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Informativo do STJ 808 de 23 de Abril de 2024

Publicado por Superior Tribunal de Justiça


SÚMULAS

INTEIRO TEOR:

SÚMULA N. 421 (CANCELADA) Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença. Corte Especial, Súmula n. 421 cancelada em 17/4/2024.

SÚMULAS

INTEIRO TEOR:

SÚMULA N. 666 A legitimidade passiva, em demandas que visam à restituição de contribuições de terceiros, está vinculada à capacidade tributária ativa; assim, nas hipóteses em que as entidades terceiras são meras destinatárias das contribuições, não possuem elas legitimidade ad causam para figurar no polo passivo, juntamente com a União. Primeira Seção, aprovada em 18/4/2024, DJe de 22/4/2024.

SÚMULAS

INTEIRO TEOR:

SÚMULA N. 667 Eventual aceitação de proposta de suspensão condicional do processo não prejudica a análise do pedido de trancamento de ação penal. Terceira Seção, aprovada em 18/4/2024, DJe de 22/4/2024.

INTEIRO TEOR:

SÚMULA N. 668 Não é hediondo o delito de porte ou posse de arma de fogo de uso permitido, ainda que com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Terceira Seção, aprovado em 18/4/2024, DJe de 22/4/2024.

PRIMEIRA TURMA

Processo:

REsp 1.933.440-RS , Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 16/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO AMBIENTAL

Tema:

Processo administrativo ambiental. Intimação por edital para alegações finais. Declaração de nulidade. Prejuízo concreto à defesa. Necessidade de comprovação.

Destaque:

Nos processos administrativos ambientais previstos no art. 70, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.605/1998, somente é admissível a declaração judicial de nulidade processual, decorrente da intimação editalícia para apresentação de alegações finais, se comprovado prejuízo concreto à defesa do autuado.

INTEIRO TEOR:

Percebe-se, de início, que o comando do art. 122 do Decreto n. 6.514/2008 sempre obedeceu às disposições dos arts. 28 e 44 da Lei n. 9.784/1999. Assim, tem-se que, após a instrução, sempre foi conferida oportunidade para o administrado manifestar-se no processo em alegações finais, em perfeita sintonia com o preceito do art. 44 da "lei geral" do processo administrativo em âmbito federal. Nesse sentido, o oferecimento de alegações finais constitui um ônus processual imposto ao particular pela Lei n. 9.784/1999, a qual determina a intimação do interessado para que elas sejam apresentas (art. 28), intimação esta que o art. 122 do regulamento do processo administrativo ambiental nunca deixou de estabelecer, variando no tempo, tão somente, a forma pela qual o ato processual de intimação haveria de ocorrer. Assim, o ponto central da controvérsia encontra-se relacionado em saber se a forma de intimação prevista no art. 122 do Decreto n. 6.514/2008, no período de 22/7/2008 até 11/4/2019, configuraria, em si mesma, nulidade processual por afronta aos postulados do contraditório e da ampla defesa e, em especial, por infringência aos arts. 2º e 26, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.784/1999. No âmbito da Primeira Turma, por sua vez, colhem-se duas decisões colegiadas sobre o tema, ambas no sentido do reconhecimento da nulidade processual por violação ao art. 26 da Lei n. 9.784/1999 (AgInt no AREsp n. 1.701.715/ES, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 30/8/2021, DJe de 8/9/2021 e AgInt no REsp n. 1.374.345/PR, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 16/8/2016, DJe de 26/8/2016). No entanto, à luz do Decreto n. 6.514/2008 (antes do advento do Decreto 9.760/2019) em termos de regulação do "processo administrativo próprio", previsto no art. 70, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.605/1998, tem-se que lavrado o auto de infração ambiental, o infrator era e sempre foi pessoalmente notificado para apresentar defesa; ocorrendo ou não produção de provas em fase processual de instrução, o procedimento seguia seu curso para a fase subsequente, de alegações finais, cuja intimação fazia-se pela via editalícia apenas e tão somente nos casos em que a autoridade julgadora estivesse compelida a manter ou a diminuir as sanções impostas ao infrator pelo agente autuante. Antevendo-se, portanto, a possibilidade de agravamento da penalidade em decorrência das circunstâncias do caso concreto, o próprio regulamento específico do processo administrativo ambiental estabelecia o direito à intimação pessoal para apresentação de alegações finais, densificando, assim, a garantia de ampla defesa do autuado. O que se defende então, é que o regulamento específico do processo administrativo ambiental (Decreto n. 6.514/2008) não seja declarado ilegal à luz da aplicação subsidiária a esse processo do art. 26 da Lei n. 9.784/1999, simplesmente com base em uma defesa em abstrato do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa; mas sim que tais garantias fundamentais sejam eficazmente protegidas a partir da verificação de prejuízo concreto ao administrado decorrente da intimação editalícia para a apresentação de alegações finais. Trata-se, desse modo, de interpretação das regras legais e regulamentares aplicáveis ao caso concreto que prestigia o princípio da segurança jurídica pela vertente da preservação dos atos processuais, os quais, na moderna processualística, não devem ser objeto de declaração de nulidade por vício de forma se: i) realizados sob forma diversa da prevista em lei, atingiram a finalidade que deles se esperava; ou ii) realizados sob forma diversa, não acarretaram prejuízo concreto àquele a quem aproveitaria a declaração de nulidade (pas de nullité sans grief). Dessa forma, o prejuízo à defesa do autuado, na espécie, não se presume, haja vista que a intimação ficta para a apresentação de alegações finais tinha por pressuposto a proibição de agravamento das sanções impostas ao infrator pelo agente autuante, na forma do art. 123, parágrafo único, do Decreto n. 6.514/2008. Conclui-se, portanto, que nos processos administrativos ambientais previstos no art. 70, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.605/1998, aos quais se aplicam, subsidiariamente, as disposições da Lei n. 9.784/1999, somente é admissível a declaração judicial de nulidade processual decorrente da intimação editalícia para apresentação de alegações finais, tal como prevista no art. 122, parágrafo único, do Decreto n. 6.514/2008, na redação anterior ao advento do Decreto n. 9.760/2019, se comprovado prejuízo concreto à defesa do autuado. Lei n. 9.605/1998, art. 70, §§ 3º e 4º Lei n. 9.784/1999, arts. 26, 28 e 44 Decreto 6.514/2008, art. 122, parágrafo único, e 123

