Informativo do STJ 756 de 14 de Novembro de 2022
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
PRIMEIRA SEÇÃO
MS 18.442-DF , Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 09/11/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Anistia. Ex-militares da Força Aérea. Autotutela. Decadência. Não ocorrência. Tese firmada pelo STF em sede de Repercussão Geral (Tema n. 839/STF).
No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria n. 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.
Em anterior apreciação, esta Primeira Seção concedeu a ordem em harmonia com a jurisprudência então formada, no sentido de que "o direito da Administração de rever portaria concessiva de anistia é limitado ao prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999, salvo se comprovada a má-fé do destinatário, hipótese sequer alegada na espécie". Todavia, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, sob o regime de repercussão geral (Tema n. 839/STF), o Recurso Extraordinário 817.338/DF, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, assentou compreensão diversa, declarando que, "no exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria n. 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas", ainda que transcorrido lapso maior que o quinquênio previsto na LPA.
PRIMEIRA TURMA
REsp 1.951.855-SC , Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/11/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO
Créditos presumidos de ICMS. Exclusão da base de cálculo do IRPJ/CSLL. Mandado de segurança objetivando a declaração do direito à restituição do indébito na via administrativa. Cabimento.
É possível assegurar, na via administrativa, o direito à restituição do indébito tributário reconhecido por decisão judicial em mandado de segurança.
O direito de o contribuinte reaver os valores pagos indevidamente ou a maior, a título de tributos, encontra-se expressamente assegurado nos arts. 165 do CTN, 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996 e 66, § 2º, da Lei n. 8.383/1991, podendo ocorrer de duas formas: pela restituição do valor recolhido, isto é, quando o contribuinte se dirige à autoridade administrativa e apresenta requerimento de ressarcimento do que foi pago indevidamente ou a maior; ou mediante compensação tributária, na qual o crédito reconhecido é utilizado para quitação de débitos vincendos de quaisquer tributos ou contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, após o trânsito em julgado da decisão judicial. Em ambas as hipóteses, não há qualquer restrição vinculada à forma de reconhecimento do crédito - administrativa ou decorrente de decisão judicial proferida na via mandamental, para a operacionalização da devolução do indébito. Ressalta-se que a Súmula 269/STF (O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança) não tem aplicação ao caso concreto, no qual o contribuinte visa tão somente obter pronunciamento judicial para se declarar o direito de buscar a restituição na esfera administrativa, mediante requerimento à Administração Tributária. Ou seja, o provimento judicial buscado pela via mandamental não é condenatório, mas apenas declaratório do direito de se garantir o ressarcimento do indébito tributário, cuja natureza jurídica é semelhante ao provimento declaratório da compensabilidade dos valores indevidamente pagos, que representa uma modalidade de restituição do indébito tributário. Aliás, há muito esta Corte Superior já consolidou orientação de que o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária - Súmula 213/STJ. Registra-se, ainda, que a Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.114.404/MG, sob a sistemática do recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que a sentença declaratória do crédito tributário se consubstancia em título hábil ao ajuizamento de ação visando à restituição do valor devido. Referido entendimento foi reproduzido ainda no enunciado da Súmula 461 do próprio STJ (o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado). Ademais, não há obrigatoriedade de submissão do crédito reconhecido pela via mandamental à ordem cronológica de precatórios, na forma imposta pelo art. 100 da Constituição Federal, já que esse dispositivo se refere ao provimento judicial de caráter condenatório, que reconhece um direito creditório, o que não se verifica na hipótese, em que a sentença apenas declara o direito de repetição de indébito pela via administrativa, ainda que em espécie. Registra-se, por fim, que, ao consignar que a restituição de indébito tributário reconhecido na via mandamental sujeita-se ao regime de precatório previsto no art. 100 da Carta Magna, a Corte Regional dissentiu da compreensão firmada por ambas as turmas integrantes da Primeira Seção do STJ, segundo a qual o mandado de segurança é via adequada para declarar o direito à compensação ou restituição de tributos, sendo que, em ambos os casos, concedida a ordem, os pedidos devem ser requeridos na esfera administrativa, restando, assim, inviável a via do precatório, sob pena de conferir indevidos efeitos retroativos ao mandamus. Além disso, admitir o uso da via do mandado de segurança como ação de cobrança é vedado, respectivamente, pela Súmula 271/STF (Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria) e pela Súmula 269/STF (O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança). Todavia, é impositivo o reconhecimento do direito do contribuinte de pleitear administrativamente a compensação ou a restituição do indébito tributário decorrente do direito líquido e certo declarado por meio deste mandado de segurança.
REsp 1.951.855-SC , Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/11/2022.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Crédito presumido de ICMS. Exclusão das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Aplicação de entendimento firmado pela Seção de Direito Público do STJ (ERESP 1.517.492/PR). Questão análoga analisada pelo STF sob o rito da repercussão geral. Princípio federativo.
Não é possível a inclusão de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, não tendo a LC n. 60/2017 aptidão para alterar a conclusão de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação ao princípio federativo.
A Primeira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp 1.517.492/PR, de relatoria da Ministra Regina Helena Costa, DJe de 01/02/2018, firmou o entendimento de não ser possível a inclusão de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, por representar interferência da União na política fiscal adotada por Estados, configurando ofensa ao princípio federativo e à segurança jurídica. Relativamente à entrada em vigor da LC n. 60/2017, a Primeira Seção, no julgamento do AgInt nos EREsp 1.462.237/SC, decidiu que a superveniência de lei que determina a qualificação do incentivo fiscal estadual como subvenção de investimentos não tem aptidão para alterar a conclusão de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação ao princípio federativo. Ademais, no julgamento dos EREsp 1.517.492/PR, apoiou-se a Primeira Seção em pronunciamento do Pleno do Supremo Tribunal Federal, no regime da repercussão geral, de modo que não há obrigatoriedade de observância do art. 97 da CF/1988.
SEGUNDA TURMA
AREsp 1.674.697-RJ , Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por maioria, julgado em 08/11/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Servidão administrativa. Imissão na posse. Valor apurado unilateralmente. Violação ao art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
É cabível a avaliação pericial provisória como condição à imissão na posse nas ações regidas pelo Decreto-Lei n. 3.365/1941, quando não observados os requisitos previstos no art. 15, § 1.º, do referido diploma.
