Informativo do STJ 706 de 30 de Agosto de 2021
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
RECURSOS REPETITIVOS
REsp 1.862.792-PR , Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. ( Tema 1055 )
DIREITO ADMINISTRATIVO
Ação de improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. Inclusão do valor da multa civil no importe a ser bloqueado. Incidência nas ações ancoradas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Possibilidade. Tema 1055.
É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa, inclusive nas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.
A questão submetida à análise é definir se é possível - ou não - a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos. Quanto à primeira questão levantada, é preciso, para logo, assinalar que, ao que revelam os julgados desta Corte Superior alusivos ao tema, não há dissídio jurisprudencial entre os órgãos Fracionários especializados na temática, que apontam para a admissibilidade de inclusão da multa civil na indisponibilidade de bens na ação de improbidade. Mesmo ao tempo do julgamento repetitivo acerca da dispensa de demonstração de dissipação patrimonial como requisito para a concessão da medida de indisponibilidade (REsp 1.366.721/BA), já havia pronunciamentos dos Julgadores desta Corte Superior acerca da inclusão da multa civil no importe a ser constrito na ação de improbidade. Essa posição se mostrou dominante, uníssona, pacífica e atual. Assim, muito embora a premissa para o não cômputo do valor da multa civil, para certos ilustrativos de alguns Tribunais, como do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, concentre-se em alegada antecipação de pena, a interpretação que se deu neste colendo Superior Tribunal de Justiça é de que devem ser empreendidas providências para que o processo esteja assegurado quanto à eventual condenação futura, no que engloba a reprimenda pecuniária. Essa concepção ficou bem revelada no entendimento que se formou acerca da solidariedade passiva nessa determinação constritiva, ou seja, se é certo que não é possível promover a totalidade do bloqueio sobre todos os acionados (uma supergarantia), lado outro qualquer réu está sujeito a experimentar sobre si a integralidade da medida, ainda que haja na demanda outros réus que não tenham suportado qualquer efeito da indisponibilidade. Isso porque o objetivo é, tão logo detectada a plausibilidade da pretensão, que se tenha a garantia nos autos: uma vez alcançada a integralidade da garantia sobre qualquer réu, nada mais há de ser indisponibilizado, até que se resolva a responsabilidade - se houver - de cada qual. Em desdobramento, na segunda questão suscitada no aresto de afetação ao tema 1.055, busca-se saber se a medida constritiva também poderia incidir nos casos de ações ancoradas exclusivamente na potencial prática de atos tipificados como violadores a princípios administrativos (art. 11 da Lei n. 8.429/1992). A pergunta se situa no fato de que, em casos tais, pode não ocorrer lesão alguma aos cofres públicos, nem mesmo proveito pessoal ilícito, isto é, a repercussão patrimonial do fato reputado ímprobo seria limitada ou inexistente. Pela pesquisa de jurisprudência dos órgãos Fracionários desta Corte Superior, essa questão desdobrada da primeira não é causa suficiente para apartar a compreensão de que, igualmente, o valor da multa civil é passível de ser bloqueado, ainda que seja o único montante a gerar bloqueio nessas ações fundadas em ofensa a princípios nucleares administrativos. Noutras palavras, ainda que inexistente prova de enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público, é possível a decretação da providência cautelar, notadamente pela possibilidade de ser cominada, na sentença condenatória, a pena pecuniária de multa civil como sanção autônoma, cabendo sua imposição, inclusive, em casos de prática de atos de improbidade que impliquem tão somente violação a princípios da Administração Pública. Essa providência de inclusão da multa civil na medida constritiva em ações de improbidade administrativa exclusivamente amparadas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 não implica violação do art. 7º, caput e parágrafo único, da citada lei, pois destina-se, de todo modo, a assegurar a eficácia de eventual desfecho condenatório à sanção de multa civil.
REsp 1.470.443-PR , Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por maioria, julgado em 25/08/2021. ( Tema 878 )
DIREITO TRIBUTÁRIO
Imposto de renda da pessoa física - IRPF. Incidência sobre juros de mora. Adaptação da jurisprudência do STJ ao que julgado pelo STF no RE n. 855.091/RS (Tema 808 - RG). Preservação em parte das teses julgadas julgadas no REsp 1.089.720/RS e recurso representativo da controvérsia REsp 1.227.133/RS. Preservação da totalidade da tese julgada no recurso representativo de controvérsia REsp 1.138.685/SC. Integralidade, estabilidade e coerência da jurisprudência. Tema 878.
1) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda;2) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes;3) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 855.091/RS (Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15.03.2021), apreciando o Tema 808 da Repercussão Geral, em caso concreto onde em discussão juros moratórios acrescidos a verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista, considerou não recepcionada pela Constituição Federal de 1988 a parte do parágrafo único do art. 16, da Lei n. 4.506/1964 que determina a incidência do imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento das remunerações previstas no artigo, ou seja, rendimentos do trabalho assalariado (remunerações advindas de exercício de empregos, cargos ou funções). Fixou-se então a seguinte tese: Tema 808 da Repercussão Geral: "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função". O dever de manter a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça íntegra, estável e coerente (art. 926, do CPC/2015) impõe realizar a compatibilização da jurisprudência desta Casa formada em repetitivos e precedentes da Primeira Seção ao que decidido no Tema 808 pela Corte Constitucional. Dessa análise, após as derrogações perpetradas pelo julgado do STF na jurisprudência deste STJ, exsurgem as seguintes teses: 1) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda - Precedentes: REsp. 1.227.133/RS, REsp. n. 1.089.720/RS e REsp. 1.138.695/SC; 2) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes - Precedente: RE 855.091/RS; 3) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR - Precedente: REsp. 1.089.720/RS.
CORTE ESPECIAL
CC 180.127-DF , Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 18/08/2021, DJe 23/08/2021.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO DO CONSUMIDOR
Conflito negativo de competência. Primeira e Quarta Turmas do STJ. Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF. Prestação de serviços médicos. Cláusula de exclusividade prevista em estatuto social de cooperativa operadora de Plano de Saúde. Presença na lide da União e da ANS. Debate sobre direito à livre concorrência, direito à saúde e intervenção do Estado na economia. Relação jurídica litigiosa prevalente de direito público. Competência das turmas que compõem a Primeira Seção.
Compete à Primeira Seção do STJ julgar Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF, em face da UNIMED, a fim de anular cláusula indutora de exclusividade de prestação de serviços médicos, constante do Estatuto Social da Cooperativa Médica operadora de Plano de Saúde, segundo a qual podem ser penalizados ou premiados os médicos cooperados que adiram, ou não, à referida cláusula.
Salienta-se, preliminarmente, que nos termos do art. 9º, caput, do RISTJ, a competência das Seções e das respectivas Turmas do Superior Tribunal de Justiça é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa. No caso, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública em face da UNIMED, visando a "declarar a nulidade das cláusulas constantes do parágrafo 2º, do artigo 9º e nas alíneas "a" e "c" do artigo 18, ambos do Estatuto Social da requerida, bem como, do art. 6º, § 1º, do Regimento Interno da Entidade", visando à abstenção: (I) de aplicação de qualquer penalidade "(não somente - a exclusão da cooperativa) e de adotar qualquer medida discriminatória ao cooperado que se associar a outro plano de saúde (ou assemelhado) mantido por empresa, sociedade ou entidade diversa"; bem como (II) de conferir prêmio ou estímulo de qualquer espécie ao cooperado que atender com exclusividade o plano de saúde da Unimed. Dessa forma, é possível inferir que o litígio tratado não se estabelece propriamente na relação de direito privado entre os médicos cooperados e a cooperativa de plano de saúde, em razão de disposições contratuais ou estatutárias da cooperativa que exijam a exclusividade para médicos cooperados, lançando penalidades ou estímulos/prêmios em decorrência de sua observância. Embora essa relação de predominante natureza privada exista, não é nela que se situa o questionamento suscitado na ação civil pública. O ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público Federal visa discutir cláusula de exclusividade, constante do Estatuto da Cooperativa Médica, que, segundo afirma o promovente, afetaria diretamente a livre concorrência, infringindo a ordem pública e econômica e ofendendo o direito à saúde (arts. 170, 173 e 196 da Constituição Federal). Tanto é assim que, no feito principal a que se relaciona o presente conflito de competência, a União e a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS - foram incluídas na lide, tendo em vista a existência de nítido interesse público na demanda. A primeira na condição de assistente simples do autor e a segunda na condição de litisconsorte ativa. Com efeito, a questão controvertida não está meramente no âmbito da autonomia da vontade. Há discussão específica acerca da conduta anticoncorrencial atribuída à operadora de plano de saúde, em suposta infração à ordem econômica e social, de forma que seria danosa ao mercado de suplementação dos serviços de saúde por parte da iniciativa privada, o que seria vedado pela legislação antitruste brasileira (arts. 20, I e II, 21, IV, V e VI, da Lei n. 8.884/1994), bem como pela Lei dos Planos de Saúde (art. 18, III, da Lei n. 9.656/1998). Nesse contexto, há prevalentes aspectos de Direito Administrativo e de Direito Econômico sobre as questões iniciais de direito privado. São eminentemente de direito público questões que envolvam a intervenção do Estado na economia, a fiscalização estatal das instituições que exploram a saúde no plano privado, o Direito Econômico da Concorrência, entre outras. Assim, não há como afastar a competência das Turmas que compõem a Primeira Seção para processar e julgar a aludida ação e os recursos dela decorrentes. Ademais, embora não seja a competência interna atribuída em razão da pessoa (das partes que compõem a lide), a presença predominante do Estado no processo, no caso, o Ministério Público Federal, a União e a ANS, é outro ponto que recomenda o julgamento do feito pelas Turmas de Direito Público.
