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Informativo do STJ 682 de 04 de Dezembro de 2020

Publicado por Superior Tribunal de Justiça


SÚMULAS

INTEIRO TEOR:

SÚMULA N. 642 O direito à indenização por danos morais transmite-se com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória. Corte Especial, julgado em 02/12/2020, DJe 07/12/2020.

RECURSOS REPETITIVOS

Processo:

QO no REsp 1.820.963-SP , Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/10/2020, DJe 28/10/2020. ( Tema 677 ).

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Destaque:

A Corte Especial acolheu a questão de ordem para instaurar procedimento de revisão do tema 677/STJ.Delimitação do tema submetido à revisão: "revisão da tese relativa ao Tema 677/STJ: definir se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor".

RECURSOS REPETITIVOS

Processo:

REsp 1.819.826-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 03/11/2020 ( Tema 1035 )

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL, DIREITO MARÍTIMO

Tema:

Ação de cobrança por sobre-estadia de contêineres. Transporte marítimo. Unimodal. Despesas de sobre-estadia. Previsão contratual. Prazo prescricional. Art. 206, §5º, inciso I, do Código Civil. Tema 1035.

Destaque:

A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia a definir qual o prazo prescricional para a pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres (demurrage) em contrato de transporte marítimo após a vigência do Código de Civil de 2002. O advento do Código Civil de 2002 é marco temporal de significativa importância para a questão porque até então prevalecia na jurisprudência pátria a orientação (firmada por esta Corte Superior a partir do julgamento do REsp no 176.903/PR - cujo acórdão foi publicado no DJ de 9/4/2001) de que a devolução tardia da unidade de carga (contêiner) se equiparava à sobre-estadia do navio, aplicando-se, assim, o mesmo prazo prescricional de 1 (um) ano previsto no art. 449, 3, do Código Comercial. Faz-se necessário aqui um breve adendo. Em 20 de fevereiro de 1998 entrou em vigor a Lei n. 9.611/1998 que, dentre outras providências, dispôs sobre o que denominou "Transporte Multimodal de Cargas", definido como "aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal" (art. 2º). A distinção entre o que se denominou ser transporte multimodal e o transporte dito unimodal, pelo menos para fins de definição do prazo prescricional aplicável à eventual pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres, até a entrada em vigor do novo Código Civil não se fazia relevante, já que, ainda que se admitisse a existência de demurrage no transporte multimodal, o prazo previsto para ambos os casos necessariamente seria ânuo. No caso do transporte unimodal, por força do estabelecido pelo Código Comercial, e no do transporte multimodal em virtude da específica regra do art. 22 da Lei n. 9.611/1998. Ocorre que o referido art. 449 do Código Comercial foi revogado expressamente pelo Código Civil de 2002 (art. 2.045), o que ensejou a necessidade de reexame da legislação vigente para o fim de definição do prazo prescricional a ser aplicado à pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da tardia devolução da unidade de carga (contêiner) em contrato transporte marítimo (unimodal). Quanto ao eventual ajuizamento de ações fundadas no não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal, não há nenhuma dificuldade. O prazo prescricional para pretensões de tal natureza permanece sendo de 1 (um) ano, haja vista a existência de expressa previsão legal nesse sentido (art. 22 da Lei no 9.611/1998). A dúvida surge no tocante à sobre-estadia oriunda de contrato do chamado transporte unimodal, ou seja, aquele realizado a partir da utilização de uma única modalidade de transporte. É justamente essa a hipótese dos autos, sendo incontroverso que a presente ação tem como pano de fundo a execução de contrato de transporte meramente marítimo (unimodal, portanto). Cumpre anotar, de pronto, que a questão ora controvertida não encontra solução no art. 8º do Decreto-Lei n. 116/1967. De igual maneira, a aplicação analógica do art. 22 da Lei n. 9.611/1998 na hipótese vertente, ainda que se afirme patente a similitude de algumas das atividades desempenhadas em transporte unimodal e multimodal, afigura-se absolutamente incabível, pois não se coaduna com os princípios gerais que regem o Direito Civil brasileiro, além de constituir verdadeiro atentado à segurança jurídica, cuja preservação se espera desta Corte Superior. Vale destacar que, no caso do transporte unimodal (marítimo), a responsabilidade do transportador é restrita ao percurso marítimo, que se inicia após o recebimento da carga a bordo do navio no porto de origem, cessando imediatamente após o içamento das cargas e o consequente desembarque no porto de destino. Ou seja, os demais serviços e atos correlatos, tais como desembaraço aduaneiro, transporte, desunitização dos contêineres etc. são de exclusiva responsabilidade do afretador e, por tal motivo, a demora na conclusão desse procedimento pode resultar em demasiado atraso na devolução dos contêineres utilizados no transporte da carga ao transportador. Em outras palavras, em nenhum momento a unidade de carga deixa de estar sob a posse e o controle do operador de transporte multimodal, sendo descabido falar, em caso tal, na existência de responsabilidade do contratante por suposta sobre-estadia de contêineres. Além da dessemelhança das situações em apreço, certo é que, em se tratando de regras jurídicas acerca de prazos prescricionais, a interpretação analógica ou extensiva nem sequer é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro. A própria inteligência do caput do art. 205 do Código Civil evidencia a impossibilidade de interpretação analógica ou extensiva de norma sobre prescrição, visto que estabelece o prazo prescricional decenal como regra geral a ser aplicada nas hipóteses em que prazo inferior não seja expressamente fixado por lei. Desse modo, diante da certeza de que o art. 22 da Lei n. 9.611/1998 não alcança as ações de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da execução de contrato de transporte de cargas unimodal e de que inexiste lei especial vigente que defina prazo prescricional específico para a referida pretensão, a matéria deve ser regida pelas disposições insertas no Código Civil. Assim, em se tratando de transporte unimodal de cargas, quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores devidos a título de ressarcimento pelos prejuízos causados em virtude do retorno tardio do contêiner, será quinquenal o prazo prescricional. Caso contrário, ou seja, nas hipóteses em que inexistente prévia estipulação contratual, aplica-se a regra geral do art. 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição em 10 (dez) anos.

PRIMEIRA SEÇÃO

Processo:

MS 21.205-DF , Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema:

Processo administrativo disciplinar. Depoimento de testemunha depois erguida à condição de investigado. Nulidade por inobservância do direito à não autoincriminação. Inexistência.

Destaque:

Não implica nulidade do processo administrativo, decorrente da inobservância do direito à não autoincriminação, quando a testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia em saber se o fato de o impetrante ter prestado, inicialmente, depoimento na qualidade de testemunha (dando conta de seu ilícito funcional), mas vindo, depois, a ser sancionado pela autoridade impetrada, erige-se em ocorrência capaz de gerar a nulidade do respectivo PAD, por alegada violação à cláusula vedatória da autoincriminação (nemo tenetur se detegere). Consoante anotou o Ministro Herman Benjamin, em hipótese assemelhada, no âmbito do MS 20.693/DF: "a questão não é saber se deveria ou não ter sido assegurado direito a não incriminação àquele que já se sabe implicado nos fatos, quando da tomada do depoimentos", mas sim "se é caso de anulação de processo administrativo quando a testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação." Quando do julgamento do mencionado MS 20.693/DF, a Primeira Seção concluiu ser "inconcebível que aquele que depõe na qualidade de testemunha, sem esgrimir previamente qualquer elemento de irresignação, e nessa qualidade narra sua participação no acontecimento, possa, depois de apuradas as lindes de seu atuar, querer dessa inércia se valer para afastar sua responsabilidade." Assim, entendendo o impetrante que prestar depoimento agora criticado poder-lhe-ia ser prejudicial, era seu dever invocar, a tempo e modo, o direito de não autoincriminação, a fim de se eximir de depor na condição de testemunha. Razão pela qual não lhe é lícito invocar, tardiamente, o direito ao silêncio, vez que, por sua própria vontade, apontou, durante sua oitiva, fatos que atraíram para si a responsabilidade solidária pelos ilícitos em apuração.

Processo:

EREsp 1.493.162-DF , Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema:

ITBI. Negócio jurídico de compra e venda de imóvel. Declaração judicial de nulidade. Insubsistência do fato gerador do tributo. Restituição dos valores recolhidos a título de imposto.

Destaque:

A nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel viabiliza a restituição do valor recolhido pelo contribuinte a título de ITBI.

INTEIRO TEOR:

De acordo com os arts. 156, II da CF, e 35, I, II, e III do CTN, o fato gerador do ITBI ocorre, no seu aspecto material e temporal, com a efetiva transmissão, a qualquer título, da propriedade imobiliária, o que se perfectibiliza com a consumação do negócio jurídico hábil a transmitir a titularidade do bem, mediante o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis. Todavia, no caso verifica-se que o negócio jurídico que ensejou a transferência de propriedade do imóvel e, por conseguinte, a tributação pelo ITBI, não se concretizou em caráter definitivo devido à superveniente declaração de nulidade por força de sentença judicial transitada em julgado. Logo, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que nulo o negócio jurídico de compra e venda de imóvel entabulado pelas partes, ausente fato gerador do imposto em apreço, sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo contribuinte a tal título.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo:

REsp 1.826.463-SC , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO

Tema:

Cédula de crédito bancário. Capitalização diária de juros remuneratórios. Taxa diária não informada. Violação ao dever de informação. Art. 46 do CDC.

Destaque:

Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada.

INTEIRO TEOR:

O tema já foi enfrentado anteriormente pela Terceira Turma, sob a ótica do dever de informação. No REsp 1.568.290/RS. Naquela sessão de julgamento, chegou-se à compreensão de que o consumidor tem direito à informação sobre a taxa diária de juros, no caso de haver cláusula de capitalização diária, uma vez que essa cláusula tem potencial para gerar incremento da dívida. No âmbito da egrégia Quarta Turma, porém, tem-se entendido pela validade da cláusula de capitalização diária, não se fazendo distinção quanto à informação da taxa diária de juros. Nesse sentido, no julgamento do AgInt no REsp 1.775.108/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 22/05/2019, aquele colegiado se manifestou nos seguintes termos: "a legalidade da capitalização de juros em periodicidade inferior à anual abrange a possibilidade da capitalização diária de juros". A divergência de entendimentos acima apontada levou a Terceira Turma a afetar o presente recurso a Segunda Seção. A capitalização diária de juros remuneratórios, como é intuitivo, pode constituir um fator de incremento da dívida, medida em que os juros são incorporados ao capital dia a dia, ficando sujeitos a nova incidência de juros nos dias seguintes. Tratando-se de financiamentos de longo prazo e com taxas de juros elevadas, o incremento causado pela capitalização diária se mostra significativo, conforme demonstrado no já citado REsp 1.568.290/RS. Apesar dessa constatação intuitiva, é matematicamente possível calcular uma taxa de juros diária que não represente incremento da dívida em relação à taxa efetiva mensal, assim como também é possível calcular uma taxa mensal que produza resultado equivalente à taxa efetiva anual, não gerando, portanto, incremento da dívida para além dessas taxas efetivas. Com base nessa equivalência entre taxas, este colegiado chegou à tese do duodécuplo, segundo a qual a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para informar o consumidor sobre a existência de capitalização de juros. Observe-se que a própria informação das taxas anual e mensal já permitem ao consumidor aferir a equivalência entre as taxas. Esse raciocínio poderia ser transportado para a capitalização diária, pois a equivalência matemática entre as taxas pode ser obtida em qualquer periodicidade de capitalização. Nesse passo, aplicando-se o mesmo raciocínio da tese do duodécuplo à hipótese de capitalização diária, o fator de multiplicação seria "30" (pois o mês tem trinta dias), em vez de "12" (que é o número de meses do ano), e a conclusão seria de que a previsão de taxa efetiva mensal superior 30 vezes a taxa diária denotaria a existência capitalização diária. É dizer que, havendo previsão da taxa diária, o consumidor poderia aferir a existência de capitalização diária mediante cotejo entre a taxa mensal pactuada e a taxa resultante a multiplicação da taxa diária por 30, pois se a taxa mensal for superior ao resultado dessa multiplicação, é evidência de que os juros diários foram capitalizados. No caso dos autos, esse cotejo não é possível, uma vez que o contrato somente prevê uma cláusula genérica de capitalização diária, sem informar a taxa diária de juros remuneratórios, surgindo daí a controvérsia sobre o dever de informação. Assim, a informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual. A falta de previsão da taxa diária, portanto, dificulta a compreensão do consumidor acerca do alcance da capitalização diária, o que, configura descumprimento do dever de informação, a teor da norma do art. 46 do CDC

SEGUNDA TURMA

Processo:

REsp 1.852.629-SP , Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Lei de acesso à informação. Dados sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais. Caráter público incontroverso. Imprensa. Direito de acesso às informações. Vedação judicial de uso da informação em reportagem noticiosa. Descabimento. Censura prévia. Impossibilidade.

Destaque:

Veículo de imprensa jornalística possui direito líquido e certo de obter dados públicos sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais.

INTEIRO TEOR:

Trata-se a discussão sobre pedido de acesso à informação mantida por órgãos públicos por veículo de imprensa, para produção de reportagem noticiosa. Tal reportagem pretende aceder a informações especificadas quanto a óbitos associados a boletins de ocorrência policial. Inicialmente, destaque-se que descabe qualquer tratamento especial à imprensa em matéria de responsabilização civil ou penal, em particular para agravar sua situação diante da generalidade das pessoas físicas ou jurídicas. É o que se assentou no julgamento da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido é que não se pode conceber lei, ou norma, que se volte especificamente à tutela da imprensa, para coibir sua atuação. Se há um direito irrestrito de acesso pela sociedade à informação mantida pela administração, porquanto inequivocamente pública, não se pode impedir a imprensa, apenas por ser imprensa, de a ela aceder. No entanto, o acórdão recorrido vai além, e efetivamente faz controle prévio genérico da veiculação noticiosa. Não se está diante sequer de um texto pronto e acabado, hipótese em que, de modo já absolutamente excepcional, poder-se-ia cogitar de apreciação judicial dos danos decorrentes de sua circulação, a ponto de vedá-la. Na hipótese, a censura judicial prévia inviabiliza até mesmo a apuração jornalística, fazendo mesmo secreta a informação reconhecidamente pública. É preciso reforçar a distinção entre duas questões tratadas pelo acórdão do Tribunal de origem como uma única. De um lado, cuida-se da atividade jornalística de veiculação noticiosa. Nesse ponto, é já inconcebível dar aspecto de juridicidade a qualquer forma de controle prévio da informação. Além disso, trata-se de acesso à informação pública, não apenas de atuação jornalística. A qualidade da última pode até depender da primeira, mas nada influencia no direito de aceder a dados públicos o uso que deles se fará. Não há razão alguma em sujeitar a concessão da segurança ao risco decorrente da divulgação da informação - que, reitere-se, é pública e já disponível na internet. Não há nem mesmo obrigação ou suposição de que a informação - pública - venha a ser publicada pela imprensa. A informação pública é subsídio da informação jornalística, sem com ela se confundir em qualquer nível. Os dados públicos podem ser usados pela imprensa de uma infinidade de formas, como base de novas investigações, cruzamentos, pesquisas, entrevistas, etc., nenhuma delas correspondendo, direta e inequivocamente, à sua veiculação. Não se pode vedar o exercício de um direito - acessar a informação pública - pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito - o de livre comunicar. Configura-se verdadeiro bis in idem censório, ambos de inviável acolhimento diante do ordenamento.

TERCEIRA TURMA

Processo:

REsp 1.683.245-SP , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Contrato de concessão de venda de automóveis. Infrações contratuais graves por parte da concessionária. Condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari (Lei n. 6.729/1979). Descabimento.

Destaque:

É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária.

INTEIRO TEOR:

Versa a controvérsia acerca dos efeitos da resolução de um contrato de concessão de venda de automóveis na hipótese em que as infrações praticadas pela concessionária foram reputadas graves o suficiente para ensejar a resolução, mas a montadora concedente não observou o regime de penalidades gradativas preconizado pela Lei n. 6.729/1979 (Lei Ferrari). Vale ressaltar que, embora haja o condicionamento da resolução do contrato por infração contratual à prévia aplicação de penalidades gradativas (art. 22, § 1º, da Lei n. 6.729/1979), é possivel a resolução imotivada do contrato de concessão por qualquer das partes, em respeito à liberdade contratual, sem prejuízo da obrigação de reparar as perdas e danos experimentadas pela parte inocente (REsp 966.163/RS). Ademais, na hipótese de inexistência de convenção da marca, cabe às montadoras, na condição de concedente, inserir em seus contratos de concessão o regime de penalidades gradativas para atender ao comando legal (REsp 1.338.292/SP), não havendo falar em ineficácia da norma legal, a qual possui aplicabilidade imediata. Entretanto, na hipótese de ausência de pactuação de penalidades gradativas, há, ainda, a possibilidade de o magistrado emitir juízo sobre a gravidade das infrações imputadas à concessionária, de modo a aferir a culpa pela resolução do contrato (REsp 1.338.292/SP), ou seja, há o suprimento judicial de lacuna normativa. Outrossim, é descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária, pois a inobservância, pela montadora, do regime de penalidades gradativas não afasta a culpa da concessionária pela resolução do contrato.

Processo:

REsp 1.774.434-RS , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 01/09/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Sociedades cooperativas. Prejuízos que superam o fundo de reserva. Responsabilidade dos ex-associados. Rateio na razão direta dos serviços usufruídos. Limitação somente até dois anos do desligamento (arts. 1.003 e 1.032 do Código Civil/2002). Inaplicabilidade.

Destaque:

A responsabilidade do ex-cooperado, pelo rateio dos prejuízos acumulados, não se limita ao prazo disposto para as sociedades simples previsto nos arts. 1.003, parágrafo único, e 1.032, ambos do CC/2002, de até dois anos de seu desligamento da cooperativa.

INTEIRO TEOR:

Quanto à constituição das cooperativas, o art. 3º da Lei n. 5.764/1971 dispõe que "celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro". Sob a perspectiva da legislação civil, resta patente que são sociedades, e não associações, pois estas não admitem a existência de finalidade econômica, nos termos do art. 53do CC/2002. Segundo o art. 4º da Lei n. 5.764/1971, "as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados". São diversas as peculiaridades normativas na disciplina das cooperativas, de maneira que a aplicação subsidiária da legislação civil e comercial deve guardar observância estrita de modo a não confundir seu tratamento com as demais sociedades em geral. Apenas em hipótese de omissão legal no que tange à disciplina das sociedades cooperativas, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples (art. 1.096 do CC/2002). Nessa linha, deve prevalecer o disposto na lei especial em detrimento das previsões das leis gerais, como o Código Comercial e o Código Civil, na disciplina normativa da responsabilidade dos associados acerca dos débitos contraídos pela sociedade cooperativa. Assim, os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos (art. 89 da Lei n. 5.764/1971). Dessa forma, inadmissível limitar a responsabilidade do ex-associado, pelo rateio dos prejuízos acumulados, somente até dois anos de seu desligamento da cooperativa, ante a prevalência do disposto no Estatuto Social e a correspondente decisão da Assembleia Geral.

Processo:

AgInt no REsp 1.874.078-PE , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Custeio de medicamento importado, devidamente registrado na ANVISA. Limitação do tratamento. Indevida negativa de cobertura. Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS. Caráter exemplificativo. Ratificação da jurisprudência da Terceira Turma.

Destaque:

O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS é meramente exemplificativo.

INTEIRO TEOR:

De acordo com o posicionamento da Segunda Seção do STJ, é legítima a recusa da operadora de plano de saúde em custear medicação importada não nacionalizada, ou seja, sem registro vigente na Anvisa (art. 10, I e V, da Lei n. 9.656/1998; Recomendação n. 31/2010 do CNJ e dos Enunciados n. 6 e 26 da I Jornada de Direito da Saúde). Após o ato registral, todavia, a operadora de plano de saúde não pode recusar o tratamento com o fármaco indicado pelo médico assistente. Diante do registro em território nacional, com o que se dá a nacionalização do fármaco, ressai estabelecida, assim, a obrigação da operadora em fornecer o medicamento, mostrando-se "abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de saúde o custeio dos meios necessários ao melhor desempenho do tratamento" (AREsp n. 354.006/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 12/08/2013). Com efeito, a jurisprudência da Terceira Turma já sedimentou entendimento no sentido de que "não é cabível a negativa de tratamento indicado pelo profissional de saúde como necessário à saúde e à cura de doença efetivamente coberta pelo contrato de plano de saúde". Ademais, o "fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa, per se, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tratando-se de rol exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor" (AgRg no AREsp n. 708.082/DF, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 26/02/2016). Cabe ressaltar o advento de precedente da Quarta Turma no sentido de que seria legítima a recusa de cobertura com base no rol de procedimentos mínimos da ANS (REsp n. 1.733.013/PR). Entretanto, esse precedente não vem sendo acompanhado pela Terceira Turma, que ratifica o seu entendimento quanto ao caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos.

Processo:

REsp 1.774.434-RS , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 01/09/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Ato cooperativo. Cobrança. Prescrição. Ausência de disciplina específica. Prazo prescricional geral de dez anos. Art. 205, do CC/2002. Aplicabilidade.

Destaque:

Na ausência de disciplina específica sobre a prescrição da cobrança de ato cooperativo, deve incidir o prazo prescricional geral de dez anos, previsto no art. 205, do CC/02.

INTEIRO TEOR:

A pretensão recursal sustenta que o prazo prescricional para cobrança de dívidas líquidas e certas, na forma do art. 206, §5º, I, do CC, é de cinco anos. Com isso, afirma que o início do lapso prescricional quinquenal teve aplicação a contar de 12/01/03, data do início da vigência do CC/02, com termo final em 12/01/08, razão pela qual deveria ser reconhecida a prescrição da pretensão de cobrança da cooperativa ajuizada somente em 05/03/10. No entanto, considerando que os prejuízos experimentados pela cooperativa - depois repassados aos associados com fundamento no Estatuto Social e por decisão da Assembleia Geral - referem-se aos anos de 1995 e 1996, aplica-se na hipótese o prazo prescricional vintenário do art. 177, do CC/16, diploma legal vigente na altura da consolidação das dívidas. Daí porque não merece reforma o entendimento do tribunal de origem que aplicou devidamente a regra de transição do art. 2.028 do CC/2002, para reconhecer que, ainda não transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei anterior, incidem os prazos da lei nova. Não incide o prazo prescricional quinquenal disposto no art. 206, § 5º, I, do CC/2002, porque o débito objeto da ação de cobrança diz respeito a ato cooperativo, isto é, aquele havido entre a cooperativa e seus associados, razão pela qual não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria (art. 79, parágrafo único, da Lei n. 5.764/1971). Assim, na ausência de disciplina específica sobre a prescrição da cobrança de ato cooperativo, deve incidir na espécie o prazo prescricional geral de dez anos, previsto no art. 205, do CC/2002.

Processo:

REsp 1.882.117-MS , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL

Tema:

Contrato de prestação de serviços advocatícios. Revogação unilateral do mandato. Previsão de penalidade consubstanciada no pagamento integral dos valores pactuados. Impossibilidade. Direito potestativo de revogar o mandato.

Destaque:

No contrato de prestação de serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou revogação unilateral do mandato.

INTEIRO TEOR:

O Código de Ética e Disciplina da OAB (CED-OAB), ao dispor sobre as relações entre cliente e advogado, assevera expressamente que o fundamento que as norteia é a confiança recíproca (art. 10). Em razão da relação de fidúcia entre advogado e cliente (considerando se tratar de contrato personalíssimo), o Código de Ética prevê no seu art. 16 - em relação ao advogado - a possibilidade de renúncia ao patrocínio sem a necessidade de se fazer alusão ao motivo determinante, sendo o mesmo raciocínio a ser utilizado na hipótese de revogação unilateral do mandato por parte do cliente (art. 17). Assim, sobretudo pela possibilidade de quebra da fidúcia constante no pacto ente cliente/advogado, há o direito potestativo do patrono em renunciar ao patrocínio (sem prejuízo do cliente ser reparado por eventuais danos sofridos), bem como do cliente em revogar o mandato outorgado (sem prejuízo do causídico em receber verba remuneratória pelos serviços então prestados). Não obstante a relevância da advocacia (tendo em vista que é por meio do trabalho do advogado que se busca trazer a claridade para dentro dos autos, de forma a colaborar permanentemente à concretização da justiça) e a importância dos honorários (mormente pela inquestionável natureza alimentar da verba), é necessário discutir se há espaço para a aplicação de cláusula de cunho penal que preveja sanção em sendo a situação de renúncia do mandato pelo patrono ou de revogação unilateral por parte do cliente do mandato outorgado. A cláusula penal representa uma obrigação acessória ao contrato na qual se estipula - previamente - determinada pena ou multa dirigida a impedir o inadimplemento da obrigação principal ou eventual retardamento em seu cumprimento. Possui dupla função, sendo meio de coerção, de modo a obrigar o contratante ao cumprimento da obrigação, bem como sendo instrumento de prefixação de perdas e danos decorrentes do eventual inadimplemento. Apesar da legalidade da pactuação entre as partes da cláusula penal e da existência de instrumentos legais aptos a corrigir os excessos advindos da mencionada cláusula, as especificidades da relação jurídica contratual de prestação de serviços advocatícios (constantes no Estatuto da OAB e no CED da OAB) acabam por relativizar sua incidência. Ao se levar em conta que a advocacia não é atividade mercantil e não vislumbra exclusivamente o lucro, bem como que a relação entre advogado e cliente é pautada na confiança de cunho recíproco, não é razoável - caso ocorra a ruptura do negócio jurídico por meio renúncia ou revogação unilateral do mandato - que as partes fiquem vinculadas ao que fora pactuado sob a ameaça de cominação de penalidade. Dessa forma, a revogação unilateral, pelo cliente, do mandato outorgado ao advogado é causa lícita de rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios, não ensejando o pagamento de multa prevista em cláusula penal. A mesma lógica pode e deve ser aplicada também quando ocorrer o inverso, na hipótese de renúncia do mandato pelo causídico. Imperioso salientar que cláusula penal existirá nos contratos de prestação de serviços advocatícios, contudo adstrita às situações de mora e/ou inadimplemento, desde que respeitada a razoabilidade, sob pena de interferência judicial. Ademais, ocorrendo a revogação do mandato por parte do cliente, esse estará obrigado a pagar ao advogado a verba honorária de modo proporcional aos serviços então prestados.

Processo:

REsp 1.821.906-MG , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Alimentos. Cumprimento de sentença. Audiência de conciliação. Reconhecimento parcial da dívida. Vinculação da proposta. Valor remanescente. Nova negociação. Possibilidade.

Destaque:

A proposta de pagamento parcial por devedor de alimentos em audiência de conciliação já na fase de cumprimento de sentença, perante o patrono da parte contrária, vincula o devedor no limite da proposta, restando assegurada nova negociação quanto ao valor remanescente.

INTEIRO TEOR:

A oferta de pagamento espontâneo em audiência de conciliação em execução de dívida alimentar pelo devedor perante o Judiciário e com a concordância do representante da parte contrária apto a tanto tem caráter vinculante em relação ao proponente. No caso, na audiência de conciliação, consumada na fase de cumprimento de sentença, o devedor reconheceu parcialmente a obrigação alimentar em favor de sua filha maior, que não compareceu ao ato processual, tendo sido devidamente representada por seu patrono com poderes específicos. Na ocasião, o executado concordou com o pagamento dos 2 (dois) últimos meses dos alimentos cobrados na inicial, no prazo de 20 (vinte) dias e, sob pena de multa, comprometeu-se a juntar aos autos, em 30 (trinta) dias, cópia da sentença que o teria exonerado dos alimentos. O fato de ter sido exonerado da obrigação alimentar em momento posterior, em ação revisional, não o beneficia em relação ao débito cobrado e reconhecido, em parte, por ele mesmo, espontaneamente, perante as autoridades públicas competentes. Ressalta-se que a conclusão adotada pelo Tribunal local conferiu fiel cumprimento ao art. 526 do CPC/2015 que enfatiza ser "lícito ao réu, antes de ser intimado para o cumprimento da sentença, comparecer em juízo e oferecer em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo". Destaca-se que o CPC/2015 cuidou das "Ações de Família" no Capítulo X, do Título III, do Livro I da Parte Especial em seus artigos 693 a 699, os quais dispõem acerca dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa no Direito de Família. À luz do princípio da autonomia de vontade, o mencionado diploma estimula, como não deveria deixar de ser, a solução consensual dos conflitos familiares, o que pode ser viabilizado por meio do auxílio interdisciplinar (arts. 694 do CPC/2015). A opção do devedor, contudo, foi admitir parte da obrigação já firmada anteriormente ao propor o pagamento das 2 (duas) parcelas devidas, o que foi homologado em juízo. Por fim, o Tribunal de Justiça ponderou que a oferta equivaleria à confissão plena e total do débito. De fato, não há falar no instituto da confissão, mas sim em reconhecimento parcial do débito no limite do valor ofertado, que vincula o proponente. Tal ponderação, contudo, não altera a conclusão a que chegou a Corte local. A proposta de procedência parcial do pedido executivo não impede que as partes realizem futura composição quanto ao valor remanescente, à luz dos princípios da boa-fé objetiva e da vedação de comportamento contraditório.

Processo:

REsp 1.877.292-SP , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Embargos monitórios. Pedido de repetição de indébito. Art. 940 do CC/2002. Possibilidade.

Destaque:

É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios.

INTEIRO TEOR:

Tendo em vista que se admite, nos embargos monitórios, nos termos do art. 702, § 1º, do CPC/2015, a alegação de qualquer matéria passível de defesa no procedimento comum, dessume-se que a aplicação da penalidade prevista no art. 940 do CC/2002 pode ser abordada não só por meio de reconvenção ou de ação autônoma, mas também em sede de contestação. De fato, sob a égide do anterior Código Civil, que dispunha sobre a referida sanção em seu art. 1.531, a Terceira e Quarta Turmas do STJ reconheceram que não há como restringir a aplicação da referida pena ao prévio requerimento do demandado formulado por via exclusiva da reconvenção ou propositura de ação própria. Isso porque entendeu-se que a sanção para esse comportamento ilícito, não obstante tratar-se de norma de direito processual, tem por objetivo punir o abuso do exercício do direito de ação, em típica repressão a ilícitos processuais. Assim, sob o fundamento de que "o suposto credor, ao demandar por dívida já paga e praticar atos processuais tendentes à cobrança indevida, provoca, ilicitamente, a prestação jurisdicional e movimenta, de forma maliciosa, a máquina judiciária, ofendendo o interesse público", concluiu-se que o demandado poderia utilizar qualquer via processual para pleitear a sua incidência, até mesmo formulando o pedido em embargos monitórios (REsp 608.887/ES, 3ª Turma, DJ 13/03/2006; REsp 661.945/SP, 4ª Turma, DJe 24/08/2010). Desse modo, seguindo-se os precedentes desta Corte Superior, que se formaram sob a égide do CC/1916, mas que devem ser mantidos com relação ao art. 940 do CC/2002, a condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado pode ser formulada em qualquer via processual, inclusive, em sede de embargos à execução, embargos monitórios ou reconvenção, prescindindo de ação própria para tanto.

Processo:

REsp 1.845.214-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

Tema:

Operadora de plano de saúde. Insolvência civil. Indisponibilidade de bens de ex-conselheiro fiscal. Prazo do § 1º do art. 24-A da Lei n. 9.656/1998. Ampliação. Poder geral de cautela do juízo. Possibilidade.

Destaque:

O prazo do § 1º do art. 24-A da Lei n. 9.656/1998 pode ser ampliado pelo juízo da insolvência civil de operadora de plano de saúde para atingir os bens de ex-conselheiro fiscal que deixou o cargo antes dos doze meses que antecederam o ato de decretação da liquidação extrajudicial.

INTEIRO TEOR:

Segundo a legislação de regência, a indisponibilidade de bens dos administradores, gerentes, conselheiros ou assemelhados, decorre da instauração pela ANS do regime de liquidação extrajudicial e se mantém até a apuração e liquidação final das responsabilidades, prorrogando-se, no caso de distribuição do pedido judicial da falência ou insolvência civil, até posterior determinação judicial. Por força do art. 24-D da Lei n. 9.656/1998, as normas do Código de Processo Civil aplicam-se, subsidiariamente, à liquidação extrajudicial, falência e insolvência civil das operadoras de planos de saúde, no que for compatível com a legislação especial, como ocorre com os dispositivos que versam sobre o poder geral de cautela, sobretudo por se tratar de poder com acento em princípios processuais gerais como o da efetividade da jurisdição e o da segurança jurídica. A decretação da indisponibilidade de bens visa a evitar que a eventual insolvência civil ou falência da operadora, causada pela má-administração, provoque um risco sistêmico ao mercado de planos de saúde, assegurando a responsabilidade patrimonial de todos aqueles que concorreram para a instauração do regime de liquidação extrajudicial; visa, em última análise, à proteção de toda a coletividade envolvida na prestação do serviço privado de assistência à saúde, de inegável relevância econômica e social. Desde que observados os requisitos legais, pode o Juízo, com base no poder geral de cautela, ampliar o alcance da norma que prevê a decretação da indisponibilidade de bens quando verificar a existência de fundados indícios de responsabilidade de determinado agente, a fim de assegurar, concretamente, a eficácia e a utilidade do provimento jurisdicional de caráter satisfativo.

Processo:

REsp 1.771.984-RJ , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO

Tema:

Portabilidade de operações de crédito. Regularidade do consentimento e da transferência. Dever dos envolvidos na cadeia de fornecimento. Defeito no serviço. Responsabilidade solidária das instituições financeiras envolvidas.

Destaque:

É dever das instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade de crédito apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a reponsabilidade solidária pelos danos decorrentes de falha na prestação do serviço.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia a determinar se a portabilidade de operações de crédito é capaz, por si só, de vincular as instituições credoras - original e proponente - à cadeia de fornecimento e, assim, dar ensejo à responsabilização solidária decorrente de fato do serviço. Atualmente, a portabilidade de operações de crédito é regulamentada pela Resolução CMN n. 4.292/2013, que introduziu conceitos importantes e contornos bem definidos para esses contratos bancários. À época dos fatos, no entanto, essa espécie de transação se sujeitava à regulamentação bastante simplificada da Resolução CMN n. 3.401/2006, a qual exigia da instituição credora original apenas a garantia da possibilidade de quitação antecipada com recursos financeiros advindos de outras instituições financeiras, além de obrigá-la a compartilhar os dados bancários mediante requerimento e autorização do cliente titular. Por essa razão, afirma-se que a Resolução CMN n. 3.401/2006 cuidou de introduzir no Brasil a autodeterminação dos clientes em relação a seus dados bancários, consistindo importante experimento para a abertura bancária como instrumento de fomento da concorrência bancária. Ainda que de forma incipiente e impositiva, o regulamento introduziu norma relevante para o compartilhamento de dados bancários sob a base fundamental do livre consentimento e da autodeterminação dos consumidores, princípios atualmente muito debatidos sob o enfoque da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018), que entrou em vigor recentemente. Ademais, já esboçando o caminho legislativo que seria adotado, o Conselho Monetário Nacional evidenciou o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, o qual deve ser observado por todas as instituições financeiras envolvidas no compartilhamento de dados bancários. Logo, tanto o banco de origem quanto a instituição de destino, ao integrarem uma operação de portabilidade, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento de produtos/serviços, responsabilizando-se até que a operação se aperfeiçoe com a extinção do contrato original e a formação definitiva do novo contrato. Extrai-se daí a solidariedade das instituições financeiras envolvidas num contrato de portabilidade pelos danos decorrentes da falha desse serviço, em conformidade com o art. 7°, parágrafo único, do CDC. De fato, constitui dever de toda e qualquer instituição financeira a manutenção de quadro específico para detectar fraudes, em razão da natureza da atividade desenvolvida em mercado, a qual induz a responsabilidade pelo risco do empreendimento, como reiteradamente afirmado por esta Corte Superior, nos termos do Enunciado 479 da Súmula do STJ: "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." Assim, reconhecida a solidariedade das instituições financeiras responsáveis objetivamente pelos danos decorrentes de fraude, impõe-se a elas o ônus de recompor todos os danos sofridos pelo consumidor, restituindo-lhe o status quo ante como decorrência automática da inexistência do contrato fraudado.

Processo:

REsp 1.887.712-DF , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema:

Pedido de inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes. Art. 782, § 3º, do CPC/2015. Indeferimento do pleito em virtude da ausência de hipossuficiência do requerente. Impossibilidade. Norma que deve garantir ampla eficácia à efetividade da tutela jurisdicional executiva.

Destaque:

O requerimento da inclusão do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) não pode ser indeferido pelo juiz tão somente sob o fundamento de que as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover, por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito.

INTEIRO TEOR:

Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/2015 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. Assim, o dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício. Ademais, depreende-se da sua redação que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto. Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual. Com efeito, não há falar no indeferimento do pleito com base tão somente no fundamento de que os credores possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmos, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, sem a análise da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação - o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/2015.

Processo:

REsp 1.884.860-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

Tema:

Recuperação judicial. Administrador. Honorários. Fixação no patamar máximo de 5%. Irresignação do Ministério Público. Legitimidade recursal configurada.

Destaque:

O Ministério Público é parte legítima para recorrer da decisão que fixa os honorários do administrador na recuperação judicial.

INTEIRO TEOR:

Inicialmente, cumpre salientar que o texto normativo que resultou na atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas saiu do Congresso Nacional com uma roupagem que exigia do Ministério Público atuação em todas as fases dos processos de recuperação judicial e de falência. Essas amplas e genéricas hipóteses de intervenção originalmente previstas foram restringidas pela Presidência da República, mas nem por isso reduziu-se a importância do papel da instituição na tramitação dessas ações, haja vista ter-se franqueado ao MP a possibilidade de "requerer o que entender de direito". A interpretação conjunta da regra do art. 52, V, da Lei n. 11.101/2005 - que determina a intimação do Ministério Público acerca da decisão que defere o processamento da recuperação judicial - e daquela constante no art. 179, II, do CPC/2015 - que autoriza, expressamente, a interposição de recurso pelo órgão ministerial quando a este incumbir intervir como fiscal da ordem jurídica - evidencia a legitimidade recursal do Parquet na hipótese concreta. Importa destacar que a pretensão deduzida pelo Ministério Público está fundamentada no princípio da preservação da empresa e na necessidade de se observar a capacidade de pagamento da recuperanda. Nesse panorama, a irresignação manifestada ultrapassa a esfera de direitos patrimoniais individuais das partes envolvidas, sobretudo quando se considera que a fixação da remuneração do administrador não constitui ato oriundo de deliberação em assembleia de credores, mas ato estritamente judicial. Portanto, verifica-se estar plenamente justificada a interposição do recurso pelo Ministério Público como decorrência de sua atuação como fiscal da ordem jurídica, pois é seu papel institucional zelar, em nome do interesse público (função social da empresa), para que não sejam constituídos créditos capazes de inviabilizar a consecução do plano de soerguimento.

Processo:

REsp 1.843.507-SP , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO MARCÁRIO

Tema:

Propriedade industrial. Ação de infração. Justiça Estadual. Reconhecimento incidental da nulidade de patente e desenho industrial. Arguição como matéria de defesa. Arts 56, § 1º, e 118 da Lei n. 9.279/1996. Possibilidade. Ressalva não aplicável a marcas.

Destaque:

Em ação de infração de patente e desenho industrial, é possível a arguição incidental de nulidade de tais direitos de propriedade industrial, como matéria de defesa, perante a justiça estadual.

INTEIRO TEOR:

Cinge-se a controvérsia sobre à possibilidade de, em ação de infração de patente de modelo de utilidade e de desenho industrial, o réu alegar, em sua defesa, a nulidade de tais direitos de propriedade intelectual, em razão da ausência dos requisitos necessários à sua concessão, à luz do art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96. Inicialmente, frisa-se que a questão não é nova, havendo diversos julgados desta Terceira Turma acerca do assunto. Porém, melhor examinando o tema, evidencia-se a necessidade, não de alteração, mas de um aperfeiçoamento no entendimento jurisprudencial até então esposado por esta Corte. Este Superior Tribunal tem entendimento firmado no sentido de que a nulidade de marca registrada deve ser necessariamente arguida em ação própria, com a participação do INPI, a ser ajuizada perante a Justiça Federal, não podendo ser reconhecida de forma incidental em ação de infração de marca em trâmite na Justiça Estadual. Esse entendimento mostra-se irretocável, uma vez que o art. 175 da Lei de Propriedade Industrial exige que a ação de nulidade do registro de marca seja ajuizada no foro da Justiça Federal, devendo o INPI, quando não for o autor, necessariamente intervir no feito. Não há, na lei, qualquer exceção a essa regra. O mesmo, porém, não ocorre no que diz respeito à patente e ao desenho industrial. Embora os três institutos caracterizem-se por serem direitos da propriedade industrial, submetidos, todos, à disciplina da Lei n. 9.279/96, é inegável que a marca, a patente e o desenho industrial apresentam natureza e finalidade muito distintas, a demandar um exame mais detalhado de sua regulamentação. Diferentemente da marca, a patente e o desenho industrial não se dirigem à construção de uma associação a ser feita no mercado consumidor. Eles constituem direitos de exclusividade temporários, conferidos com a finalidade de incentivar o desenvolvimento tecnológico. Esses direitos são, por sua própria essência, necessariamente temporários, tendo a duração máxima de 20 anos, no caso das patentes de invenção, de 15 anos, no caso de patentes de modelo de utilidade, e de 25 anos, no caso de desenho industrial. Em razão das diferenças intrínsecas a cada um desses direitos da propriedade industrial, a Lei n. 9.279/1996 cuidou de regulamentá-los separadamente, destinando, a cada um deles, um título específico. No Título I, o art. 57 determina que a ação de nulidade de patente, à semelhança da ação de nulidade de marca, deve ser ajuizada no foro da Justiça Federal, sendo que o INPI, quando não for o autor, deve necessariamente intervir no feito. O art. 56, § 1º, porém, traz uma ressalva expressa, que não foi feita com relação às marcas. Segundo a redação explícita do referido enunciado normativo, verbis: § 1º A nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa. No Título III, o art. 118 da Lei de Propriedade Industrial estende aos desenhos industriais essa ressalva, ao determinar que devem ser aplicadas à ação de nulidade de registro de desenho industrial, no que couber, as disposições dos arts. 56 e 57. Disso decorre que, embora, não seja possível o reconhecimento incidental da nulidade de marcas, o exame incidenter tantum da nulidade de patentes e de desenhos industriais se mostra perfeitamente possível, decorrendo essa possibilidade de determinação expressa de lei. Note-se que não há qualquer usurpação da competência da Justiça Federal. A competência federal não é determinada em razão da matéria, mas, sim, em razão da pessoa, verificando-se sempre que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, nos termos do art. 109, I, da Constituição. E não é a Constituição, mas a própria Lei n. 9.279/96 quem estabelece a necessidade de participação do INPI nas ações de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais, respectivamente nos arts. 175, 57 e 118. Não há qualquer óbice, portanto, a que essa mesma lei preveja uma exceção a essa regra nos arts. 56, § 1º, e 118, ressalvando expressamente a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do INPI. Ademais, pontua-se que o reconhecimento incidental de nulidade em ação de infração de patentes e de desenhos industriais não faz coisa julgada material e não tem, por óbvio, efeito erga omnes, servindo apenas de fundamento para, examinando-se de forma ampla a defesa apresentada, julgar-se improcedente o pedido formulado pelo titular do direito de propriedade industrial. Seus efeitos, portanto, não se estendem para fora do processo.

QUINTA TURMA

Processo:

HC 590.039-GO , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Prisão em flagrante. Conversão de ofício em prisão preventiva. Vigência da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Ilegalidade. Necessidade de prévio requerimento.

Destaque:

A partir das inovações trazidas pelo Pacote Anticrime, tornou-se inadmissível a conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva.

INTEIRO TEOR:

A Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) promoveu diversas alterações processuais, deixando clara a intenção do legislador de retirar do magistrado qualquer possibilidade de decretação ex officio da prisão preventiva. O anterior posicionamento desta Corte, no sentido de que "não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva", merece nova ponderação em razão das modificações trazidas pela referida lei, já que parece evidente a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório. Com efeito, a alteração introduzida no art. 311 do CPP, do qual foi suprimida a expressão "de ofício", corrobora a interpretação segundo a qual passou a ser imprescindível a representação prévia para decretação da prisão cautelar, inclusive para conversão do flagrante em preventiva. Portanto, a prisão preventiva somente poderá ser decretada mediante requerimento do Ministério Público, do assistente ou querelante, ou da autoridade policial. No mesmo sentido, o em. Ministro Celso de Mello, quando da apreciação do pedido liminar no HC 186.421/SC, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, enfrentou o tema, decidindo pela interpretação sistemática do dispositivo processual acima referenciado, concluindo pela inviabilidade da conversão de ofício do flagrante em preventiva. Destaca-se, ainda, recente pedido liminar deferido pela Suprema Corte, nos autos do HC 191.042/MG (Rel. Ministro Edson Fachin, DJe de 23/9/2020), no mesmo sentido da tese ora defendida. Por fim, como dever de lealdade, cita-se o resultado do julgamento do HC 583.995/MG (Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ acórdão Min. Rogério Schietti Cruz), no qual a Sexta Turma do STJ em 15/9/2020, por 3 votos a 2, decidiu pela possibilidade de conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva, ainda que após a vigência da Lei n. 13.964/2019. Até a Quinta Turma também decidiu na mesma linha, no AgRg 611.940, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, em 22/09/2020, cujo voto, porém, não mereceu uma discussão maior no Colegiado. No referido julgamento da 6ª Turma, restou decidido que a conversão do flagrante em prisão preventiva é uma situação à parte, que não se confunde com a decisão judicial que simplesmente decreta a preventiva ou qualquer outra medida cautelar. Para o ministro Rogerio Schietti - cujo voto foi acompanhado pela ministra Laurita Vaz e pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro - quando há o flagrante, a situação é de urgência, pois a lei imporia ao juiz, independentemente de provocação, a obrigação imediata de verificar a legalidade da prisão e a eventual necessidade de convertê-la em preventiva ou aplicar medida cautelar diversa. Apesar dos argumentos muito bem lançados, tal interpretação seria uma evidente autorização à atuação inquisitiva do Juiz, contrariando o propósito da nova Lei, claramente no sentido da linha acusatória.

SEXTA TURMA

Processo:

HC 587.732-RJ , Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Busca e apreensão. Quebra de sigilo telemático. Investigações Criminais. Delimitação temporal. Desnecessidade. Lei n. 12.965/2014 (Lei do Marco Civil da Internet).

Destaque:

Para o acesso a dados telemáticos não é necessário a delimitação temporal para fins de investigações criminais.

INTEIRO TEOR:

A Lei do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) aplica-se às relações privadas e no seu art. 10 tem previsão ampla da necessidade de tutela da privacidade de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas. No entanto, ao tratar do acesso judicial somente exige limitação temporal quanto aos registros de "aplicações de internet", termo legal usado para definir "o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet" (art. 5°, VII). Assim, não há limitação de tempo para acesso aos dados pessoais, em sentido amplo, mas apenas ao acesso à internet. Ademais, a proteção da privacidade mencionada no art. 3°, II, do estatuto legal refere-se ao uso da internet, conceituada como "o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes" (art. 5°, I). Apesar de o artigo 22, III, da referida lei determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais. Dessa forma, não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados. No caso, não se trata de guarda e disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, e, acaso fosse, a autoridade policial ou o Ministério Público poderia requerer cautelarmente que o provedor de aplicações de internet, por ordem judicial, guardasse os registros de acesso à aplicação de internet, para finalidades de investigação criminal.

Processo:

HC 605.305-MG , Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 27/10/2020

Ramo do Direito:

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema:

Prisão em flagrante. Conversão em preventiva. Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Decisão de ofício. Possibilidade.

Destaque:

Mesmo após as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019), não há ilegalidade na conversão da prisão em flagrante em preventiva, de ofício, pelo magistrado.

INTEIRO TEOR:

A conversão da decretação da prisão em flagrante em preventiva de ofício, embora suscite relevante controvérsia, deve ser resolvida em favor de sua possibilidade. Desde que concretamente fundamentada, a decisão que conclui pela necessidade, sempre excepcional, de imposição da prisão cautelar é de ser admitida em razão do poder geral de cautela do magistrado, que, ao receber o auto de prisão em flagrante, deve, uma vez vislumbrada a presença dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, independente de provação, decretar a prisão cautelar. Além de ser necessária a admissão dessa hipótese por questões pragmáticas, como, por exemplo, nos casos de ausência de membro do Ministério Público em audiências em que se delibere sobre a necessidade da prisão do acusado, deve-se assinalar que tal proceder não macula o princípio acusatório. O que há, nessa hipótese, é a regularização da prisão em flagrante, sem prejuízo de provação das partes sobre a necessidade ou não de sua manutenção. Ou seja, um contraditório diferido. A propósito, conforme já decidiu esta Corte, "embora o art. 311 do CPP aponte a impossibilidade de decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo Juízo, é certo que, da leitura do art. 310, II, do CPP, observa-se que cabe ao Magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, proceder a sua conversão em prisão preventiva, independentemente de provocação do Ministério Público ou da Autoridade Policial, desde que presentes os requisitos do art. 312 do CPP, exatamente como se verificou na hipótese dos autos, não havendo falar em nulidade quanto ao ponto" (HC n. 539.645/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe 24/8/2020).