A controvérsia em si gira em torno unicamente da correta interpretação do texto do art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 e, por consequência, dos requisitos exigidos para a imissão provisória da concessionária na posse do bem imóvel objeto da pretensão constitutiva de servidão administrativa. Transpondo as regras previstas nos arts. 680 a 685 do CPC/1973 aos processos regidos pelo Decreto-Lei n. 3.365/1941, o que se vê é que o procedimento de avaliação do bem, conforme o antigo Código, apresentava-se em breve contraditório, e por isso as partes auxiliariam o avaliador na aquilatação do bem, quando então, depois da manifestação de todos esses sujeitos processuais, o magistrado poderia determinar a complementação do valor ofertado inicialmente. Desse modo, a correta leitura da cabeça do art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 deve ser a de que, regra geral, para haver a imissão provisória na posse o ente público interventor deve cumulativamente (a) alegar urgência e (b) depositar a quantia apurada, mediante contraditório, em avaliação prévia, da qual pode resultar inclusive a complementação da oferta inicial. Essa regra geral pode ceder espaço, contudo, a procedimento de que não participa o proprietário do bem. Nesse sentido, a imissão provisória na posse pode ser feita, sem a oitiva do proprietário, e sem a avaliação prévia, desde que (a) seja depositado o preço oferecido, sendo este superior a vinte vezes o valor locativo do imóvel sujeito a IPTU; (b) seja depositada a quantia correspondente a vinte vezes o valor locativo do imóvel sujeito a IPTU, se o preço for menor; (c) seja depositado o valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do IPTU, caso tenha havido atualização no ano fiscal imediatamente anterior; ou (d) se não tiver havido essa atualização, o juiz fixará o valor a ser depositado tendo em conta a época em que houver sido fixado originalmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel. Assim, o contraditório do proprietário do bem é dispensado apenas se o ente público interventor cumpre algum desses requisitos, que basicamente se bipartem em duas ordens: a oferta inicial deve ser superior a vinte vezes o preço locativo e, caso não seja, isso deve ser complementado (hipótese da alínea "b"), ou a oferta deve ser correspondente ao valor cadastral do imóvel, desde que atualizado no ano fiscal anterior ao da propositura da demanda, e se não tiver havido a atualização será o juiz quem fixará o valor do depósito. Dessa maneira, ressalvadas as hipóteses do art. 15, § 1.º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, é de rigor a observância da regra geral prevista na cabeça do preceito, a fim de que se condicione a imissão do desapropriante, ou, como no caso, do dominante, na posse do bem imóvel. Para além disso, as hipóteses que dispensam o contraditório, com perícia provisória e prévia, devem seguir estritamente o que consignado no texto legal. Portanto, tratando-se de hipótese de intervenção limitativa do direito de propriedade, e não de intervenção supressiva, a oferta indenizatória, caso comprovado o prejuízo, não imporá à concessionária a obrigação de pagar o montante como se fosse pela propriedade inteira, antes lhe autorizando a abater as depreciações do bem e a proceder com os descontos de direito. Contudo, havendo a limitação, o valor da indenização, e da oferta inicial, há observar como parâmetro aqueles vetores estabelecidos no parágrafo primeiro do art. 15, de maneira que se não houver, é de rigor o indeferimento da imissão possessória.
AREsp 2.147.187-MS , Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 08/11/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO TRIBUTÁRIO
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Anuidades. Execução judicial. Valor inferior a R$ 2.500,00. Impossibilidade. Art. 8º da Lei n. 12.514/2011. Aplicabilidade.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) submete-se à disposição contida no art. 8º da Lei n. 12.514/2011, a limitação de execução judicial de anuidades, quando o valor for inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Cinge-se a controvérsia a analisar a submissão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ao art. 8º da Lei n. 12.514/2011. O citado dispositivo prevê uma limitação à execução de anuidades por conselhos profissionais nos seguintes termos: "Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º. A jurisprudência do STJ é no sentido de que OAB está submetida ao disposto no art. 8º da Lei n. 12.514/2011 apesar de sua natureza sui generis: "1. A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB está submetida ao disposto no art. 8º da Lei n. 12.514/2011, legislação que rege todos os conselhos profissionais, sem distinção. Apesar de a OAB possuir natureza sui generis, conforme, inclusive, decidido pelo Excelso Pretório no julgamento da ADI n. 3026/DF, sujeita-se ao disposto na referida legislação. 2. Conforme decidido pela Corte Especial do STJ, apesar de suas peculiaridades, a OAB não deixa de ser um Conselho de Classe (AgRg no AgRg na PET nos EREsp 1.226.946/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, DJe 10/10/2013). 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.685.160/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 30/08/2021, DJe de 02/09/2021)".
TERCEIRA TURMA
REsp 1.874.920-DF , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 06/10/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação de exigir contas. Primeira fase. Procedência do pedido. Honorários advocatícios de sucumbência. Arbitramento. Proveito econômico inestimável. Critério da equidade.
Os honorários advocatícios de sucumbência na primeira fase da ação de exigir contas devem ser arbitrados por apreciação equitativa, conforme disposto no § 8º do art. 85 do CPC/2015.
