Informativo do STJ 754 de 24 de Outubro de 2022
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
PRIMEIRA TURMA
AREsp 1.574.873-RJ , Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Agência reguladora. Auto de infração. Processo administrativo. Multa. Aplicação. Termo inicial. Interposição de recurso administrativo. Juros de mora. Não afastamento.
A interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios sobre multa aplicada por agência reguladora.
O art. 37-A da Lei n. 10.522/2002, com redação alterada pela Lei n. 11.941/2009, que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providência, prevê que "os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais". Por sua vez, a legislação tributária sobre disposições gerais de acréscimos moratórios, no caso o §1º, do art. 61, da Lei n. 9.430/1996, prescreve que: "§ 1º A multa de que trata este artigo será calculada a partir do primeiro dia subsequente ao do vencimento do prazo previsto para o pagamento do tributo ou da contribuição até o dia em que ocorrer o seu pagamento". Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que "a interposição do recurso administrativo apenas pode ensejar a suspensão da exigibilidade da multa administrativa, mas não interfere no termo inicial dos encargos da mora, os quais incidem a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo previsto para pagamento do crédito" (AgInt no AREsp 1.705.876/PR, Relator Ministro Og Fernandes, DJe 29/03/2021). Com efeito, a interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios. Esse entendimento encontra amparado nos arts. 2º e 5º do Decreto-Lei n. 1.736/1979 (Dispõe sobre débitos para com a Fazenda e dá outras providências). Registre-se, por oportuno, que a impossibilidade de a agência reguladora dar início aos atos executivos, para fins de cobrança de seu crédito, antes da conclusão definitiva do processo administrativo, não altera a data do vencimento da dívida nem impede a constituição em mora do devedor, nos termos da legislação aplicável aos tributos federais. De notar que, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência - IAC 11, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, o artigo 4º, § 1º, da Lei n. 9.847/1999, pela especialidade que ostenta, afasta a incidência dos arts. 37-A da Lei n. 10.522/2001 e 61, §§ 1º e 3º, da Lei n. 9.430/1996, relativamente ao termo inicial da incidência dos juros e da multa moratória sobre a penalidade imposta pela ANP. Entretanto, o precedente vinculante aplica-se tão somente às multas administrativas aplicadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás natural e biocombustíveis - ANP, em face do princípio da especialidade (Lei n. 9.847/1999). Portanto, se negado o recurso administrativo pela agência reguladora, a data de vencimento do crédito continua sendo aquela contida na primeira notificação - passando a incidir os juros de mora a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme disposição do art. 61, §1º, da Lei n. 9.430/1996 c/c art. 37-A da Lei n. 10.552/2002.
AREsp 511.736-SP , Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022.
DIREITO TRIBUTÁRIO
IRPJ. CSLL. Transações internacionais com partes vinculadas. Preços de transferência. Base de cálculo. Método do preço de revenda menos lucro - PRL60. Instrução normativa SRF n. 243/2002. Ilegalidade. Art. 18, II, da Lei n. 9.430/1996.
O art. 12, § 11, da IN SRF n. 243/2002 extrapolou a mera interpretação do art. 18, II, da Lei n. 9.430/1996, na medida em que criou novos conceitos e métricas a serem considerados no cálculo do preço-parâmetro, não previstos, sequer de forma implícita, no texto legal então vigente.
Cinge-se a controvérsia em saber se a Instrução Normativa SRF n. 243/2002 extrapolou o conteúdo da lei em função da qual foi editada, verificando, por conseguinte, a obediência aos primados da anterioridade, da noventena e da irretroatividade. Conforme o contexto delineado no acórdão recorrido, "o cerne da questão, segundo a contribuinte, consiste no fato de que a sistemática prevista na IN/SRF n. 32/2001 previa fossem 'considerados 60% do valor do preço de venda menos o valor agregado', enquanto, por sua vez, o critério imposto pela IN/SRF n. 243/2002 exigiria fossem considerados 'somente 60% do preço do produto referente à participação dos bens importados'". O controle de preços de transferência tem como fundamento a necessidade de prevenir a erosão das bases tributáveis de um país por meio da manipulação de preços nas operações transnacionais praticadas entre partes vinculadas - particularmente, no que interessa ao caso analisado dos autos, por meio da inflação intencional dos custos da parte sediada no Brasil em contrapartida de um aumento dos lucros da parte coligada no exterior. Neste contexto, a legislação brasileira adotou três métodos relacionados às importações, inspirados naqueles recomendados pela OCDE: o método de Preços Independentes Comparados (PIC), o método do Preço de Revenda menos o Lucro (PRL) e o método do Custo de Produção mais Lucro (CPL). Pela aplicação dos métodos, é obtido o chamado preço-parâmetro, que refletirá o custo máximo dedutível na operação intragrupo, seja qual for o preço praticado entre as partes contratantes. O método PRL, cuja regulamentação é objeto da controvérsia, parte da ideia de que é possível estimar um valor justo (preço livre de interferência) se, a partir do preço de revenda de um bem que foi importado, for deduzida uma margem bruta adequada para, teoricamente, cobrir os custos e despesas operacionais relacionados àquela operação, bem como proporcionar lucro ao importador/revendedor. Para tanto, a Lei n. 9.430/1996 estabeleceu que, do preço de revenda do bem que foi importado, sejam expurgados os valores constantes das alíneas (a) a (d) do art. 18, II, dentre os quais está a margem de lucro que, na disciplina brasileira do Preço de Revenda menos Lucro (PRL), é legalmente presumida. Esta margem é de 20% para bens importados para simples revenda e de 60% para bens importados e revendidos após sua aplicação à produção no Brasil, conforme redação dada pela Lei n. 9.959/2000. A Receita Federal regulamentou essa nova redação, inicialmente por meio da IN SRF n. 32/2001. No ano seguinte, a substituiu pela IN SRF n. 243/2002. O que se verifica, em síntese, é que, sob a IN 32/01, o preço-parâmetro era obtido pela aplicação do percentual de 60% sobre a média dos preços líquidos de venda do bem produzido no Brasil (e não do bem importado), diminuída do valor agregado localmente (art. 12, § 11, II, da IN n. 32/2001). A partir da IN n. 243/2002, o preço-parâmetro passou a ser obtido mediante a aplicação do percentual de 60% sobre a participação do bem importado na média dos preços líquidos de venda do bem produzido, sendo esta margem subtraída da parcela do preço de venda atribuída ao bem importado (participação do item importado no preço do bem produzido - art. 12, § 11, e incisos, da IN n. 243/2002). A IN n. 243/2002 lança um novo olhar sobre o artigo 18, inciso II, da Lei n. 9.430/1996, em clara alteração quanto ao entendimento da instrução normativa anterior. Pela IN n. 32/2001, a "participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido" não era um elemento relevante para o cálculo do preço-parâmetro. Sob essa perspectiva, é certo que a alteração da interpretação da lei não implica, em si, inconstitucionalidade ou ilegalidade, desde que a nova interpretação seja consonante com a lei interpretada e não seja aplicada a fatos geradores pretéritos. A diferença fundamental entre a interpretação que levou à IN n. 32/2001 e a que deu origem à IN n. 243/2002 está no referencial sobre o qual recai a margem de lucro presumida na lei: na primeira, seria o preço de venda do bem que é produzido com o item importado cujo controle de preços se almeja fazer, diminuído do valor agregado no país; na segunda, a margem de lucro recai sobre o que seria o preço de revenda do próprio item importado, estimado mediante a "participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido". Pela metodologia da n. 32/2001, quanto maior o valor agregado no país, maior será o preço-parâmetro (custo máximo dedutível para o bem importado, cujo controle de preços se pretende fazer), chegando-se ao ponto de não manter qualquer pertinência com o custo real do bem (aquele que seria razoavelmente esperado numa operação entre partes independentes). No entanto, de fato, a IN n. 243/2002 foi além do que permitia a pura exegese do artigo 18, II, da Lei n. 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n. 9.959/2000. Ademais, em que pese a metodologia do PRL60 prevista na IN n. 243/2002 fosse, de fato, mais adequada ao controle de preços de transferência (tanto que incorporada, praticamente com o mesmo teor, à Lei n. 9.430/1996 pela Lei n. 12.715/2012), ela não encontrava, à época do caso, o devido respaldo no texto legal então vigente. Com efeito, o referido ato normativo desbordou da mera interpretação da norma ao criar novos conceitos e métricas a serem considerados no cálculo do preço-parâmetro, como a participação dos bens importados no custo do bem produzido e a participação dos bens importados no preço de venda do bem produzido. Reconhece-se, portanto, a ilegalidade da IN n. 243/2002 à luz do disposto no art. 18, inciso II, alínea d), item 1, da Lei n. 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n. 9.959/2000.
