.092.310-SP e n. 2.092.311-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se a seguradora sub-roga-se nas prerrogativas processuais inerentes aos consumidores, em especial na regra de competência prevista no art. 101, I, do CDC, em razão do pagamento de indenização ao segurado em virtude do sinistro".