No âmbito da Segunda Seção, é uníssono o entendimento de que, "com a procedência do pedido do autor (condenação à prestação das contas exigidas), o réu fica vencido na primeira fase da ação de exigir contas, devendo arcar com os honorários advocatícios como consequência do princípio da sucumbência". A divergência acerca do critério a ser empregado decorre do fato de que, enquanto a Quarta Turma afirma que a parte vencedora na primeira fase da ação de exigir contas obtém proveito econômico estimável, a justificar o arbitramento dos honorários com base no valor atualizado da causa, a Terceira Turma afirma que o proveito econômico, nessa hipótese, se mostra inestimável, a autorizar a fixação dos honorários por equidade. Por sua vez, a Corte Especial, no julgamento do REsp 1.850.512/SP (julgado em 16/3/2022, DJe de 31/5/2022), pelo rito dos repetitivos, registrou que "quando o § 8º o do artigo 85 menciona proveito econômico 'inestimável', claramente se refere àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide (como pode ocorrer nas demandas ambientais ou nas ações de família, por exemplo)". Não se deve confundir 'valor inestimável' com 'valor elevado'". Na primeira fase da ação de exigir contas, reconhece-se a obrigação de o réu prestá-las. Não se vislumbra a existência de "elementos materiais ou de ordem econômica, pelos quais se possa compor um valor monetário" que corresponda a um proveito econômico obtido pelo autor. Noutras palavras, não é possível atribuir, nesta fase, um valor patrimonial à pretensão pura e simples de exigir as contas do réu, dissociada da análise de adequação dos respectivos valores. Só se haverá de falar em proveito econômico depois de iniciada a segunda fase da ação de exigir contas, momento em que, efetivamente, exsurgirá o benefício patrimonial em favor de uma das partes, que será a medida de seu preço ou de seu custo, como afirmado na doutrina. Seguindo essa linha, a Primeira Seção entende que "nos casos em que o acolhimento da pretensão não tenha correlação com o valor da causa ou não permita estimar eventual proveito econômico, os honorários de sucumbência devem ser arbitrados por apreciação equitativa, com observância dos critérios do § 2º do art. 85 do CPC/2015, conforme disposto no § 8º desse mesmo dispositivo". Assim, a Terceira Turma tem decidido que, considerando a extensão do provimento judicial na primeira fase da prestação de contas, em que não há condenação, inexistindo, inclusive, qualquer correspondência com o valor da causa, o proveito econômico mostra-se de todo inestimável, a atrair a incidência do § 8º do art. 85 do CPC/2015.
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022, DJe 21/10/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação de alimentos. Cumprimento de sentença. Alimentos pretéritos. Técnica da penhora e expropriação. Alimentos atuais. Técnica coercitiva da prisão civil. Cumprimento conjunto no mesmo processo. Possibilidade.
É admissível a cumulação, em um mesmo processo, de cumprimento de sentença de obrigação de pagar alimentos atuais, sob a técnica da prisão civil, e alimentos pretéritos, sob a técnica da penhora e da expropriação.
Em se tratando de cumprimento de sentença condenatória ao pagamento dos alimentos no qual se pleiteiam as 03 últimas parcelas antes do requerimento e as que se vencerem no curso dessa fase procedimental, é lícito ao credor optar pela cobrança mediante a adoção da técnica da prisão civil ou da técnica da penhora e expropriação. Em relação às parcelas vencidas mais de três meses antes do requerimento, contudo, essa fase procedimental se desenvolverá, necessariamente, mediante a adoção da técnica de penhora e expropriação. Na legislação processual em vigor não há regra que proíba, mas também não há regra que autorize o cumprimento das obrigações alimentares pretéritas e atuais de modo conjunto e no mesmo processo. O art. 531, § 2º, do CPC/2015, que trata especificamente do cumprimento da sentença condenatória ao pagamento de alimentos, estabelece que o cumprimento definitivo ocorrerá no mesmo processo em que proferida a sentença e não faz nenhuma distinção a respeito da atualidade ou não do débito, de modo que essa é a regra mais adequada para suprir a lacuna do legislador no trato da questão controvertida. Por sua vez, o art. 780 do CPC/2015 trata especificamente das partes na execução de título executivo extrajudicial, de modo que é correto afirmar que se destina, precipuamente, à fixação das situações legitimantes que definirão os polos ativo e passivo da execução de título extrajudicial, mas não ao procedimento executivo ou, mais precisamente, às técnicas aplicáveis à execução na fase de cumprimento da sentença. Sublinhe-se, ainda, que o art. 780 do CPC/2015 proíbe a cumulação de execuções fundadas em títulos de diferentes naturezas e espécies, desde que para elas existam diferentes procedimentos, o que não se aplica à hipótese, em que se pretende cumprir sentença condenatória de idêntica natureza e espécie (pagar alimentos fixados ou homologados por sentença). Embora seja lícita, razoável e justificada a opção do legislador pela necessidade de unidade procedimental na hipótese de cumulação de execuções de título extrajudicial, uma vez que se trata de relação jurídico-processual nova, autônoma e que se inaugura por petição inicial, não há que se falar em inauguração de uma nova relação jurídico-processual. O cumprimento de sentença é apenas uma fase procedimental do processo de conhecimento, de modo que o controle acerca da compatibilidade procedimental (incluída aí a formulação de pretensões cumuladas que poderão resultar execuções igualmente cumuladas) é realizado por ocasião do recebimento da petição inicial, observado o art. 327, §§ 1º a 3º, do CPC/2015. Se é admissível que haja, no mesmo processo e conjuntamente, o cumprimento de sentença que contenha obrigações de diferentes naturezas e espécies, ainda que existam técnicas executivas diferenciadas para cada espécie de obrigação e que impliquem em adaptações procedimentais decorrentes de suas respectivas implementações, com muito mais razão deve ser admissível o cumprimento de sentença que contenha obrigação da mesma natureza e espécie no mesmo processo, como na hipótese em que se pretenda a cobrança de alimentos pretéritos e atuais. Ademais, o art. 528, § 8º, do CPC/2015, não é pertinente para a resolução da questão controvertida, pois o referido dispositivo somente afirma que, no cumprimento de sentença processado sob a técnica da penhora e da expropriação, não será admitido o uso da técnica coercitiva da prisão civil, o que não significa dizer que, na hipótese de cumprimento de sentença parte sob a técnica da coerção pessoal e parte sob a técnica da penhora e expropriação, deverá haver, obrigatoriamente, a cisão do cumprimento de sentença em dois processos autônomos em virtude das diferentes técnicas executivas adotadas. Nesse cenário, não se afigura razoável e adequado impor ao credor, obrigatoriamente, a cisão da fase de cumprimento da sentença na hipótese em que pretenda a satisfação de alimentos pretéritos e atuais, exigindo-lhe a instauração de dois incidentes processuais, ambos com a necessidade de intimação pessoal do devedor, quando a satisfação do crédito é perfeitamente possível no mesmo processo.
REsp 2.007.874-DF , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 06/10/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Cumprimento de sentença arbitral. Impugnação ao cumprimento de sentença. Depósito para garantia do juízo. Pagamento voluntário. Não ocorrência. Aplicação de multa e de honorários advocatícios. Art. 523, § 1º, do CPC/2015.
A multa e honorários advocatícios a que se refere o § 1º do art. 523 do CPC/2015 serão excluídos apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito.
Nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015, não ocorrendo o pagamento voluntário do débito no prazo de 15 (quinze) dias, o mesmo será acrescido de multa de 10% (dez por cento) e, também, de honorários de advogado no percentual de 10% (dez por cento). Na hipótese, a parte manifestou a sua intenção de depositar o valor executado como forma de garantia do juízo, destacando expressamente que não se tratava de cumprimento voluntário da obrigação. Não se pode admitir que a executada beneficie-se de sua própria torpeza, tampouco pode-se admitir que, ao revés da vontade externada pela parte, o julgador receba como pagamento o depósito efetuado unicamente em garantia do juízo - e com expressa manifestação da parte de que não se trataria de cumprimento voluntário da obrigação. A propósito, ainda com fundamento no CPC/1973, vinha sendo decidida por esta Corte Superior no sentido de que o executado não estaria isento da multa prevista no art. 475-J do CPC/1973 quando o depósito judicial era efetivado com o fim de garantir o juízo para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença. E, com efeito, não há justificativa para a modificação de tal entendimento quando a própria redação do novo Código de Processo Civil preceitua, em clara redação, que haverá o acréscimo de multa e honorários advocatícios quando não ocorrer o pagamento voluntário do débito. Por oportuno, a doutrina leciona que "em tal caso juridicamente não se operou o pagamento; não houve adimplemento ou vontade de extinguir o procedimento executivo, mas, ao contrário, de lhe dar sequência para discussão do todo ou parte".
REsp 1.885.119-RJ , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 08/11/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Penhora de cotas de fundo de investimento. Valorização antes do resgate. Acréscimo transferido ao exequente. Impossibilidade. Excesso de execução caracterizado.
A penhora de cotas de fundo de investimento não confere, automaticamente, ao exequente a condição de cotista desse fundo, não se sujeitando aos riscos provenientes dessa espécie de investimento.
A controvérsia consiste em definir se a penhora de cotas de fundo de investimento confere, automaticamente, ao exequente a condição de cotista desse fundo, substituindo a parte executada - titular desses bens e sujeitando-se aos riscos provenientes dessa espécie de investimento. A penhora representa o primeiro ato executivo, a ser utilizado pelo Estado, em subrogação ao devedor, que individualiza, apreende e deposita os bens deste, preservando-os para o efetivo e oportuno cumprimento da obrigação, e confere ao exequente direito de prelação e sequela, a revelar a ineficácia, em relação ao exequente, dos atos de disposição porventura praticados pelo devedor, não interferindo no direito de propriedade deste sobre o bem enquanto não operada a expropriação final. Incidente a penhora sobre cotas de fundo de investimento - espécie de valores mobiliários descritos no rol legal de preferência de penhora (art. 835, III, do CPC/2015), nos termos do art. 2º, V, da Lei n. 6.385/1976 -, a propriedade desses bens mantém-se com o devedor investidor até o resgate ou a expropriação final, revelando-se indevida a transferência ao exequente da álea inerente a esse tipo de negócio jurídico (que vincula apenas os cotistas contratantes), não se podendo obrigar-se pelos ônus nem beneficiar-se dos bônus, notadamente diante do princípio da relatividade dos efeitos do contrato. Portanto, enquanto não operado o resgate ou a expropriação final das cotas de fundo de investimento penhoradas, a superveniente desvalorização desses bens faz surgir para o exequente o direito de requerer a complementação da penhora, na linha do que prevê o art. 850 do CPC/2015. Ao passo que a superveniente valorização enseja a exclusão, no momento do efetivo adimplemento, da importância que superar o crédito exequendo, devidamente atualizado e acrescido dos encargos legais (tais como juros de mora e honorários de advogado), sob pena de se incorrer em indevido excesso de execução, por recair em valor superior àquele constante do título executivo, nos termos do art. 917, § 2º, I e II, do CPC/2015.
QUARTA TURMA
EDcl no REsp 1.569.684-SP , Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE
Ação Civil Pública. Cumprimento individual de sentença. Prazo prescricional. Cinco anos. Prazo prescricional da pretensão objeto da ação.
É de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual de sentença proferida em Ação Civil Pública.
Cinge-se a controvérsia a determinar qual o prazo prescricional para pretensão de cumprimento individual de condenação constante de sentença coletiva. O Tribunal de origem condenou a parte recorrente ao ressarcimento dos valores despendidos pelos beneficiários com o custeio das lentes intraoculares. Nas razões de seu recurso especial, pleiteia que "(...) o ressarcimento aos consumidores se oriente pela prescrição ânua prevista no arts. 178, § 6°, II, do Código Civil de 1916 e 206, §1°, II, do Código Civil de 2002", ou, subsidiariamente, pela prescrição trienal. Ocorre que a hipótese trata de pretensão de cumprimento individual de condenação constante de sentença coletiva, de modo que não se aplicam os prazos prescricionais ânuo ou trienal, mas a prescrição quinquenal, conforme tese firmada pela Segunda Seção do STJ no julgamento do Recurso Especial 1.273.643/PR, julgado pelo rito dos recursos repetitivos (Tema 515).
REsp 1.971.316-SP , Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO ECONÔMICO
Condutas anticompetitivas. Infração contra a ordem econômica. Lei n. 12.529/2011. Cartel. Ação de indenização por danos morais e materiais. Responsabilidade extracontratual. Não reconhecimento do cartel pelo CADE. Prescrição. Termo inicial. Ciência da conduta causadora dos danos alegados. Princípio da actio nata. Art. 206, § 3º, V, do CC/2002.
Em ação indenizatória que se origina de alegado ilícito concorrencial, uma vez verificada inexistência de decisão do CADE sobre a formação de cartel, o prazo prescricional é de três anos - art. 206, § 3º, V, CC/2002 - e o termo inicial para sua contagem é a data da ciência do fato danoso.