SEGUNDA TURMA
REsp 1.922.063-PR , Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022, DJe 21/10/2022.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Execução fiscal. Adesão a programa de parcelamento. Prescrição intercorrente. Interrupção.
A adesão a programa de parcelamento tributário é causa de suspensão da exigibilidade do crédito e interrompe o prazo prescricional.
O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que a adesão a parcelamento tributário é causa de suspensão da exigibilidade do crédito e interrompe o prazo prescricional, por constituir reconhecimento inequívoco do débito, nos termos do art. 174, IV, do CTN, voltando a correr o prazo, por inteiro, a partir do inadimplemento da última parcela pelo contribuinte (REsp 1.742.611/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/6/2018, DJe de 26/11/2018.). Contudo, diferente da orientação firmada nesta Corte Superior, o acórdão recorrido considerou que a adesão a programa de parcelamento tributário suspenderia o prazo prescricional. A diferença basilar entre suspensão e interrupção do prazo prescricional é que no primeiro o prazo já se iniciou, voltando a correr somando-se o período anteriormente transcorrido. Já na interrupção, o prazo de prescrição também já se iniciou, contudo, ao voltar a correr, recomeça-se por inteiro.
TERCEIRA TURMA
REsp 1.929.450-SP , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022.
DIREITO CIVIL
Responsabilidade civil. Doações inoficiosas. Ação declaratória de nulidade. Extravio de elementos probatórios. Ação de indenização por danos morais e materiais. Ausência de nexo causal. Teoria da perda de uma chance. Não cabimento.
Não se aplica a teoria da perda de uma chance para responsabilizar empresa que deixou de apresentar seus livros societários em prazo hábil para subsidiar impugnação de alegada doação inoficiosa por um de seus sócios, na hipótese de não restar comprovado o nexo de causalidade entre o extravio dos livros e as chances de vitória na demanda judicial.
A controvérsia situa-se em torno da responsabilidade civil por perda de uma chance, especialmente a viabilidade de indenização da chance perdida em razão da dificuldade de obtenção de elementos probatórios em prazo hábil para impugnação de alegadas doações inoficiosas que teriam diluído a participação social do falecido genitor das recorrentes em favor dos demais filhos. Na perda de uma chance, há prejuízo certo, e não apenas hipotético, situando-se a certeza na probabilidade de obtenção de um benefício frustrado por força do evento danoso imputado. Repara-se a chance perdida, e não o dano final. No caso, a alegação central é de que teriam sido realizadas diversas doações pelo seu pai, ao longo da vida, beneficiando os seus irmãos unilaterais, caracterizando-se como inoficiosas. Pugnaram, assim, pela reparação de danos oriundos da conduta da empresa, que deixou de apresentar dois livros societários em ação de exibição de documentos, os quais comprovariam ter o falecido pai delas doado somente aos seus outros irmãos cotas de sua participação societária. Os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade civil por perda de uma chance, no caso concreto, foram bem sintetizados no acórdão de origem: "(i) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação declaratória de nulidade de doações inoficiosas; (ii) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação de sonegados; (iii) a existência de nexo de causalidade entre o extravio de dois livros e as chances de vitória nas demandas judiciais." No entanto, o tribunal de origem concluiu que ainda que a companhia tivesse cumprido a decisão judicial que determinou a exibição dos livros, a situação hereditária das autoras dificilmente seria modificada. Isto é, consignou-se que não há nexo de causalidade entre o extravio dos dois livros da companhia e o insucesso no ajuizamento de ações declaratória de nulidade de doações, por inoficiosas, ou de sonegados, por ausência de colação.
REsp 1.809.207-PA , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022.
DIREITO CIVIL
Restituição do valor depositado judicialmente. Incidência de correção monetária e de juros moratórios. Pretensão de incidência adicional de juros remuneratórios. Descabimento. Rubrica destinada a remunerar capital emprestado com anuência das partes.
Não incidem juros remuneratórios na restituição de depósito judicial.
A controvérsia consiste em definir a extensão da obrigação do banco depositário de restituir ao seu titular o valor depositado judicialmente no bojo de ação de inventário, especificando-se, a esse fim, quais rubricas sobre tal quantia deve a instituição financeira fazer incidir. Além da atualização monetária (indispensável à restituição do capital em sua inteireza) e dos juros moratórios, no caso, pretende-se, ainda, a remuneração do capital depositado judicialmente por quase 50 (cinquenta) anos - incidência de juros remuneratórios. Esclarece-se, inicialmente, que os juros remuneratórios ou compensatórios possuem por propósito remunerar o capital emprestado, tendo origem, por regra, na convenção estabelecida entre as partes. Resultam de uma utilização consentida de capital alheio. Estes, por evidente, não se confundem com os juros moratórios, que têm como fundamento a demora na restituição do capital ou o descumprimento de obrigação e podem decorrer da lei ou da convenção entre as partes. Transportando-se tais definições ao depósito judicial, chega-se à conclusão inequívoca de não haver incidência de juros remuneratórios ao valor depositado, a cargo da instituição financeira. Por sua vez, o depósito judicial constituiu um relevante instrumento destinado a dar concretude à vindoura tutela jurisdicional, o qual é viabilizado por meio de convênios realizados entre instituições financeiras (públicas) e o Poder Judiciário, sendo regido pelas normas administrativas por este último editadas. Desse modo, o banco depositário, exercente de função auxiliar do Juízo, não estabelece nenhuma relação jurídica com o titular do numerário depositado. O depósito é realizado em decorrência de ordem emanada pelo Juízo, não havendo, pois, nenhum consentimento, pelo titular (muitas vezes, ainda incerto), a respeito da utilização desse capital, muito menos avença acerca da remuneração desse capital. Segundo as lições doutrinárias, "o depositário não tem posse, que é a relação apreciável por direito privado, mas sim poder público sobre a coisa, derivado do seu dever de detê-la". Não é despiciendo anotar, inclusive, que, ainda que se procedesse a um paralelo entre o depósito judicial e o contrato de depósito bancário - realidades distintas que, por isso, não comportariam sequer comparação -, a remuneração do capital não consubstancia condição inerente a esse tipo de contrato bancário. Ao tecer as características principais do contrato de depósito bancário, o qual, por suas particularidades, muito se distancia da figura do depósito, a doutrina é peremptória em afirmar "não ser da essência do depósito bancário a remuneração pela permanência dos recursos em mãos do banco". Nos termos do art. 629 do Código Civil (e art. 1.266 do CC/1916), o depositário é obrigado a restituir a coisa depositada "com todos os frutos e acrescidos". Nessa medida, o banco depositário deve restituir a quantia depositada judicialmente, sobre a qual deve incidir correção monetária (Súmulas n. 179 e 271/STJ) e juros de mora à taxa legal, como fundamento na demora na restituição do capital ao seu titular.