PRIMEIRA SEÇÃO
EDCL nos EREsp 1.269.726-MG , Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Pensão por morte. Relação de trato sucessivo. Inexistência de negativa expressa da Administração. Prescrição de fundo de direito. Não ocorrência. Súmula n. 85/STJ. Aplicabilidade. Prescrição das prestações vencidas no quinquênio anterior à propositura da ação.
Não ocorre a prescrição do fundo de direito no pedido de concessão de pensão por morte, no caso de inexistir manifestação expressa da Administração negando o direito reclamado, estando prescritas apenas as prestações vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação.
Merece ser aclarado na ementa do acórdão embargado o ponto quanto à prescrição do fundo de direito, se esta deve ocorrer na hipótese de expresso indeferimento pela Administração, a teor da Súmula 85/STJ. A partir da leitura do voto condutor do eminente relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, constata-se que ficou estabelecido que, nas causas em que se pretende a concessão de benefício de caráter previdenciário, inexistindo negativa expressa e formal da Administração, não há falar em prescrição do fundo de direito, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei 20.910/1932, porquanto a obrigação é de trato sucessivo, motivo pelo qual incide, no caso, o disposto na Súmula 85 do STJ (fls. 429). Situação diversa ocorre quando houver o indeferimento do pedido administrativo de pensão por morte, pois, em tais situações, o interessado deve submeter ao Judiciário, no prazo de 5 (cinco) anos, contados do indeferimento, a pretensão referente ao próprio direito postulado, sob pena de fulminar o lustro prescricional. Com isso, aclaram-se os itens 6 e 8 da ementa do acórdão proferido no EREsp 1.269.726-MG, cujas redações devem ser as seguintes: 6. Situação diversa ocorre quando houver o indeferimento do pedido administrativo de pensão por morte, pois, em tais situações, o interessado deve submeter ao Judiciário, no prazo de 5 (cinco) anos, contados do indeferimento, a pretensão referente ao próprio direito postulado, sob pena de fulminar o lustro prescricional. (...) 8. Nestes termos, deve-se reconhecer que não ocorre a prescrição do fundo de direito no pedido de concessão de pensão por morte, no caso de inexistir manifestação expressa da Administração negando o direito reclamado, estando prescritas apenas as prestações vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.
CC 177.113-AM , Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Empresa fornecedora de oxigênio. Covid-19. Situação pandêmica no Estado do Amazonas. Calamidade da saúde pública. Interesse da União. Competência da Justiça Federal.
Compete à Justiça Federal processar e julgar ação que tem como objetivo a obtenção de oxigênio destinado às unidades de saúde estaduais do Amazonas para o tratamento da excepcional situação pandêmica da Covid-19.
Trata-se de conflito positivo de competência em que se alega a existência de ações ajuizadas nos juízos estadual e federal com o mesmo objetivo: obtenção de oxigênio às unidades de saúde estaduais para o tratamento da excepcional situação pandêmica da Covid-19. O Estado do Amazonas e a União foram posteriormente incluídos como interessados. Pedido fundado na alegação de que as decisões podem ser conflitantes, evidenciando até mesmo uma impossibilidade de seu cumprimento, e o evidente interesse da União no feito, uma vez que diversos órgãos públicos federais estão envolvidos no referido trâmite, e já existente uma ação civil acerca da controvérsia, no que a competência deve-se firmar no juízo federal. A peculiar situação do caso concreto, de fato, induz ao conhecimento do conflito positivo de competência, reclamando uma uniformidade de entendimento para o efetivo socorro àquele Estado. Nesse panorama, relativamente ao fornecimento de oxigênio para o Estado do Amazonas utilizar no combate à pandemia do COVID-19, não há dúvidas de que a competência há de se firmar a favor do juízo federal, sendo latente o interesse da União, não só em razão da presença de diversos órgãos de âmbito federal, mas também decorrente da existência de ação civil tramitando sobre o tema. Lembra-se, ainda, que a própria União também se manifestou demonstrando seu interesse, não somente no presente feito, mas nas respectivas demandas com mesmo objeto, o que também atrai a incidência da Súmula n. 150, STJ in verbis: Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas publicas.