A controvérsia consiste em definir o termo inicial do prazo de prescrição para ação de indenização por danos materiais e morais, sofridos em decorrência de suposto ilícito concorrencial, mais especificamente prática de atos potencialmente configuradores de cartel. A doutrina preleciona que as ações de indenização por dano concorrencial podem ter como fundamento condutas anticoncorrenciais relatadas diretamente pelas vítimas ou condutas que foram investigadas pelas autoridades de defesa da concorrência. No primeiro caso, têm-se uma ação judicial stand alone, em que a vítima apresenta as provas do ato alegado, assim como o dano sofrido. O segundo caso é o da ação judicial follow on, "em que a vítima apoia todo seu pedido nas provas e decisões produzidas pela autoridade que julgou e condenou o cartel". No entanto, uma vez que a causa de pedir não é a formação do cartel, ocorre a ação stand alone. No caso, a causa de pedir da ação de indenização é a prática de atos anticoncorrenciais no mercado de compra de caixas de laranja, controlando os preços, impondo ao autor prejuízos financeiros, assim como sua exclusão do setor. Afirmou-se que as empresas do ramo de fabricação e comercialização de sucos de laranja desenvolveram suas atividades industriais e comerciais com inequívoca unidade de propósitos, a partir da formação de acordos, convênios e alianças, como ofertantes, visando à fixação artificial de preços e quantidades vendidas e produzidas, ao controle do mercado nacional, em detrimento da concorrência, da rede de distribuição e fornecedores, relativo a suco de laranja industrializado. É de se anotar que a ação ajuizada na origem não se pautou em descumprimento contratual, por isso que é certo que o prazo prescricional das ações reparatórias por responsabilidade extracontratual, nos termos do Código Civil, é de três anos (art. 206, CC/2002). No que respeita ao dies a quo da prescrição para ação de responsabilidade extracontratual, consoante já antes assinalado, o prazo prescricional só se inicia com o efetivo conhecimento do dano, devendo considerar-se a "data em que se verifica o dano-prejuízo". Isso porque o surgimento da pretensão indenizatória ocorre com a ciência da lesão e de sua extensão, afastando-se a data do dano como marco temporal da prescrição. Nessa linha de ideias, para se estabelecer o momento em que verificado o dano-prejuízo deve-se retornar à disciplina concorrencial, para delimitação necessária a partir de seus institutos. Quanto à operação de cartel, observa-se que ela se inicia logo após a celebração do acordo entre os envolvidos, consubstanciando-se neste momento o início da produção dos danos. De fato, na hipótese, inexiste decisão do CADE reconhecendo a existência de cartel, sequer há confissão da empresa, em relação a este fato. A empresa ré firmou com a autoridade administrativa investigadora Termo de Cessação de Conduta, como condição de suspensão do processo administrativo instaurado contra ela e que teria sido posteriormente extinto, tendo em vista o cumprimento das obrigações estipulados naquele Termo. Sendo assim, o início do prazo prescricional, nessas hipóteses, não pode ser a data da decisão condenatória proferida pelo CADE, simplesmente porque decisão condenatória não há. Em situações como essa, o início do prazo prescricional (tratando-se de responsabilidade extracontratual) é o momento em que o prejudicado teve ciência da conduta que afirma ser ilícita, conforme a regra geral prevista no diploma material civil e o entendimento desta Corte Superior.
REsp 1.691.899-RJ , Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/11/2022.
DIREITO MARCÁRIO
Direito marcário. Comitês oficiais. Utilização do termo "paraolímpico". Instituto com atividades voltadas à inclusão social de pessoas com necessidades especiais e ao incentivo às práticas esportivas. Possibilidade. Art. 3º c/c art. 15, § 2º, da Lei n. 9.615/1998.
É possível o uso da expressão "paraolímpico" por instituto com atividades voltadas à inclusão social de pessoas com necessidades especiais e ao incentivo às práticas esportivas, quando ausentes fins comerciais.
Cinge-se a controvérsia à análise das teses referentes à: i) existência de exclusividade na utilização do termo paraolímpico por comitês oficiais, à luz do disposto na Lei n. 9.279/1996, que trata da propriedade industrial e na Lei n. 9.615/1998, esta atinente às normas gerais sobre desporto e ii) a possibilidade do uso de referido termo por instituto com atividades voltadas à inclusão social de pessoas com necessidades especiais e ao incentivo às práticas esportivas. Na situação dos presentes autos não pretende a parte autora o registro de marca, nem tampouco está sendo viabilizada a utilização do termo com finalidade comercial. Igualmente não se trata do uso indevido de símbolos olímpicos/paraolímpicos, mas apenas e tão somente da palavra paraolímpico. Propõe-se, ante expressa exceção estabelecida em lei, seja conferida autorização à entidade autora, que tem por objetivo precípuo promover a inclusão social, pela prática desportiva e pela educação de pessoas com necessidades especiais, o uso da palavra paraolímpico, com a mitigação do uso privativo do termo pelos comitês oficiais. A parte autora é uma associação - sem fins lucrativos - que tem como objetivo incentivar e promover atividades e projetos nas áreas do esporte em geral, especialmente no desenvolvimento do esporte paraolímpico, bem como a promoção da cultura, cidadania, educação gratuita, inclusão social, acessibilidade de pessoas com necessidades especiais e dos direitos humanos. A hipótese dos autos deve ser examinada, portanto, tendo-se em conta, também, o envolvimento de direitos assegurados às pessoas com necessidades especiais, garantidos primordialmente pela Constituição Federal e pela Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), visando à sua inclusão social e cidadania, sempre com o foco de que é dever de toda a coletividade assegurar-lhes, em condições de igualdade, o exercício desses direitos, dentre outros. Nessa perspectiva, deve ser verificada a existência do direito à utilização do termo "paraolímpico" da forma que mais contribua à concretização dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados às pessoas com deficiências. A controvérsia subjacente não envolve, efetivamente, um conflito econômico e comercial acerca da "marca", mas sim saber, se nos termos do 15, § 2º, da Lei n. 9.615/1998, embora considerado privativo dos comitês olímpicos o uso das bandeiras, lemas, hinos e símbolos olímpicos e paraolímpicos, assim como das denominações "jogos olímpicos", "olimpíadas", "jogos paraolímpicos", "paraolimpíadas", é permitida a utilização destas últimas quando se tratar de eventos vinculados ao desporto educacional e de participação. É inegável que a Lei n. 9.615/1998 assegura aos Comitês oficiais o uso privativo dos símbolos, termos e expressões relacionadas às olimpíadas ou paraolimpíadas, independentemente de registro ou de averbação no órgão competente. Porém, o artigo 15, § 2º, permite o uso excepcional das denominações envoltas nos termos olímpico e paraolímpico quando se tratar de eventos vinculados ao desporto educacional e de participação. A proteção ao uso do termo paraolímpico sequer dependeria do registro como marca (art. 87, da Lei n. 9.615/1998), excepcionando-se a possibilidade da utilização por terceiros, evidentemente sem que haja intuito comercial, em se tratando de desporto educacional ou de participação. A problemática em discussão não encontra solução na legislação geral aplicável à espécie, consubstanciada na Lei n. 9.279/1996, mas, sobretudo, em previsão legal específica, mormente o teor do art. 15, § 2º, da Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé). Ocorre que, a despeito da proteção existente ao uso e à propriedade das designações olímpicas/paraolímpicas como já relatado, pelo princípio da especialidade, devem ser observados, também, os artigos 15, § 2º e 87 da Lei Pelé. Pelo disposto no art. 87 da Lei n. 9.615/1998, evidencia-se que o legislador visou a proteção específica dos "símbolos", além dos nomes e apelidos das entidades desportivas, para conferir-lhes o amparo de propriedade exclusiva. De sua vez, o art. 15, § 2º, estabelece que "é privativo do Comitê Olímpico Brasileiro - COB e do Comitê Paraolímpico Brasileiro - CPOB o uso das bandeiras, lemas, hinos e símbolos olímpicos e paraolímpicos, assim como das denominações 'jogos olímpicos', 'olimpíadas', 'jogos paraolímpicos' e 'paraolimpíadas', permitida a utilização destas últimas quando se tratar de eventos vinculados ao desporto educacional e de participação. Desse modo, a possibilidade de utilização do termo paraolímpico, encontra amparo expresso e específico nos artigos 3º c/c 15, § 2º, da Lei n. 9.615/1998, desde que esteja intrinsecamente relacionada ao desporto educacional ou de participação, sem fins comerciais.