REsp 1.969.648-DF , Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022, DJe 21/10/2022.
DIREITO CIVIL
Nulidade de compra e venda imobiliária. Simulação em detrimento da partilha de bens do casal. Negociação entre empresas de "fachada". Existência de subordinação e parentesco entre os sócios das empresas envolvidas. Simulação manifestamente demonstrada.
O reconhecimento de simulação na compra e venda de imóvel em detrimento da partilha de bens do casal gera nulidade do negócio e garante o direito à meação a ex-cônjuge.
Na análise do vício da simulação, devem ser considerados os seguintes elementos: a consciência dos envolvidos na declaração do ato, sabidamente divergente de sua vontade íntima; a intenção enganosa em relação a terceiros; e o conluio entre os participantes do negócio. Segundo a doutrina, são indícios palpáveis para a conclusão positiva de simulação: alienação de todo o patrimônio do agente ou de grande parte dele; relações já citadas de parentesco ou amizade íntima entre os simuladores, bem como relação de dependência hierárquica ou meramente empregatícia ou moral; antecedentes e a personalidade do simulador; existência de outros atos semelhantes praticados por ele; decantada falta de possibilidade financeira do adquirente: preço vil; não-transferência de numerário no ato nas contas bancárias dos participantes; continuação do alienante na posse da coisa alienada; o fato de o adquirente não conhecer a coisa adquirida. No caso, as circunstâncias que evidenciam seguramente a ocorrência de simulação no negócio jurídico envolvendo a compra e venda do imóvel, em detrimento à meação de bens: (1) imóvel que desde a aquisição foi utilizado como residência do casal e do filho; (2) parentesco e subordinação entre os sócios das empresas "de fachada", envolvidas na compra do imóvel, e o ex-marido; (3) ausência de comprovação de transferência bancária em dinheiro entre tais empresas para a aquisição do imóvel; (4) comprovação de que o ex-marido era o administrador de fato e movimentava as contas bancárias de tais empresas envolvidas no negócio; (5) diversas denúncias, ações judiciais e investigações acerca de envolvimento do ex-marido e outros em esquemas de blindagem de patrimônio; e (6) ajuizamento de ação declaratória de impenhorabilidade do imóvel, por parte ex-marido, sob o fundamento de se tratar de bem de família. A simulação como causa de nulidade (não de anulabilidade), do negócio jurídico e, dessa forma, como regra de ordem pública que é, pode ser declarada até mesmo de ofício pelo juiz da causa (art. 168, parágrafo único, do CC/2002). Nesse sentido, o art. 167 do CC/2002 é claro ao prescrever que é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. E ainda, o enunciado n. 294 da IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal pontuou que sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra.
REsp 1.799.039-SP , Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 04/10/2022, DJe 07/10/2022.
DIREITO CIVIL
Contrato paritário. Cláusula expressa afastando a cobrança ou indenização em caso de ruptura antecipada. Equilíbrio econômico. Autonomia privada. Legislação específica. Boa-fé. Função social do contrato. Expectativa das partes. Cláusula abusiva. Não demonstrada.
A cláusula que desobriga uma das partes a remunerar a outra por serviços prestados na hipótese de rescisão contratual não viola a boa-fé e a função social do contrato quando presente equilíbrio entre as partes contratantes no momento da estipulação.
A Lei n. 13.874/2019, também intitulada de Lei da Liberdade Econômica, em seu art. 3°, VIII, determinou que são direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal, ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública. O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. Assim, não obstante a liberdade de contratação e a autonomia privada sejam princípios fundamentais no Direito Civil, eles não são absolutos, porquanto encontram limites na função social do contrato, na probidade e na boa-fé objetiva. A existência de equilíbrio e liberdade entre as partes durante a contratação, bem como a natureza do contrato e as expectativas são itens essenciais a serem observados quando se alega a nulidade de uma cláusula com fundamento na violação da boa-fé objetiva e na função social do contrato. Em se tratando de contrato de prestação de serviços firmado entre dois particulares os quais estão em pé de igualdade no momento de deliberação sobre os termos do contrato, considerando-se a atividade econômica por eles desempenhada, inexiste legislação específica apta a conferir tutela diferenciada para este tipo de relação, devendo prevalecer a determinação do art. 421, do Código Civil.
QUARTA TURMA
REsp 1.786.266-DF , Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022.
DIREITO CIVIL
Prescrição. Execução. Dupla interrupção do prazo. Protesto de título (extrajudicial) e citação processual. Impossibilidade. Princípio da unicidade da interrupção prescricional.
Em razão do princípio da unicidade da interrupção prescricional, mesmo diante de uma hipótese interruptiva extrajudicial (protesto de título) e outra em decorrência de ação judicial de cancelamento de protesto e título executivo, apenas admite-se a interrupção do prazo pelo primeiro dos eventos.
A controvérsia limita-se à interpretação do art. 202, caput, do Código Civil, especificamente sobre se há possibilidade de dupla interrupção da prescrição, na hipótese de uma delas ocorrer por causa extrajudicial e a outra em decorrência de citação processual. O Código Civil de 2002 inovou ao prever que a interrupção da prescrição deverá ocorrer uma única vez, com a finalidade de obstar a eternização do direito de ação mediante constantes interrupções da prescrição, evitando, desse modo, a perpetuidade da incerteza e da insegurança nas relações jurídicas. Observa-se que o legislador, ao determinar a unicidade da interrupção prescricional, não diferenciou, para aplicação do princípio, a causa interruptiva em razão de citação processual (inciso I) daquelas ocorridas fora do processo judicial (incisos II a VI). Nesse sentido, a doutrina afirma que "não importa que existam vários caminhos para se obter a interrupção da prescrição. Usado um deles, a interrupção alcançada será única. Não terá o credor como se valer de outra causa legal para renovar o efeito interruptivo. Se usar o protesto judicial, por exemplo, não terá eficácia de interrupção o posterior ato de reconhecimento da dívida pelo devedor. Vale dizer, a citação não afetará a prescrição se alguma outra causa interruptiva houver ocorrido antes da propositura da ação". Por essa razão, somente é possível uma única interrupção prescricional, de forma que, verificada a interrupção por qualquer uma das situações descritas no art. 202 do CC/2002, não se admite nova interrupção da prescrição por força de um segundo evento.