TERCEIRA SEÇÃO
AREsp 1.716.664-SP , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021.
DIREITO PENAL
Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Art. 44, § 3º, do Código Penal. Definição do conceito de reincidência específica. Nova prática do mesmo crime. Vedação à analogia in malan partem . Medida socialmente recomendável. Condenação anterior. Necessidade de aferição.
A reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal somente se aplica quando forem idênticos, e não apenas de mesma espécie, os crimes praticados.
A interpretação que as duas Turmas criminais do STJ dão ao art. 44, § 3º, do CP, conclui que a reincidência em crimes da mesma espécie, ainda que não seja no mesmo crime, obsta por completo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Fica prejudicado, assim, o debate quanto à suficiência da pena substitutiva, porque a reincidência específica torna desnecessário aferir se a substituição é ou não socialmente recomendável. Feita essa consideração, a questão que se apresenta pode ser sintetizada nos seguintes termos: para os fins da reincidência específica basta que o réu já tenha sido condenado por crime da mesma espécie, ou somente a condenação pelo mesmo crime impede a substituição da pena? A razão está com a última corrente. O art. 44, § 3º, do CP, excepciona o requisito da primariedade para a substituição da pena privativa de liberdade com a seguinte redação: "Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: [...] II - o réu não for reincidente em crime doloso; [...] § 3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime". De imediato, o princípio da vedação à analogia in malam partem nos recomenda que não seja ampliado o conceito de "mesmo crime". Toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada no texto normativo, a qual, apesar da ocasional fluidez ou vagueza de seus termos, tem limites semânticos intransponíveis. Existe, afinal, uma distinção de significado entre "mesmo crime" e "crimes de mesma espécie"; se o legislador, no particular dispositivo legal em comento, optou pela primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada. É verdade que, em sede doutrinária, não é unânime o conceito de reincidência específica, havendo quem a entenda configurada "se o crime anterior e o posterior forem os mesmos" ou, contrariamente, "quando os dois crimes praticados pelo condenado são da mesma espécie". Esta última definição está em sintonia com o art. 83, V, do CP, que proíbe o livramento condicional para o reincidente específico em crime hediondo - ou seja, quando a reincidência se operar entre delitos daquela espécie. Também no art. 112, VII, da LEP, com as recentes modificações da Lei n. 13.964/2019, o conceito de reincidência específica está atrelado à natureza (hedionda, no caso desse dispositivo) dos delitos, e não à identidade entre os tipos penais em que previstos. Por isso, se o art. 44, § 3º, do CP vedasse a substituição da pena reclusiva nos casos de reincidência específica, seria mesmo defensável a ideia de que o novo cometimento de crime da mesma espécie obstaria o benefício legal, em uma interpretação sistemática do CP e da LEP. Não foi isso, porém, que fez o legislador: com o uso da expressão "mesmo crime" - ao invés de "reincidência específica" -, criou-se no texto legal uma delimitação linguística que não pode ser ignorada. Pode-se argumentar, é claro, que a utilização de conceitos distintos de reincidência específica (um para a substituição da pena privativa de liberdade, outro para o livramento condicional e a progressão de regime) prejudicaria a coerência interna da legislação penal. Essa realidade, aliás, é de conhecimento de todos que com ela operamos diariamente: os dois principais diplomas legislativos que esta Terceira Seção é chamada a interpretar - o CP e o CPP -, ambos octogenários, encontram-se defasados, repletos de cortes e alterados de forma pouco sistemática ao longo das décadas. É possível ver, também, outro fator relevante em favor da interpretação que hoje prevalece, neste STJ, sobre o art. 44, § 3º, do CP. Pela redação do dispositivo, há situações em que a progressão criminosa, com a prática de um delito mais grave, premia o agente com a substituição, enquanto o cometimento de dois crimes mais leves a proíbe. Por exemplo: o réu reincidente pela prática de dois crimes de furto simples (art. 155, caput, do CP) não terá direito à substituição da pena, porquanto aplicável a vedação absoluta contida no art. 44, § 3º, do CP. De outro lado, se o segundo crime for de furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP), o réu pode fazer jus à substituição, se a pena não ultrapassar 4 anos de reclusão. Em outras palavras, o cometimento de um segundo crime mais grave poderia, em tese, ser mais favorável ao acusado, em possível violação ao princípio constitucional da isonomia. Essa contradição é impedida pelo atual entendimento das Turmas que compõem a Terceira Seção deste Tribunal, que considera o bem jurídico tutelado pelos delitos para definir se incide, ou não, a proibição contida no art. 44, § 3º, do CP. Assim, se forem idênticos os bens ofendidos, não haverá substituição, mesmo que diversos os tipos penais pelos quais o réu foi condenado. Contudo, corrigir a discutível técnica legislativa em desfavor do réu é algo incabível no processo penal, que rejeita a analogia in malam partem em seu arsenal jusdogmático. Por essas razões, entende-se pela superação da tese de que a reincidência em crimes da mesma espécie impede, em absoluto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porque somente a reincidência no mesmo crime (aquele constante no mesmo tipo penal) é capaz de fazê-lo, nos termos do art. 44, § 3º, do CP. Nos demais casos de reincidência, cabe ao Judiciário avaliar se a substituição é ou não recomendável, em face da condenação anterior.