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/11/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Honorários advocatícios. Sentença proferida na vigência do CPC/1973. Reforma do julgado na vigência do CPC/2015. Inversão da sucumbência. Aplicação das regras do CPC/1973. Arbitramento segundo o critério da equidade. Possibilidade.
Aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil de 1973 para o arbitramento de honorários advocatícios quando a sentença tenha sido proferida na vigência deste diploma, ainda que este título judicial venha a ser reformado, com a inversão da sucumbência, na vigência do Código de Processo Civil de 2015.
Consoante entendimento pacificado do STJ, a regra processual aplicável, no que tange à condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, é aquela vigente na data da prolatação da sentença. Na hipótese, verifica-se haver sido a sentença proferida na vigência do CPC/1973 e, portanto, os honorários advocatícios, decorrentes da inversão dos ônus sucumbenciais, devem ser fixados de acordo com o art. 20 daquele diploma, e não com o art. 85 do CPC/2015. Na vigência do CPC/1973, esta Corte firmou o entendimento de que nas causas em que não houver condenação, os honorários advocatícios devem ser fixados de forma equitativa, não estando o julgador adstrito aos limites percentuais estabelecidos no § 3º do art 20 do CPC/1973. No caso, ao julgar parcialmente procedente a demanda, o Juízo a quo determinou, em razão da sucumbência recíproca, que cada parte arcasse com as custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais. Por sua vez, o provimento do recurso especial resultou na total improcedência dos pedidos formulados pelo autor, tornando necessário o redimensionamento dos ônus da sucumbência. Dessa forma, tendo o presente processo sido sentenciado na vigência do CPC/1973, e afastada a condenação quando do provimento do recurso especial, a fixação dos honorários de sucumbência não está adstrita aos limites percentuais de 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) do valor da causa, devendo ser fixado segundo o critério de equidade.
QUINTA TURMA
REsp 2.009.402-GO , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por maioria, julgado em 08/11/2022.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06). Medidas protetivas de urgência. Art. 22, inc. I, II e III, da Lei n. 11.340/06. Natureza de tutela provisória cautelar. Caráter eminentemente penal. Citação do requerido para oferecimento de contestação. Descabimento. Efeitos da revelia em caso de omissão. Inaplicabilidade.
As medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do art. 22 da Lei Maria da Penha têm natureza de cautelares penais, não cabendo falar em citação do requerido para apresentar contestação, tampouco a possibilidade de decretação da revelia, nos moldes da lei processual civil.
Cinge-se a controvérsia acerca da necessidade ou não de citação para contestar pedido de aplicação de medidas protetivas da Lei n. 11.340/2006, Lei Maria da Penha, bem como da incidência ou não dos efeitos da revelia. De início, não figura viável incluir as medidas protetivas de urgência como espécies de tutela inibitória. Ao contrário da última, as medidas previstas na Lei Maria da Penha são concedidas em caráter provisório, a título precário, visto que se baseiam não em juízo de certeza da prática ou da ameaça da prática do ato ilícito pelo agressor, mas em juízo de probabilidade, fundado em elementos indiciários colhidos em fase procedimental preliminar. Dessa forma, as medidas devem ser, por sua natureza, revogáveis e reversíveis, quando constatada a superveniente ausência dos motivos autorizadores de sua aplicação. Quanto à distinção entre tutelas antecipadas ou tutelas cautelares, o objeto destas medidas não coincide com o objeto da tutela jurisdicional final. Não se pretende precipuamente, por meio da decretação dessas medidas, antecipar os efeitos da sentença ou antecipar a fruição do bem jurídico desejado pelo autor da demanda, que apenas seria obtido ao final do processo de conhecimento, em caso de procedência da pretensão deduzida em juízo. Ao se decretar uma medida protetiva, visa-se, antes de tudo, proteger a vida e a incolumidade física e psíquica da vítima e, com isso, de uma forma mais ampla, acautelar a ordem pública, uma das finalidades das cautelares previstas no Código de Processo Penal. Quanto à distinção entre a natureza cível e a natureza criminal das medidas protetivas, a jurisprudência desta Corte Superior, há muito, posiciona-se no sentido de que aquelas previstas no art. 22, incisos I, II e III, da Lei n. 11.340/2006 são de natureza criminal, enquanto as dispostas nos demais incisos desse dispositivo têm natureza cível. Isso porque, em primeiro lugar, as medidas previstas nos três primeiros incisos do art. 22 implicam, de um lado, relevante restrição à liberdade de ir e vir do acusado, enquanto buscam, de outro vértice, preservar os direitos fundamentais à vida e à integridade física e psíquica da suposta vítima. O status elevado dos direitos em contraste, dos mais caros à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, justifica uma tutela de ordem penal, tanto para o acusado, pois sua liberdade não pode vir a ser restringida de forma temerária e sem a observância de requisitos mínimos, quanto para a ofendida, que busca na esfera penal uma tutela célere e efetiva de seus direitos. Um segundo aspecto, a reforçar este entendimento, refere-se à possibilidade de decretação de prisão preventiva do suposto agressor para "assegurar a execução das medidas protetivas de urgência", nos crimes que envolvem violência doméstica e familiar, a teor do inciso III do art. 313 do CPP. Ou seja, eventual renitência do acusado em descumprir as medidas impostas pelo juiz, especialmente aquelas que determinam seu afastamento da vítima e a proibição de com ela manter contato, podem fundamentar a decretação de prisão provisória do suposto agressor. Se tais medidas fossem consideradas de natureza cível, a possibilidade de decretação de prisão ficaria prejudicada, ante a impossibilidade de se criar, por lei, nova hipótese de prisão civil, para além da expressa previsão constitucional relativa ao devedor de alimentos (art. 5º, inciso LXVII, da CF). Assim, se o próprio diploma processual penal passou a prever expressamente a possibilidade de decretação de prisão preventiva ao acusado que descumpre medida protetiva anteriormente imposta, pode-se concluir que o legislador considerou ter natureza penal a cautelar em questão, pois de outra forma não se