AgInt no REsp 1.716.741-RS , Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/09/2022, DJe 19/09/2022.
DIREITO CIVIL
Contrato de promessa de compra e venda de imóvel. Indexação pelo Custo Unitário Básico da Construção Civil (CUB). Legitimidade apenas no período de construção do imóvel. Substituição pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) após a conclusão do imóvel.
O CUB-SINDUSCON é indexador válido para a correção monetária das prestações ajustadas relativamente ao período de edificação do imóvel e após a conclusão da obra deve incidir o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
No tocante à incidência do Custo Unitário Básico da Construção Civil (CUB) como indexador do contrato de promessa de compra e venda, esta Corte tem decidido que "o CUB-SINDUSCON é indexador válido para a correção monetária das prestações ajustadas relativamente ao período de edificação do imóvel objeto do contrato. […] Após a conclusão da obra, não é mais possível a utilização de tal índice." (STJ, AgRg no AgRg no Ag 941.737/MG, relator Ministro Humberto Gomes De Barros, Terceira Turma, julgado em 3/12/2007, DJ de 14/12/2007, p. 416.) "No contrato de compra e venda de imóvel com a obra finalizada não é possível a utilização de índice setorial de reajuste, pois não há mais influência do preço dos insumos da construção civil." (STJ, REsp 936.795/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 08/04/2008, DJe 25/04/2008). Assim sendo, "a utilização do CUB-Sinduscon, índice de idêntica natureza do INCC, somente se afigura incabível após a conclusão da obra do imóvel." (STJ, AgRg no REsp 761.275/DF, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 18/12/2008, DJe de 26/2/2009.) Dessa forma, "após a conclusão da obra do imóvel" (STJ, AgRg no REsp 761.275/DF) deve incidir o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). (STJ, AgRg no AgRg no Ag 941.737/MG).
REsp 1.860.333-DF , Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Bens do administrador não sócio. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Teoria menor. Interpretação extensiva. Impossibilidade.
Para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário da empresa (administrador não sócio).
Cinge-se a controvérsia à possibilidade ou não de, a partir da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, adotado no artigo art. 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, atingir-se/responsabilizar-se o administrador não sócio. O instituto da desconsideração da personalidade jurídica é originário da experiência anglo-saxônica, tradicionalmente denominada de "disregard doctrine", e que tem por escopo superar a autonomia e separação patrimonial, a fim de responsabilizar sócios e/ou administradores por obrigações inicialmente de titularidade apenas da pessoa jurídica. No ordenamento jurídico pátrio, infere-se dois sistemas para a desconsideração: (a) aquele inserto no Código Civil, em seu artigo 50, concebido à luz da denominada teoria maior e (b) aquele disciplinado pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, parágrafo 5º, relacionado à intitulada teoria menor. Efetivamente, à aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), revela-se suficiente que consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. A citada teoria encontra como pressuposto o fato de que o risco empresarial, inerente ao exercício da atividade econômica, deve ser suportado por aqueles que integram os quadros societários, com capacidade de gestão, e não o consumidor. Assim, "em se tratando de vínculo de índole consumerista, (é possível) a utilização da chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor, somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (art. 28 e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor)." (REsp 1.111.153/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/12/2012, DJe de 04/02/2013). Entretanto, diversamente do que ocorre com a teoria maior, prevista no Código Civil, o parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor não contempla a previsão específica acerca da possibilidade de extensão da responsabilidade ao administrador não sócio, isto é, àquele que, embora desempenhe as funções gerenciais, não integra o quadro societário. Oportuno destacar que, na redação original do diploma consumerista, havia alusão/menção expressa sobre o atingimento do patrimônio do administrador, ainda que não-sócio, especificamente no § 1º do artigo 28. Todavia, o artigo em comento foi vetado, não havendo, portanto, no diploma em questão, previsão para desconsideração em relação àquele que não integre o quadro societário. Ainda que o caput do artigo 28 pudesse ser conjugado com a norma prevista no artigo 50 do Código Civil - pois ambos versam acerca da teoria maior -, a fim de reconhecer a possibilidade de desconsideração para estender a responsabilidade obrigacional aos administradores não integrantes do quadro societário, infere-se a inviabilidade de o fazer em relação ao disposto no parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, lastreado na teoria menor. Isso porque, o dispositivo em comento, autônomo em relação ao caput, afigura-se mais gravoso, pois tem incidência em hipóteses mais flexíveis, exigindo menos requisitos, isto é, sem a necessidade de demonstração do abuso da personalidade jurídica, prática de ato ilícito ou de infração. Aplica-se, por conseguinte, a casos de mero inadimplemento, em que se observe, por exemplo, a ausência de bens de titularidade da pessoa jurídica, hábeis a saldar o débito. Nesse contexto, dada especificidade do parágrafo em questão, e as consequências decorrentes de sua aplicação - extensão da responsabilidade obrigacional -, afigura-se inviável a adoção de um interpretação extensiva, com a atribuição de abrangência apenas prevista no artigo 50 do CC/2002, particularmente no que concerne ao atingimento do patrimônio de administrador não sócio.
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 24/10/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Ação de adoção de pessoa maior. Pedido formulado pela mãe biológica em relação à filha adotada anteriormente na infância. Consentimento dos pais adotivos e da adotanda. Possibilidade jurídica do pedido. Finalidade protetiva das normas relacionadas ao ECA.
O pedido de nova adoção formulado pela mãe biológica, em relação à filha adotada por outrem, anteriormente, na infância, não se afigura juridicamente impossível.
