Informativo do STJ 681 de 20 de Novembro de 2020
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
TERCEIRA SEÇÃO
RMS 61.302-RJ , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 26/08/2020, DJe 04/09/2020
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Direito à privacidade e à intimidade. Identificação de usuários em determinada localização geográfica. Imposição que não indica pessoa individualizada. Requisição de dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet . Ausência de ilegalidade ou de violação dos princípios e garantias constitucionais. Fundamentação da medida. Necessidade.
A determinação judicial de quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários que operaram em determinada área geográfica, suficientemente fundamentada, não ofende a proteção constitucional à privacidade e à intimidade.
Os direitos à vida privada e à intimidade fazem parte do núcleo de direitos relacionados às liberdades individuais, sendo, portanto, protegidos em diversos países e em praticamente todos os documentos importantes de tutela dos direitos humanos. No Brasil, a Constituição Federal, no art. 5º, X, estabelece que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Nesse contexto, a ideia de sigilo expressa verdadeiro direito da personalidade, notadamente porque se traduz em garantia constitucional de inviolabilidade dos dados e informações inerentes a pessoa, advindas também de suas relações no âmbito digital. Em uma sociedade em que a informação é compartilhada cada vez com maior velocidade, nada mais natural que a preocupação do indivíduo em assegurar que fatos inerentes a sua vida pessoal sejam protegidos, sobretudo diante do desvirtuamento ou abuso de interesses de terceiros. Entretanto, mesmo reconhecendo que o sigilo é expressão de um direito fundamental de alta relevância ligado à personalidade, a doutrina e a jurisprudência compreendem que não se trata de um direito absoluto, admitindo-se a sua restrição quando imprescindível ao interesse público. De fato, embora deva ser preservado na sua essência, este Superior Tribunal de Justiça, assim como a Suprema Corte, entende que é possível afastar a proteção ao sigilo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública. Importante ressaltar que a determinação de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, as quais dão acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário. Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações. Decerto que o art. 5º, X, da CF/88 garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os dados informáticos constarem de banco de dados ou de arquivos virtuais mais sensíveis. Entretanto, o acesso a esses dados registrados ou arquivos virtuais não se confunde com a interceptação das comunicações e, por isso mesmo, a amplitude de proteção não pode ser a mesma. Com efeito, o procedimento de que trata o art. 2º da Lei n. 9.296/1996, cujas rotinas estão previstas na Resolução n. 59/2008 (com alterações ocorridas em 2016) do CNJ, os quais regulamentam o art. 5º, XII, da CF, não se aplicam a procedimento que visa a obter dados pessoais estáticos armazenados em seus servidores e sistemas informatizados de um provedor de serviços de internet. A quebra do sigilo desses dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados. Ademais, não há como pretender dar uma interpretação extensiva aos referidos dispositivos, de modo a abranger a requisição feita em primeiro grau, porque a ordem é dirigida a um provedor de serviço de conexão ou aplicações de internet, cuja relação é devidamente prevista no Marco Civil da Internet, o qual não impõe, entre os requisitos para a quebra do sigilo, que a ordem judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada por outros meios. Nota-se que os arts. 22 e 23 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) não exigem a indicação ou qualquer elemento de individualização pessoal na decisão judicial. Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros. Não é necessário, portanto, que o magistrado fundamente a requisição com indicação da pessoa alvo da investigação, tampouco que justifique a indispensabilidade da medida, ou seja, que a prova da infração não pode ser realizada por outros meios. Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida, na expressiva maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado. De se observar, quanto à proporcionalidade da quebra de dados informáticos, se a determinação judicial atende aos seguintes critérios: a) adequação ou idoneidade (dos meios empregados para se atingir o resultado); b) necessidade ou proibição de excesso (para avaliar a existência ou não de outra solução menos gravosa ao direito fundamental em foco); c) proporcionalidade em sentido estrito (para aferir a proporcionalidade dos meios empregados para o atingimento dos fins almejados). Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.
CC 166.732-DF , Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Crime de falso testemunho. Processo em trâmite no TJDFT. Ausência de interesse da União. Competência da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em processos sob sua jurisdição.
Ao desenhar a partição de competências do Poder Judiciário da União, a Constituição da República dividiu-o em cinco ramos: 1) Justiça Comum Federal; 2) Justiça Eleitoral; 3) Justiça do Trabalho; 4) Justiça Militar; e 5) Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Segundo a Súmula 165/STJ, "compete à justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista". Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.684 concluiu, em definitivo, faltar à Justiça do Trabalho jurisdição penal (Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 29/05/2020). Exceptuada a Justiça do Trabalho, todos os demais ramos do Poder Judiciário da União têm jurisdição penal. Ocorre que, em 1992, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão no qual firmou a competência da Justiça Federal para julgar crime de falso testemunho praticado contra a administração da Justiça Eleitoral (CC 2.437/SP, Rel. Ministro José Dantas, DJ 06/04/1992). Pela jurisprudência do STJ, portanto, no caso de depoimento falso constatado em causa no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, é da Justiça Federal a competência para processar e julgar tal delito. No âmbito da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar reconhece a atribuição da Justiça Castrense para o crime de falso testemunho (art. 346 do Código Penal Militar) cometido em processos de sua jurisdição. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ao contrário da Justiça Trabalhista, detém atribuições criminais (como também as Justiças Eleitoral e a Militar). Todavia, diferentemente de todos outros braços do Poder Judiciário da União, o TJDFT possui natureza híbrida, pois sua competência jurisdicional corresponde à dos Tribunais estaduais (ou seja, não se trata de Justiça especializada). Por isso, o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgados nos quais consignou que outros crimes (diversos do falso testemunho) cometidos contra o MPDFT ou o TJDFT não são processados e julgados na Justiça Comum Federal. Em conclusão, a índole sui generis da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, distinta por sua atribuição jurisdicional equivalente à dos Tribunais estaduais, impede o reconhecimento de interesse direto da União na causa.