Processo:

REsp 1.937.626-RO , Rel. Ministra Regina Helena Costa, Rel. para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 12/3/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL

Tema:

Desapropriação por necessidade/utilidade pública. Direito de Extensão. Possibilidade. Lei Complementar n. 76/1993.

Destaque:

Admite-se a aplicação subsidiária do Direito de Extensão aos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública previsto na Lei Complementar n. 76/1993 quando a área remanescente for reduzida à superfície inferior a da pequena propriedade rural.

INTEIRO TEOR:

O Direito de Extensão consiste em englobar a totalidade do imóvel expropriado quando a desapropriação parcial tornar a área remanescente desprovida de conteúdo econômico. O instituto tinha expressa previsão no art. 12 do Decreto n. 4.956/1903, que regulava o processo sobre as desapropriações por necessidade ou utilidade pública. Contudo, o referido decreto foi expressamente revogado pelo Anexo IV do Decreto n. 11/1991. Assim, atualmente, o instituto está previsto apenas no art. 19, §1º, da Lei n. 4.504/1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências, bem como no art. 4º da Lei Complementar n. 76/1993, que regula a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Nesse passo, apesar de a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária ser espécie distinta da desapropriação por utilidade pública, a doutrina e a jurisprudência admitem a aplicação do Direito de Extensão a esta última modalidade, em decorrência do primado constitucional do direito de propriedade e da justa indenização. É importante reiterar que não existe disposição específica sobre o Direito de Extensão no Decreto-Lei n. 3.365/1941, tampouco na Lei n. 4.132/1952. O Decreto-Lei n. 3.365/1941 prevê somente que eventual depreciação/desvalorização da área remanescente do imóvel desapropriado deve ser levada em conta na fixação do valor da indenização, a título de compensação pelos prejuízos sofridos pelo expropriante, conforme se depreende do art. 27. Assim, a melhor solução, diante da lacuna legal (em relação ao Direito de Extensão para os casos de desapropriação por necessidade/utilidade pública), é a aplicação subsidiária do art. 4º da Lei Complementar n. 76/1993. Acontece que o art. 4º da Lei Complementar n. 76/1993 exige, para o exercício do direito de extensão, que a área remanescente fique reduzida à superfície inferior a da pequena propriedade rural, ou prejudicada substancialmente em suas condições de exploração econômica, caso seja o seu valor inferior ao da parte desapropriada. Dessa forma, ou se aplica subsidiariamente a supracitada Lei Complementar n. 76/1993, a qual assegura o Direito de Extensão, ou se aplica a previsão do Decreto-Lei n. 3.365/1941, que prevê somente que eventual depreciação/desvalorização da área remanescente do imóvel desapropriado seja levada em conta na indenização. No caso, a área remanescente teve seu conteúdo econômico esvaziado, em virtude da falta de água. Ocorre também que o valor da referida área é muito maior que o da parte desapropriada, circunstância que impede a extensão da desapropriação para alcançar a totalidade do imóvel, com fulcro no disposto no art. 4º, II, da Lei Complementar n. 76/1993. Dessa forma, não há como aplicar, o Direito de Extensão previsto subsidiariamente na norma que disciplina a desapropriação para fins de reforma agrária. Por outro lado, o expropriado tem direito a ser compensado pela desvalorização da área remanescente do imóvel, considerando que o laudo pericial atestou que o ato expropriatório impactou a exploração da parte restante do imóvel. Decreto n. 4.956/1903, art. 12 Lei n. 4.504/1964, art. 19, §1º Decreto n. 11/1991 Decreto-Lei n. 3.365/1941, art. 27 Lei n. 4.132/1952 Lei Complementar n. 76/1993, art. 4º

Processo:

AgInt no AREsp 2.310.912-MG , Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 20/2/2024, DJe 12/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema:

Execução fiscal. Seguro garantia. Pagamento da indenização antes do trânsito em julgado. Ilegalidade.

Destaque:

Não é possível, antes do trânsito em julgado da sentença, a intimação da empresa seguradora para depositar o valor do seguro oferecido como garantia de execução fiscal.

