Informativo do STJ 704 de 16 de Agosto de 2021
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
TERCEIRA TURMA
REsp 1.882.798-DF , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/08/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Alimentos. Menor. Presunção de necessidade. Alimentante preso por crime. Capacidade de exercer atividade laboral. Obrigação alimentar. Binônio necessidade-possibilidade. Observância.
O fato de o devedor de alimentos estar recolhido à prisão pela prática de crime não afasta a sua obrigação alimentar, tendo em vista a possibilidade de desempenho de atividade remunerada na prisão ou fora dela a depender do regime prisional do cumprimento da pena.
O dever dos genitores em assistir materialmente seus filhos é previsto constitucionalmente (arts. 227 e 229), bem como na legislação infraconstitucional (artigos 1.634 do Código Civil de 2002 e 22 da Lei n. 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA). Não se desconhece que os alimentos estão atrelados ao direito à vida digna, o que é protegido, inclusive, por tratados internacionais. De fato, existe a possibilidade de desempenho de atividade remunerada na prisão ou fora dela, a depender do regime prisional de cumprimento de pena, tendo em vista que o trabalho - interno ou externo - do condenado é incentivado pela Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984). O Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF nº 336/DF (DJe 10.05.2021), assentou a possibilidade de o trabalho do preso ser remunerado em quantia inferior a um salário mínimo. No item 5 da ementa do voto vencedor, lavrado pelo Ministro Luiz Fux, restou consignado constituir o labor do preso um dever "obrigatório na medida de suas aptidões e capacidades, e possui finalidades educativa e produtiva, em contraste com a liberdade para trabalhar e prover o seu sustento garantido aos que não cumprem pena prisional pelo artigo 6º da Constituição. Em suma, o trabalho do preso segue lógica econômica distinta da mão-de-obra em geral". No caso, o tribunal de origem afastou de plano a obrigação da parte por se encontrar custodiado, sem o exame específico da condição financeira do genitor, circunstância indispensável à solução da lide. Ora, a mera condição de presidiário não é um alvará para exonerar o devedor da obrigação alimentar, especialmente em virtude da independência das instâncias cível e criminal. Indispensável identificar se o preso possui bens, valores em conta bancária ou se é beneficiário do auxílio-reclusão, benefício previdenciário previsto no art. 201 da Constituição Federal, destinado aos dependentes dos segurados de baixa renda presos, direito regulamentado pela Lei n. 8.213/1991, o que pode ser aferido com o encaminhamento de ofícios a cartórios, à unidade prisional e ao INSS. Ademais, incumbe ao Estado informar qual a condição carcerária do recorrido, a pena fixada, o regime prisional a que se sujeita, se aufere renda com trabalho ou se o utiliza para remição de pena, e, ainda, se percebe auxílio-reclusão, não incumbindo à autora tal ônus probatório, por versarem informações oficiais.
QUARTA TURMA
REsp 1.789.863-MS , Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 10/08/2021.
DIREITO CIVIL
Ação de reintegração de posse. Compromisso de compra e venda de imóvel com cláusula de resolução expressa. Inadimplência do compromissário comprador. Mora comprovada por notificação e decurso do prazo para a purgação. Prévio ajuizamento de demanda judicial para a resolução contratual. Desnecessidade.
É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato.