HC 568.693-ES , Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Prisão preventiva. Liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança. Pandemia de covid-19. Recomendação n. 62/CNJ. Excepcionalidade das prisões. Ordem concedida. Extensão dos efeitos para todo o território nacional.
Em razão da pandemia de covid-19, concede-se a ordem para a soltura de todos os presos a quem foi deferida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontram submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor.
Busca-se no habeas corpus coletivo, a soltura de todos os presos do estado do Espírito Santo que tiveram o deferimento da liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança. Não se pode olvidar que o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 62/2020, em que recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus - covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Nesse contexto, corroborando com a evidência de notória e maior vulnerabilidade do ambiente carcerário à propagação do novo coronavírus, nota técnica apresentada após solicitação apresentada pela Coordenação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Distrito Federal - IBCCrim/DF, demonstra que, sendo o distanciamento social tomado enquanto a medida mais efetiva de prevenção à infecção pela covid-19, as populações vivendo em aglomerações, como favelas e presídios, mostram-se significativamente mais sujeitas a contrair a doença mesmo se proporcionados equipamentos e insumos de proteção a estes indivíduos. Por sua vez, a Organização das Nações Unidas (ONU), admitindo o contexto de maior vulnerabilidade social e individual das pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais, divulgou, em 31/3/2020, a Nota de Posicionamento - Preparação e respostas à covid-19 nas prisões. Dentre as análises realizadas, a ONU afirma a possível insuficiência de medidas preventivas à proliferação da covid-19 nos presídios em que sejam verificadas condições estruturais de alocação de presos e de fornecimento de insumos de higiene pessoal precárias, a exemplo da superlotação prisional. Assim, a ONU recomenda a adoção de medidas alternativas ao cárcere para o enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia aos já fragilizados sistemas penitenciários nacionais e à situação de inquestionável vulnerabilidade das populações neles inseridas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) igualmente afirmou, por meio de sua Resolução n. 1/2020, a necessidade de adoção de medidas alternativas ao cárcere para mitigar os riscos elevados de propagação da covid-19 no ambiente carcerário, considerando as pessoas privadas de liberdade como mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus se comparadas àquelas usufruindo de plena liberdade ou sujeitas a medidas restritivas de liberdade alternativas à prisão. Por essas razões, somadas ao reconhecimento, pela Corte, na ADPF n. 347 MC/DF, de que nosso sistema prisional se encontra em um estado de coisas inconstitucional, é que se faz necessário dar imediato cumprimento às recomendações apresentadas no âmbito nacional e internacional, que preconizam a máxima excepcionalidade das novas ordens de prisão preventiva, inclusive com a fixação de medidas alternativas à prisão, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo coronavírus (covid-19). Assim, nos termos em que preconiza o Conselho Nacional de Justiça em sua Resolução, não se mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos - notoriamente de menor gravidade - não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo. Ademais, o Judiciário não pode se portar como um Poder alheio aos anseios da sociedade, sabe-se do grande impacto financeiro que a pandemia já tem gerado no cenário econômico brasileiro, aumentando a taxa de desemprego e diminuindo ou, até mesmo, extirpando a renda do cidadão brasileiro, o que torna a decisão de condicionar a liberdade provisória ao pagamento de fiança ainda mais irrazoável.
PRIMEIRA TURMA
REsp 1.856.498-PE , Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 13/10/2020
DIREITO ADMINISTRATIVO
Precatório ou Requisição de Pequeno Valor - RPV. Cancelamento. Arts. 2º e 3º da Lei n. 13.463/2017. Reexpedição. Prescrição. Inocorrência.
É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova Requisição de Pequeno Valor - RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
Cinge-se a controvérsia sobre a ocorrência de eventual prescrição ante o transcurso de mais de cinco anos entre a data da expedição da RPV originária e a data do requerimento para expedição de novo requisitório de pagamento - previsão contida no art. 3º da Lei n. 13.463/2017, em virtude de seu cancelamento. A previsão no referido artigo é expressa ao determinar que, havendo o cancelamento do precatório ou RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor, não havendo, por opção do legislador, prazo prescricional para que o credor faça a respectiva solicitação. Esse dispositivo legal deixa à mostra que não se trata de extinção de direito do credor do precatório ou RPV, mas sim de uma postergação para recebimento futuro, quando tiverem decorridos 2 anos da liberação, sem que o credor levante os valores correspondentes. De acordo com o sistema jurídico brasileiro, nenhum direito perece sem que haja previsão expressa do fenômeno apto a produzir esse resultado. Portanto, não é lícito estabelecer-se, sem lei escrita, ou seja, arbitrariamente, uma causa inopinada de prescrição. Por outro lado, o retorno dos valores do precatório ou RPV, havendo seu cancelamento depois de um biênio, tem todo o aspecto de um empréstimo ao ente público pagador, tanto que o credor poderá requerer novo requisitório, sem limite de tempo e sem quantificação do número de vezes. Com efeito, por ausência de previsão legal quanto ao prazo para que o credor solicite a reexpedição do precatório ou RPV, não há que se falar em prescrição, sobretudo por se tratar do exercício de um direito potestativo, o qual não estaria sujeito à prescrição, podendo ser exercido a qualquer tempo. Precedentes: REsp. 1.827.462/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.10.2019; AgRg no REsp. 1.100.377/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 18.3.2013. Efetuado o depósito dos valores do precatório ou RPV, os montantes respectivos se transferem à propriedade do credor, pois saem da esfera de disponibilidade patrimonial do ente público. Sendo de sua propriedade, o credor pode optar por sacá-los quando bem entender; eventual subtração da quantia que lhe pertence, para retorná-la em caráter definitivo aos cofres públicos, configuraria verdadeiro confisco - ou mesmo desapropriação de dinheiro, instituto absolutamente esdrúxulo e ilegal.
