Informativo do STJ 688 de 15 de Marco de 2021

Publicado por Superior Tribunal de Justiça


SÚMULAS

INTEIRO TEOR:

SÚMULA N. 646 É irrelevante a natureza da verba trabalhista para fins de incidência da contribuição ao FGTS, visto que apenas as verbas elencadas em lei (art. 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991), em rol taxativo, estão excluídas da sua base de cálculo, por força do disposto no art. 15, § 6º, da Lei n. 8.036/1990. (Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 15/03/2021).

INTEIRO TEOR:

SÚMULA N. 647 São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar. (Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 15/03/2021).

RECURSOS REPETITIVOS

Processo:

REsp 1.769.306-AL , Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/03/2021. ( Tema 1009 ).

Ramo do Direito:

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema:

Servidor público. Devolução de valores recebidos. Artigo 46, caput , da Lei n. 8.112/1990. Revisão da tese definida no Tema repetitivo 531/STJ. Ausência de alcance nos casos de pagamento indevido decorrente de erro de cálculo ou operacional da administração pública. Possibilidade de devolução. Salvo inequívoca presença da boa-fé objetiva. Tema 1009.

Destaque:

Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

INTEIRO TEOR:

A controvérsia consiste em definir se a tese firmada no Tema 531/STJ seria igualmente aplicável aos casos de erro operacional ou de cálculo, para igualmente desobrigar o servidor público, de boa-fé, a restituir ao erário a quantia recebida a maior. No julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.244.182/PB (Tema 531/STJ), definiu-se que quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, de boa-fé, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, o que está em conformidade com a Súmula 34 da Advocacia Geral da União - AGU. Assim, acerca da impossibilidade de devolução ao erário de valores recebidos indevidamente por servidor público, de boa-fé, em decorrência de equívoco na interpretação de lei pela Administração Pública, constata-se que o tema está pacificado. O artigo 46, caput, da Lei n. 8.112/1990 estabelece a possibilidade de reposições e indenizações ao erário. Trata-se de disposição legal expressa, plenamente válida, embora com interpretação dada pela jurisprudência com alguns temperamentos, especialmente em observância aos princípios gerais do direito, como boa-fé, a fim de impedir que valores pagos indevidamente sejam devolvidos ao erário. Diferentemente dos casos de errônea ou má aplicação de lei, onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o beneficiário recebeu o valor de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, na hipótese de erro material ou operacional deve-se analisar caso a caso, de modo a averiguar se o servido tinha condições de compreender a ilicitude no recebimento dos valores, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Pública. Impossibilitar a devolução dos valores recebidos indevidamente por erro perceptível da Administração Pública, sem a análise do caso concreto da boa-fé objetiva, permitiria o enriquecimento sem causa por parte do servidor, em flagrante violação do artigo 884 do Código Civil. Por tudo isso, não há que se confundir erro na interpretação de lei com erro operacional, de modo àquele não se estende o entendimento fixado no Recurso Especial Repetitivo n. 1.244.182/PB, sem a observância da boa-fé objetiva do servidor público, o que possibilita a restituição ao Erário dos valores pagos indevidamente decorrente de erro de cálculo ou operacional da Administração Pública.

Processo:

REsp 1.381.734-RN , Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/03/2021. ( Tema 979 ).

Ramo do Direito:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Tema:

Benefício previdenciário. Art. 115, II, da Lei n. 8.213/1991. Devolução de valores recebidos por força de interpretação errônea e de má aplicação da lei. Não ocorrência. Erro material ou operacional da administração. Inequívoca presença da boa-fé objetiva. Possibilidade de devolução. Tema 979.

Destaque:

Os pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

INTEIRO TEOR:

O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou pela má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. É regra geral do direito que ao administrado não é permitido alegar o desconhecimento da legislação, no entanto, não é dado exigir daquele que recebe o valor acima do devido pela Previdência Social a percepção da interpretação de todo o complexo legislativo, legal e infralegal utilizado pela Administração para o pagamento do benefício. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. Assim, nessas circunstâncias, evidencia-se não ser possível exigir-se do beneficiário a devolução de valores pagos pelo INSS, ainda que indevidamente. Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei), onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária. Nesse contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do indébito, situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, DJe 03/09/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui filhos e recebeu, por erro da Administração, auxílio natalidade. Assim, os erros materiais ou operacionais cometidos pela Administração Previdenciária que não se enquadrem nas hipóteses de interpretação errônea e má aplicação da lei e não sejam capazes de despertar no beneficiário inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento abrem a possibilidade do ressarcimento. Dessa forma, pode-se afirmar com segurança que no caso de erro material ou operacional, para fins de ressarcimento administrativo do valor pago indevidamente, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado/beneficiário, concernente na sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento. O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente. Todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).