poderia cogitar de hipótese de privação temporária da liberdade do renitente. Ademais, as medidas protetivas dos incisos I, II e III do art. 22 da Lei n. 11.340/2006, remetem ao paralelismo existente entre estas e as medidas alternativas à prisão dos incisos II e III do art. 319 do CPP. Dessa forma, tanto a proibição de acessar ou frequentar determinados lugares para evitar a prática de novas infrações penais, quanto a proibição de manter contato com pessoa determinada têm grande semelhança com as medidas de proibição de aproximar-se da vítima e de com ela manter contato, previstas na lei protetiva à mulher. D'outro vértice, particularmente no que tange à disciplina das medidas protetivas, denota-se não haver previsão de procedimento específico para concessão da tutela cautelar, restringindo-se a lei a determinar, em seu art. 18, que caberá ao juiz, a requerimento do Ministério Público ou da ofendida, no prazo de 48 horas, decidir sobre as medidas protetivas, entre outras providências. Dessa feita, não cabe a instauração de um processo, com citação do requerido para ciência e contestação, sob pena de decretação de sua revelia, nos moldes do estabelecido na lei processual civil. Aplicável, sim, o regramento do Código Processual Penal que, em caso de risco à efetividade da medida, determina a intimação do suposto agressor após a decretação da cautelar, facultando-lhe a possibilidade de manifestar-se nos autos a qualquer tempo, sem a aplicação dos efeitos da revelia. O parágrafo único do art. 21 também reforça a não adoção do regramento previsto no CPC, porquanto determina que "a ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor", nada mencionando sobre citação. Reconhecer a natureza penal das medidas cautelares dos incisos I, II e III do art. 22 da Lei Maria da Penha traz uma dúplice proteção: de um lado, protege a vítima, pois concede a ela um meio célere e efetivo de tutela de sua vida e de sua integridade física e psicológica, pleiteada diretamente à autoridade policial, e reforçada pela possibilidade de decretação da prisão preventiva do suposto autor do delito; de outro lado, protege o acusado, porquanto concede a ele a possibilidade de se defender da medida a qualquer tempo, sem risco de serem a ele aplicados os efeitos das revelia. Portanto, deve-se aplicar às medidas protetivas de urgência o regramento previsto pelo Código de Processo Penal no que tange às medidas cautelares. Dessa forma, não cabe falar em instauração de processo próprio, com citação do requerido, tampouco com a possibilidade de decretação de sua revelia em caso de não apresentação de contestação no prazo de cinco dias. Aplicada a cautelar inaudita altera pars, para garantia de sua eficácia, o acusado será intimado de sua decretação, facultando-lhe, a qualquer tempo, a apresentação de razões contrárias à manutenção da medida.
AREsp 1.936.393-RJ , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 08/11/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Prova testemunhal. Depoimento dos policiais. Mesmo valor probatório que qualquer outra prova testemunhal. Coerência interna. Coerência externa. Sintonia com demais provas dos autos. Superação do standard probatório mínimo. Livre convencimento motivado. Avaliação crítica da prova.
O testemunho prestado em juízo pelo policial deve ser valorado, assim como acontece com a prova testemunhal em geral, conforme critérios de coerência interna, coerência externa e sintonia com as demais provas dos autos.
O depoimento policial tem a natureza jurídica de prova testemunhal e deve ser valorado enquanto tal. Dessa forma, o testemunho policial não pode ser, aprioristicamente, sobrevalorizado, sob o único argumento de que o policial goza de fé pública, tampouco pode ser subvalorizado, sob a justificativa de que sua palavra não seria confiável para, isoladamente, fundamentar uma condenação. Adotar esse segundo posicionamento, ou seja, exigir a corroboração sistemática do testemunho policial em toda e qualquer circunstância, equivale a inadmiti-lo ou destituí-lo de valor probante, ao menos no pertinente ao cerne da persecução penal, em limitação desproporcional e nada razoável de seu âmbito de validade na formação do conhecimento judicial. Legalmente, o agente policial não sofre qualquer limitação ou ressalva quanto à sua capacidade de ser testemunha. Faticamente, inexiste também qualquer óbice ou condição limitativa da capacidade de o policial perceber os fatos e, posteriormente, narrar suas percepções sensoriais às autoridades. Não há que se falar em vieses ou interesses prévios superiores aos das demais testemunhas, uma vez que os vieses, assim como os estereótipos, são intrínsecos a todos os seres humanos, e os interesses, se existentes, devem ser aferidos casuisticamente e não estabelecidos a priori. Cabe ao magistrado, em análise do caso concreto, valorar racionalmente a prova, verificando se preenche os critérios de consistência, verossimilhança, plausibilidade e completude da narrativa, bem como se presentes a coerência e adequação com os demais elementos produzidos nos autos. A avaliação judicial da superação do standard probatório mínimo para a condenação não pode ser limitada a uma prévia determinação quantitativa e qualitativa da prova, porquanto tal representaria uma restrição ao livre convencimento motivado do magistrado e resultaria potencialmente em uma perda de qualidade epistemológica da decisão. Por fim, por determinação do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cabe ao magistrado, toda vez que decidir com base em conceitos normativos indeterminados, considerar as consequências práticas de sua decisão. No caso, verifica-se que não são poucas nem irrelevantes as prováveis consequências advindas da decisão de atribuir valor probatório inferior aos depoimentos policiais: desde inevitáveis impactos no orçamento estatal e no planejamento de políticas públicas até a inviabilização do funcionamento do próprio sistema de justiça criminal com riscos reais de estímulo a uma impunidade generalizada, ante os obstáculos práticos de produção de outras provas, sobretudo nos casos envolvendo tráfico de drogas. Ressalta-se a visão minoritária do Ministro Relator, acompanhada pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, segundo a qual a palavra do agente policial quanto aos fatos que afirma ter testemunhado o acusado praticar não é suficiente para a demonstração de nenhum elemento do crime em uma sentença condenatória. Seria necessária, para tanto, sua corroboração mediante a apresentação de gravação dos mesmos fatos em áudio e vídeo.