CC 180.832-RJ , Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Estelionato praticado mediante depósito. Superveniência da lei n. 14.155/2021. Competência. Local do domicílio da vítima. Norma processual. Aplicação imediata.
Nos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, em razão da superveniência de Lei n. 14.155/2021, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei
Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, "[a] competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução". Quanto ao delito de estelionato (tipificado no art. 171, caput, do Código Penal), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça havia pacificado o entendimento de que a consumação ocorre no lugar onde aconteceu o efetivo prejuízo à vítima. Ocorre que sobreveio a Lei n. 14.155/2021, que entrou em vigor em 28/05/2021 e acrescentou o § 4.º ao art. 70 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que: "§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção." Como a nova lei é norma processual, esta deve ser aplicada de imediato, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei, notadamente quando o processo ainda estiver em fase de inquérito policial, razão pela qual a competência no caso é do Juízo do domicílio da vítima.
PRIMEIRA TURMA
REsp 1.546.430-RS , Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Execução contra Fazenda Pública. Art. 264 do CPC/1973. Aditamento de pedido após a citação. Nova oportunidade de contraditório. Possibilidade.
Sob a vigência do CPC/1973, é possível a ampliação do pedido em execução contra Fazenda Pública, para inclusão de valores que não haviam sido cobrados desde o início, oportunizando nova citação do ente público.
O CPC/1973 adotava como regra a impossibilidade de ampliação do pedido após a citação da parte contrária sem a anuência desta (art. 264). A limitação imposta pelo referido artigo dizia respeito à fase de conhecimento, tanto que inserida apenas no Livro I daquele código, não havendo igual previsão na seção própria da fase de execução (Livro II). Inclusive a norma fala, no parágrafo único, em saneamento do processo como limite para qualquer modificação, fase típica do então processo de conhecimento. Justifica-se a existência do supracitado artigo no âmbito do conhecimento, pois tal fase que está associada à incerteza do direito, pelo que necessária a fixação de marcos legais para estabilização da lide, de sorte a se delimitar exatamente o que e quem será atingido pelos efeitos da decisão. Uma vez que o objetivo na fase de execução é a satisfação integral do título, já havendo a certeza do direito, nada impede que o pedido inaugural - inicialmente limitado a parcela da cobrança - seja posteriormente aditado para a perseguição da totalidade do crédito, desde que a pretensão não esteja fulminada pela prescrição e seja garantida à parte executada nova oportunidade de defesa. Aliás, se assim não fosse, possibilitar-se-ia, no particular, que o credor promovesse nova execução para cobrar valor remanescente, de modo a satisfazer integralmente o crédito, o que iria na contramão da eficiência processual.
TERCEIRA TURMA
REsp 1.930.825-GO , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Adoção realizada na vigência do CC/1916 e revogada na vigência do Código de Menores (Lei n. 6.697/1979), antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente. Legitimidade ativa do filho adotivo para o ajuizamento da ação de inventário. Revogação bilateral e consensual da adoção. Compatibilidade do CC/1916 com o art. 227, §6º, da CF/1988. Possibilidade de flexibilização excepcional da regra de irrevogabilidade para atender aos melhores interesses da criança e do adolescente. Ilegitimidade ativa configurada.