INTEIRO TEOR:

Na origem, o presente feito decorre de agravo de instrumento interposto pelo ente Estatal contra decisão do juízo da execução fiscal que indeferiu a excussão do seguro garantia antes do trânsito em julgado da ação anulatória, esta recebida como embargos à execução sem efeito suspensivo. De acordo com o art. 904 do CPC/2015, o desiderato do processo de execução por quantia certa é obter a satisfação do crédito exequendo, o qual pode se dar pela (I) entrega do dinheiro ou (II) pela adjudicação dos bens penhorados. Em regra, a execução de título extrajudicial é definitiva, de modo que, não havendo medida judicial que suspenda o seu curso, a existência de impugnação não impede a consecução dos atos expropriatórios e a imediata entrega do respectivo dinheiro decorrente da alienação judicial ao credor. Ocorre que a Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/1980), em seu art. 32, § 2º, contém disciplina própria, que condiciona a entrega do dinheiro depositado em juízo para o vencedor do processo à ocorrência do trânsito em julgado da decisão, conforme a seguinte redação: "Art. 32. - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos: [...] § 2º - Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente". Frise-se que esse dispositivo não especifica qual decisão seria essa, o que permite concluir que se trata da sentença extintiva da própria execução fiscal, aplicável, portanto, inclusive às hipóteses de pronto pagamento sem impugnação. Havendo impugnação, por lógico, o trânsito em julgado da sentença extintiva da execução somente ocorrerá depois de ocorrido o trânsito em julgado da sentença proferida na ação impugnativa. Dito isso, se o propósito da execução é satisfazer a dívida, carece de finalidade o ato judicial que intima a seguradora para realizar o depósito do valor assegurado antes do trânsito em julgado, pois somente depois de operada essa condição é que a razão de ser desse depósito - qual seja, a de possibilitar a correspondente entrega do dinheiro ao credor (por conversão em renda da Fazenda Pública) - poderá acontecer, consoante a aludida disposição da LEF. Ademais, cumpre observar que o Congresso Nacional, em 14/12/2023, derrubou o veto do Presidente da República ao art. 5º da Lei n. 14.689/2023, que acrescentou o § 7º ao art. 9º da Lei de Execuções Fiscais, proibindo a satisfação prévia do seguro garantia, cuja redação é a seguinte: "Art. 9º Em garantia da execução, o executado poderá: [...] II - oferecer fiança bancária ou seguro garantia; [...] § 7º As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada". A referida norma tem aplicabilidade imediata ao caso em apreço, em razão de seu nítido caráter processual, nos termos do art. 14 do CPC/15, de forma que está vedada a liquidação antecipada do seguro garantia antes do trânsito em julgado da sentença. Assim, deve ser reconhecida a impossibilidade de intimação da empresa seguradora para depositar o valor do seguro garantia antes do trânsito em julgado da sentença. Código de Processo Civil (CPC), arts. 14 e 904 Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/1980), arts. 9º, § 7º e 32, § 2º

SEGUNDA TURMA

Processo:

AgInt no AgInt no REsp 2.038.959-PR , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 16/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Coisa julgada parcial. Capítulo da sentença. Data da impetração. Não influência. Cumprimento de parcela incontroversa. Cumprimento provisório de capítulo de sentença. Possibilidade. Coisa julgada parcial ou progressiva.

Destaque:

O CPC de 2015 alberga a coisa julgada progressiva e autoriza o cumprimento definitivo de parcela incontroversa da sentença condenatória.

INTEIRO TEOR:

A nova lei processual se aplica imediatamente aos processos em curso (ex vi do art. 1.046 do CPC/2015), respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, enfim, os efeitos já produzidos ou a se produzir sob a égide da nova lei. Haja vista que o processo é constituído por inúmeros atos, o Direito Processual Civil orienta-se pela Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de determinar qual a lei que o regerá (princípio do tempus regit actum). Esse sistema está expressamente previsto no art. 14 do CPC/2015. Com base nesse princípio e em homenagem à segurança jurídica, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça interpretou o art. 1.045 do Código de Processo Civil de 2015, após concluir que o novo Código entrou em vigor no dia 18.3.2016, elaborou uma série de enunciados administrativos sobre regras de direito intertemporal (vide Enunciados Administrativos n. 2 e 3 do STJ). Esta Corte de Justiça estabeleceu que a lei que rege o recurso é aquela vigente ao tempo da publicação do decisum. Assim, se a decisão recorrida for publicada sob a égide do CPC/1973, este Código continuará a definir o recurso cabível para sua impugnação e a regular os requisitos de sua admissibilidade. A contrario sensu, se a intimação se deu na vigência da lei nova, será ela que vai regular integralmente a prática do novo ato do processo, o que inclui o cabimento, a forma e o modo de contagem do prazo. A sistemática do Códex Processual, ao albergar a coisa julgada progressiva e autorizar o cumprimento definitivo de parcela incontroversa da sentença condenatória, privilegia os comandos da efetividade da prestação jurisdicional e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/1988 e 4º do CPC/2015), bem como prestigia o próprio princípio dispositivo (art. 2º do CPC/15). CF/1988, art. 5º, LXXVIII CPC/2015, arts. 2º, 4º, 14, 1.045 e 1.046

TERCEIRA TURMA

Processo:

REsp 2.129.680-RJ , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024, DJe 10/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Côngrua/prebenda vitalícia por jubilamento de pastor evangélico. Natureza contratual da verba. Possibilidade de controle judicial em caso de inadimplemento. Ausência de interferência indevida do poder público no funcionamento de organização religiosa.

Destaque:

O reconhecimento de obrigação de natureza contratual de pagar verba de natureza alimentar a ministro de confissão religiosa inativo não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas.