REsp 1.579.967-RS , Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 09/10/2020
DIREITO TRIBUTÁRIO
Contribuição previdenciária sobre receita bruta - CPRB. Operações de vendas destinadas à Zona Franca de Manaus. Equivalência à exportação. Isenção.
As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta.
A Lei n. 12.546/2011, com redação dada pela Lei n. 12.844/13, criou espécie de contribuição previdenciária substitutiva: "até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1% (um por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei n. 8.212/1991, as empresas que fabricam os produtos classificados na TIPI, aprovada pelo Decreto n. 7.660/2011, nos códigos referidos no Anexo desta Lei" (art. 8º); e dispôs que, "para fins do disposto nos arts. 7º e 8º, exclui-se da base de cálculo das contribuições a receita bruta de exportações" (art. 9º, II). Por sua vez, a Zona Franca de Manaus constitui área de livre comércio instituída pelo Decreto-lei n. 288/1967, cujo art. 4º veicula incentivo fiscal especial, estabelecendo que "a exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro". As vendas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus, na linha de pacífico entendimento jurisprudencial deste Tribunal Superior, são alcançadas pela regra do art. 9º, II, da Lei n. 12.546/2011. A propósito, a Segunda Turma tem assim entendido: "a venda de mercadorias para empresas situadas na Zona Franca de Manaus equivale à exportação de produto brasileiro para o estrangeiro, em termos de efeitos fiscais, segundo interpretação do Decreto-lei n. 288/1967, de modo que, com base nesse entendimento consolidado, é possível concluir que não incide sobre tais receitas a contribuição substitutiva prevista na Lei n. 12.546/2011" (AgInt no REsp 1.736.363/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 06/09/2018, DJe 13/09/2018).
TERCEIRA TURMA
REsp 1.649.595-RS , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO CIVIL
Alienação fiduciária de imóvel. Lei n. 9.514/1997. Consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. Purgação da mora. Após vigência da Lei n. 13.465/2017. Impossibilidade. Assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência.
Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência.
Segundo o entendimento do STJ, a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com garantia de alienação fiduciária, submetidos à disciplina da Lei n. 9.514/1997, é admitida no prazo de 15 (quinze) dias, conforme previsão do art. 26, § 1º, da lei de regência, ou a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei n. 9.514/1997. Sobrevindo a Lei n. 13.465/2017, que introduziu no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 o § 2º-B, não se cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei n. 70/1966, uma vez que, consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade fiduciária. Desse modo: I) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; II) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997.
REsp 1.704.189-RJ , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020
DIREITO CIVIL
Violação de direito autoral. Trecho de obra musical. Fonograma. Nome de programa televisivo. Autorização prévia e expressa. Inexistência. Uso indevido. Danos patrimoniais. Caracterização.
A utilização do trecho de maior sucesso de obra musical como título de programa televisivo, em conjunto com o fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos patrimoniais do autor.
No Brasil, a Lei n. 9.610/1998 (LDA), que disciplina os direitos de autor e os direitos conexos, reconhece o duplo aspecto do direito autoral. De um lado, a lei protege os direitos de natureza moral do autor, relacionados à defesa e à proteção da autoria e da integridade da obra (arts. 24 a 27 da LDA). São, em sua essência, direitos de personalidade do autor e como tais, irrenunciáveis e inalienáveis. De outro lado, tem-se os direitos de conteúdo patrimonial, que conferem ao autor "o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica" (art. 28 da LDA) e que garantem a ele o aproveitamento econômico de sua obra, protegendo os meios pelos quais o autor poderá obter vantagens pecuniárias de sua criação. Por esse motivo, qualquer forma de utilização da obra por pessoa diversa do autor dependerá de sua prévia e expressa autorização (art. 29 da LDA). A LDA, contudo, dispõe acerca dos limites ao direito do autor, prevendo hipóteses em que a utilização da obra não constituirá ofensa aos direitos autorais (arts. 46 a 48 da LDA). Dentre essas limitações, destaca-se a citação de pequenos trechos de obras preexistentes "sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores" (inciso VIII do art. 46, da LDA). Assim, nos termos da legislação em vigor, e tendo como parâmetro a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, verifica-se, a princípio, que poderá haver violação de direitos patrimoniais do autor quando houver a utilização, sem autorização do titular do direito, tanto do fonograma, quanto de trecho da obra musical, desde que esse uso não esteja amparado pelos limites previstos em lei (arts. 46 a 48 da LDA). No caso, a escolha do trecho de maior sucesso da obra musical como título de programa televisivo e seu uso em conjunto com o fonograma, gerou uma associação inadequada do autor da obra musical com a emissora, que utilizou o sucesso da música como título em sua programação semanal também como forma de atrair audiência.