A cláusula resolutiva expressa, como o nome sugere, constitui-se uma cláusula efetiva e expressamente estipulada pelas partes, seja no momento da celebração do negócio jurídico, ou em oportunidade posterior (via aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado. Evidentemente, a vantagem da estipulação expressa é que, ocorrendo a hipótese específica prevista no ajuste, o efeito resolutório da relação negocial disfuncional subsistirá independentemente de manifestação judicial, sendo o procedimento para o rompimento do vínculo mais rápido e simples, em prestígio à autonomia privada e às soluções já previstas pelas próprias partes para solução dos percalços negociais. Neste ponto, ressalte-se que inobstante a previsão legal (art. 474 do Código Civil) que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, esta Corte Superior, ao interpretar a norma aludida, delineou a sua jurisprudência, até então, no sentido de ser "imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos" (REsp 620.787/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 27.04.2009). Na situação em exame, revela-se incontroverso que: (i) há cláusula resolutiva expressa no bojo do compromisso de compra e venda de imóvel firmado entre as partes; (ii) a autora procedeu à notificação extrajudicial do réu, considerando, a partir do prazo para a purga da mora, extinto o contrato decorrente de inadimplemento nos termos de cláusula contratual específica entabulada pelas partes, sem ajuizar prévia ação de rescisão do pacto; e (iii) a pretensão deduzida na inicial (reintegração na posse do imóvel) não foi cumulada com o pedido de rescisão do compromisso de compra e venda. Desse modo, caso aplicada a jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, sem uma análise categórica dos institutos a ela relacionados e das condições sobre as quais ancorada a compreensão do STJ acerca da questão envolvendo a reintegração de posse e a rescisão de contrato com cláusula resolutória expressa, sobressairia a falta de interesse de agir da autora (na modalidade inadequação da via eleita), por advir a posse do imóvel da celebração do compromisso de compra e venda cuja rescisão supostamente deveria ter sido pleiteada em juízo próprio. Entende-se, todavia, que casos como o presente reclamam solução distinta, mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada. Note-se que a mudança de entendimento que se pretende não encerra posicionamento contralegem. Sequer é, pois, de ordem legislativa, visto que, como já dito, a lei não determina que o compromisso de compra e venda deva, em todo e qualquer caso, ser resolvido judicialmente, mas pelo contrário, admite expressamente o desfazimento de modo extrajudicial, exigindo, apenas, a constituição em mora ex persona e o decurso do prazo legal conferido ao compromissário comprador poder purgar sua mora. Em outras palavras, após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar. Entretanto, não há óbice para a aplicação da cláusula resolutiva expressa, porquanto após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente. Evidentemente, compreender a exigência de interpelação para constituição em mora como necessidade de se resolver o compromisso de compra e venda apenas judicialmente enseja confusão e imposição que refogem a intenção do legislador ordinário, por extrapolar o que determina a legislação específica sobre o compromisso de compra e venda de imóvel. A eventual necessidade do interessado recorrer ao Poder Judiciário para pedir a restituição da prestação já cumprida, ou devolução da coisa entregue, ou perdas e danos, não tem efeito desconstitutivo do contrato, mas meramente declaratório de relação evidentemente já extinta por força da própria convenção das partes. Isso porque, cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dá-se de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência. Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação. Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes - de liquidação. Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença. Necessário referir, ainda, que em hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, sempre poderá a parte devedora socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato. Frise-se que impor à parte prejudicada o ajuizamento de demanda judicial para obter a resolução do contrato quando esse estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, é impingir-lhe ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.
REsp 1.630.199-RS , Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 05/08/2021.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Descumprimento de regra estatutária, ausência de prestação de contas e administração de estabelecimento comercial. Pretensões vinculadas à relação jurídica entre o proprietário locador e o estabelecimento comercial. Ilegitimidade ativa do locatário.
O locatário não possui legitimidade para ajuizar ação contra o condomínio no intuito de questionar o descumprimento de regra estatutária, a ausência de prestação de contas e a administração de estabelecimento comercial.
A questão jurídica submetida a exame diz respeito à legitimidade ativa de locatário para ajuizar ação contra o condomínio, no intuito de questionar o descumprimento de regra estatutária, a ausência de prestação de contas e a administração de estabelecimento comercial, cujo reconhecimento resultaria na necessidade de adequações de cota condominial e recomposição de prejuízos financeiros. Nos termos do art. 18 do CPC/2015, correspondente ao art. 6º do CPC/1973, "ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico". Não existe norma que confira ao locatário legitimidade para atuar em Juízo na defesa dos interesses do condômino locador. Isso porque o vínculo obrigacional estabelecido no contrato de locação se dá entre o inquilino e o locador. Desse modo, a convenção realizada entre os particulares transfere a posse direta do imóvel e, eventualmente, o dever de arcar com obrigações propter rem, de titularidade do proprietário, mas não sub-roga o inquilino em todos os direitos do condômino perante o condomínio. Vale anotar que os locatários podem pedir contas ao locador, não diretamente ao condomínio, conforme previsto no art. 23, § 2º, da Lei n. 8.245/1991. Desse modo, se a má administração do condomínio tornou onerosa a relação contratual locatícia, cabe ao inquilino buscar providência frente ao proprietário do imóvel. Conclui-se, em suma, que o locatário não possui legitimidade para ajuizar ação contra o condomínio para questionar a forma pela qual a coisa comum é gerida.
REsp 1.331.719-SP , Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, DJ 03/08/2021.
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Penhora de bem imóvel por termo nos autos. Necessidade de intimação pessoal do devedor assistido pela Defensoria Pública. Múnus público. Constituição de poderes gerais para o foro. Ato de natureza material que demanda ação positiva pessoal do assistido. Súmula n. 319/STJ.
É imprescindível a intimação pessoal para fins de constituição do devedor, assistido pela Defensoria, como depositário fiel da penhora de bem imóvel realizada por termo nos autos.
Discute-se a validade da intimação dirigida à Defensoria Pública, para fins de constituição do devedor assistido como depositário fiel da penhora realizada por termo nos autos. Vale destacar que as reformas introduzidas no processo executivo e na fase de cumprimento de sentença (notadamente pelas Leis n. 10.444/2002 e 11.382/2006) visaram à simplificação e efetividade dos procedimentos previstos pelo antigo Código, a fim de alcançar atividade satisfativa jurisdicional célere e eficaz, dentre elas se destacando a possibilidade de intimar o executado "na pessoa de seu advogado", para fins de constituí-lo como depositário. Em se tratando, todavia, de parte representada pela Defensoria Pública, algumas peculiaridades merecem maior aprofundamento, notadamente as relacionadas ao tipo de intimação, aos seus ônus e às características da assistência/representação realizada pela Defensoria Pública. Nessa senda, imperioso pontuar a distinção existente entre o defensor constituído pela parte e o Defensor Público, atuando em razão de múnus público legalmente atribuído, em que não há escolha ou relação prévia de confiança entre assistido e representante. Nesse contexto, a representação da parte em juízo, justamente por ser constituída legalmente, dispensa a apresentação de mandato, possuindo o defensor apenas os poderes relacionados à procuração geral para o foro, visto que o exercício de poderes especiais demanda mandato com cláusula expressa, conforme o disposto nos artigos 38, caput, do CPC/1973 e 16, parágrafo único, "a", da Lei n. 1.060/1950. Ademais, percebe-se que o legislador fez clara distinção entre os atos puramente processuais e aqueles materiais, que demandam ação positiva pessoal do assistido. Nesse ponto, a doutrina preceitua que a intimação é essencial à garantia constitucional do contraditório, de modo que a distinção dos destinatários da intimação, a própria parte ou o advogado na qualidade de defensor dessa, é feita a partir da natureza dos atos a se realizar. Pertinente, ainda, apontar que, segundo o art. 666, §3º do CPC/73, "a prisão do depositário infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito". No CPC/15, dispõe o artigo 161, parágrafo único, que "o depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça Dessa forma, a constituição do devedor como depositário do bem penhorado não pode ser considerada, sob qualquer aspecto, como ato de natureza puramente processual, justamente em razão das consequências civis e penais que o descumprimento do mister pode acarretar. Entendimento diverso implicaria a atribuição ao Defensor Público de responsabilidade desproporcional pelo cumprimento e respeito do comando judicial por parte do assistido que, muitas das vezes, sequer mantém ou atualiza o contato junto à instituição. Observa-se que a intimação pessoal é pressuposto lógico da adequada observância do comando contido na consolidada Súmula n. 319/STJ, que prevê que "o encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado." Com efeito, a possibilidade de recusa expressa do encargo de depositário de bens somente é respeitada caso seja oportunizada à parte, previamente, a opção de fazê-lo, de forma pessoal, não sendo preservado o direito do devedor-depositário pela circunstância de poder, ulteriormente, requerer ao Juízo que preside o feito sua exoneração. Isso porque as situações caracterizadoras de responsabilidade civil e criminal do depositário já podem estar, inclusive, concretizadas em razão da ausência de ciência pessoal do devedor do encargo, que já pode ter alienado ou instituído gravame sobre o bem penhorado. Assim sendo, apesar de o antigo CPC/1973 não