Para fins de determinação da legitimidade ativa em ação de inventário, a adoção realizada na vigência do CC/1916 é suscetível de revogação consensual pelas partes após a entrada em vigor do Código de Menores (Lei 6.697/1979), mas antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
Na vigência do CC/1916, a adoção possuía natureza de ato jurídico negocial, tratando-se de convenção celebrada entre os pais biológicos e os pais adotivos por meio da qual determinada pessoa passaria a pertencer a núcleo familiar distinto do natural, admitida a sua revogação nas seguintes hipóteses: (i) unilateralmente, pelo adotado, em até um ano após a cessação da menoridade; (ii) unilateralmente, pelos adotantes, quando o adotado cometesse ato de ingratidão contra eles; (iii) bilateralmente, por consenso entre as partes. Na hipótese em exame, a adoção ocorreu em junho de 1964, quando vigoravam no Brasil as regras do CC/1916 com as alterações introduzidas pela Lei n. 3.133/1957, ao passo que, ao tempo da revogação da adoção, realizada de forma bilateral e consensual, ocorrida em Janeiro de 1990, vigoravam no Brasil, concomitantemente, apenas o CC/1916 e o Código de Menores (Lei n. 6.697/1979), sobretudo porque o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) somente passou a vigorar em Outubro de 1990, não se aplicando à hipótese. Conquanto o CC/1916 permitisse, em seu art. 374, I, a revogação bilateral e consensual da adoção, o Código de Menores tornou irrevogável a adoção plena (art. 37 da Lei n. 6.679/1979), que veio a substituir a legitimidade adotiva anteriormente prevista no art. 7º da Lei n. 4.655/1965. Dado que a adoção plena, irrevogável, possuía uma série de pressupostos específicos, não se pode afirmar que a adoção concretizada na vigência do CC/1916 tenha automaticamente se transformado em uma adoção plena após a entrada em vigor do Código de Menores, razão pela qual a regra do art. 37 da Lei n. 6.679/1979, embora represente uma tendência legislativa, cultural e social no sentido da vinculação definitiva decorrente da adoção que veio a se concretizar amplamente com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se aplica à adoção realizada em junho de 1964 e revogada em Janeiro de 1990, bilateral e consensualmente pelos pais adotivos e pelo filho que, naquele momento, possuía 28 anos. A revogação, realizada em 1990 de forma bilateral e consensual, de adoção celebrada na vigência do CC/1916, é compatível com o art. 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, uma vez que a irrevogabilidade de qualquer espécie de adoção somente veio a ser introduzida no ordenamento jurídico com o art. 39, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, regra que, ademais, tem sido flexibilizada, excepcionalmente, quando não atendidos os melhores interesses da criança e do adolescente.
REsp 1.903.273-PR , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
Whatsapp . Divulgação pública de mensagens privadas. Ilicitude. Quebra da legítima expectativa e da confidencialidade. Violação à privacidade e à intimidade. Dano configurado. Indenização. Cabimento.
A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo.
O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/1988) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/2002). No passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp, o qual permite a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo. Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Em consequência, terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial. Na hipótese em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação. Nesse aspecto, há que se considerar que as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores. Dessa forma, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas. De mais a mais, se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, decerto teria optado por uma rede social menos restrita ou mesmo repassado a informação à mídia para fosse divulgada. Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano. Por fim, é importante consignar que a ilicitude poderá ser descaracterizada quando a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor. Nesse caso, será necessário avaliar as peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito deverá prevalecer.
REsp 1.901.911-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
Operadora de plano de saúde. Cooperativa de trabalho médico. Ingresso de novo associado. Processo seletivo público. Previsão no estatuto social. Possibilidade. Princípio da porta aberta. Relativização.
É lícita a previsão, em estatuto social de cooperativa de trabalho médico, de processo seletivo público como requisito de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.