REsp 1.859.606-SP , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
DIREITO CIVIL
Plano de saúde. Custeio de tratamento médico. Infertilidade coexistente à endometriose e baixa reserva ovariana. Fertilização in vitro . Cobertura não obrigatória.
A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado ao tratamento de endometriose profunda.
A Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.815.796/RJ (DJe de 09/06/2020), fez a distinção entre o tratamento da infertilidade - que, segundo a jurisprudência, não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde (REsp 1.590.221/DF, Terceira Turma, julgado em 07/11/2017, DJe de 13/11/2017) - e a prevenção da infertilidade, enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente e coberto pelo plano de saúde. Na ocasião daquele julgamento, decidiu-se pela necessidade de atenuação dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana, em atenção ao princípio médico primum non nocere e à norma que emana do art. 35-F da Lei n. 9.656/1998, e se concluiu pela manutenção da condenação da operadora à cobertura de parte do procedimento de reprodução assistida pleiteado, cabendo à beneficiária arcar com os eventuais custos a partir da alta do tratamento quimioterápico. No particular, diferentemente do contexto delineado no mencionado REsp 1.815.796/RJ, verifica-se que o procedimento de fertilização in vitro não foi prescrito à parte para prevenir a infertilidade decorrente do tratamento para a endometriose, senão como tratamento da infertilidade coexistente à endometriose, a cuja cobertura não está obrigada a operadora do plano de saúde. É dizer, não se evidencia que a infertilidade é efeito colateral, previsível e evitável do tratamento prescrito para a endometriose, mas uma patologia que preexiste a este, associada à baixa reserva ovariana e à endometriose, cujo tratamento é feito por meio dos procedimentos de reprodução assistida. Constata-se, assim, que a fertilização in vitro não é o único recurso terapêutico para a patologia, mas uma alternativa à cirurgia que resolve o problema da infertilidade a ela associada.
HC 569.014-RN , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 14/10/2020
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Devedor de alimentos. Regime fechado. Pedido de soltura. Pandemia do novo coronavírus. Análise caso a caso. Manifesta teratologia/ilegalidade. Antes ou depois da Lei n. 10.410/2020.
É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020.
Trata-se de ato coator consistente no indeferimento do pedido coletivo liminar em habeas corpus impetrado na origem, De seus termos, ressai clara a possibilidade de subsistir o aprisionamento em estabelecimento coletivo de devedor de alimentos durante a pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19), devendo-se levar em consideração, determinadas circunstâncias, como o estado de saúde do devedor. O ato coator, no cenário pandêmico em que se vivencia, encerra manifesta teratologia. Em atenção: I) ao estado de emergência em saúde pública declarado pela Organização Mundial de Saúde, que perdura até os dias atuais, decorrente da pandemia de Covid-19, doença causada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2); II) à adoção de medidas necessárias à contenção da disseminação levadas a efeito pelo Poder Público, as quais se encontram em vigor; III) à Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça consistente na colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia; e, mais recentemente, IV) à edição da Lei n. 14.010/2020, de 10 de junho de 2020, que determinou, expressamente, que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida de alimentos seja cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações, mostra-se flagrante a ilegalidade no ato atacado. As Turmas de Direito Privado do STJ são uníssonas em reconhecer a indiscutível ilegalidade/teratologia da prisão civil, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020. A divergência subsistente no âmbito das Turmas de Direito Privado refere-se apenas ao período anterior à edição da Lei n. 14.010/2020, tendo esta Terceira Turma, no tocante a esse interregno, compreendido ser possível o diferimento da prisão civil para momento posterior ao fim da pandemia; enquanto a Quarta Turma do STJ tem reconhecido a necessidade de aplicar o regime domiciliar.
REsp 1.823.284-SP , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 15/10/2020
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL
Ação redibitória. Aquisição de veículo defeituoso. Rescisão contratual. Restituição dos valores pagos. Devolução do veículo. Obrigatoriedade. Vedação ao enriquecimento sem causa.
É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória.
O enunciado normativo do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, confere ao consumidor, nas hipóteses de constatação de vício que torne inadequado o produto adquirido ao uso a que se destina, três alternativas, dentre as quais, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. Evidente, portanto, a intenção do legislador de conferir ao consumidor, entre outras alternativas, o direito à rescisão do contrato de compra e venda, em face da ocorrência do vício de qualidade do produto que o torne impróprio ao uso a que se destina, retornando às partes ao status quo ante com a extinção do vínculo contratual. Assim, acolhida a pretensão redibitória do consumidor, rescinde-se o contrato de compra e venda, retornando as partes à situação anterior à sua celebração (status quo ante), sendo uma das consequências automáticas da sentença a sua eficácia restitutória, com a restituição atualizada do preço pelo vendedor e devolução da coisa adquirida pelo comprador. Naturalmente, essa alternativa conferida ao consumidor deve ser compreendida à luz dos princípios reitores do sistema de Direito Privado, especialmente os princípios da boa-fé objetiva e da vedação do enriquecimento sem causa. A boa-fé objetiva, na sua função de controle, limita o exercício dos direitos subjetivos e estabelece para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de se ater aos limites por ela traçados, sob pena de uma atuação antijurídica. Por sua vez, a venire contra factum proprium, é o exercício de uma posição jurídica desleal e em contradição com o comportamento anterior do exercente. Constitui obrigação do consumidor devolver o veículo viciado à fornecedora, sob pena de afronta ao art. 884, do Código Civil, de vez que o recebimento da restituição integral e atualizada do valor pago, sem a devolução do bem adquirido, ensejaria o enriquecimento sem causa do consumidor.