prever de forma expressa a necessidade de intimação pessoal da parte quando assistida pela Defensoria Pública, o que pode ser justificado também em razão de o citado órgão ter adquirido estatura constitucional somente quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, e a Defensoria ter sido dotada de autonomia funcional e administrativa apenas por força da EC 45/2004, o novo CPC, atento às necessidades verificadas na prática forense e às críticas acadêmicas, foi explícito em diversos artigos a respeito da obrigatoriedade de intimação pessoal do devedor representado pela Defensoria Pública. Evidencia-se, portanto, que há clara diferença entre a relação representante-representado quando o advogado é designado e não constituído voluntária e pessoalmente pela parte. Dessa forma, há a necessidade de intimação pessoal do devedor assistido pela Defensoria Pública para que seja constituído como depositário fiel do bem imóvel penhorado por termo nos autos, seja em virtude de o ato possuir conteúdo de direito material e demandar comportamento positivo da parte, b) seja em razão de o Defensor Público, na condição de defensor nomeado e não constituído pela parte, exercer múnus público que impede o seu enquadramento no conceito de "advogado" para os fins previstos no artigo 659, § 5°, do CPC/1973, possuindo apenas, via de regra, poderes gerais para o foro.
QUINTA TURMA
REsp 1.942.942-RO , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/08/2021.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Exceção de suspeição da autoridade policial. Impossibilidade. Art. 107 do CPP. Possibilidade de resolução na esfera administrativa. Fase inquisitorial. Nulidade da ação penal. Necessidade de demonstração do prejuízo.
A ausência de afirmação da autoridade policial de sua própria suspeição não eiva de nulidade o processo judicial por si só, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pelo réu.
Trata-se de discussão sobre o art. 107 do CPP, segundo o qual "não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal". Tal previsão é bastante criticada em sede doutrinária, mormente pela contradição que encerra: se a autoridade deverá pronunciar sua suspeição, soa paradoxal, em certa medida, impedir que a parte investigada a aponte no inquérito. De todo modo, tendo em vista a dicção legal - que permanece válida e vigente, inexistindo declaração de sua não recepção pelo STF -, seu teor segue aplicável. Uma solução possível para a parte que se julgue prejudicada é buscar, na esfera administrativa, o afastamento da autoridade suspeita. Assim, o descumprimento do art. 107 do CPP - quando a autoridade policial deixa de afirmar sua própria suspeição - não eiva de nulidade o processo judicial por si só, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pela parte ré. Vale ressaltar que, segundo a tradicional compreensão doutrinária e pretoriana hoje predominante, o inquérito é uma peça de informação, destinada a auxiliar a construção da opinio delicti do órgão acusador. Por conseguinte, possíveis irregularidades nele ocorridas não afetam a ação penal. Lembre-se que, ressalvadas as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, nos termos do art. 155 do CPP, não há propriamente produção de provas na fase inquisitorial, mas apenas colheita de elementos informativos para subsidiar a convicção do Ministério Público quanto ao oferecimento (ou não) da denúncia. Também por isso, o inquérito é uma peça facultativa, como se depreende do art. 39, § 5º, do CPP. Com efeito todos os elementos colhidos no inquérito, quando integram a acusação e são considerados pela sentença, submetem-se ao contraditório no processo judicial, e é este o locus adequado para rebatê-los. Também as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas passam pelo crivo do contraditório, ainda que de forma diferida, cabendo à defesa o ônus de apontar possíveis vícios processuais e apresentar suas impugnações fáticas. Por isso, como resta preservada a ampla possibilidade de debate dos elementos de prova em juízo, é correto manter incólume o processo mesmo diante de alguma irregularidade cometida na fase inquisitorial (desde que, é claro, não tenham sido descumpridas regras de licitude da atividade probatória).