De acordo com a nova redação dos arts. 1.618 e 1.619 do CC/2002, a adoção de crianças será regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. No mesmo sentido a adoção de adultos, que também dependerá da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva, e será regida pela mesma Lei, no que couber. Portanto, não subsiste mais a discussão em torno de se determinar qual é o documento legal regente das adoções. Atualmente, todas as adoções, sejam de crianças, adolescentes ou adultos, serão regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, guardadas as particularidades próprias das adoções de adultos. Contudo, uma vez proposta demanda judicial, o julgamento desta deve ter como referência a lei vigente no momento do ajuizamento da ação. No caso, a demanda foi ajuizada em agosto de 2003, quando a adoção de adultos era regulada pelo Código Civil de 2002. Então para o julgamento da presente ação de adoção de pessoa maior, deve-se considerar dois aspectos relevantes: a) o regramento aplicável ao pedido de adoção é aquele vigente à época da propositura da ação, ou seja, a redação original dos arts. 1.618 e seguintes do Código Civil de 2002; b) a pessoa maior foi adotada em 1986, antes, portanto, do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando era vigente o Código de Menores (Lei n. 6.697/1979). É inequívoco que a adoção realizada na infância é válida e irrevogável, mesmo considerando-se que foi realizada sob a égide do Código de Menores (art. 37 da Lei n. 6.697/1979). Criou-se novo vínculo de filiação, com a consequente desconstituição do vínculo da adotada com os pais biológicos e parentes consanguíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais. No caso, a genitora ajuizou ação de adoção, no intuito de adotar sua filha biológica, maior de idade e capaz, a qual fora adotada na infância. Com o passar dos anos, mãe e filha biológicas foram se aproximando cada vez mais e passaram a nutrir um desejo recíproco de retornarem a ser mãe e filha, com o que concordam os pais adotivos. Todavia, na demanda, não se postula a nulidade ou revogação da adoção anterior, mas o deferimento de outra: adoção de pessoa maior, regida pelo Código Civil de 2002, não sujeita (ao tempo da propositura da ação) ao regime especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, embora dependendo de procedimento judicial e sentença constitutiva (art. 1.623, parágrafo único, do CC/2002). A lei não traz expressamente a impossibilidade de se adotar pessoa anteriormente adotada. Basta, portanto, o consentimento das partes envolvidas, ou seja, os pais ou representantes legais, e da concordância do adotando. Cabe ressaltar que o argumento de que a adoção é irrevogável, consoante a antiga redação do art. 48 do ECA (atual art. 39, § 1º), não conduz à conclusão de que o pedido é juridicamente impossível. Isso, porque a finalidade da irrevogabilidade da adoção é proteger os interesses do menor adotado, em se tratando de criança e adolescente. Com efeito, o escopo da norma é vedar a revogação da filiação adotiva a fim de evitar que os adotantes simplesmente "arrependam-se" da adoção efetivada, por quaisquer motivos, e "devolvam" a criança ou adolescente adotado, sendo a irrevogabilidade uma medida de proteção, estatuída em favor dos interesses do menor adotado. Quando o adotado, ao atingir a maioridade, deseja constituir novo vínculo de filiação e concorda com nova adoção, não faz sentido a proteção legal, ficando claro que seus interesses serão melhor preservados com o respeito à sua vontade, livremente manifestada. A adoção de qualquer pessoa, maior ou menor de dezoito anos, deve "constituir efetivo benefício para o adotando" (CC/2002, art. 1.625), o que corresponde às "reais vantagens" da diretriz do ECA (art. 43), sendo, dessa forma, expressões que se equivalem e induzem ao princípio do melhor interesse. Portanto, aplicando-se à espécie o regramento do Código Civil de 2002, por se tratar de adoção de pessoa maior e capaz, tem-se que todos os requisitos legais foram preenchidos na situação: a adotante é maior de dezoito anos (art. 1.618); há diferença de idade de dezesseis anos (art. 1.619); houve consentimento dos pais da adotanda e concordância desta (art. 1.621); o meio escolhido foi o processo judicial (art. 1.623); foi assegurada a efetiva assistência do Poder Público (art. 1.623, parágrafo único); o Ministério Público constatou o efetivo benefício para a adotanda (art. 1.625).
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022.
DIREITO EMPRESARIAL
Alienação de bens da massa falida. Adoção excepcional de modalidade. Rejeição da proposta pela assembleia-geral de credores. Autorização do juízo de falências. Possibilidade. Conformidade com a regra expressa no § 3º do art. 145, da Lei n. 11.101/2005.
É possível o juízo de falência autorizar modalidade alternativa de alienação de ativos, mesmo diante da rejeição da proposta pela assembleia-geral de credores.
Os arts. 144 e 145 da Lei n. 11.101/2005 preveem a possibilidade de adoção excepcional de modalidade diversa daquelas previstas no art. 142, desde que existam motivos justificados para afastar a incidência das formas ordinárias de alienação dos bens da massa falida. Segundo a doutrina, em princípio, é atribuição da assembleia-geral de credores a opção por modalidade alternativa de realização do ativo, na forma do art. 35, II, "c", da mencionada lei, sendo competência do magistrado sua convocação. Encaminhada à assembleia-geral de credores a análise da modalidade alternativa de alienação do ativo e, desde que aprovada por 2/3 (dois terços) dos credores presentes à assembleia (art. 46 da LREF), será homologada pelo juiz, que somente examinará a proposta sob o prisma da legalidade, nos termos do art. 145, caput. No caso, todavia, não houve aprovação da modalidade alternativa, constando dos autos que, dos 15 (quinze) credores presentes, 9 (nove) rejeitaram a proposta, enquanto 6 (seis) se abstiveram de votar. Diante dos pareceres favoráveis do Ministério Público e do administrador judicial, o Juiz da Vara de Falências e Recuperações Judiciais autorizou o administrador judicial a firmar o acordo oferecido. Neste aspecto, o magistrado, ao autorizar a modalidade alternativa de realização do ativo, mesmo após rejeição da proposta pela assembleia-geral de credores, agiu em conformidade com a regra expressa no § 3º do art. 145. Do dispositivo legal infere-se que, caso não aprovada a proposta pela assembleia-geral, cabe a decisão ao juiz, que possui poder discricionário de autorizá-la, devendo, no entanto, levar em consideração as manifestações do administrador judicial e do comitê de credores, caso exista. A doutrina destaca que "essa regra, excepcional, é uma das poucas hipóteses contempladas na Lei de Recuperações e de Falências em que o juiz poderá adotar posição divergente da decisão adotada em assembleia". Portanto, para que o juiz autorize modalidade de realização do ativo diversa do leilão, das propostas fechadas ou do pregão, deverá explicitar os motivos pelos quais entende ser necessária a adoção dessa medida excepcional, buscando alcançar o melhor resultado para os credores e para a massa falida (alterações introduzidas pela Lei n. 14.112/2020, art. 142, V, e e § 3º-B, III).
AgInt no REsp 1.838.866-DF , Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022, DJe 31/08/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Adjudicação. Agravo de instrumento pela União (Fazenda Nacional). Ausência de efeito suspensivo ope legis . Eficácia da decisão agravada. Recurso manejado após transferência de propriedade com o registro imobiliário da adjudicação. Desconstituição. Necessidade de ação.
Após a transferência da propriedade com o registro da adjudicação no cartório de registro de imóveis, o efeito suspensivo concedido posteriormente ao agravo de instrumento interposto pela União (Fazenda Nacional) não tem o condão de retroagir a fim de atingir a eficácia do registro, porquanto a desconstituição do ato não pode ser realizada nos autos da execução, sendo necessária ação anulatória.