REsp 1.790.004-PR , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020
DIREITO EMPRESARIAL
Duplicata. Assinatura do sacador/emitente. Literalidade indireta. Requisito suprido por outro meio. Possibilidade.
A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio.
Inicialmente, quanto à essencialidade ou possibilidade de suprimento da assinatura do emitente na duplicata, deve-se ter em vista que, distintamente da letra de câmbio - na qual que essa circunstância ocorre apenas eventualmente -, na duplicata o beneficiário da ordem de pagamento é o próprio sacador/emitente, que também é o vendedor da mercadoria ou prestador do serviço que serve de causa ao nascimento desse título de crédito. Ademais, mesmo que a assinatura seja, em tese, essencial e suficiente para o nascimento do título de crédito, por consistir na representação material da declaração unilateral de vontade criadora do título, deve-se observar que a função da assinatura do emitente é a de garantir a sua responsabilização perante terceiros, o que somente ocorre de maneira eventual, na hipótese de circulação do título de crédito. Não se deve, ademais, olvidar que a duplicata, por ser um título causal, permite a incidência da literalidade indireta, que autoriza a identificação de seus elementos no documento da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços que lhe serve de ensejo, pois o devedor tem a ciência de que aquela obrigação também tem seus limites definidos em outro documento. A jurisprudência do STJ já admitiu a remissão a elemento essencial constante em documento externo, mas vinculado ao título de crédito causal, adotando, pois, a literalidade indireta. Com efeito, já se decidiu que "descabe extinguir execução pelo só fato de inexistir data de emissão da nota promissória, quando possível tal aferição no contrato a ela vinculado" (REsp 968.320/MG, Quarta Turma, DJe 03/09/2010, sem destaque no original). Dessa forma, como a) se admite a configuração de título executivo extrajudicial mesmo sem a apresentação física da duplicata, pela mera menção a seus elementos - conforme expressamente permitido pelo protesto por indicação previsto no art. 13, § 1º, da Lei n. 5.474/1968 - somada ao comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação de serviços e b) por incidência da literalidade indireta, segundo a qual ser permite inferir a assinatura do emitente das notas fiscais e faturas juntadas à duplicata, o requisito da assinatura do emitente deve ser considerado suprível nessa específica modalidade de título de crédito, sobretudo quando não ocorre sua circulação.
REsp 1.867.694-MT , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
DIREITO EMPRESARIAL
Sobrestamento e reforma de decisão que defere o processo de recuperação judicial. Validade de atos constritivos realizados em ações individuais no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou reformada. Provimento judicial final que reconhece o acerto do processamento da recuperação judicial. Restabelecimento de todos os efeitos legais desde a sua prolação. Reconhecimento.
A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial.
Cinge-se a controvérsia a analisar a validade e a subsistência dos atos executivos realizados no bojo de execuções individuais promovidas por credores, consistentes no arresto, no depósito e a na remoção de produtos agrícolas, objeto de garantia pignoratícia, em interregno no qual a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial dos executados havia sido reformada. Os atos executivos ocorreram após o Tribunal de origem ter, em grau recursal, reformado a decisão de primeira instância que havia deferido o pedido de processamento de recuperação judicial, por reputar não comprovado o exercício da atividade agrícola pelo período de 2 (dois) anos contados do registro de produtor rural na Junta Comercial. Todavia, que os efeitos do acórdão foram sobrestados por esta Corte de Justiça, em virtude da tutela de urgência deferida na TP n. 2.017/MT restabelecendo-se, assim, o deferimento do processamento da recuperação judicial deferido em primeira instância até o julgamento do REsp 1.821.773/MT. Ressalta-se que, uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, este passa a ser o marco inicial legal de suspensão de todas as execuções individuais que fluem contra o empresário recuperando, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquele. Trata-se de um benefício legal conferido à recuperanda absolutamente indispensável para que esta, durante tal interregno, possa regularizar e reorganizar suas contas, com vistas à reestruturação e ao soerguimento econômico-financeiro, sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de sua atividade empresarial. Ainda que aquela decisão da primeira instância seja objeto de impugnação recursal, o provimento judicial final que venha a reconhecer o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do empresário tem o condão de manter incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes, desde a sua prolação. Destaca-se que a lei elegeu, como marco inicial para o stay period - cujo efeito principal consiste justamente na suspensão de todas as execuções promovidas contra a recuperanda, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquela) -, a decisão que (primeiramente) defere o processamento da recuperação judicial. Assim, mesmo que esta venha a ser reformada em grau recursal, o provimento judicial final que reconhece o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial mantém incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes desde a sua prolação, já que este é o marco legal adotado pela lei para a produção destes. Entendimento contrário esvaziaria por completo a recuperação judicial do empresário que obteve em seu favor o deferimento do processamento desta - confirmado em provimento judicial final -, caso se convalidasse a constrição judicial e o levantamento do patrimônio do recuperando em favor de determinados credores exarados no âmbito de execuções individuais, durante a tramitação dos correlatos recursos por período absolutamente indefinido, em detrimento dos demais credores também submetidos ao processo recuperacional.