Processo:

REsp 1.866.015-SP , Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 10/03/2021. ( Tema 1053 )

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Ações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho. Presença do INSS. Incompetência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Tema 1053.

Destaque:

Os Juizados Especiais da Fazenda Pública não têm competência para o julgamento de ações decorrentes de acidente de trabalho em que o Instituto Nacional do Seguro Social figure como parte.

INTEIRO TEOR:

A fixação da competência da Justiça dos Estados para as ações acidentárias foi prevista na Carta de 1946 (art. 123, §1º), na Carta de 1967 (art. 134, § 2º) e na EC n. 1 de 1969 (art. 142). A regra persistiu na Constituição de 1988 (art. 109, I), mesmo após a EC 45/2004. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça baixou a Súmula 15: "Compete à Justiça estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho". E o Supremo Tribunal Federal, a Súmula 501: "Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista". O STJ já se pronunciou, não sobre o tema dos autos, mas acerca de questão correlata, que decorreu da previsão feita no art. 109, § 3º, da Constituição de 1988. O preceito autoriza, na hipótese de ausência de vara federal no domicílio do segurado, a delegação legal para que a Justiça Estadual processe demandas de natureza previdenciária. Decidiu-se no STJ, em relevante precedente sobre o tema: "Em razão do próprio regramento constitucional e infraconstitucional, não há competência federal delegada no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, nem o Juízo Estadual, investido de competência federal delegada (artigo 109, parágrafo 3º, da Constituição Federal), pode aplicar, em matéria previdenciária, o rito de competência do Juizado Especial Federal, diante da vedação expressa contida no artigo 20 da Lei n. 10.259/2001" (REsp 661.482/PB, Relator p/ Acórdão Ministro Hamilton Carvalhido, DJe 05/02/2009). O referido art. 20 da Lei n. 10.259/2001, que veda a aplicação do procedimento dos Juizados Especiais Federais no juízo estadual que esteja no exercício de competência delegada (CF, art. 109, § 3º), também proíbe, pelo diálogo entre as fontes, a aplicação do rito dos juizados no juízo estadual que processe demandas acidentárias (CF, art. 109, I). Como isso, se equilibra o direito de acesso à justiça com as normas relativas ao pacto federativo, tanto nas demandas contra o INSS em que se postula benefício previdenciário, como nas que decorram de acidente de trabalho. A Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei n. 12.153/2009) não conflita com esse entendimento, pois o seu art. 2º estabelece expressamente que compete a esses órgãos "processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos". Do preceito se extrai que não estão incluídas nessa competência as causas de interesse da União e suas autarquias. Harmonicamente, o art. 5º, inciso II, da mesma Lei define que podem ser reús no Juizado Especial da Fazenda Pública "os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas". Nessa linha, antes da afetação do tema, diversas decisões monocráticas deram provimento a Recursos Especiais do INSS em casos idênticos ao destes autos, para reformar decisões declinatórias do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, sob o fundamento de que "não há previsão para a Autarquia Federal ser parte em processo no Juizado Especial da Fazenda Pública" (REsp 1.861.311/MT, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 20/03/2020).

Processo:

REsp 1.764.405-SP , Rel. Min. Assusete Magalhães, por unanimidade, julgado em 10/03/2021. ( Tema 961 )

Ramo do Direito:

DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Exclusão do sócio do polo passivo. Prosseguimento da execução, em relação ao executado e/ou responsáveis. Honorários advocatícios. Tema 961.

Destaque:

É possível a fixação de honorários advocatícios, em exceção de pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução fiscal, que não é extinta.