Quanto à ineficácia do registro de adjudicação em razão do efeito obstativo do agravo de instrumento, verifica-se que a Corte de origem entendeu pela nulidade do registro da carta de adjudicação do imóvel sob o fundamento de que a decisão agravada - permitindo a adjudicação em momento anterior - não surtiu efeitos em decorrência do efeito obstativo dos recursos, tendo sido prorrogada a ineficácia da decisão com o deferimento de efeito suspensivo ao agravo. A Corte de origem, para justificar o entendimento de que o registro efetuado seria nulo, afirma que a decisão agravada na origem "jamais surtiu efeitos, tendo em vista que, em decorrência do princípio obstativo dos recursos, prolongou-se sua ineficácia com o empréstimo de efeito suspensivo". Embora, no caso, o acórdão tenha se referido a um princípio obstativo dos recursos para afirmar que a decisão agravada não tinha eficácia, desde a sua prolação até a interposição do agravo de instrumento, não se deve "confundir os efeitos suspensivo e obstativo dos recursos: enquanto o primeiro impede a efetividade da decisão proferida, o segundo difere o trânsito em julgado" (AgInt no REsp 1694349/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 18/11/2019). Observa-se que a Corte a quo adotou o entendimento de que o agravo de instrumento teria efeito suspensivo a obstar a eficácia da decisão pela simples fluência do prazo para interposição do recurso, cujo recebimento limitou-se a prolongar a suspensão já existente. Para o acórdão recorrido, o termo inicial de eficácia da decisão agravada na origem ocorreria quando se tornasse preclusa a via recursal ou interposto o recurso sem efeito suspensivo, como no caso, a decisão passaria a produzir efeitos a partir do recebimento do recurso. No entanto, como na hipótese foi dado efeito suspensivo ao agravo no provimento de recebimento, a eficácia da decisão permaneceria suspensa até o julgamento. Não se discute que fica obstada, desde a origem, a eficácia da decisão sujeita a recurso dotado de efeito suspensivo por determinação legal (ope legis), porquanto nesse caso o decisum é incapaz de produzir efeitos desde a prolação, perdurando a suspensão até o julgamento do recurso. Assim como, de outro lado, que as decisões sujeitas a recurso sem efeito suspensivo são capazes de produzir efeitos desde logo, a partir de sua publicação. Todavia, o agravo de instrumento, por expressa previsão legal contida no art. 497 do CPC/1973, não possui efeito suspensivo (ope legis) e, conforme a doutrina, a "decisão interlocutória, uma vez proferida, produz, de imediato, os efeitos que lhe são próprios, independentemente da possibilidade de interposição do agravo. Aliás, mesmo que interposto o agravo, não se suspende, de plano, o cumprimento da decisão recorrida. Esse efeito poderá ser determinado expressamente, pelo relator do recurso, que o 'suspenderá'". Nessa mesma linha, esta Corte Superior já se manifestou em inúmeras oportunidades no sentido de que o agravo de instrumento não possui efeito suspensivo de forma automática, por força de lei, podendo tal efeito ser atribuído ao recurso ope iudicis, ou seja, através de uma decisão judicial. Portanto, interposto o agravo de instrumento pela União (Fazenda Nacional) em intervenção manifestamente incabível e após a transferência da propriedade com o registro da adjudicação no cartório de registro de imóveis, o efeito suspensivo concedido posteriormente não tem o condão de retroagir a fim de atingir a eficácia do registro. Já a desconstituição do ato não poderia ser realizada nos autos da execução, sendo necessário, para tanto, segundo o entendimento consolidado desta Corte Superior, o ajuizamento de ação anulatória.
AgInt no REsp 1.838.866-DF , Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022, DJe 31/08/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Adjudicação. Privilégio de crédito tributário. União (Fazenda Nacional). Art. 5°, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997. Processo na fase de execução. Intervenção anômala. Impossibilidade.
É inviável a intervenção anômala da União na fase de execução ou no processo executivo, salvo na ação cognitiva incidental de embargos.
Nos termos do art. 5º, caput, da Lei n. 9.469/1997, "a União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais". Por outro lado, o parágrafo único do mencionado artigo proclama que "as pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes". O legislador, com o objetivo de proteger o patrimônio público, criou a possibilidade de intervenção ampla da União em demanda cuja decisão possa ter reflexos, diretos ou indiretos, de natureza econômica, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria. Nessa linha de intelecção, a melhor hermenêutica aplicável é aquela que não limita essa possibilidade de intervenção a causas onde conste como parte uma pessoa jurídica de direito público, mas, do contrário, a permite inclusive naquelas entre particulares, bastando a demonstração de que a causa possa repercutir no seu patrimônio. Sob essa perspectiva, esta Corte Superior consolidou o entendimento segundo o qual, o art. 5°, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997 possibilitou a intervenção da União nas causas em que a solução possa ter efeitos reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, independentemente da demonstração do interesse jurídico. Todavia, no caso, a controvérsia consiste em saber se seria admitida a intervenção da União, com base naquele preceito legal, já se encontrando o processo na fase executiva, uma vez que a União (Fazenda Nacional) solicitou a sua intervenção anômala no processo, quando o feito encontrava-se em fase de execução com carta de adjudicação do imóvel já expedida. Como visto, o art. 5º, caput, e parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997, prevê uma faculdade de a União, se assim entender, intervir em feitos de cuja decisão possa advir reflexos, ainda que indiretos. Portanto, não se está diante de hipótese de litisconsórcio necessário, nem mesmo de assistência litisconsorcial. O mencionado dispositivo, ao explicitar a finalidade da intervenção - para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer -, por exegese lógica, também deixa claro que se trata de intervenção ad coadjuvandum, ou seja, está-se diante de assistência simples. Nessa ordem de ideias, não é ocioso relembrar que, nos termos do caput, do art. 50, do CPC, para a admissão da intervenção de terceiros na modalidade assistência, é antecedente necessário a existência de causa pendente, vale dizer, causa cuja decisão final não tenha transitado em julgado, circunstância não verificada na espécie. É que o assistente, na verdade, tem interesse que o assistido "vença a demanda" e na fase de execução, todavia, não há prolação de sentença favorável ou desfavorável, o que leva à conclusão inexorável de não ser possível, nesta fase, a assistência. Esta somente seria admissível em eventuais embargos à execução. De fato, por isso a assistência só cabe no processo de conhecimento ou cautelar, como acentuou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira no REsp. 586/PR, Quarta Turma, julgado em 20/11/1990.
QUINTA TURMA
AgRg no HC 748.033-SC , Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022.
DIREITO PENAL, EXECUÇÃO PENAL
Tráfico de drogas. Delito equiparado a hediondo. Previsão constitucional. Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019). Tráfico privilegiado. Caráter hediondo. Afastamento.
As alterações providas pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019) apenas afastaram o caráter hediondo ou equiparado do tráfico privilegiado, previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, nada dispondo sobre os demais dispositivos da Lei de Drogas.
Sustenta o paciente que não há norma específica que defina o crime de tráfico de drogas como sendo hediondo ou equiparado. Insiste que a única previsão da aplicação da fração de progressão diferenciada ao crime de tráfico de drogas, prevista no art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/1990, foi revogada. Afirma que, na ausência de determinação legal, o condenado pela prática do crime de tráfico de drogas deverá progredir e ter o livramento condicional concedido conforme os critérios objetivos dos delitos comuns. No entanto, a equiparação a hediondo do delito de tráfico de drogas decorre de previsão constitucional constante no art. 5º, XLIII, da Carta Magna, que trata com mais rigor os crimes de maior reprovabilidade. Destaca-se que a Lei n. 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime", ao promover alterações na Lei de Execução Penal, apenas afastou o caráter hediondo ou equiparado do tráfico privilegiado, previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, nada dispondo sobre os demais dispositivos da Lei de Drogas. Assim, verifica-se que o entendimento do acórdão impugnado não destoa da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça sobre a matéria, pois acertada a fração utilizada para o reconhecimento de benefícios executórios.
SEXTA TURMA
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/09/2022, DJe 29/09/2022.
DIREITO PENAL
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente. Exigência de habitualidade para tipificação da conduta. Desnecessidade. Crime instantâneo. Proteção integral da pessoa humana em desenvolvimento.