REsp 1.811.953-MT , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
Recuperação judicial. Empresário individual rural. Atividade agrícola organizada há mais de dois anos. Inscrição há menos de dois anos na Junta Comercial. Possibilidade. Inteligência do art. 48 da LFRE.
O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor.
Com esteio na Teoria da Empresa, em tese, qualquer atividade econômica organizada profissionalmente submete-se às regras e princípios do Direito Empresarial, salvo previsão legal específica, como são os casos dos profissionais intelectuais, das sociedades simples, das cooperativas e do exercente de atividade econômica rural, cada qual com tratamento legal próprio. A constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, à sua caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial. Todavia, sua submissão ao regime empresarial apresenta-se como faculdade, que será exercida, caso assim repute conveniente, por meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário. Perfilha-se o entendimento de que, também no caso do empresário rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc). A própria redação do art. 971 do Código Civil traz, em si, a assertiva de que o empresário rural poderá proceder à inscrição. Ou seja, antes mesmo do ato registral, a qualificação jurídica de empresário - que decorre do modo profissional pelo qual a atividade econômica é exercida - já se faz presente. Desse modo, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial apenas declara, formaliza a qualificação jurídica de empresário, presente em momento anterior ao registro. O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder, passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico. A inscrição, sob esta perspectiva, assume a condição de procedibilidade ao pedido de recuperação judicial, como bem reconheceu esta Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.193.115/MT, e agora, mais recentemente, a Quarta Turma do STJ (no REsp 1.800.032/MT) assim compreendeu. A inscrição, por ser meramente opcional, não se destina a conferir ao empresário rural o status de regularidade, simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular, mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo por, eventualmente, não proceder ao registro, possibilidade que a própria lei lhe franqueou. Assim, ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.
REsp 1.823.159-SP , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020
DIREITO PENAL, DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Bem de família. Exceção à regra da impenhorabilidade. Sentença penal condenatória transitada em julgado. Imprescindibilidade. Art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990. Interpretação restritiva.
Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, é imprescindível a sentença penal condenatória transitada em julgado.
A Lei n. 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. No entanto, mesmo esse importantíssimo instituto possui limites de aplicações. A depender das circunstâncias, a própria Lei n. 8.009/1990 prevê exceções à regra da impenhorabilidade. Assim, o art. 3º, VI, da mencionada lei dispõe que não é possível opor a impenhorabilidade quando o bem em questão for adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória. Nessas hipóteses, no cotejo entre os bens jurídicos envolvidos, o legislador preferiu defender o ofendido por conduta criminosa ao autor da ofensa, conforme nota a doutrina: "essas exceções significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc." Sobre efeitos da condenação penal sobre o âmbito cível, é fato que a sentença penal condenatória produz também efeitos extrapenais, tanto genéricos quanto específicos. Os efeitos genéricos decorrem automaticamente da sentença, sem necessidade de abordagem direta pelo juiz. Entre esses efeitos genéricos, há a obrigação de reparar o dano causado, tal como previsto no art. 91, I, do Código Penal. Por se tratar de regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de família e decorrer automaticamente de sentença penal condenatória, a jurisprudência do STJ já se posicionou sobre a impossibilidade de interpretação extensiva de outros incisos contidos no art. 3º da Lei n. 8.009/1990. Por fim, anota-se ser inegável que, para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, faz-se necessária a presença de sentença penal condenatória transitada em julgado, por não ser possível a interpretação extensiva.
REsp 1.743.951-MG , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 14/10/2020
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Embargos à execução. Efeito suspensivo. Garantia do juízo. Caução oferecida em ação conexa. Aproveitamento. Possibilidade.
A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo para a concessão de efeito suspensivo a embargos à execução.
O art. 919, § 1º, do CPC/2015 prevê que o magistrado poderá atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: (a) requerimento do embargante; (b) relevância da argumentação; (c) risco de dano grave de difícil ou incerta reparação; e (d) garantia do juízo. No caso, anteriormente ao ajuizamento da ação de execução, houve o ajuizamento de ação de rescisão contratual cumulada com declaração de inexigibilidade de débito e de multa contratual cumulada com perdas e danos, questionando a higidez do contrato, bem como ação cautelar de sustação de protesto onde foi oferecido um bem móvel em garantia em valor superior ao da execução. De fato, as parcelas contratuais que figuram como objeto da ação de execução são as mesmas que dão sufrágio ao pleito declaratório de inexigibilidade do débito, sendo tais parcelas, também, as mesmas que foram objeto de protesto pela recorrente e, via de consequência, objeto da ação de sustação de protesto, na qual foi concedida a providência liminar . Isso significa dizer que a ação cautelar de sustação de protesto versa exatamente sobre o mesmo débito, oriundo do mesmo contrato a que se refere a ação executiva, sendo a ela conexa. Dessa forma, tendo sido reconhecido, no bojo da ação cautelar, que houve o caucionamento do débito não há por que determinar que seja realizada nova constrição no patrimônio dos agravados, a fim de que seja concedido o efeito suspensivo aos seus embargos. Tal conclusão está nitidamente em convergência com o princípio da menor onerosidade ao devedor, que deve ser sempre observado pelo julgador.
REsp 1.851.329-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Celebração de acordo sem anuência do advogado. Ausência de trânsito em julgado da sentença condenatória. Particularidades da demanda que impõem o reconhecimento da formação de título executivo. Honorários de sucumbência. Direito autônomo do advogado.
São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado entre as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba.