SEXTA TURMA
HC 605.113-SC , Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/11/2022.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Violência doméstica. Medida protetiva tornada definitiva na sentença condenatória. Natureza perpétua. Ilegalidade. Avaliação periódica da pertinência da medida. Imprescindibilidade.
É ilegal a fixação ad eternum de medida protetiva, devendo o magistrado avaliar periodicamente a pertinência da manutenção da cautela imposta.
O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento segundo o qual "as medidas de urgência, protetivas da mulher, do patrimônio e da relação familiar, somente podem ser entendidas por seu caráter de cautelaridade - vigentes de imediato, mas apenas enquanto necessárias ao processo e a seus fins" (AgRg no REsp 1.769.759/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 14/05/2019). Sendo assim, não há como se esquivar do caráter provisório das medidas protetivas, ainda que essa provisoriedade não signifique, necessariamente, um prazo previamente definido no tempo, até porque se mostra imprescindível que a proteção à vítima perdure enquanto o risco recair sobre ela, de forma que a mudança ou não no estado das coisas é que definirá a duração da providência emergencial. De acordo com a doutrina, "como desdobramento de sua natureza provisória, a manutenção de toda e qualquer medida protetiva de urgência depende da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo. São as medidas cautelares situacionais, pois tutelam uma situação fática de perigo. Desaparecido o suporte fático legitimador da medida, consubstanciado pelo fumus comissi delicti e pelo periculum libertatis, deve o magistrado revogar a constrição". O atual regramento processual penal não permite que sequer a prisão preventiva se protraia no tempo sem que haja avaliações periódicas acerca de sua necessidade (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal), o que veio para robustecer e reforçar a roupagem acautelatória das prisões provisórias. Assim, fixar uma providência por prazo indeterminado não se confunde, nem de longe, com tornar essa mesma providência permanente, eterna. É indeterminado aquilo que é impreciso, incerto, vago. Por outro lado, é permanente, eterno, aquilo que é definitivo, imutável. Assim, ao tornar definitiva, na sentença condenatória, a medida protetiva de proibição de aproximação da vítima, anteriormente imposta, o magistrado de piso acabou por desnaturar por completo a natureza e a razão de ser das medidas protetivas que, por serem "de urgência", tal como o próprio nome diz, equivalem a uma tutela de defesa emergencial, a qual deve perdurar até que cessada a causa que motivou a sua imposição. Não é à toa que são chamadas de medidas acautelatórias "situacionais" e exigem, portanto, uma ponderação casuística. Afirmar que a duração da medida deve estar atrelada aos motivos que a justificaram não autoriza o seu elastecimento inadvertido e sem base fática atual e contemporânea, com o intuito tão somente de justificar a perpetuação da providência de urgência, como se ela pudesse ser um fim em si mesma. O proceder do magistrado de manter de forma definitiva, no édito condenatório, a medida protetiva em comento viola o princípio da proporcionalidade e a proibição constitucional de aplicação de pena de caráter perpétuo. O que se tem, na espécie, é uma providência emergencial, acautelatória e de defesa da vítima, imposta assim que os fatos que culminaram na condenação do acusado chegaram ao conhecimento do poder judiciário, e que se eternizou no tempo para além do prazo da própria pena aplicada ao sentenciado, sem nenhum amparo em eventual perpetuação do suporte fático que a legitimou no início da persecução penal. Desse modo, levando em conta a impossibilidade de duração ad eternum da medida protetiva imposta - o que não se confunde com a indeterminação do prazo da providência -, bem como a necessidade de que a proteção à vítima perdure enquanto persistir o risco que se visa coibir, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, devendo o magistrado singular examinar, periodicamente, a pertinência da preservação da cautela imposta, não sem antes ouvir as partes.
AgRg no HC 776.645-SP , Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 03/11/2022.
EXECUÇÃO PENAL
Livramento condicional. Requisito subjetivo. Lei n. 13.964/2019. Ausência de falta grave nos últimos 12 (doze) meses. Fato por si só insuficiente.
A ausência de falta grave nos últimos 12 (doze) meses não é suficiente para satisfazer o requisito subjetivo exigido para a concessão do livramento condicional.
A Lei n. 13.964/2019 incluiu a alínea b no inciso III do art. 83 do Código Penal, com o objetivo de impedir a concessão do livramento condicional quando há falta grave nos últimos 12 (doze) meses. Isso não significa que a ausência de falta grave no mencionado período seja suficiente para satisfazer o requisito subjetivo exigido para a concessão do livramento condicional, nem sequer que eventuais faltas disciplinares ocorridas anteriormente não possam ser consideradas pelo Juízo das Execuções Penais para aferir fundamentadamente o mérito do apenado. Assim, é legítimo que o julgador fundamente o indeferimento do pedido de livramento condicional em infrações disciplinares cometidas há mais de 12 (doze) meses, em razão da existência do requisito cumulativo contido na alínea a do art. 83 do inciso III do Código Penal, o qual determina que esse benefício será concedido apenas aos que demonstrarem bom comportamento durante a execução da pena.