O delito de favorecimento à exploração sexual de adolescente não exige habitualidade. Trata-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o agente obtém a anuência para práticas sexuais com a vítima menor de idade, mediante artifícios como a oferta de dinheiro ou outra vantagem, ainda que o ato libidinoso não seja efetivamente praticado.
As normas penais que tutelam a dignidade sexual de crianças e adolescentes devem ser interpretadas à luz das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil quanto à proteção da pessoa humana em desenvolvimento contra todas as formas de exploração sexual e das disposições constitucionais que impõem o paradigma da proteção integral. De fato, ao ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto n. 99.710/1990), o Brasil se comprometeu a adotar todas as medidas necessárias para proteger pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual (arts. 19 e 34 da Convenção). Este compromisso internacional está em consonância com a norma constitucional que confere absoluta prioridade à proteção dos direitos da criança e do adolescente, determinando que a lei deve punir severamente o abuso, a violência e a exploração sexual contra elas praticado (art. 227, caput e § 4.º, da CF). Nesse contexto, é inadmissível a interpretação de que o delito previsto no art. 218-B do Código Penal exija a presença de habitualidade. De fato, o simples oferecimento de vantagem pecuniária à criança ou adolescente em troca de atos sexuais configura, por si só, induzimento a situação de exploração sexual apta a justificar a tipificação da conduta. Conforme a compreensão já consagrada pela Terceira Seção desta Corte Superior, "[q]uem, se aproveitando da idade da vítima, oferece-lhe dinheiro em troca de favores sexuais está a explorá-la sexualmente, pois se utiliza da sexualidade de pessoa ainda em formação como mercancia." (EREsp 1.530.637/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe 17/09/2021). Por essa razão, enquadra-se na situação de exploração sexual qualquer tipo de oferta econômica a criança ou adolescente em troca da prática de atos sexuais, mesmo que objetivando a obtenção de um único ato libidinoso ou que não haja intermediação de terceiros. O delito de favorecimento à exploração sexual de criança ou adolescente, portanto, não exige habitualidade, tratando-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o agente obtém a anuência para práticas sexuais com a vítima menor de idade, mediante artifícios como a oferta de dinheiro ou outra vantagem, ainda que o ato libidinoso não seja efetivamente praticado. Esta interpretação da norma do art. 218-B, caput, do Código Penal é a única capaz de cumprir com a exigência de proteção integral da pessoa em desenvolvimento contra todas as formas de exploração sexual.
HC 750.946-RJ , Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Sexta Turma, por maioria, julgado em 11/10/2022.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Colaboração premiada. Acordo entre acusação e defesa. Vítima colaboradora. Impossibilidade.
A colaboração premiada é um acordo realizado entre o acusador e a defesa, não podendo a vítima ser colaboradora.
O § 6° do art. 4° da Lei n. 12.850/2013 estipula que "o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor". Pela jurisprudência desta Corte Superior e pela legislação pertinente, a vítima não pode ser colaboradora, porque lhe faltaria interesse - haja vista que é a interessada na tutela punitiva. De ver-se que, de acordo com a doutrina, a "colaboração premiada é um acordo realizado entre o acusador e a defesa, visando ao esvaziamento da resistência do réu e à sua conformidade com a acusação, com o objetivo de facilitar a persecução penal em troca de benefícios ao colaborador, reduzindo as consequências sancionatórias à sua conduta delitiva". Ressalte-se ainda que "o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, em voto da relatoria do Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC 127.483/PR, assentou o entendimento de que a colaboração premiada, para além de técnica especial de investigação, é negócio jurídico processual personalíssimo, pois, por meio dele, se pretende a cooperação do imputado para a investigação e para o processo penal, o qual poderá redundar em benefícios de natureza penal premial, sendo necessário que a ele se aquiesça, voluntariamente, que esteja no pleno gozo de sua capacidade civil, e consciente dos efeitos decorrentes de sua realização" (APn 843/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 06/12/2017, DJe 01/02/2018).
RHC 163.897-RS , Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022, DJe 21/10/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Suspensão condicional do processo ofertada pelo Ministério Público. Reparação do dano à vítima. Desacordo quanto ao valor a ser pago. Inviabilidade do benefício legal.
A falta de acordo entre as partes quanto ao valor a ser pago a título de reparação do dano inviabiliza o benefício legal da suspensão condicional do processo.
Nos termos da jurisprudência desta Corte "a suspensão condicional do processo, proposta pela acusação, é solução extrapenal que cumpre ser prestigiada como instrumento de controle social de crimes de menor potencial ofensivo. Na presença dos requisitos objetivos e subjetivos previstos na legislação de regência, impõe-se sua homologação após o recebimento da denúncia, com suspensão do processo e do prazo prescricional" (APn n. 954/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 6/10/2021, DJe de 15/10/2021). No caso, não se verifica constrangimento ilegal, pois foi proposta pelo Ministério Público a suspensão condicional do processo, não tendo sido o benefício homologado pelo juízo em razão do desacordo entre as partes acerca do valor a ser pago a título de reparação do dano, uma das condições para a concessão desse benefício, previsto no art. 89, §1º, I, da Lei n. 9.099/1995. "A reparação do dano causado, salvo na impossibilidade de fazê-lo, prevista no art. 89, § 1º, I, da Lei n. 9.099/1995, é imprescindível para concessão do sursis processual". (RHC 62.119/SP, Rel. Ministro Gurgel De Faria, Quinta Turma, julgado em 10/12/2015, DJe 05/02/2016). Outrossim, em situação análoga, decidiu esta Corte que, "no que diz respeito à alegada afronta ao art. 89 da Lei n. 9.099/1995, tem-se que a suspensão condicional do processo deixou de ser oferecida não em virtude da ausência de prévia reparação do dano, mas sim em razão da ausência de acordo sobre o ressarcimento do dano, situação que, de fato, inviabiliza o benefício legal". (AgRg no AREsp n. 1.751.724/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 27/9/2021).
CORTE ESPECIAL - JULGAMENTO NÃO CONCLUÍDO
REsp 1.847.798-RJ , Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Corte Especial, sessão de julgamento do dia 19/10/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Impugnação ao valor da causa. Rejeição por decisão interlocutória publicada na vigência do Código de 1973. Complementação por decisão integrativa proferida por embargos de declaração publicada na vigência do Código de 2015. Regime recursal. Pedido de vista.