O art. 24, § 4º, da Lei n. 8.906/1994 dispõe que "o acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença". A exegese do preceito legal é a de que o acordo firmado entre as partes, sem a concordância do advogado, não atinge o direito ao recebimento dos honorários advocatícios fixados em sentença judicial transitada em julgado. A propósito, esta 3ª Turma possui precedente no sentido de que, embora seja direito autônomo do advogado a execução da verba honorária de sucumbência, inclusive nos próprios autos, não há como atribuir força executiva à sentença que não transitou em julgado se as partes chegaram a consenso acerca do direito controvertido e celebraram acordo que foi devidamente homologado por sentença, devendo o causídico, nessa situação, valer-se das vias ordinárias (REsp 1.524.636/RJ, 3ª Turma, DJe 23/08/2016). Na espécie, verifica-se que não houve trânsito em julgado da sentença condenatória que, por sua vez, fixou a condenação da verba honorária em favor dos ex-patronos. No entanto, a despeito da ausência de trânsito em julgado da sentença condenatória, entende-se que a questão, deve ser analisada sob outro viés, dada as peculiaridades do caso concreto, mostrando-se plausível a flexibilização da interpretação normativa. Na presente hipótese, verifica-se que, em 1º grau, a sentença condenatória condenou a recorrente ao pagamento de 10% (dez por cento) do valor da condenação a título de verba honorária, condenação esta que foi mantida pelo Tribunal de Origem e que estava prestes a transitar em julgado, não fosse pelo fato de as partes terem, neste meio tempo, atravessado pedido de homologação de acordo extrajudicial - que sequer fez menção ao pagamento de qualquer verba honorária -, com a participação de nova advogada constituída nos autos, o que revogou automaticamente anterior procuração outorgada. Mutatis mutandis, vale lembrar que esta 3ª Turma já decidiu, também com base nas particularidades do caso concreto analisado, pela possibilidade de a sociedade de advogados que patrocinou os interesses da exequente no curso da execução e teve seu mandato revogado antes da sentença homologatória da transação firmada entre as partes sem disposição acerca de verba honorária, prosseguir com a execução dos honorários que entende devidos nos próprios autos do feito executivo, e não necessariamente em ação autônoma (REsp 1.819.956/SP, DJe 19/12/2019). Assim, dada as particularidades da situação ora analisada, convém reconhecer o direito autônomo do recorrido ao recebimento da verba honorária estabelecida na sentença condenatória, devendo a mesma ser considerada título executivo judicial, nos termos dos arts. 23 e 24 da Lei n. 8.906/1994.
QUARTA TURMA
REsp 1.280.102-SP , Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO CIVIL
Inventário. Viúva meeira. Usufruto vidual de imóvel. Art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916. Não cabimento. Ausência de necessidade econômico-patrimonial.
A viúva meeira não faz jus ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916.
O usufruto vidual era conferido no regime do Código Civil revogado (art. 1.611, § 1º, com o acréscimo conferido pela Lei n. 4.121/1962) aos cônjuges casados em regimes de bens diversos da comunhão universal, correspondendo, a aludida instituição, à quarta parte dos bens deixados pelo falecido, caso houvesse filhos, ou metade dos bens, na hipótese de herdeiros ascendentes. O escopo do instituto era a salvaguarda do mínimo necessário ao cônjuge que não era agraciado, obrigatoriamente, com herança do falecido, como no caso de comunhão parcial ou separação absoluta, em sucessões abertas na vigência do Código Beviláqua, esse que não considerava o cônjuge como herdeiro necessário. O atual Código não abarcou esse tema jurídico nos mesmos moldes então previstos na legislação revogada, porém estendeu o direito real de habitação referido no § 2º do art. 1.611 do CC/1916 a todos os regimes de bens (art. 1.831, CC/2002), sem as restrições então previstas e alçou o cônjuge ao patamar de herdeiro necessário. Sob o restrito ditame do Código Civil de 1916, não seria a condição econômica do viúvo fator determinante para a existência do direito de usufruto sobre parte dos bens. O art. 1.611, § 1º, do referido diploma preleciona, aliás, que para a aplicação do instituto, seriam exigidos apenas três requisitos, a saber: (a) que o cônjuge sobrevivente não tenha sido casado com o falecido no regime de comunhão universal de bens; (b) que existam herdeiros necessários, isto é, ascendentes ou descendentes; e (c) que perdure o estado de viuvez. Certamente, o dispositivo legal em questão tem o inequívoco sentido de amparo ao cônjuge que fica desprovido dos recursos que pertenciam ao falecido, em consequência do regime matrimonial dos bens. Se, no entanto, a viúva, pelo reconhecimento de sua participação na metade dos aquestos, já tem uma situação correspondente à que lograria se o regime fosse o da comunhão universal, não há razão alguma de se lhe atribuir, ademais, o benefício legal ora em foco, sobre parte dos bens que excederam a sua fração do monte, vez que o usufruto em tela é modo de compensação pelo que não teria recebido, a denotar a imprescindibilidade do afastamento da benesse em virtude da ausência de necessidade econômico-patrimonial.
HC 523.357-MG , Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Alimentos decorrentes de ato ilícito. Natureza indenizatória. Prisão civil. Rito executivo próprio. Art. 533 do CPC/2015. Não cabimento.
Não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento dos alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.