INTEIRO TEOR:

A côngrua (católica) ou prebenda (evangélica) é uma verba de caráter alimentar que uma organização religiosa (cristã) paga a seus ministros de confissão religiosa (padre ou pastor) com finalidade de prover seu sustento. A obrigatoriedade do pagamento da côngrua que justifica o controle judicial pode ser compreendida pela evolução histórica de seu caráter tributário/fiscal para moral/natural e, em determinadas situações, contratual/civil. O caráter contratual da côngrua passa a existir quando a entidade prevê seu pagamento (i) de forma obrigatória, (ii) fundamentado em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal. A regra do art. 44, § 2°, do CC confere às organizações religiosas liberdade de funcionamento, que não é absoluta, pois está sujeita a reexame pelo judiciário da compatibilidade de seus atos com seus regulamentos internos e com a lei. Quando a côngrua assume caráter contratual, seu eventual inadimplemento pode ser apreciado pelo Poder judiciário sem que implique em interferência indevida do poder público no funcionamento da organização religiosa. Caso em que a organização religiosa havia reconhecido a obrigatoriedade do pagamento vitalício de "côngrua de jubilação" em decorrência da entrada em inatividade de seu pastor, com previsão estatutária e registro formal do ato deliberativo interno, e implementação do pagamento por quase vinte anos, deixando de pagar diferenças devidas nos últimos anos de vida do jubilado. O Tribunal de origem considerou que o inadimplemento não era razoável pelo comportamento contraditório da devedora em reconhecer a obrigação, pagar por longo tempo, e negar o dever de pagamento por entender que o adimplemento era mera liberalidade, razão pela qual entendeu violados os princípios da boa-fé e da proteção da confiança nas relações contratuais. Em outras palavras, o Tribunal de origem considerou que a côngrua teve seu pagamento (i) previsto de forma obrigatória (ii) em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal. Estão preenchidos, portanto, os elementos que permitem o controle judicial do inadimplemento de uma obrigação de caráter contratual. Portanto, o reconhecimento pelo poder judiciário de obrigação (de natureza contratual), assumida por pessoa jurídica de direito privado (igreja evangélica) de pagar verba de natureza alimentar (côngrua) a preposto (pastor) após ato de inativação (jubilamento) previsto em normativo interno (estatuto) e formalizada em ato interno (ata) - com base em regramentos internos e com princípios de direito contratual - não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas, afigurando-se ausente a violação ao art. 44, § 2º, do CC. Código Civil (CC), art. 44, § 2º

Processo:

REsp 2.087.632-DF , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 16/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Obrigação de não fazer. Lei n. 9.870/1999. Mensalidades Escolares. Distinção entre alunos do mesmo curso. Impossibilidade. Cobrança de valores adicionais. Possibilidade nas hipóteses legais. Necessidade de comprovação pela instituição de ensino.

Destaque:

É possível a cobrança diferenciada de mensalidade entre calouros e veteranos, desde que demonstrado o aumento do custo pela alteração no método de ensino.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia em verificar se é possível a cobrança de mensalidades escolares em valores distintos entre alunos do mesmo curso, mas em diferentes períodos. Alunos do primeiro semestre de medicina propuseram ação contra a faculdade objetivando a revisão da mensalidade para que fosse a mesma paga pelos veteranos. Isso porque o §1º do art. 1º da Lei n. 9.870/1999 determina que o valor deve ter como base o aplicado no ano anterior, não tendo sido comprovada, mediante planilha, a variação de custos, como previsto no §3º do referido dispositivo legal. É reconhecida a possibilidade de variação da mensalidade entre os alunos de anos distintos, decorrente do aumento do custeio em razão da implementação do método pedagógico. Ou seja, é possível a cobrança diferenciada entre calouros e veteranos, desde que demonstrado o aumento do custo pela alteração no método de ensino. Lei n. 9.870/1999, art. 1º §§ 1º e 3°

Processo:

REsp 2.107.107-SP , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/4/2024, DJe 19/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Direito funerário. Jazigo em cemitério particular. Contrato de concessão de direito real de uso perpétuo. Resolução do contrato. Retorno ao estado anterior. Restituição da titularidade do direito real. Devolução do valor pago. Retenção de percentual pelo tempo de uso.

Destaque:

A resolução do contrato implica o retorno das partes ao estado anterior à avença, devendo a titularidade do direito real retornar ao mantenedor do cemitério, com a restituição do respectivo valor pago, admitindo-se a retenção de percentual suficiente para indenizar pelo tempo de privação de uso do jazigo.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia em saber se, na hipótese de concessão de direito real de uso perpétuo de jazigo em cemitério particular, a resolução contratual enseja a restituição dos valores pagos. Na jurisprudência desta Corte, nos poucos precedentes sobre o tema, definiu-se que o jus sepulchri (direito de sepultura) em cemitérios públicos é regido pelo direito público, enquanto o jus sepulchri em cemitério particular é regido pelo direito privado, aplicando-se, inclusive, o Código de Defesa do Consumidor (REsp n. 747.871/RS, Segunda Turma, DJe 18/11/2008; e REsp n. 1.090.044/SP, Terceira Turma, DJe 27/6/2011). A par das diversas classificações defendidas (enfiteuse, propriedade limitada ou resolúvel, servidão etc.), tem-se que o jus sepulchri mais se assemelha ao direito real de uso do jazigo, que pode ser cedido pelo cemitério particular ao interessado. Não se trata, todavia, de um comum direito real de uso, previsto no Código Civil. Dentre as suas diferenças, o Código prevê a sua extinção pela morte do usuário, por aplicação subsidiária do art. 1.410, enquanto a doutrina é pacífica no sentido de que uma das características essenciais do jus sepulchri é a sua transferência por ocasião do falecimento do titular, sendo admitida, ainda, a cessão onerosa entre vivos, quando se trata de jazigo vazio em cemitério particular. Como é cediço, no âmbito do direito privado, o contrato pode ser extinto antes de sua execução por causas supervenientes à sua formação, por meio da resolução ou resilição (ambas genericamente chamadas de rescisão contratual). Registra-se que a jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de a própria parte inadimplente pleitear a resolução do contrato, diante da insuportabilidade das prestações (REsp n. 1.300.418/SC, Segunda Seção, DJe 10/12/2013). Essa é a hipótese do caso em discussão, tendo em vista que uma das partes, alegando não mais possuir condições de pagar as taxas pactuadas, ajuizou a presente ação, requerendo a "rescisão contratual", com a restituição ao estado anterior. Ressalta-se que as partes não divergem quanto à resolução do contrato, nem quanto à restituição da titularidade do direito real de uso do jazigo ao cemitério. A controvérsia se limita à possibilidade ou não de restituição das quantias pagas em negócio pactuado, em que o recorrente, de um lado, se comprometeu a transferir o direito real de uso perpétuo do jazigo e o recorrido, em contraprestação, se comprometeu pagar o valor equivalente na forma pactuada, além de pagar a taxa semestral de manutenção e administração. Nesse sentido, a resolução do contrato implica a restituição das partes ao status quo ante, com a restituição recíproca de todos os valores necessários para que as partes retornem ao estado anterior à avença, indenizando-se o que não puder ser restituído, além de perdas e danos. Assim, o recorrente (mantenedor do Cemitério) deve receber de volta a titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, que poderá, novamente, ser transferido de forma onerosa a outrem (até mesmo por valor igual ou superior ao que foi pago pelo recorrido). No contrato em exame, o objeto é a transferência da titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, de modo que o valor pago não foi correspondente a apenas um período determinado de uso, mas sim pelo uso perpétuo, o que, como visto, não se consumou. Sendo assim, se a titularidade do direito real retornará ao mantenedor do Cemitério, este deve restituir o respectivo valor pago sob pena, inclusive, de enriquecimento sem causa. Ressalte-se, contudo, que não se pode admitir que a parte use o jazigo pelo período que bem entender e obtenha a resolução do contrato com a restituição integral do valor pago, sob pena de também caracterizar enriquecimento sem causa, pelo tempo de uso gratuito do jazigo. Assim, diante da natureza desse contrato e considerando que o valor pago foi pelo uso perpétuo, a melhor forma de indenizar pelo período efetivamente usado é autorizar ao Cemitério a retenção de parte do valor pago, proporcionalmente ao tempo utilizado, a ser analisada em cada hipótese. Código Civil (CC), art. 1.410

Processo:

REsp 2.112.853-MS , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 7/3/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO DOS POVOS ORIGINÁRIOS

Tema:

Ação Civil Pública. Publicação de artigo ofensivo à honra dos povos indígenas. Danos morais coletivos. Condenação em valor irrisório. Majoração. Possibilidade.

Destaque:

Não viola a súmula n. 7/STJ a majoração de valor irrisório de danos morais coletivos em razão da publicação na Internet de artigo ofensivo à honra dos povos indígenas.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia em verificar se é irrisório e deve ser majorado o valor arbitrado a título de indenização por danos morais coletivos em razão de publicação na Internet de artigo ofensivo à honra dos povos indígenas do Estado do Mato Grosso do Sul. A fim de densificar a proteção constitucional estabelecida pelo art. 231 da CF/88, a Lei da Ação Civil Pública assegura a reparação por danos extrapatrimoniais causados em prejuízo à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos (art. 1º, VIII, da Lei n. 7.347/1985). A jurisprudência desta Corte tem afastado a aplicação da Súmula 7/STJ e permitido a revisão do valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de danos morais quando o montante é considerado irrisório ou abusivo. O montante arbitrado de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pode ser considerado irrisório, pois insuficiente para alcançar as finalidades de punição, dissuasão e reparação, além de se mostrar desproporcional com a gravidade da conduta de escrever e divulgar, por meio da Internet, artigo com caráter preconceituoso e incitador de ódio contra os povos indígenas, devendo ser majorado para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Constituição Federal (CF/1988), art. 231 Lei n. 7.347/1985, art. 1º, VIII Súmula n. 7/STJ

QUARTA TURMA

Processo:

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/3/2024, DJe 11/3/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Divórcio. Manutenção do uso do nome de casada. Direito indisponível. Direito ao nome. Direito da personalidade. Proteção. Longo tempo de uso contínuo.

Destaque:

A alteração do nome civil para exclusão do patronímico adotado pelo cônjuge, em razão do casamento, é inadmissível se não houver circunstâncias que justifiquem a alteração, especialmente quando o sobrenome se encontra incorporado e consolidado em virtude de seu uso contínuo por longo período de tempo.