Cinge-se a controvérsia a definir se a cooperativa de trabalho médico pode limitar, por meio de processo seletivo público, o ingresso de novos associados ao fundamento de preservação da possibilidade técnica de prestação de serviços. De início, vale destacar que a cooperativa de trabalho, como a de médicos, coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda - após a dedução de despesas - é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros). Destaca-se que, em razão da incidência do princípio da livre adesão voluntária, o ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, sendo, em regra, ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços (arts. 4º, I, e 29 da Lei nº 5.764/1971). Ademais, pelo princípio da porta aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa, devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa, sobretudo porque a cooperativa não visa o lucro, além de ser um empreendimento que possibilita o acesso ao mercado de trabalhadores com pequena economia, promovendo, portanto, a inclusão social. Entretanto, o princípio da porta aberta (livre adesão) não é absoluto, devendo a cooperativa de trabalho médico, que também é uma operadora de plano de saúde, velar por sua qualidade de atendimento e situação financeira estrutural, até porque pode ser condenada solidariamente por atos danosos de cooperados a usuários do sistema (a exemplo de erros médicos), o que impossibilitaria a sua viabilidade de prestação de serviços. Dessa forma, a negativa de ingresso de profissional na cooperativa de trabalho médico não pode se dar somente em razão de presunções acerca da suficiência numérica de associados na região exercendo a mesma especialidade, havendo necessidade de estudos técnicos de viabilidade. Por outro lado, atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados. Nessa mesma esteira de ideias, é lícita a previsão em estatuto social de cooperativa de trabalho médico de processo seletivo público e de caráter impessoal, exigindo-se conteúdos a respeito de ética médica, cooperativismo e gestão em saúde como requisitos de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, mesmo porque, por força de lei, o interessado deve aderir aos propósitos sociais do ente e preencher as condições estatutárias estabelecidas, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.
QUARTA TURMA
REsp 1.918.421-SP , Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 08/06/2021, DJe 26/08/2021.
DIREITO CIVIL
Reprodução assistida post mortem . Implantação de embriões excedentários. Declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços. Inadequação. Autorização expressa e formal. Testamento ou documento análogo. Imprescindibilidade.
A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, deve ser efetivada por testamento ou por documento análogo.
Na hipótese em análise, os cônjuges valeram-se da reprodução assistida homóloga, tendo a fertilização se realizado in vitro, a partir da utilização de material genético dos próprios envolvidos. A partir da fertilização promovida, destacaram-se em qualidade ao menos dois embriões, os quais foram criopreservados, não se concluindo a etapa de transferência (implantação no útero). Nos casos em que a expressão da autodeterminação significar a projeção de efeitos para além da vida do sujeito de direito, com repercussões existenciais e patrimoniais, imprescindível que sua manifestação se dê de maneira inequívoca, leia-se expressa e formal, efetivando-se por meio de instrumentos jurídicos apropriadamente arquitetados pelo ordenamento, sob de pena de ser afrontada. No rumo desse raciocínio, ganha espaço o instituto do testamento, que tem como marca distintiva a declaração de vontade, expressão indiscutível da autonomia pessoal, e, nada obstante escape ao tradicional, a simples análise do seu conceito é o bastante para revelar que seu objeto não se restringe a disposição de patrimônio pelo testador. Nesses termos, se as disposições patrimoniais não dispensam a forma testamentária, maiores são os motivos para se considerar sejam da mesma forma dispostas as questões existenciais, mormente aqueles que repercutirão na esfera patrimonial de terceiros, não havendo maneira mais apropriada de garantir-se a higidez da vontade do falecido. Seguindo por esse entendimento, não há dúvidas de que a decisão de autorizar a utilização de embriões consiste em disposição post mortem, que, para além dos efeitos patrimoniais, sucessórios, relaciona-se intrinsecamente à personalidade e dignidade dos seres humanos envolvidos, genitor e os que seriam concebidos, atraindo, portanto, a imperativa obediência à forma expressa e incontestável, alcançada por meio do testamento ou instrumento que o valha em formalidade e garantia. Ademais, ao revés, admitir-se que a autorização posta naquele contrato de prestação de serviços, na hipótese, marcado pela inconveniente imprecisão na redação de suas cláusulas, possa equivaler a declaração inequívoca e formal, própria às disposições post mortem, significará o rompimento do testamento que fora, de fato, realizado, com alteração do planejamento sucessório original, sem quaisquer formalidades, por pessoa diferente do próprio testador. Nessa linha, a única conclusão possível é a de que a indicação a autorização dada no formulário pelo parceiro para a transferência do pré-embrião para o primeiro ciclo à parceira, circunscreve-se à autorização para implantação do embrião durante a vida de ambos os cônjuges. Nessa ordem de ideias, os contratos de prestação de serviço de reprodução assistida firmados são instrumentos absolutamente inadequados para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, deveria ter sido efetivada por testamento, ou por documento análogo, por tratar de disposição de cunho existencial, sendo um de seus efeitos a geração de vida humana.
REsp 1.867.286-SP , Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Veiculação de matéria jornalística. Ofensa ao direito de personalidade. Determinação de publicação de sentença no meio de comunicação como desdobramento do direito de defesa. Impossibilidade.