INTEIRO TEOR:

Construção doutrinária e jurisprudencial, a Exceção de Pré-Executividade consiste em meio de defesa do executado, tal qual os Embargos à Execução. Difere deste último, sobretudo, pelo objeto: enquanto os Embargos à Execução podem envolver qualquer matéria, a Exceção de Pré-Executividade limita-se a versar sobre questões cognoscíveis ex officio, que não demandem dilação probatória. Ato postulatório que é, a Exceção de Pré-Executividade não prescinde da representação, em juízo, por advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Por isso, antes mesmo da afetação do presente Recurso Especial ao rito dos repetitivos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificara o entendimento sobre a matéria, no sentido de serem devidos honorários advocatícios, quando acolhida a Exceção de Pré-Executividade para excluir o excipiente, ainda que não extinta a Execução Fiscal, porquanto "a exceção de pré-executividade contenciosa e que enseja a extinção da relação processual em face de um dos sujeitos da lide, que para invocá-la empreende contratação de profissional torna inequívoca o cabimento de verba honorária, por força da sucumbência informada pelo princípio da causalidade. (...) a imposição dos ônus processuais, no Direito Brasileiro, pauta-se pelo princípio da sucumbência, norteado pelo princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes" (STJ, AgRg no REsp 1.180.908/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 25/08/2010). O entendimento condiz com os posicionamentos do STJ em matéria de honorários de advogado. De fato, quando confrontado ou com a literalidade do art. 20 do CPC/1973 ou com a aplicação de regras isentivas dos honorários, este Tribunal vem, de modo sistemático, interpretando restritivamente as últimas normas, e extensivamente o primeiro dispositivo processual, considerando o vetusto princípio de direito segundo o qual a lei não pode onerar aquele em cujo favor opera. Tal foi o raciocínio que presidiu a edição da Súmula 153 do STJ: "A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos embargos não exime o exequente dos encargos da sucumbência". Semelhante razão inspirou o julgamento do Recurso Especial 1.185.036/PE, sob o regime dos recursos repetitivos, no qual se questionava a possibilidade de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários sucumbenciais, em decorrência da integral extinção da Execução Fiscal, pelo acolhimento de Exceção de Pré-Executividade. No aludido julgamento restou assentada "a possibilidade de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios quando acolhida a Exceção de Pré-Executividade e extinta a Execução Fiscal" (STJ, REsp 1.185.036/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 01/10/2010). O mesmo se passa quando a Exceção de Pré-Executividade, acolhida, acarreta a extinção parcial do objeto da execução, ou seja, quando o acolhimento da objeção implica a redução do valor exequendo, conforme diversos precedentes desta Corte. O mesmo entendimento, pelo cabimento de honorários de advogado, firmou a Corte Especial do STJ, no REsp 1.134.186/RS, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, quando acolhida, ainda que parcialmente, a impugnação ao cumprimento da sentença, registrando o voto condutor do aludido acórdão que "o acolhimento ainda que parcial da impugnação gerará o arbitramento dos honorários, que serão fixados nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, do mesmo modo que o acolhimento parcial da exceção de pré-executividade, porquanto, nessa hipótese, há extinção também parcial da execução" (STJ, REsp 1.134.186/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 21/10/2011). As hipóteses de acolhimento, ainda que parcial, da impugnação ao cumprimento de sentença e de acolhimento da Exceção de Pré-Executividade, para reduzir o montante exequendo, são em tudo análogas à hipótese ora em julgamento, ou seja, acolhimento da Exceção de Pré-Executividade, para excluir determinado executado do polo passivo da execução fiscal, que não é extinta, prosseguindo o feito, em relação aos demais executados. Nenhuma delas põe fim ao processo, ou seja, a natureza dos pronunciamentos não é outra senão a de decisão interlocutória. A rigor, o que difere as primeiras hipóteses do caso em análise é o objeto sobre o qual recaem. O caso em julgamento opera a extinção parcial subjetiva do processo, aqueles, a extinção parcial objetiva. Sendo as hipóteses espécies de extinção parcial do processo, clara está a adequação de tratá-las por igual: ubi eadem ratio ibi idem jus.

TERCEIRA TURMA

Processo:

REsp 1.735.931-CE , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021.

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Direitos autorais. ECAD. Sonorização em veículos de transporte coletivo (ônibus). Transmissão de obras autorais. Uso de obras autorais em atividade empresária. Finalidade lucrativa. Local de frequência coletiva.

Destaque:

Os ônibus de transporte de passageiros são considerados locais de frequência coletiva para fins de proteção de direitos autorais, o que gera dever de repasse ao ECAD.

INTEIRO TEOR:

A questão controvertida diz respeito aos direitos autorais decorrentes da utilização de obras musicais por meio de sonorização ambiental em veículos de transportes coletivos terrestres (ônibus municipais, intermunicipais e interestaduais). A execução de obras musicais e/ou audiovisuais dentro dos ônibus de transporte de passageiros não se enquadra em qualquer das exceções previstas no art. 46 da Lei n. 9.610/1998, verificando-se, sim, a utilização da obra artística mediante captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva e sonorização ambiental. No caso, aplica-se o disposto no art. 29, inciso VIII, alíneas "e" e "f", da referida lei, segundo o qual: Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: (...) VIII: a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: (...) e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva; f) sonorização ambiental; Além disso, o art. 68, §3º, estabelece que: Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. (...) § 3º Consideram-se locais de frequência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas. Dessa forma, as sociedades empresárias que exploram o transporte coletivo de pessoas e que executam obras musicais no interior dos veículos devem necessariamente repassar ao ECAD os valores devidos a título de direitos autorais pela transmissão radiofônica nos termos do enunciado 63/STJ.

Processo:

REsp 1.893.754-MA , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Extravio, perda ou avaria de cargas transportadas por via marítima. Indenização. Prazo prescricional. 1 (um) ano.

Destaque:

O prazo prescricional da pretensão indenizatória decorrente de extravio, perda ou avaria de cargas transportadas por via marítima é de 1 (um) ano.

INTEIRO TEOR:

Inicialmente, o Decreto-Lei n. 116/1967 dispõe, especificamente, sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d'água nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias eventualmente ocorridas. Na hipótese de ocorrência de avarias em carga objeto de transporte marítimo, dispõe o art. 8º do mencionado decreto-lei sobre o prazo prescricional da pretensão indenizatória: prescrevem ao fim de um ano, contado da data do término da descarga do navio transportador, as ações por extravio de carga, bem como as ações por falta de conteúdo, diminuição, perdas e avarias ou danos à carga. Assim, por ser lei especial que rege a matéria, deve ser aplicada a todos os entes envolvidos na relação de transporte marítimo, sejam eles operadores portuários, transportadores, consignatários da carga, exportadores e até mesmo seguradoras. De fato, não há como se extrair qualquer conclusão de que o decreto-lei regule tão somente as relações firmadas entre as entidades portuárias e o transportador da carga. A corroborar com o raciocínio, vale ressaltar que a Súmula 151 do Supremo Tribunal Federal, em pleno vigor, preceitua que prescreve em 1 (um) ano a ação do segurador sub-rogado para haver indenização por extravio ou perda de carga transportada por navio. Por oportuno, convém frisar que, ao analisar a redação da referida súmula, o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1.278.722/PR (4ª Turma, DJe 29/06/2016) mencionou que "a orientação pretoriana é no sentido de a prescrição da ação regressiva da seguradora ser a mesma que a da ação do segurado, visto que a relação jurídica de direito material não se altera, mudando apenas o sujeito ativo, ou credor, que passa a ser outro, tratando-se o caso de sub-rogação pessoal, em que há substituição de uma pessoa por outra, ressalvando-se a esta os mesmos direitos e ações que àquela competiam". Ora, se a seguradora possui o prazo de 1 (um) ano - porque sub-rogada nos direitos e ações do segurado, inclusive no que tange ao prazo prescricional - é de se concluir que também o próprio consignatário da carga que não tenha contratado seguro possui, igualmente, o mesmo prazo prescricional para exercer a sua pretensão de indenização, sendo inviável concluir que seria à sua pretensão aplicável o prazo prescricional de 3 (três) anos previsto no Código Civil (art. 206, § 3º, V).

Processo:

REsp 1.877.738-DF , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Inventário. Cumprimento de sentença. Crédito constituído em face de um dos herdeiros. Homologação da partilha. Penhora no rosto dos autos. Art. 860 do CPC/2015. Possibilidade. Art. 642, caput , do CPC/2015. Habilitação de credores do espólio no processo de inventário. Inaplicabilidade à hipótese dos autos.

Destaque:

A homologação da partilha, por si só, não constitui circunstância apta a impedir que o juízo do inventário promova a constrição determinada por outro juízo.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia a verificar se é cabível, após a decisão homologatória da partilha, a efetivação de penhora no rosto dos autos do inventário para garantia de crédito objeto de execução movida por terceiro em face de um dos herdeiros. O art. 860 do CPC/2015 prevê expressamente que a penhora é passível de ser levada a efeito em processo distinto daquele em que o crédito deveria, originariamente, ser satisfeito, podendo recair sobre os bens que forem adjudicados ou que vierem a caber ao executado. Tratando-se de ação de inventário, este Tribunal Superior já se manifestou no sentido do cabimento da penhora no rosto dos autos quando se tratar de constrição que objetive atingir direito a ser atribuído a um dos herdeiros que figure na posição de executado. Ocorre que, no particular, o juízo onde se processa a ação sucessória, após o recebimento do ofício que havia deferido o pedido de penhora em favor do recorrente, deixou de efetivar a constrição ao argumento de que essa somente seria cabível antes da realização da partilha, haja vista o disposto no art. 642, caput, do CPC/2015. A norma invocada, todavia, versa exclusivamente acerca da habilitação de credores do espólio no processo de inventário, o que, de fato, pode ocorrer, a critério dos terceiros interessados, apenas até o momento da partilha. A homologação da partilha, portanto, nos termos da do referido artigo, possui o condão de impedir, tão somente, que credores do espólio requeiram ao juízo do inventário o pagamento de dívidas contraídas pelo de cujus. Assim, a homologação da partilha, por si só, não constitui circunstância apta a impedir que o juízo do inventário promova a constrição determinada por outro juízo.

Processo:

REsp 1.839.078-SP , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021.

Ramo do Direito:

DIREITO EMPRESARIAL

Tema:

Sociedade limitada. Aplicação supletiva das normas relativas às sociedades anônimas. Retirada voluntária imotivada de sócio. Art. 1.029 do CC. Possibilidade. Liberdade de não permanecer associado. Garantia constitucional. Omissão relativa à retirada imotivada na Lei n. 6.404/76 incompatível com a natureza das sociedades limitadas.

Destaque:

É direito do sócio retirar-se imotivadamente de sociedade limitada regida de forma supletiva pelas normas da sociedade anônima.

INTEIRO TEOR:

A questão controvertida diz respeito à possibilidade de o sócio retirar-se imotivadamente, nos termos do art. 1.029 do CC, de sociedade limitada regida de forma supletiva pelas normas relativas à sociedade anônima. Nos termos do que dispõe o referido artigo do Código Civil, o sócio pode se retirar da sociedade de prazo indeterminado mediante simples notificação aos demais sócios. Trata-se de hipótese de retirada voluntária imotivada. Este dispositivo, conquanto inserido no capítulo relativo às sociedades simples, é perfeitamente aplicável às sociedades de natureza limitada, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, de modo que o sócio, também nesse tipo societário, tem o direito de se retirar de forma imotivada, sem que seja necessária, para tanto, a ação de dissolução parcial. O presente caso, porém, apresenta a peculiaridade de ser a sociedade limitada supletivamente regida pelas normas aplicáveis às sociedades anônimas, conforme expressamente previsto no contrato social da recorrida, segundo reconhecido pelo Tribunal de origem. Na linha do acórdão recorrido, o fato de a sociedade limitada ser regida supletivamente pela Lei das Sociedades Anônima afasta a possibilidade de retirada imotivada do sócio. No entanto, a aplicação supletiva da Lei n. 6.404/76 não tem o condão de afastar o direito de retirada imotivada nas sociedades limitadas de prazo indeterminado. Isso porque, em primeiro lugar, a própria Constituição Federal expressamente garante, em seu art. 5º, XX, tanto o direito fundamental de associação quanto a de não associação. Há, portanto, liberdade constitucionalmente garantida não apenas de se associar, mas também de não permanecer associado. Em segundo lugar, a aplicação supletiva das normas relativas às sociedades anônimas, autorizada pelo parágrafo único do art. 1.053 do CC, apenas deve ocorrer naquilo que for compatível com o regramento das sociedades limitadas. Nesse sentido, ausência de previsão na Lei n. 6.404/76 acerca da retirada imotivada não implica sua proibição nas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas normas relativas às sociedades anônimas, especialmente quando o art. 1.089 do CC determina a aplicação supletiva do próprio Código Civil nas hipóteses de omissão daquele diploma. Sendo assim, não havendo previsão específica na Lei n. 6.404/76 acerca da retirada imotivada, e sendo tal omissão incompatível com a natureza das sociedades limitadas, imperioso reconhecer a possibilidade de aplicação do art. 1.029 do CC. Desse modo, ainda que o contrato social tenha optado pela regência supletiva da Lei n. 6.404/76, há direito potestativo de retirada imotivada do sócio na sociedade limitada em questão. E, tendo sido devidamente exercido tal direito, não mais se mostra possível a convocação de reunião com a finalidade de deliberar sobre exclusão do sócio que já se retirou.

Processo:

REsp 1.812.459-ES , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Herança jacente. Legitimidade ativa do juiz. Poderes de instauração e instrução do procedimento. Poder dever do magistrado.

Destaque:

A abertura e o regular processamento da herança jacente constituem poder-dever do magistrado, sendo inadequado o indeferimento da petição inicial em virtude de irregular instrução do feito por qualquer dos outros legitimados ativos.

INTEIRO TEOR:

O propósito recursal consiste em definir se a instauração do procedimento especial de herança jacente por um ente municipal, mas sem a devida instrução com os documentos indispensáveis, ainda que desatendida a intimação para emendar a petição inicial, enseja o indeferimento da exordial e, por conseguinte, a extinção do processo sem resolução do mérito. A herança jacente, prevista nos arts. 738 a 743 do CPC/2015, é um procedimento especial de jurisdição voluntária que consiste, grosso modo, na arrecadação judicial de bens da pessoa falecida, com declaração, ao final, da herança vacante, ocasião em que se transfere o acervo hereditário para o domínio público, salvo se comparecer em juízo quem legitimamente os reclame. A instauração desse procedimento pode ser intentada, consoante dispõem os arts. 720 e 722 do CPC/2015, por qualquer interessado, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pela Fazenda Pública, bem como pelo juiz, de ofício, nos termos da exegese do art. 738 do CPC/2015, segundo o qual, "nos casos em que a lei considere jacente a herança, o juiz em cuja comarca tiver domicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens". A herança jacente excepciona, com isso, o princípio da demanda (inércia da jurisdição), tendo em vista que o CPC/2015 confere legitimidade ao juiz para atuar ativamente, independente de provocação, seja para a instauração do processo, seja para a sua instrução. Não se instaurando o processo por iniciativa do próprio juiz, leva-se o fato ensejador da sua abertura (morte de alguém que deixe bens sem a existência de herdeiros ou sucessores) ao conhecimento do magistrado através da petição inicial, observando-se os arts. 319 a 321 do CPC/2015, que definem os elementos e documentos inerentes à exordial. Entretanto, evidenciando-se alguma irregularidade sanável pelo julgador, impõe-se a intimação da parte autora/requerente para emendar a inicial (art. 321, caput, do CPC/2015), dirimindo o vício. Não atendida a contento a intimação, será o caso de indeferimento da petição inicial (art. 321, parágrafo único, c/c o art. 330, IV, ambos do CPC/2015), culminando na extinção do processo, sem resolução do mérito (art. 485, I, do CPC/2015). No entanto, no caso específico da herança jacente, a regra disposta no art. 321 do CPC/2015 comporta mitigação, de forma que, mesmo que a parte autora não supra a mácula constatada, exige-se do juiz do domicílio do autor da herança, antes da prolação da sentença terminativa, a adoção de diligências mínimas, ao menos na comarca da sua jurisdição, a fim de elucidar os fatos imprescindíveis ao regular processamento do feito, oficiando-se as repartições públicas locais, os estabelecimentos que entender pertinentes, bem como a vizinhança do domicílio do falecido. Isso porque a lei confere legitimidade ao próprio juiz para atuar ativamente no procedimento de herança jacente, independente de provocação, seja para iniciar o processo (art. 738 do CPC/2015), seja para instruir devidamente o feito, devendo, inclusive, diligenciar pessoalmente no lugar em que situados os bens a serem arrolados e expedir carta precatória a juízo de comarca diversa para a arrecadação dos bens nela situados. Ademais, o diploma processual em vigor, visando assegurar a efetiva prestação jurisdicional, assenta o princípio da cooperação, passando a exigir a colaboração com o Poder Judiciário não só dos sujeitos do processo, mas também de terceiros e do Poder Público, conforme interpretação sistemática dos arts. 6º, 380 e 438 do CPC/2015. Dessume-se, nesse contexto, que a efetiva instrução e o regular processamento da herança jacente constitui um poder-dever do magistrado, o qual, tendo ciência dos fatos ensejadores à abertura desse procedimento, seja por conta própria, seja por provocação, deve proceder ativamente, adotando as medidas mínimas necessárias e cabíveis.

Processo:

REsp 1.837.211-MG , Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

CPC/2015. Cumprimento de sentença. Intimação do executado para pagamento, sob pena de multa e fixação de honorários. Despacho de mero expediente. Agravo de instrumento. Descabimento.

Destaque:

Sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, é irrecorrível o ato judicial que determina a intimação do devedor para o pagamento de quantia certa.

INTEIRO TEOR:

Na vigência do CPC/1973, o início da fase de cumprimento de sentença se dava de ofício pelo juiz da causa, com a intimação do devedor para pagar a quantia fixada na sentença transitada em julgado ou apurada em liquidação. Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o art. 475-J daquele diploma legal, firmou entendimento que, no cumprimento de sentença, a intimação do vencido para pagamento, sob pena de imposição de multa, tem o condão de causar gravame a parte, possuindo, portanto, conteúdo decisório. Todavia, com o advento do Novo Código de Processo Civil, o início da fase de cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa passou a depender de requerimento do credor. Eis o teor do art. 523 do NCPC: "No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver". Observa-se que, agora, a intimação do devedor para pagamento se afigura como despacho de mero expediente, pois é consectário legal da provocação do credor para a satisfação do seu crédito. O juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil. Dessa forma, é irrecorrível o ato judicial que determina a intimação do devedor para o pagamento de quantia certa, por ter natureza jurídica de despacho.

QUARTA TURMA

Processo:

REsp 1.859.665-SC , Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Provedor de aplicações de internet . Fornecimento de dados dos usuários. Especificação mínima da conduta ilícita. Necessidade.

Destaque:

É vedado ao provedor de aplicações de internet fornecer dados de forma indiscriminada dos usuários que tenham compartilhado determinada postagem, em pedido genérico e coletivo, sem a especificação mínima de uma conduta ilícita realizada.

INTEIRO TEOR:

O Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) estabelece que na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 ano, nos termos do regulamento (art. 13) e o provedor de aplicações de internet, custodiar os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, pelo prazo de 6 meses (art. 15). O propósito da norma foi o de criar instrumental que consiga, por autoridade constituída e precedida de autorização judicial, acessar os registros de conexão, rastreando e sancionando eventuais condutas ilícitas perpetradas por usuários da internet e inibindo, de alguma forma, a falsa noção de anonimato no uso das redes. Por outro lado, a Lei n. 12.965/2014 possui viés hermenêutico voltado ao zelo pela preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário (art. 23), com a previsão de cláusula de reserva judicial para qualquer quebra de sigilo. Portanto, se é certo afirmar que o usuário das redes sociais pode livremente reivindicar seu direito fundamental de expressão, também é correto sustentar que a sua liberdade encontrará limites nos direitos da personalidade de outrem, sob pena de abuso em sua autonomia, já que nenhum direito é absoluto, por maior que seja a sua posição de preferência, especialmente se se tratar de danos a outros direitos de elevada importância. Nos termos da Lei n. 12.965/14 (art. 22), a parte interessada poderá pleitear ao juízo, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet. Para tanto, sob pena de admissibilidade, exige a norma que haja: I - fundados indícios da ocorrência do ilícito; II - justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e III - período ao qual se referem os registros (parágrafo único). Nesse contexto, não se pode subjugar o direito à privacidade a ponto de permitir a quebra indiscriminada do sigilo dos registros, com informações de foro íntimo dos usuários, tão somente pelo fato de terem compartilhado determinado vídeo que, depois, veio a se saber que se tratava falso.

QUINTA TURMA

Processo:

HC 641.877-DF , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Citação via WhatsApp . Princípio da necessidade. Inadequação formal e material. Pas de nullité sans grief . Necessária aferição da autenticidade com a adoção das cautelas necessárias.

Destaque:

É possível a utilização de WhatsApp para a citação de acusado, desde que sejam adotadas medidas suficientes para atestar a autenticidade do número telefônico, bem como a identidade do indivíduo destinatário do ato processual.

INTEIRO TEOR:

A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória (contraditório, ampla defesa e devido processo legal). No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via WhatsApp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Registre-se não ser adequado fechar-se os olhos para a realidade. Excluir peremptória e abstratamente a possibilidade de utilização do WhatsApp para fins da prática de atos de comunicação processuais penais, como a citação e a intimação, não se revelaria uma postura comedida. Não se trata de autorizar a confecção de normas processuais por tribunais, mas sim o reconhecimento, em abstrato, de situações que, com os devidos cuidados, afastariam, ao menos, a princípio, possíveis prejuízos ensejadores de futuras anulações. Isso porque a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade do número telefônico, bem como da identidade do destinatário para o qual as mensagens são enviadas. Além disso, não há falar em nulidade de ato processual sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief. Com efeito, é possível imaginar-se a utilização do WhatsApp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief. De todo modo, para tanto, imperiosa a adoção de todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também a identidade do destinatário das mensagens. Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. De outro lado, a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entende-se possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida. Assim, é possível o uso da referida tecnologia para citação, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa.

Processo:

REsp 1.843.523-CE , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Diminuição da matéria suscetível de impugnação nos embargos infringentes. Prejuízo à defesa. Omissão do voto vencido quanto ao exame do mérito da apelação. Art. 939 do CPC. Questão preliminar. Conceito amplo para ordenar julgamento. Error in procedendo evidenciado. Não pronunciamento sobre o mérito. Nulidade do acórdão que julgou a apelação.

Destaque:

Há nulidade no acórdão que julga apelação sem a observância da formalidade de colher os votos em separado sobre questão preliminar e de mérito, em razão da diminuição do espectro da matéria possível de impugnação na via dos infringentes.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia à análise em que o tribunal procede à tomada global dos votos no julgamento da apelação, anotando o resultado das questões preliminar e meritória como resultado final do julgamento. Em consequência da adoção desse procedimento, o integrante do órgão julgador que fica vencido quanto à preliminar de cerceamento da defesa, pelo indeferimento de prova, não se pronuncia acerca do mérito recursal. Nos termos do art. 939 do Código de Processo Civil, a possibilidade de encerrar o julgamento por incompatibilidade entre a preliminar e o mérito tem como destinatário todo o órgão colegiado e não cada um de seus integrantes. Ademais, a acepção sobre o conceito de preliminar, para o fim de julgamento fatiado, é ampla, uma vez que a diferenciação entre preliminar e prejudicial não tem cabimento aqui. Ainda que se adote interpretação mais restritiva sobre o conceito de preliminar, não há que se falar em qualquer possibilidade de tratar o cerceamento de defesa, resultante do indeferimento de prova, como prejudicial. Assim, sob qualquer ponto de vista considerado, a decisão sobre a nulidade de prova deve ser tida como questão preliminar. Desse modo, ao não tomar o voto quanto ao mérito da apelação do juiz vencido na preliminar, houve error in procedendo pelo tribunal, evidenciando a violação ao art. 939 do CPC. Por fim, como os embargos infringentes são recurso de fundamentação vinculada, o tribunal não pode conhecer da divergência meritória, supondo que o juiz que conclui pela nulidade da prova - e fica vencido - absolveria a parte recorrente, evidenciando, assim, o prejuízo à defesa.