INTEIRO TEOR:

O art. 1.578 do Código Civil prevê a perda do direito de uso do nome de casado para o caso de o cônjuge ser declarado culpado na ação de separação judicial. Mesmo nessas hipóteses, porém, a perda desse direito somente terá lugar se não ocorrer uma das situações previstas nos incisos I a III do referido dispositivo legal. Assim, a perda do direito ao uso do nome é exceção, e não regra (AgRg no AREsp n. 204.908/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 3/12/2014). Segundo a jurisprudência do STJ, "conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo- se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros. Precedentes" (REsp n. 1.873.918/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 4/3/2021) e (AgInt na HDE n. 3.471/EX, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, DJe 27/05/2021). Dessa forma, a alteração do nome civil para exclusão do patronímico adotado pelo cônjuge virago, em razão do casamento, por envolver modificação substancial em um direito da personalidade, é inadmissível quando ausentes quaisquer circunstâncias que justifiquem a alteração, especialmente quando o sobrenome se encontra incorporado e consolidado em virtude de seu uso contínuo, como no presente caso, por quase 20 anos. Código Civil (CC), art. 1.578

Processo:

AgInt no REsp 2.017.851-SP , Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2024, DJe 28/2/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE

Tema:

Plano de saúde. Danos materiais. Tratamento de câncer. Fornecimento de medicamento prescrito por médico assistente. Rol de procedimentos da ANS. Desimportância.

Destaque:

A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS não importa para fins de análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer.

INTEIRO TEOR:

A Quarta Turma do STJ, em julgamento realizado em dezembro de 2019, firmou entendimento no sentido de que o rol da Agência Nacional de Saúde - ANS não pode ser considerado meramente exemplificativo, sob pena de se inviabilizar a saúde suplementar (REsp n. 1.733.013-PR, Quarta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe 20/2/2020). Todavia, "há categorias de produtos (medicamentos) que não precisam estar previstas no rol - e de fato não estão. Para essas categorias, não faz sentido perquirir acerca da taxatividade ou da exemplaridade do rol" - dentre eles, os medicamentos para tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução da ANS. Ademais, segundo a jurisprudência do STJ, "é abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de custear a cobertura do medicamento registrado na ANVISA e prescrito pelo médico do paciente, ainda que se trate de fármaco off-label, ou utilizado em caráter experimental" (AgInt no AREsp n. 1.653.706-SP, Terceira Turma, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020).

Processo:

REsp 2.063.145-RS , Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/3/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema:

Inscrição em cadastro de inadimplentes. Notificação prévia via e-mail. Validade. Art. 43, §2º, do CDC. Atendimento. Comprovação do envio e da entrega da comunicação ao servidor de destino. Necessidade.

Destaque:

É válida a comunicação remetida por e-mail para fins de notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, desde que comprovado o envio e entrega da comunicação ao servidor de destino.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia a definir a validade ou não da comunicação remetida por e-mail ao consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes para fins de atendimento ao disposto no art. 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. O dispositivo legal determina que a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. Considerando que é admitida até mesmo a realização de atos processuais, como citação e intimação, por meio eletrônico, inclusive no âmbito do processo penal, é razoável admitir a validade da comunicação remetida por e-mail para fins de notificação prevista no art. 43, § 2º, do CDC, desde que comprovado o envio e entrega da comunicação ao servidor de destino. Assim como ocorre nos casos de envio de carta física por correio, em que é dispensada a prova do recebimento da correspondência, não há necessidade de comprovar que o e-mail enviado foi lido pelo destinatário. Comprovado o envio e entrega de notificação remetida ao e-mail do devedor constante da informação enviada ao banco de dados pelo credor, está atendida a obrigação prevista no art. 43, § 2º, do CDC. Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 43, §2º Súmula n. 404/STJ

Processo:

REsp 2.095.475-SP , Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 9/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO EMPRESARIAL

Tema:

Sociedade Anônima. Responsabilidade civil de sócio administrador. Alienação de imóvel. Assembleia-geral. Aprovação de contas. Transferência de ações às vésperas da assembleia. Fraude caracterizada. Interesses exclusivos dos sócios e da companhia. Anulabilidade. Impossibilidade de reconhecimento do vício de ofício. Necessidade de prévia invalidação da assembleia para o manejo da ação responsabilizatória.

Destaque:

O vício de voto, na hipótese de acionista votar nas deliberações de assembleia-geral de sociedade anônima relativa à aprovação de suas próprias contas como administrador, conduz a sanção de anulabilidade, sendo necessária a prévia desconstituição da assembleia para que se autorize a responsabilização do sócio administrador.

INTEIRO TEOR:

Ação de responsabilidade proposta por acionistas minoritários em que pleiteiam a condenação dos administradores a indenizar a companhia pelos prejuízos decorrentes de venda de imóvel em montante substancialmente inferior ao seu efetivo potencial econômico. Realizada a assembleia de aprovação das contas com participação do sócio administrador por intermédio de pessoa jurídica à qual havia transferido a totalidade de sua participação societária às vésperas do conclave, violou-seo a proibição prevista no art. 115, § 1º, da Lei n. 6.404/1976. Acerca do regime das invalidades das deliberações assembleares, há significativa divergência sobre a aplicabilidade estrita das normas societárias, a incidência do regime civil das invalidades ou sua regência por um regime especial, em que se complementam ambas as disciplinas, sendo que o CC/02 estabelece, em seu art. 1.089, que sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições do estatuto civil. A partir do disposto no art. 286 da LSA, infere-se que há um regime especial de invalidades aplicado à companhia, partindo da regulação setorial, que estabelece a sanção de anulabilidade às invalidades, mas coexiste com a sistematização civil, a depender do interesse violado, vale dizer, a determinação do regime a ser aplicado dependerá dos interesses jurídicos tutelados ou dos interesses em jogo. Considerando a diversidade de relações jurídicas que decorrem do exercício da atividade da sociedade por ações, a melhor exegese consiste em restringir, em princípio, a aplicação da legislação setorial apenas às relações intrassocietárias - relações entre os sócios ou, ainda, relações entre os sócios e a própria sociedade -, remanescendo a disciplina geral estabelecida pela lei civil tão somente àquelas hipóteses em que os efeitos das deliberações alcancem a esfera jurídica de terceiros. A aplicação eventual e residual do regime civil de invalidades à seara empresarial deve sofrer adaptações, como a (i) não aplicabilidade do princípio de que o ato tido por nulo não produz nenhum efeito, de molde a preservar os interesses de terceiros, (ii) a existência de prazos de invalidação mais exíguos, em virtude da necessidade premente de estabilização das relações societárias, e (iii) a ampla possibilidade de sanação dos atos ou negócios jurídicos. Os interesses relacionados à aprovação assemblear das contas do administrador circunscrevem-se aos acionistas e à própria companhia, vale dizer, traduzem interesse econômico dos acionistas e da companhia na alienação de bem imóvel por valor superior ao que fora efetivamente praticado e que teria, por isso, lhes causado significativo prejuízo e, caso seja procedente a demanda ressarcitória, o decreto apenas os aproveitará. Inexistem, pois, interesses de coletividade ou de terceiros tutelados pelas normas em questão. Considerando que o regime especial de invalidades das deliberações assembleares tem por referência fundamental o interesse violado, é possível inferir que a hipótese em questão se trata, em verdade, de anulabilidade da deliberação. Cuidando-se de vício de voto - quando são os próprios votos proferidos na assembleia eivados de vícios que podem conduzir à invalidade -, somente os votos eivados serão invalidados, estendendo-se à deliberação específica para a qual o voto concorreu tão somente se o resultado não teria sido obtido sem sua conjunção. O sócio administrador transferiu a totalidade de sua participação acionária às vésperas da assembleia para sociedade empresária da qual, juntamente com sua cônjuge, era detentor de 100% (cem por cento) do capital social, e que votou de maneira determinante para a aprovação das contas. A personalidade jurídica da sociedade empresária tem o efeito de lhe conferir autonomia e independência em relação aos seus sócios e seu patrimônio. Contudo, o contexto fático demonstra não ter existido as necessárias independência e isenção na apreciação das contas do administrador por intermédio de holding familiar. Hipótese em que o fato relevante para a configuração da fraude ao comando legal reside muito mais na proximidade entre a data da transferência da participação acionária e a assembleia de aprovação das contas do que na data da criação da sociedade empresária para quem as quotas foram transferidas. A sociedade existia há várias décadas, mas a transferência das ações deu-se em ocasião vizinha à data da assembleia. Portanto, o elemento temporal, de significativa importância para a configuração da fraude, aponta no sentido de que a transferência foi realizada com a finalidade de possibilitar a participação do próprio administrador no conclave. Sendo reservada ao vício de voto a sanção de anulabilidade, não poderia ter sido reconhecida de ofício, tal como o fez o Tribunal de origem, o qual afastou também o prazo decadencial para sua decretação. Exige-se, de acordo com a jurisprudência do STJ, a prévia desconstituição da assembleia, nos termos do art. 134, § 3º, da LSA. O dispositivo de lei exonera de responsabilidade os administradores da companhia, se suas demonstrações financeiras e contas forem aprovadas sem ressalvas. Isso significa que a assembleia confere um quitus aos administradores ao apreciar a regularidade de sua gestão, que, por constituir uma presunção juris tantum de legitimidade, exige sua desconstituição para tornar possível a responsabilização. Lei n. 6.404/1976, arts. 115, § 1º, 286 e 134, § 3º Código Civil (CC/2002), art. 1.089

Processo:

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2024, DJe 28/2/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Renúncia de mandato. Representação processual. Regularização. Ciência dada pelo patrono ao seu constituinte. Intimação da parte. Determinação judicial. Prescindibilidade. Constituição de novo advogado. Ônus da parte.

Destaque:

A renúncia de mandato devidamente comunicada pelo patrono ao seu constituinte prescinde de determinação judicial para a intimação da parte com o propósito de regularizar a representação processual nos autos, incumbindo à parte o ônus de constituir novo advogado.

INTEIRO TEOR:

É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, no caso de recurso interposto sem procuração nos autos, se a parte recorrente, instada a regularizar a representação processual, não o faz no prazo assinado, não se conhece do pleito recursal, de acordo com art. 76, § 2º, I, do Código de Processo Civil de 2015. Registre-se ainda que a renúncia de mandato, devidamente comunicada pelo patrono ao seu constituinte conforme preconizado pelo art. 112 do Código de Processo Civil, prescinde de determinação judicial para a intimação da parte com o propósito de regularizar a representação processual nos autos, incumbindo à parte o ônus de constituir novo advogado. Nesse sentido, veja-se o seguinte precedente: [...] "a jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento no sentido de que a renúncia de mandato regularmente comunicada pelo patrono ao seu constituinte, na forma do art. 112 do NCPC, dispensa a determinação judicial para intimação da parte, objetivando a regularização da representação processual nos autos, sendo seu ônus a constituição de novo advogado" [...]. (AgInt no REsp n. 1.874.212/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023.). Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 76, § 2º, I e 112

QUINTA TURMA

Processo:

AgRg no AgRg no REsp 1.970.697-PR , Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 19/3/2024, DJe 5/4/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Lavagem de dinheiro. Indenização pelo dano causado pela infração antecedente. Possibilidade limitada à incorporação de recursos ilícitos no patrimônio ou obtenção de proveito.