Cuida-se de Recurso Especial interposto com fundamentos nos arts. 14, 1.015 e 1.046, todos do CPC/2015, ao fundamento que a impugnação ao valor da causa ofertada pela recorrida, conquanto rejeitada por decisão interlocutória publicada na vigência do Código de 1973 foi complementada por decisão integrativa proferida por embargos de declaração opostos pela recorrida e que fora publicada na vigência do Código de 2015, razão pela qual, pelo regime recursal instituído pela nova legislação processual, trata-se de decisão impugnável por preliminar de apelação e não por agravo de instrumento. A Ministra Nancy Andrighi destaca que, por ocasião do julgamento do Agravo no Agravo no Agravo no EREsp 1.114.110, a Corte Especial fixou o entendimento de que, diante da alteração do cabimento dos embargos infringentes, promovido pela Lei n. 10.352/2001, é a legislação vigente ao tempo em que foi proferida a decisão ser impugnada a definidora do recurso cabível. Por intermédio da alteração promovida pela referida lei, o recurso de embargos infringentes, antes cabível em qualquer hipótese de acórdão não unânime da apelação ou da ação rescisória, passou a ser cabível apenas quando o acórdão não unânime houver reformado em grau de apelação a sentença de mérito ou tiver julgado procedente ação rescisória. Houve, com a modificação legislativa, uma restrição da hipótese de cabimento, na medida em que os embargos infringentes passaram a não ser mais cabíveis nas hipóteses em que não houvesse reforma ou nas quais a reforma, a despeito de existente, não se referir à sentença de mérito. Percebe-se que uma das preocupações da Corte foi a de permitir que a parte que ainda poderia interpor um recurso interno perante o Tribunal de Justiça não fosse obstada de fazê-lo apenas em virtude da oposição de embargos de declaração por ventura julgados no momento em que a legislação não mais admitiu os embargos infringentes em algumas de suas hipóteses. O que implicaria em dizer que à parte apenas restaria a recorribilidade excepcional com todas as conhecidas restrições constitucionais de cognição. No caso em exame, por sua vez, foi proferida, ainda na vigência do Código de 1973, decisão interlocutória que rejeitou a impugnação ao valor da causa ofertado pela recorrida, momento em que era cabível o agravo de instrumento, desde que presentes os requisitos do art. 522 do Código de 1973. Foram opostos embargos de declaração pela recorrida, que, todavia, vieram a ser julgados apenas na vigência do código de 2015, momento em que a impugnação da decisão interlocutória, por não se amoldar às hipóteses listadas no artigo 1.015, deveriam correr apenas em apelação. Diante desse cenário, verifica-se que as circunstâncias fáticas que justificaram a formação dos precedentes da Corte Especial são suficientemente semelhantes à hipótese em exame, de modo a exigir um tratamento uniforme. Com efeito, a razão de decidir dos precedentes está assentada fundamentalmente no fato de que a modificação legislativa introduzida pela Lei n. 10.352/2001 implicava em subtração de cabimento dos embargos infringentes em determinadas hipóteses, com potencial prejuízo à parte, a quem somente restaria a regularidade excepcional para impugnar decisão que poderia ser impugnada por intermédio de recurso interno. Na hipótese, a modificação introduzida pelo Código de 2015 no regime de recorribilidade das decisões interlocutórias igualmente implicou em subtração de cabimento do agravo de instrumento na hipótese em que rejeitada a impugnação ao valor da causa e no potencial prejuízo à parte. Quanto ao ponto, não é possível afirmar que essa modificação legislativa representaria apenas uma realocação temporal do recurso cabível contra decisão interlocutória antes impugnada pelo agravo de instrumento e agora impugnável por apelação. De fato, o agravo de instrumento é recurso que devolvia a matéria imediatamente ao passo que a apelação apenas devolverá a matéria diferidamente. De modo que haveria em tese um prejuízo temporal no exame da questão impugnada. Ademais o preparo do exame de agravo de instrumento é normalmente mais singelo do que o preparo da apelação, de modo que existiria em princípio também um prejuízo econômico, especialmente porque a hipótese em julgamento diz respeito justamente ao valor da causa sobre o qual usualmente é calculado o preparo recursal. Finalmente, se porventura a recorrida, que é ré, sagrar-se inteiramente vencedora na origem, é razoável supor que teria ela de interpor apelação apenas para discutir a decisão interlocutória que rejeitou a impugnação ao valor da causa, decidida da vigência do Código de 1973, ainda que integrada por decisão resolutiva de embargos de declaração na vigência do Código de 2015. Especialmente diante da potencial repercussão do valor da causa no arbitramento dos honorários sucumbenciais, razão pela qual estaria configurado um prejuízo em tese jurídico. De outro lado, ainda que porventura se compreenda que existiria uma substancial diferença entre os precedentes e a hipótese em exame apta a tornar inaplicável por si só o entendimento anterior confirmado pela Corte Especial, há uma outra razão, mais ligada diretamente ao direito intertemporal processual, para que o recurso especial não seja provido. Com efeito, é preciso destacar inicialmente que, com a publicação da decisão suscetível de impugnação, nasce para a parte o direito adquirido ao recurso existente naquele momento. Ainda que venha ele a sofrer impactos de nova legislação processual. Embora examinando a questão sobre a ótica específica das sentenças, mas cujo raciocínio se aplica integralmente às interlocutórias, como na hipótese em julgamento, tem-se que publicada a decisão interlocutória na vigência do Código de 1973, que previa ampla recorribilidade das interlocutórias por meio de agravo retido ou por instrumento, a parte adquiriu o direito de interpor algum desses recursos, ainda que a lei nova venha modificar o meio impugnativo contra essa decisão, como por exemplo afirmando se tratar de decisão que deverá ser objeto de apelação. Esse cenário não deve ser modificado na hipótese em que a decisão interlocutória, conquanto proferida na vigência do Código de 1973, foi objeto de recurso de embargos de declaração que somente veio a ser rejeitado sob a vigência do Código de 2015, sem alteração do conteúdo da decisão a ser impugnada. Sublinhe-se que a tese do direito adquirido processual como elemento definidor do cabimento recursal pela lei vigente ao tempo em que publicada a decisão suscetível de impugnação ainda que opostos embargos de declaração rejeitados na vigência da lei nova não se relaciona com o regime de prazos processuais a serem observados para a impugnação, existindo ao menos duas razões para o tratamento jurídico diferenciado entre essas duas questões. A uma porque os embargos de declaração possuem efeito interruptivo, de modo que, opostos tempestivamente, o julgamento do referido do recurso implicará em novo prazo a ser integralmente computado pela lei vigente ao tempo em que proferida a decisão integrativa. E a duas porque, a partir da teoria do isolamento dos atos processuais, é perfeitamente possível colocar em compartimentos estanques o cabimento recursal, que será regido pela lei vigente ao tempo em que foi proferida a decisão originária, e o prazo processual, que será regido pela lei vigente ao tempo em que proferida a decisão integrativa. Daí porque não se aplica, na hipótese, o entendimento contido no REsp 1.691.373, invocado pelo relator como paradigma aplicável. Com efeito, naquela oportunidade, a Terceira Turma desta Corte examinou a questão relativa à lei aplicável no tempo sob ótica dos prazos recursais, fixando a tese de que não ofendem e nem tampouco se relacionam com os precedentes da Corte Especial no sentido de que o prazo deve ser regido pela lei vigente no início de sua contagem. Razão pela qual se houver interrupção do prazo o parâmetro legal deve ser a lei vigente quando de seu reinício. Desse modo conclui-se que se trata de questão substancialmente distinta da definição acerca da lei aplicável no tempo sob a perspectiva do cabimento recursal objeto do presente recurso especial. Portanto, o acórdão recorrido não violou os artigos 14 e 1.046, ambos do Código de Processo Civil de 2015. A Ministra Nancy Andrighi aderiu a divergência inaugurada pelo Ministro Salomão e votou para conhecer e negar provimento ao Recurso Especial. Pediu vista o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.