Não é cabível a condenação de empresa jornalística à publicação do resultado da demanda quando o ofendido não tenha pleiteado administrativamente o direito de resposta ou retificação de matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social no prazo decadencial estabelecido no artigo 3º da Lei n. 13.188/2015, bem ainda, à adequação do montante indenizatório fixado.
A pretensão de impor ao ofensor o ônus de publicar integralmente a decisão judicial condenatória proferida em seu desfavor não se confunde com o direito de resposta, o qual, atualmente, está devidamente estabelecido na Lei n. 13.188/2015. O direito de resposta tem contornos específicos, constituindo um direito conferido ao ofendido de esclarecer, de mão própria, no mesmo veículo de imprensa, os fatos divulgados a seu respeito na reportagem questionada, apresentando a sua versão da notícia ao público. A publicação da sentença, de sua vez, é instituto diverso. Nessa, não se objetiva assegurar à parte o direito de divulgar a sua versão dos fatos, mas, em vez disso, dá-se ao público o conhecimento da existência e do teor de uma decisão judicial a respeito da questão. Consoante expressamente previsto na Lei n. 13.188/2015 o direito de resposta ou retificação deve ser exercido pelo suposto ofendido - inicialmente, perante o veículo de comunicação social - no prazo decadencial de 60 (sessenta) dias, contados da data da divulgação, publicação ou transmissão da matéria ofensiva (art. 3º). Nesse prazo, deverá o interessado acionar diretamente o veículo de comunicação, mediante correspondência com aviso de recebimento. O interesse de agir para o processo judicial apenas estará caracterizado se o veículo de comunicação social, instado pelo ofendido a divulgar a resposta ou retificação, não o fizer no prazo de 7 (sete) dias (art. 5º). Na hipótese, não se extrai da petição inicial que a parte autora tenha pleiteado eventual direito de resposta, mas sim que fosse a demandada condenada "a divulgar em seu portal na Internet, com o mesmo destaque da notícia falsa, o desfecho da presente ação e a condenação que lhe for imposta", sem fornecer no petitório eventual lastro normativo para tal pleito, apenas fundando a pretensão em eventual desdobramento do pedido ressarcitório dos danos causados. De sua vez, o magistrado sentenciante estabeleceu a obrigação de que a empresa jornalística divulgasse no portal da internet, no mesmo espaço utilizado, na próxima edição da coluna, a condenação resultante da sentença, determinando que tal retratação ficasse disponível pelo prazo mínimo de 48 (quarenta e oito) horas, com lastro no artigo 2º, da Lei n. 13.188/2015. Depreende-se dos autos que o magistrado sentenciante acolheu o pedido formulado pela parte autora para a publicação da sentença, porém deu à condenação o viés do direito de resposta, o qual além de não ter sido pleiteado pelo acionante, sequer teria o interesse processual para o exercício de tal pretensão em juízo em virtude de não ter se utilizado do rito/procedimento específico estabelecido na Lei nº 13.188/2015. Não se dessume da petição inicial qualquer pleito atinente a direito de resposta mas de mera publicação do teor da sentença com base em ressarcimento integral dos danos, motivo pelo qual não há falar na incidência da referida lei nova de 2015 ao caso dos autos, razão por que eventual condenação com amparo no referido normativo deve ser afastada. Ainda que a parte autora tivesse pleiteado eventual condenação em direito de resposta, essa não poderia ser acolhida já que, para o exercício de tal pretensão em juízo, afigura-se necessária e imprescindível a instauração de procedimento extrajudicial/administrativo prévio, no prazo decadencial de 60 dias, nos termos do artigo 3º, o que efetivamente não fora promovido pelo acionante, faltando-lhe, portanto, o interesse processual para referido pleito em juízo, consoante estabelece o artigo 5º. Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de que o princípio da reparação integral do dano, por si só, não justifica a imposição do ônus de publicar o inteiro teor da sentença condenatória. Isso porque, da interpretação lógico-sistemática do próprio Código Civil, resulta evidente que a reparação por danos morais deve ser concretizada a partir da fixação equitativa, pelo julgador, de verba indenizatória, e não pela imposição ao causador do dano de obrigações de fazer não previstas em lei ou contrato. Nesse aspecto, basta conferir o que estabelece o parágrafo único do art. 953 do Código Civil vigente, segundo o qual, nas hipóteses em que constatada a ocorrência de injúria, calúnia ou difamação, "se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso".