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Informativo do STJ 683 de 18 de Dezembro de 2020

Publicado por Superior Tribunal de Justiça


RECURSOS REPETITIVOS

Processo:

REsp 1.840.113-CE , Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por maioria, julgado em 23/09/2020, DJe 23/10/2020 ( Tema 1038 )

Ramo do Direito:

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema:

Licitação/pregão. Cláusula editalícia. Taxa de administração. Fixação de percentual mínimo. Descabimento. Tema 1038.

Destaque:

Os editais de licitação ou pregão não podem conter cláusula prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, sob pena de ofensa ao artigo 40, inciso X, da Lei n. 8.666/1993.

INTEIRO TEOR:

A fixação de percentual mínimo de taxa de administração em edital de licitação/pregão fere expressamente a norma contida no inciso X do art. 40 da Lei n. 8.666/1993, que veda "a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência". A própria Lei de Licitações, a exemplo dos §§ 1º e 2º do art. 48, prevê outros mecanismos de combate às propostas inexequíveis em certames licitatórios, permitindo que o licitante preste garantia adicional, tal como caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária. Sendo o objetivo da licitação selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração - consoante expressamente previsto no art. 3º da Lei n. 8.666/1993 -, a fixação de um preço mínimo atenta contra esse objetivo, especialmente considerando que um determinado valor pode ser inexequível para um licitante, porém exequível para outro. Deve a Administração Pública, portanto, buscar a proposta mais vantajosa; em caso de dúvida sobre a exequibilidade, ouvir o respectivo licitante; e, sendo o caso, exigir-lhe a prestação de garantia. É o que dispõe a Súmula 262/TCU: "O critério definido no art. 48, inciso II, § 1º, alíneas 'a' e 'b', da Lei n. 8.666/1993 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta." Cuida-se a escolha da taxa de administração de medida compreendida na área negocial dos interessados, a qual fomenta a competitividade entre as empresas que atuam nesse mercado, em benefício da obtenção da melhor proposta pela Administração Pública. Portanto, a interpretação mais adequada da Lei n. 8.666/1993, especialmente dos arts. 40, inciso X, e 48, §§ 1º e 2º, conduz à conclusão de que o ente público não pode estipular cláusula editalícia em licitação/pregão prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, havendo outros mecanismos na legislação aptos a resguardar a Administração Pública de eventuais propostas inexequíveis.

Processo:

REsp 1.807.665-SC , Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 26/11/2020 ( Tema 1030 )

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Juizado Especial Federal. Art. 3º da Lei n. 10.259/2001. Competência absoluta. Valor da Causa. Montante que excede os 60 salários mínimos. Renúncia expressa. Possibilidade. Tema 1030.

Destaque:

Ao autor que deseje litigar no âmbito de Juizado Especial Federal Cível, é lícito renunciar, de modo expresso e para fins de atribuição de valor à causa, ao montante que exceda os 60 (sessenta) salários mínimos previstos no art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001, aí incluídas, sendo o caso, as prestações vincendas.

INTEIRO TEOR:

Quanto à fixação do valor da causa em sede de juizados especiais federais, o § 2º do art. 3º da Lei n. 10.259/2001 dispõe que, "quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput", omitindo-se o legislador, porém, em disciplinar o valor relativo a parcelas já vencidas, gerando, no ponto, a necessidade de se recorrer aos subsidiários préstimos do Código de Processo Civil. Nesse diapasão, frisa-se que, de há muito, "na hipótese de o pedido englobar prestações vencidas e vincendas, há neste Superior Tribunal entendimento segundo o qual incide a regra do art. 260 do Código de Processo Civil, que interpretado conjuntamente com o mencionado art. 3º, § 2º, da Lei 10.259/2001, estabelece a soma da prestações vencidas mais doze parcelas vincendas, para a fixação do conteúdo econômico da demanda e, consequentemente, a determinação da competência do juizado especial federal" (CC 91.470/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe 26/8/2008). Portanto, na fixação do valor da causa perante os juizados especiais federais, deverão ser observadas, para além do regramento previsto na Lei n. 10.259/2001 (art. 3º), as disposições contidas nos artigos 291 a 293 do CPC/2015. Ademais, cabe registrar que a jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à natureza absoluta da competência atribuída aos Juizados Especiais Federais, a teor do art. 3º, § 3º, da Lei n. 10.259/2001, observando-se, para isso, o valor da causa. Delineados, pois, os critérios para a apuração do valor da causa nos Juizados Especiais Federais, tanto quanto sua competência absoluta para atuar nas hipóteses em que o postulante circunscreva sua pretensão inicial em montante que não ultrapasse o limite de sessenta salários mínimos, resta indagar sobre a possibilidade, ou não, de a parte autora renunciar a valores excedentes a esse patamar sexagesimal, para poder demandar perante esses mesmos Juizados Especiais Federais, aí incluído o montante das parcelas vincendas, bem assim se tal renúncia deverá ser comunicada expressamente pela parte autora. Com efeito, a possibilidade de renúncia para adoção do procedimento previsto na Lei n. 10.259/2001 encontra conforto na jurisprudência do STJ, conforme se extrai do seguinte e já vetusto julgado: "Se o autor da ação renunciou expressamente o que excede a sessenta salários, competente o Juizado Especial Federal para o feito" (CC 86.398/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 22/2/2008). Em reforço, vale mencionar que, embora a Lei n. 10.259/2001 não cuide expressamente da possibilidade de renúncia inicial para fins de fixação da competência dos Juizados Especiais Federais, seu § 4º do artigo 17 dispõe que, "se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista." Ora, se o legislador, na fase de cumprimento da decisão, previu expressamente a possibilidade de renúncia ao crédito excedente para fins de o credor se esquivar do recebimento via precatório, não se compreende como razoável vedar-se ao interessado, no ato de ajuizamento da ação, a possibilidade de dispor de valores presumidamente seus, em prol de uma solução mais célere do litígio perante os Juizados Especiais Federais. Estabelecida essa diretriz, a questão remanescente diz com a porção do valor da causa a ser considerada para fins de renúncia, no momento do ajuizamento da ação, tendo em mira que a Lei Adjetiva Civil estabelece que, para a composição daquele montante, deverão ser consideradas as prestações vencidas e as vincendas. Quanto ao ponto, havendo discussão sobre relação de trato sucessivo nos Juizados Especiais Federais, deve ser observada a conjugada aplicação dos arts. 3º, § 2º, da Lei n. 10.259/2001 e 292 do CPC/2015, quando a definição do valor da causa deverá observar os seguintes vetores: a) versando a pretensão apenas sobre prestações vincendas, considerar-se-á a soma de doze delas para a definição da competência (art. 3º, § 2º, da Lei n. 10.259/2001); b) quando o pleito englobar prestações vencidas e vincendas, e a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, somam-se os valores de todas as parcelas vencidas e de uma anuidade das parcelas vincendas (ex vi do art. 292, §§ 1º e 2º, do CPC/2015). Em suma, inexistem amarras legais que impeçam o demandante de, assim lhe convindo, reivindicar pretensão financeira a menor, que lhe possibilite enquadrar-se na alçada estabelecida pelo art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001.

SEXTA TURMA

Processo:

REsp 1.808.389-AM , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 20/10/2020, DJe 23/11/2020.

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Tráfico de drogas. Momento do interrogatório. Último ato da instrução. Maior efetividade a princípios constitucionais. Desrespeito. Nulidade do processo. Comprovação de prejuízo. Desnecessidade. Preclusão. Inaplicabilidade.

Destaque:

É desnecessária a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal, o qual determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado.

INTEIRO TEOR:

Ao disciplinar a instrução processual no rito comum ordinário, o caput do art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008, determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado. O art. 57 da Lei de Drogas, por sua vez, prevê momento específico e diverso para o interrogatório do réu. No entanto, por ocasião do julgamento do HC 127.900/AM (Rel. Ministro Dias Toffoli), o Pleno do Supremo Tribunal Federal realizou uma releitura do art. 400 do Código de Processo Penal e firmou o entendimento de que o rito processual para o interrogatório, previsto no referido dispositivo, deve ser aplicado a todos os procedimentos regidos por leis especiais. Isso porque a Lei n. 11.719/2008 (que deu nova redação ao referido art. 400) prepondera sobre as disposições em sentido contrário delineadas em legislação especial, por se tratar de lei posterior mais benéfica ao acusado (lex mitior), visto que assegura maior efetividade a princípios constitucionais, notadamente aos do contraditório e da ampla defesa. Dito isso, para que eventual nulidade seja reconhecida em decorrência da inversão da ordem do interrogatório, remanescem dois pontos a serem previamente analisados: a) para que seja reconhecida a nulidade do feito, é necessário haver a demonstração de efetivo prejuízo à defesa, à luz do princípio pas de nullité sans grief? e b) a matéria deve ser alegada no primeiro momento processual oportuno, sob pena de preclusão? Em relação ao primeiro ponto , registra-se que não se desconhece a existência de julgados desta Corte Superior de Justiça que, mesmo depois do julgamento do referido HC 127.900/AM, passaram a exigir, em relação aos processos com instrução ainda em curso, que, naqueles casos em que o interrogatório tivesse sido realizado no início da instrução, deveria haver a comprovação de efetivo prejuízo à defesa para que fosse reconhecida a nulidade processual. No entanto, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, ante a magnitude constitucional de que se reveste o interrogatório judicial, já teve diversas oportunidades de assentar que esse ato processual representa meio viabilizador do exercício das prerrogativas constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Se o interrogatório é um ato essencialmente de autodefesa, não se deu aos recorrentes a possibilidade de, ao final da instrução criminal, esclarecer ao Magistrado eventuais fatos contra si alegados pelas testemunhas, manifestar-se pessoalmente sobre a prova acusatória a eles dirigida e influenciar na formação do convencimento do julgador. Portanto, se nem a doutrina nem a jurisprudência ignoram a importância de que se reveste o interrogatório judicial - cuja natureza jurídica permite qualificá-lo como ato de defesa -, não há como acolher o argumento do Tribunal de origem, no sentido de que a ausência de demonstração de prejuízo impossibilitaria o reconhecimento da apontada nulidade. Não há como se imputar à defesa do acusado o ônus de comprovar eventual prejuízo em decorrência de uma ilegalidade, para a qual não deu causa e em processo que já resultou na sua própria condenação. Isso porque não há, num processo penal, prejuízo maior do que uma condenação resultante de um procedimento que não respeitou as diretrizes legais e que nem sequer observou determinadas garantias constitucionais do réu (no caso, a do contraditório e a da ampla defesa). Como avaliar, na perspectiva de exigir-se a demonstração do prejuízo, se o interrogatório realizado no início da instrução não trouxe nenhum prejuízo à defesa (tanto à defesa técnica quanto à do próprio acusado - autodefesa)? Assim, exigir a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal representa não apenas uma burla (escamoteada) ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 127.900/AM, como também um esvaziamento das garantias constitucionais do contraditório e, especialmente, da ampla defesa, uma forma de se esquivar do reconhecimento de uma nulidade e uma maneira de se evitar a anulação de uma instrução probatória que, visivelmente, foi realizada em franco desacordo com as referidas garantias constitucionais. Por fim, uma vez fixada a compreensão pela desnecessidade de a defesa ter de demonstrar eventual prejuízo decorrente da inversão da ordem do interrogatório dos réus, em processo do qual resultou a condenação, e porque o procedimento adotado afrontou os princípios do contraditório e da ampla defesa, não há como condicionar o reconhecimento da nulidade ao fato de a defesa arguir ou não o vício processual já na própria audiência de instrução. Não incide na espécie, portanto, a preclusão.

TERCEIRA SEÇÃO

Processo:

EREsp 1.624.564-SP , Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PENAL

Tema:

Sementes de maconha. Importação de pequena quantidade. Atipicidade.

Destaque:

É atípica a conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se o dissenso quanto ao tema relativo à tipicidade ou não da conduta de importar pouca quantidade de sementes de maconha. O acórdão embargado, da Quinta Turma, entendem que "a importação clandestina de sementes de cannabis sativa linneu (maconha) configura o tipo penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei n. 11.343/2006" (AgRg no REsp 1.733.645/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 05/06/2018, DJe 15/06/2018). Por sua vez, para o acórdão paradigma, da Sexta Turma, "tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato". O conceito de "droga", para fins penais, é aquele estabelecido no art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006: "Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder executivo da União." A mesma Lei traz no seu art. 66: "Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS n. 344, de 12 de maio de 1998." Compulsando a lista do referido ato administrativo, do que se pode denominar "droga", vê-se que dela não consta referência a sementes da planta Cannabis Sativum. No anexo, Lista E, tem-se as plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. A primeira delas é justamente a Cannabis Sativum. O Tetrahidrocanabinol - THC é a substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativum, mas ausente na semente, razão pela qual esta não pode ser considerada "droga", para fins penais, o que afasta a subsunção do caso a qualquer uma das hipóteses do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Os incisos I e II do § 1º do referido artigo, listam uma série de condutas que incorrem nas mesmas penas. Infere-se do inciso II que "matéria-prima" é a substância utilizada "para a preparação de drogas", como é o caso da planta Cannabis Sativum, porque dela se extrai a droga. Da semente, nada se extrai diretamente, nem se misturada com o que quer que seja. Logo, não pode ser considerada "matéria-prima". No mais, a norma prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a colheita da planta proibida. Embora a semente seja um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação (ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica. Além disso, a semente também não se enquadra na qualificação de "insumo" ou, muito menos, "produto químico", porque ambos visam à preparação de drogas. Também não se antevê possibilidade de subsunção da conduta a qualquer das hipóteses do art. 28 da Lei. As condutas delituosas estão adstritas a ações voltadas para o consumo de droga e aos núcleos verbais de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga, também para consumo pessoal. Sob essa óptica, o ato de importar pequena quantidade de semente configuraria, em tese, mero ato preparatório para o crime do art. 28, § 1º, impunível, segundo nosso ordenamento jurídico. Por fim, apesar da propensão em concordar com o entendimento sufragado pela instância a quo (que enquadrou a conduta de importar sementes de maconha como crime de contrabando, previsto no Código Penal, art. 334-A), em homenagem à segurança jurídica e ao princípio da razoável duração do processo, privilegia-se o entendimento majoritário já formado neste Superior Tribunal de Justiça, que está em consonância com os precedentes da Suprema Corte e que consideram atípica a importação de pequena quantidade de sementes de maconha.

PRIMEIRA TURMA

Processo:

REsp 1.421.590-RN , Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 30/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema:

Imposto sobre Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Lucro presumido. Despesas com "reembolso de materiais". Dedução. Descabimento.

Destaque:

Os valores auferidos a título de "reembolso de materiais" adquiridos para a atividade de construção civil não devem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia a analisar se empresa optante da tributação do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido pode deduzir da receita bruta, base de cálculo dos tributos nesse regime, os valores que aufere a título de "reembolso de materiais" adquiridos para a atividade de construção civil. Em regra, receita bruta corresponde aos ingressos financeiros no patrimônio, decorrentes ou não do desenvolvimento das atividades empresariais ou profissionais, e que não sofrem deduções por quaisquer despesas ou custos suportados pelo contribuinte. O acolhimento de pedido tendente a excluir da receita bruta determinada despesa ou custo, no regime de apuração pelo lucro presumido, conduziria a uma indevida dupla dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na medida em que, na determinação dos percentuais incidentes, a lei já considera, em tese, todas as reduções possíveis, de acordo com cada ramo de atividade. Se o contribuinte pretende que sejam considerados determinados custos ou despesas, deve optar pelo regime de apuração pelo lucro real, que contempla essa possibilidade, não se podendo permitir, à luz dos dispositivos de regência, que promova uma combinação dos dois regimes, a fim de reduzir indevidamente a base de cálculo dos tributos. Caso em que os ingressos provenientes de pagamentos realizados pelo contratante pelos materiais empregados na obra, ainda que a título de reembolso, referem-se, em última análise, à prestação do serviço da empresa e, por conseguinte, integram a definição de receita bruta, para fins de incidência do IRPJ e da CSLL, no regime de apuração pelo lucro presumido.

TERCEIRA TURMA

Processo:

REsp 1.628.478-MG , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/11/2020, DJe 17/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Condomínio. Coisa comum indivisa. Alienação de quinhão. Direito de preferência. Notificação prévia. Inobservância. Prazo decadencial. Termo inicial. Registro de escritura pública de compra e venda.

Destaque:

O prazo decadencial do exercício do direito de preferência por condômino, na ausência de prévia notificação, inicia-se com o registro da escritura pública de compra e venda da fração ideal da coisa comum indivisa.

INTEIRO TEOR:

Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência. Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, este último aplicado por analogia. Em relação à notificação, saliente-se que esta deve ser, em regra, judicial ou extrajudicial, de modo expresso e com comprovante de recebimento, a fim de demonstrar a inequívoca ciência, por parte dos outros condôminos, da intenção de venda. Nada impede, contudo, que, nos termos do art. 107 do CC/2002, o conhecimento aos outros consortes se dê por meios informais, uma vez que a lei não prevê forma específica para tal ato, muito embora se entreveja certa dificuldade de se comprovar a ciência inequívoca mediante outra prova que não seja a documental. No caso, o direito de preferência só foi oportunamente exercido após o aperfeiçoamento da venda da fração ideal do imóvel comum indiviso com a celebração da escritura pública de compra e venda e o registro no Cartório de Registro de Imóveis. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena das informações que nela contiverem, nos termos do art. 215, caput, do CC/2002, sobretudo com a manifestação clara de vontade das partes e dos intervenientes (art. 215, § 1º, IV, do CC/2002). Essa formalidade, enfatiza-se, deve ser observada na compra e venda de imóveis, em regra, segundo estabelece o art. 108 do diploma substantivo. Além disso, pontua-se que a perfectibilização do negócio, com a transferência da propriedade imobiliária, pressupõe o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC/2002, c/c o art. 172 da Lei n. 6.015/1973), ocasião em que produzirá efeitos erga omnes, alcançando terceiros, notadamente em virtude do atributo da publicidade. Desta feita, surgem dois desdobramentos: enquanto não registrado o título, a avença produz efeitos apenas em relação àqueles que dela participaram; ao passo que, realizado o registro, tais efeitos atingem toda a sociedade. Diante disso, outra não pode ser a conclusão senão aquela em que a ausência de comunicação prévia aos demais coproprietários, pelo condômino alienante, acerca da venda do seu quinhão do imóvel comum indiviso ao terceiro estranho à relação condominial, é suprida pelo registro da escritura pública de compra e venda, iniciando-se, a partir daí, o transcurso do prazo decadencial do direito de preferência, porquanto presumida a ciência do negócio, nos limites das informações constantes do título levado a registro.

Processo:

REsp 1.745.657-SP , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/11/2020, DJe 19/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Soberania digital. Marco Civil da Internet. Alcance. Art. 11, § 2º, da Lei n. 12.965/2014. Pertinência da jurisdição nacional.

Destaque:

Em caso de ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro, é possível a determinação judicial, por autoridade brasileira, de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima.

INTEIRO TEOR:

Em conflitos transfronteiriços na internet, a autoridade responsável deve atuar de forma prudente, cautelosa e autorrestritiva, reconhecendo que a territorialidade da jurisdição permanece sendo a regra, cuja exceção somente pode ser admitida quando atendidos, cumulativamente, os seguintes critérios: (I) fortes razões jurídicas de mérito, baseadas no direito local e internacional; (II) proporcionalidade entre a medida e o fim almejado; e (III) observância dos procedimentos previstos nas leis locais e internacionais. Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela internet, independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, ainda que no exterior, é competente a autoridade judiciária brasileira caso acionada para dirimir o conflito, pois aqui tem domicílio a autora e é o local onde houve acesso ao sítio eletrônico onde a informação foi veiculada, interpretando-se como ato praticado no Brasil. É necessário afastar qualquer ideia da internet como um "porto seguro" ou "zona franca" contra a aplicação do direito estatal, na hipótese, do direito brasileiro. De fato, é um equívoco imaginar que qualquer aplicação hospedada fora do Brasil não possa ser alcançada pela jurisdição nacional ou que as leis brasileiras não sejam aplicáveis às suas atividades. É evidente que, se há ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro (por exemplo, uma ofensa veiculada contra residente no Brasil em rede social), pode ocorrer a determinação judicial de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima. Não fosse assim, bastaria a qualquer pessoa armazenar informações lesivas em países longínquos para não responder por seus atos danosos. Com base no art. 11 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), tem-se a aplicação da lei brasileira sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet ocorra em território nacional, mesmo que apenas um dos dispositivos da comunicação esteja no Brasil e mesmo que as atividades sejam feitas por empresa com sede no estrangeiro.

Processo:

REsp 1.637.375-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 25/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Responsabilidade civil de advogado. Desídia. Perda de prazo. Embargos monitórios. Revelia. Indenização por danos materiais. Aplicação da teoria da perda de uma chance. Julgamento extra petita. Inexistência.

Destaque:

Havendo pedido de indenização por perdas e danos em geral, pode o juiz reconhecer a aplicação da perda de uma chance sem que isso implique em julgamento fora da pretensão autoral.

INTEIRO TEOR:

Pela aplicação do princípio da congruência ou da adstrição, cabe ao magistrado decidir a lide dentro dos limites fixados pelas partes, conforme estabelecem os arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973. Com efeito, a decisão judicial deve se limitar, como regra geral, ao pedido formulado pelo autor na petição inicial, e, se tal comando não for observado, a sentença será ultra, extra ou infra (ou citra) petita, ou seja, terá julgado além, fora ou menos do que o postulado. Como causa de pedir, a demandante destaca a oposição intempestiva dos embargos monitórios e a ausência de informações quanto à revelia decretada nos autos, levando ao andamento de demanda temerária e impossibilitando, inclusive, a viabilidade de acordo judicial para pôr fim ao processo. Dessa forma, por mais que não se tenha falado expressamente acerca da perda de uma chance, a situação fática narrada leva o julgador a compreender que o dano decorreu de uma atuação que poderia ter sido evitada se o advogado tivesse sido diligente na atuação do processo. Diante disso, é nítido que a causa de pedir, no caso, faz referência à perda da chance de sair vencedor na ação monitória ou, pelo menos, de reduzir os efeitos de eventual procedência dos pedidos autorais. A conduta de não observar o prazo para apresentar defesa em autos judiciais equivale à perda da chance de obter uma situação mais favorável na demanda judicial. Ademais, a postulação na demanda é de indenização por danos materiais, tanto que o autor esclareceu, como exige a legislação processual civil, a extensão da lesão provocada pelo advogado e o valor do ressarcimento pretendido. Diferentemente é o caso do Recurso Especial n. 1.190.180-RS, no qual a Quarta Turma deste Tribunal assentou a ocorrência de julgamento extra petita na hipótese em que o autor formula indenização por danos materiais e a sentença, ao aplicar a teoria da perda de uma chance, condena o réu a pagar a reparação por danos morais. Nesse aspecto, ainda cabe ressaltar que os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). Assim, inexiste o alegado julgamento extra petita, pois o autor postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido, apenas concedendo a reparação em menor extensão.

Processo:

REsp 1.833.613-DF , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 20/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

Tema:

Sociedade cooperativa. Liquidação extrajudicial. Suspensão do cumprimento de sentença. Prazo de um ano prorrogável por mais um ano. Art. 76 da Lei n. 5.764/1971. Prorrogações sucessivas. Não cabimento.

Destaque:

Não é cabível a suspensão do cumprimento de sentença contra cooperativa em regime de liquidação extrajudicial para além do prazo de um ano, prorrogável por mais um ano, previsto no art. 76 da Lei n. 5.764/1971.

INTEIRO TEOR:

Nos termos do art. 76 da Lei n. 5.764/1971, a aprovação da liquidação extrajudicial pela assembleia geral implica a suspensão das ações judiciais contra a cooperativa pelo prazo de um ano, prorrogável por no máximo mais um ano. No caso, o Tribunal de origem procedeu a uma interpretação extensiva dessa regra, autorizando a suspensão do processo para além do limite legal de dois anos. É certo que, no caso de recuperação judicial, esta Corte Superior tem permitido a prorrogação do prazo de suspensão de 180 dias (stay period) previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005. Porém, não se vislumbra analogia entre a liquidação extrajudicial da cooperativa e a recuperação judicial das empresas, pois a recuperação se dá na via judicial, não na extrajudicial. A Lei das Cooperativas avançou bastante na proteção dessa espécie societária, ao prever um prazo de suspensão de até dois anos, bastante superior, aliás, do atualmente previsto para a recuperação judicial, sendo esse lapso temporal deflagrado a partir de uma simples deliberação assemblear, sem a supervisão judicial que ocorre na recuperação de empresas. Assim, essa particularidade da liquidação das cooperativas, por tangenciar o direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), merece ser aplicada com toda a deferência ao referido direito fundamental, razão pela qual não se admite interpretação ampliativa do prazo de suspensão em comento.

Processo:

REsp 1.825.716-SC , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema:

Contrato de seguro de vida em grupo. Abrangência da apólice. Cláusulas restritivas de cobertura. Dever de informação. Estipulante.

Destaque:

Incumbe exclusivamente ao estipulante o dever de prestar informação prévia ao segurado a respeito das cláusulas limitativas/restritivas nos contratos de seguro de vida em grupo.

INTEIRO TEOR:

Encontrando-se o contrato de seguro de vida indiscutivelmente sob o influxo do Código de Defesa do Consumidor, dada a assimetria da relação jurídica estabelecida entre segurado e segurador, a implementação do dever de informação prévia dá-se de modo particular e distinto conforme a modalidade da contratação, se "individual" ou se "em grupo". A contratação de seguro de vida coletivo pressupõe a existência de anterior vínculo jurídico (que pode ser de cunho trabalhista ou associativo) entre o tomador do seguro (a empresa ou a associação estipulante) e o grupo de segurados (trabalhadores ou associados). O estipulante (tomador do seguro), com esteio em vínculo jurídico anterior com seus trabalhadores ou com seus associados, celebra contrato de seguro de vida coletivo diretamente com o segurador, representando-os e assumindo, por expressa determinação legal, a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais perante o segurador. O segurador, por sua vez, tem por atribuição precípua garantir os interesses do segurado, sempre que houver a implementação dos riscos devidamente especificados no contrato de seguro de vida em grupo, cuja abrangência, por ocasião da contratação, deve ter sido clara e corretamente informada ao estipulante, que é quem celebra o contrato de seguro em grupo. O grupo de segurados é composto pelos usufrutuários dos benefícios ajustados, assumindo suas obrigações para com o estipulante, sobretudo o pagamento do prêmio, a ser repassado à seguradora. É relevante perceber que, por ocasião da contratação do seguro de vida coletivo, não há, ainda, um grupo definido de segurados. A condição de segurado dar-se-á, voluntariamente, em momento posterior à efetiva contratação, ou seja, em momento em que as bases contratuais, especificamente quanto à abrangência da cobertura e dos riscos dela excluídos, já foram definidas pelo segurador e aceitas pelo estipulante. Assim, como decorrência do princípio da boa-fé contratual, é imposto ao segurador, antes e por ocasião da contratação da apólice coletiva de seguro, o dever legal de conceder todas as informações necessárias à sua perfectibilização ao estipulante, que é quem efetivamente celebra o contrato em comento. Inexiste, ao tempo da contratação do seguro de vida coletivo - e muito menos na fase pré-contratual - qualquer interlocução direta da seguradora com os segurados, individualmente considerados, notadamente porque, nessa ocasião, não há, ainda, nem sequer definição de quem irá compor o grupo dos segurados. Somente em momento posterior à efetiva contratação do seguro de vida em grupo, caberá ao trabalhador ou ao associado avaliar a conveniência e as vantagens de aderir aos termos da apólice de seguro de vida em grupo já contratada. A esse propósito, afigura-se indiscutível a obrigatoriedade legal de bem instruir e informar o pretenso segurado sobre todas as informações necessárias à tomada de sua decisão de aderir à apólice de seguro de vida contratada. Essa obrigação legal de informar o pretenso segurado previamente à sua adesão, contudo, deve ser atribuída exclusivamente ao estipulante, justamente em razão da posição jurídica de representante dos segurados, responsável que é pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais assumidas perante o segurador. Para o adequado tratamento da questão posta, mostra-se relevante o fato de que não há, também nessa fase contratual, em que o segurado adere à apólice de seguro de vida em grupo, nenhuma interlocução da seguradora com este, ficando a formalização da adesão à apólice coletiva restrita ao estipulante e ao proponente.

Processo:

EDcl no REsp 1.737.428-RS , Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 19/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema:

Intermediação pela internet na venda de ingressos de eventos culturais e de entretenimento. Validade. Ausência de informação prévia e adequada do valor da taxa de conveniência. Configuração de prática abusiva e prejudicial à livre concorrência. Analogia com a tese firmada no julgamento do Tema 938/STJ (corretagem imobiliária).

Destaque:

É válida a intermediação, pela internet, da venda de ingressos para eventos culturais e de entretenimento mediante cobrança de "taxa de conveniência", desde que o consumidor seja previamente informado do preço total da aquisição do ingresso, com o destaque do valor da referida taxa.

INTEIRO TEOR:

O serviço de venda de ingressos online, na forma como organizado pela empresa demandada, integra-se à cadeia e fornecimento do serviço de produção de eventos, tratando-se, portanto, de um custo repassado ao consumidor, e não de um serviço independente oferecido ao consumidor, como o são, por exemplo, os serviços de concierge ou de despachante. Semelhante questão já foi enfrentada por esta Corte Superior anteriormente em pelo menos dois precedentes, o relativo à comissão de corretagem (Tema 938/STJ) e o pertinente à comissão do correspondente bancário (Tema 958/STJ). Assim, sendo a "taxa de conveniência" um repasse de custos de intermediação, torna-se irrelevante perscrutar acerca de efetiva vantagem ao consumidor, pois a controvérsia se desloca para a fase pré-contratual, bastando que o consumidor seja informado prévia e adequadamente acerca dessa transferência de custos. Com efeito, merece ser repelida com vigor a prática abusiva e desleal de ofertar produto/serviço por um preço artificialmente menor, para, depois de capturar a preferência do consumidor no mercado de consumo, exigir a diferença de preço sob a roupagem de um falso serviço "adicional", aumentando indevidamente o valor a ser desembolsado pelo consumidor. Observe-se que essa prática comercial, além de ser abusiva sob a ótica do direito do consumidor, como já exaustivamente demonstrado no precedente sobre a corretagem, é também desleal sob a ótica da livre concorrência, se bem que o princípio constitucional da livre concorrência também possui um viés de proteção do consumidor. Em um mercado de concorrência saudável, espera-se que o consumidor seja informado, já na fase pré-contratual, sobre o custo total da compra, inclusive o custo da intermediação, para assim se evitar que o consumidor seja capturado no mercado por uma proposta de preço menor do que o efetivo, em prejuízo dos demais concorrentes que também disputam a preferência do consumidor, nos mais diversos ramos de atividade.

Processo:

REsp 1.873.203-SP , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/11/2020, DJe 01/12/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Imóvel bem de família. Caução imobiliária. Contrato de locação. Penhora. Impossibilidade.

Destaque:

Imóvel bem de família oferecido como caução imobiliária em contrato de locação não pode ser objeto de penhora.

INTEIRO TEOR:

Nos termos do art. 37 da Lei n. 8.245/1991, no contrato de locação de imóveis urbanos podem ser exigidos pelo locador certas modalidades de garantia, podendo-se citar, dentre elas, a caução (inciso I) e a fiança (inciso II). Em paralelo, mister destacar, também, que a Lei n. 8.245/1991 inseriu o inciso VII ao art. 3º da Lei n. 8.009/1990, que dispõe acerca de exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, fazendo constar que a penhora do bem de família será autorizada quando se tratar de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Como se sabe, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, previstas na Lei n. 8.009/1990, são taxativas, não comportando interpretação extensiva. Dentre elas, como se infere, não consta a hipótese da caução imobiliária oferecida em contrato de locação, razão pela qual inviável que se admita a penhora do imóvel residencial familiar. De fato, considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas (REsp 866.027/SP, 5ª Turma, DJ 29/10/2007).

Processo:

REsp 1.880.319-SP , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 20/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Acórdão genérico. Multiplicidade de recursos. Delegação de competência ao juízo de primeiro grau para aplicação ao caso concreto. Não cabimento. Negativa de prestação jurisdicional. Nulidade do acórdão.

Destaque:

É nulo acórdão genérico que, sob a justificativa da multiplicidade de recursos, delega ao juízo de primeiro grau a sua aplicação ao caso concreto.

INTEIRO TEOR:

Controvérsia acerca da validade de acórdão genérico prolatado pelo Tribunal a quo, delegando ao juízo de primeiro grau a atribuição de aplicar o referido acórdão ao caso concreto, sob a justificativa da existência de multiplicidade de recursos versando sobre questões atinentes à liquidação da sentença proferida em ação civil pública. Embora a elevada multiplicidade de recursos seja algo alarmante, a ponto de comprometer a capacidade daquele colegiado de prestar jurisdição em tempo razoável, a solução para esse quadro de multiplicidade de recursos não pode escapar dos limites da legalidade. No caso, a lei processual civil foi flagrantemente desrespeitada, ao se prolatar um acórdão genérico, que apenas elenca os entendimentos pacificados na jurisprudência daquela Corte, sem resolver, efetivamente, as questões devolvidas no caso concreto sob julgamento. A necessidade de que as decisões judiciais sejam particularizadas, no exercício difuso da jurisdição, é regra basilar do processo civil, encontrando-se enunciada no art. 489, inciso III, e § 1º, incisos III e V, do CPC/2015. Assim, não se considera fundamentada a decisão ou acórdão que "se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos". De outra parte, causa espécie a determinação do relator para que os juízos de 1ª instância procedam à aplicação do acórdão genérico ao caso concreto. Essa determinação configura delegação de competência jurisdicional (especificamente a competência funcional hierárquica), também sem amparo legal. Por fim, registre-se que a solução legalmente prevista no CPC/2015 para enfrentar o cenário de multiplicidade de recursos identificado pelo relator do Tribunal de origem é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR, previsto no art. 976 do CPC/2015.

QUARTA TURMA

Processo:

REsp 1.237.996-SP , Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 03/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Exceção de suspeição de juiz. Interesse jurídico e legitimação recursal do magistrado. Existência. CPC/1973.

Destaque:

Sob a vigência do CPC/1973, o juiz possui interesse jurídico e legitimação para recorrer da decisão que julga procedente a exceção de suspeição, ainda que não lhe seja atribuído o pagamento de custas e honorários advocatícios.

INTEIRO TEOR:

Questão ainda não definitivamente resolvida no âmbito doutrinário, tampouco jurisprudencial, sob a égide do diploma processual civil revogado, é a afeta à legitimidade recursal do juiz de direito, dos demais auxiliares da justiça e sujeitos imparciais do processo para a interposição de recursos quando a decisão exarada em feito no qual intervém, de modo direto ou indireto, puder lhes alcançar interesse próprio ou reunir potencial para tanto, ainda que de ordem simplesmente moral. Com amparo no rigorismo dos princípios tradicionais que regem o direito processual e na concepção doutrinária clássica, juiz, auxiliares da justiça e demais sujeitos imparciais do processo não são parte (tomando como base a noção de quem e em face de quem se pede a prestação jurisdicional, ou seja, as figuras do autor e do réu) tampouco terceiros relativamente aos feitos que tramitam sob a sua jurisdição ou supervisão, motivo pelo qual, em tese, não estariam legitimados a interpor recursos, podendo valer-se, apenas, de ações autônomas de impugnação. No entanto, é incontroverso, existem deliberações judiciais que têm o condão de afetar de modo direto o patrimônio jurídico material (financeiro) dessas pessoas, sendo possível citar, à guisa meramente exemplificativa: a) decisão que julga procedente a exceção de suspeição ou impedimento, condenando o magistrado ao pagamento das custas processuais (art. 314, CPC/1973); b) deliberação que fixa os honorários periciais (art. 33, CPC/73, e art. 10, Lei nº 9.289/96); c) decisum de substituição do perito por negligência (art. 424, II, CPC/1973), na qual é possível aplicar as sanções previstas no parágrafo único do art. 424; c) veredicto que condena a testemunha a responder pelas despesas do adiamento da audiência (art. 412, CPC/1973); d) julgamento que resolve o incidente de impugnação do perito (art. 423, CPC/1973); e) prestação de contas do administrador judicial (art. 919, CPC/1973), entre tantas outras. Justamente frente a hipóteses como essas ora em evidência que se percebe, nos dias atuais, diante de inegável evolução legal e doutrinária sobre o tema, um largo distanciamento da concepção clássica acerca do elemento subjetivo da ação denominado "parte" frente aos modelos até então tradicionalmente estabelecidos, pois os pretensos titulares da relação jurídica material posta em juízo não se confundem, necessariamente, com os sujeitos da relação jurídica processual, embora não seja rara a coincidência quando o processo segue um caminho procedimental retilíneo. Neste cenário é que o conceito de parte ganha especial relevo, destacando-se a completa distinção entre os sujeitos do processo da relação jurídica material (legitimidade para a causa) com os sujeitos de incidentes, que podem até coincidir, porém não impreterivelmente equivaler. Especificamente na exceção de suspeição, expediente processual sobre o qual paira a discussão ora em debate nestes autos, o juiz excepto, embora não seja parte na relação jurídica material da demanda subjacente, figura inegavelmente como parte legítima no incidente, tanto que acaso não reconheça a sua suspeição pode apresentar defesa por meio de razões, devidamente acompanhadas de documentos comprobatórios e rol de testemunhas, conforme constava no art. 138, § 1º do CPC/1973 (atual art. 146 do NCPC) que expressamente referia "a parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido". Inegavelmente, o novo diploma processual civil sanou a questão controvertida acerca da possibilidade do juiz arguido interpor recurso da decisão que julga a exceção de suspeição procedente, consoante previsto no artigo 146, § 5º do NCPC. Em que pese o novo Código de Processo Civil tenha sanado a controvérsia atinente à legitimidade recursal do magistrado enquanto sujeito (parte) do incidente processual, fato é que no diploma de 1973, nem a lei, a doutrina, tampouco a jurisprudência estabeleciam um referencial para delinear acerca da viabilidade do juiz e também de outros auxiliares do juízo e demais sujeitos imparciais do processo interporem recurso contra decisões que de algum modo lhe fossem desfavoráveis ou causassem prejuízos. Reside aqui o ponto nodal da controvérsia, pois diante da lacuna legislativa revogada e a falta de entendimento dominante na doutrina e jurisprudência acerca da questão, a Corte local não conheceu dos embargos de declaração opostos pelo juiz contra o acórdão que julgou procedente a exceção de suspeição. Tal procedimento não se coaduna com a assertiva segundo a qual o juiz, apesar de não figurar como parte ou terceiro prejudicado na relação jurídica de direito material é, inegavelmente, sujeito do processo, parte no incidente de suspeição, que participa do processo de forma parcial, defendendo direitos e interesses próprios, possuindo, portanto, interesse jurídico e legitimação recursal para impugnar, via recurso, a decisão que julga procedente a exceção de suspeição. Não há falar que tal somente seria possível quando a deliberação atingisse o patrimônio jurídico material do excepto, ou seja, quando lhe fosse determinado o pagamento de honorários advocatícios e custas - essas últimas, inclusive, aplicadas pelo acórdão recorrido na hipótese - pois é certo que a procedência da exceção de suspeição, principalmente com a fundamentação utilizada pelo Tribunal, denota a atuação inadequada e antijurídica do magistrado que, em entrevista concedida à imprensa, teria externado opinião sobre demanda pendente de julgamento definitivo e cuja tramitação dependia, ainda, de produção de provas, indicando claro comportamento de parcialidade expressa como pré-julgamento ante a valoração preliminar da conduta dos excipientes.

QUINTA TURMA

Processo:

HC 607.003-SC , Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 24/11/2020, DJe 27/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Acordo de não persecução penal (ANPP). Fatos ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019. Aplicabilidade. Denúncia já recebida. Impossibilidade.

Destaque:

O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

INTEIRO TEOR:

A Lei n. 13.964/2019 (comumente denominada como "Pacote Anticrime"), ao criar o art. 28-A do Código de Processo Penal, estabeleceu a previsão no ordenamento jurídico pátrio o instituto do acordo de não persecução penal. Em síntese, consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa. A respeito da aplicação retroativa do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), a 5ª Turma deste Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, embora o benefício processual/penal possa ser aplicado aos fatos anteriores à vigência da lei, a denúncia não pode ter sido recebida ainda. Recentemente, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC-191.464/STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe de 12/11/2020, ao examinar o tema, proclamou o mesmo entendimento.

SEXTA TURMA

Processo:

HC 596.603-SP , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 22/09/2020.

INTEIRO TEOR:

A nota informativa, referente ao julgado supracitado, foi excluída em razão da publicação em duplicidade. Confira a edição 681, de 20 de novembro de 2020.

Processo:

REsp 1.834.215-RS , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Colaboração premiada. Decisão que recusa homologação do acordo. Recurso cabível. Apelação criminal. Ausência de previsão legislativa expressa. Dúvida objetiva. Princípio da fungibilidade. Incidência.

Destaque:

A apelação criminal é o recurso adequado para impugnar a decisão que recusa a homologação do acordo de colaboração premiada, mas ante a existência de dúvida objetiva é cabível a aplicação do princípio da fungibilidade.

INTEIRO TEOR:

A teor das disposições contidas na Lei n. 12.850/2013, realizado o acordo de colaboração premiada, serão remetidos ao juiz, para verificação de sua regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade, os termos do ajuste, as declarações do colaborador e cópia da investigação. Tem-se, nessa fase, a fiscalização dos aspectos previstos no art. 4º, § 7º, do mesmo regramento legal, com redação incluída pela Lei n. 13.964/2019. O magistrado poderá recusar a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais e esse ato judicial tem conteúdo decisório, pois impede o meio de obtenção da prova. Entretanto, não existe previsão normativa sobre o recurso cabível para a sua impugnação. Nesse contexto, ante a lacuna na lei, o operador do direito tem de identificar, entre os instrumentos recursais existentes no direito processual penal, aquele mais adequado para a revisão da decisão proferida em primeira instância. Desse modo, analisadas as espécies de recursos elencados no Código de Processo Penal, tem-se que a apelação criminal é apropriada para confrontar a decisão que recusar a homologação da proposta de acordo de colaboração premiada. Isso porque, o ato judicial: a) não ocasiona uma situação de inversão tumultuária do processo, a atrair o uso da correição parcial e b) tem força definitiva, uma vez que impede o negócio jurídico processual, com prejuízo às partes interessadas. Ademais, o cabimento do recurso em sentido estrito está taxativamente previsto no art. 581 do CPP e seus incisos não tratam de hipótese concreta que se assemelha àquela prevista no art. 4°, § 8°, da Lei n. 12.850/2013. De toda forma, ante a existência de dúvida objetiva quanto ao instrumento adequado para combater o provimento jurisdicional, não constitui erro grosseiro o manejo de correição parcial, principalmente quando esse instrumento foi aceito em situações outras pelo Tribunal de origem. Interposta a insurgência no interstício de cinco dias, sem que se possa falar em sua intempestividade, é perfeitamente aplicável o princípio da fungibilidade recursal. Assim, consoante preceitua o art. 579 do CPP: "salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro".

RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO

Processo:

ProAfR no REsp 1.896.526-DF , Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 17/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO TRIBUTÁRIO

INTEIRO TEOR:

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.895.496/DF, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: necessidade de se comprovar, no arrolamento sumário, o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD como condição para a homologação da partilha ou expedição da carta de adjudicação, à luz dos arts. 192 do CTN e 659, § 2º, do CPC/2015.