Destaque:

O patrimônio de terceiro que praticou a lavagem de dinheiro, mas não cometeu o crime antecedente, só poderá ser atingido, se for demonstrado que determinados bens, direitos ou valores constituem instrumento, produto ou proveito do crime anterior.

INTEIRO TEOR:

O § 2º, do art. 4º, da Lei n. 9.613/1998, deve ser interpretado restritivamente, sob pena de criar indevidas hipóteses de responsabilidade integral ou solidária não previstas em lei. Há autonomia entre a lavagem de dinheiro e o crime antecedente, no que se refere à quantificação do proveito econômico, motivo pelo qual só podem ser constritos os bens, direitos ou valores que tenham relação com a lavagem de capitais. Em outras palavras, aqueles que lavam dinheiro só possuem a obrigação de indenizar os danos causados pela infração antecedente enquanto subsistir patrimônio ou proveito que guarde relação direta com os bens, direitos ou valores obtidos de forma ilícita. É inviável a aplicação do art. 932, inciso V, do Código Civil, para estabelecer a responsabilidade solidária, se não há provas de que tenha havido proveito ou acréscimo patrimonial em decorrência do crime antecedente praticado exclusivamente por outrem. Não se pode responsabilizar os corréus da lavagem de dinheiro pelo dano oriundo do crime antecedente, na hipótese em que este foi praticado exclusivamente por um dos agentes, pois o art. 942 do Código Civil estabelece a responsabilidade solidária apenas para os coautores do mesmo ato ilícito. Lei n. 9.613/1998, art. 4º, § 2º Código Civil (CC), arts. 932, inciso V e 942

SEXTA TURMA

Processo:

AgRg no HC 833.985-SP , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2024, DJe 28/2/2024.

Ramo do Direito:

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Guardas municipais. Busca pessoal. Diligências ostensivas típicas da atividade policial. Ilicitude das provas obtidas. Matéria pacificada no âmbito da Terceira Seção do STJ.

Destaque:

A função das guardas municipais é restrita à proteção de bens, serviços e instalações municipais, não lhes sendo permitido realizarem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil.

INTEIRO TEOR:

Recentemente, a Terceira Seção do STJ destacou que, no julgamento da ADPF n. 995, em 25/8/2023, o Supremo Tribunal Federal reafirmou sua posição de que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública, mas, novamente, não lhes conferiu poderes idênticos aos dos órgãos policiais. Citou trecho do voto do Relator Ministro Alexandre de Moraes afirmando que "as Guardas Municipais têm entre suas atribuições primordiais o poder-dever de prevenir, inibir e coibir, pela presença e vigilância, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais". Concluindo-se, assim, que as guardas municipais poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações excepcionais - e por isso interpretadas restritivamente - nas quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata relação com a finalidade da corporação, como instrumento imprescindível para a realização de suas atribuições. Vale dizer, salvo na hipótese de flagrante delito, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se, além de justa causa para a medida (fundada suspeita), houver pertinência com a necessidade de tutelar a integridade de bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, assim como proteger os seus respectivos usuários, o que não se confunde com permissão para desempenharem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária em qualquer contexto. (HC 830.530/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 4/10/2023). No caso, tendo em vista que a guarda municipal atuou ostensivamente com a finalidade de reprimir a criminalidade urbana em atividade tipicamente policial e completamente alheia às suas atribuições constitucionais, realizando busca pessoal em razão de visualizar o paciente em local conhecido como ponto de venda de drogas - cracolândia -, juntamente com mais três indivíduos ao redor de um caixote, conversando, em meio a um grande número de pessoas, e correndo ao visualizar a aproximação dos guardas, deve-se reconhecer a ilicitude das provas colhidas com base nessa diligência e de todas as que delas derivaram (art. 157, § 1º, do CPP). Código de Processo Penal (CPP), art. 157, § 1º

RECURSOS REPETITIVOS - CANCELAMENTOS DE AFETAÇÃO

Processo:

ProAfR no REsp 2.050.957-SP , Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 12/9/2023, DJe 22/9/2023 ( Tema 1216 ).

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL

Tema:

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento do dia 18/4/2024, por votação unânime, acolheu a questão de ordem para desafetação do REsp Repetitivo n. 2.050.957/SP e cancelamento do respectivo Tema 1216 , cuja questão submetida a julgamento estava assim delimitada: "possibilidade de aplicação do instituto da consunção com o fim de reconhecer a absorção do crime de conduzir veículo automotor sem a devida permissão para dirigir ou sem habilitação (art. 309 do CTB) pelo crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB)".

RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO

Processo:

ProAfR no REsp 1.976.618-RJ , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 09/4/2024, DJe 23/4/2024. ( Tema 1247 ). ProAfR no REsp 1.995.220-RJ , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 09/4/2024, DJe 23/4/2024 ( Tema 1247 ).

Ramo do Direito:

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema:

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 1.976.618-RJ e 1.995.220-RJ ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "a possibilidade de se estender o creditamento de IPI previsto no art. 11, da Lei n. 9.779/1999 também para os produtos finais não tributados (NT), imunes, previstos no art. 155, §3º, da CF/1988".