Os alimentos, de acordo com a causa de sua origem, podem ser classificados em três espécies, quais sejam, legítimos (devidos por força de vínculo familiar estabelecido em lei), voluntários/negociais (derivados de negócio jurídico) ou indenizatórios (em razão de ato ilícito). O artigo 1.694 do atual Código Civil, seguindo a mesma linha da legislação civil anterior, foi expresso ao elencar como causas jurídicas do dever de prestar alimentos o parentesco natural/civil e o vínculo familiar criado por ocasião do casamento ou união estável. Os alimentos decorrentes de ato ilícito, por sua vez, são considerados de forma expressa como indenização, conforme se verifica da leitura dos artigos 948, 950 e 951 do CC/2002. Discute-se se o rito prescrito no art. 528 do CPC/2015, no capítulo intitulado "Do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos" - notadamente o respectivo §3º, segundo o qual se o executado não pagar no prazo assinado no caput, ou a justificativa apresentada não for aceita, o juiz "decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses" - tem aplicação às execuções de sentenças indenizatórias de ato ilícito. Com base na distinção entre obrigação alimentar propriamente dita e obrigação de ressarcimento de prejuízo decorrente de ato ilícito, parte expressiva da doutrina sustenta que somente no primeiro caso (obrigações de direito de família) é cabível a prisão civil do devedor de obrigação de prestar alimentos. Esse entendimento é corroborado pela circunstância de que o o artigo 533 do CPC em vigor apresenta regra específica destinada a reger a execução de sentença indenizatória que incluir prestação de alimentos. Observa-se que realmente, como acentua a doutrina que admite a prisão civil em relação a alimentos indenizatórios, o art. 528 do CPC/2015, assim como o art. 733 do CPC/1973, ao estabelecer a possibilidade de decreto de prisão em caso de não pagamento injustificado da pensão, não faz diferença entre a obrigação alimentar de direito de família e a decorrente de ato ilícito. Todavia, é manifesta a distinção entre a obrigação de prestar alimentos derivada de vínculo familiar e a decorrente da condenação a compor os prejuízos causados por ato ilícito. Com efeito, os "alimentos" indenizatórios são arbitrados em quantia fixa, pois são medidos pela extensão do dano, de forma a ensejar, na medida do possível, o retorno ao status quo ante. Ao contrário, os alimentos civis/naturais devem necessariamente levar em consideração o binômio necessidade-possibilidade para a sua fixação, estando sujeitos à reavaliação para mais ou para menos, a depender das vicissitudes ocorridas na vida dos sujeitos da relação jurídica. Cumpre ressaltar que o alargamento das hipóteses de prisão civil, para alcançar também prestação de alimentos de caráter indenizatório, chegando a se estender, no limite proposto por parte da doutrina, a todos os credores de salários e honorários profissionais, acaba por enfraquecer a dignidade excepcional, a força coercitiva extrema, que o ordenamento jurídico, ao vedar como regra geral a prisão por dívida, concedeu à obrigação alimentar típica, decorrente de direito de família, a qual, em sua essência, é sempre variável de acordo com as necessidades e possibilidades dos envolvidos.
AgInt no AREsp 1.495.369-MS , Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Honorários advocatícios de sucumbência. Majoração. Artigo 85, § 11, do CPC de 2015. Sucumbência recíproca. Inexistência de óbice. Readequação da sucumbência. Circunstância que impede a majoração de honorários em sede recursal.
A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais nem impede a sua majoração em sede recursal.
No que se refere à majoração de honorários advocatícios em sede recursal (art. 85, § 11, do CPC) quando está caracterizada a sucumbência recíproca entre as partes, não se desconhece que há precedentes desta Corte Superior concluindo pelo seu não cabimento, sob o fundamento de que, em tais situações, cada uma das partes arca com os honorários advocatícios do próprio causídico. No entanto, a sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que "[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais - ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui. Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria. Ademais, nas hipóteses em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência. Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor. No que tange à majoração de honorários em sede recursal, em que pese não existir óbice quando caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso. Assim, é incabível a majoração de honorários em sede recursal, nas hipóteses em que há provimento do recurso e a respectiva readequação da sucumbência.
QUINTA TURMA
HC 603.195-PR , Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO PENAL
Estupro de vulnerável. Irmã da vítima. Conduta omissiva imprópria. Atipicidade. Inocorrência. Possível assunção do papel de garantidor. Art. 13, § 2º, "b" e "c", do Código Penal.
A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por conduta omissiva imprópria se assume o papel de garantidora.
Trata-se de denúncia pela prática do delito de estupro de vulnerável na forma omissiva imprópria, tendo por vítimas as irmãs menores da denunciada e como autor da conduta comissiva seu marido. Os crimes omissos impróprios, de acordo com a doutrina, são aqueles que "(...) envolvem um não fazer, que implica a falta do dever legal de agir, contribuindo, pois, para causar o resultado. Não têm tipos específicos, gerando uma tipicidade por extensão. Para que alguém responda por um delito omissivo impróprio é preciso que tenha o dever de agir, imposto por lei, deixando de atuar, dolosa ou culposamente, auxiliando na produção do resultado." Quando se fala em "dever legal de agir" e em assunção do papel de "garantidor", o Código Penal, no art. 13, § 2º, apresenta três hipóteses taxativas para caracterizar tal incumbência ao agente. Na primeira perspectiva, na alínea "a", tem-se a figura do garantidor legal stricto sensu, aquele que tem por lei o dever de proteção, vigilância e cuidado, hipótese comumente aplicada entre os pais e os seus filhos menores de idade, no exercício de seu poder familiar. Nesse ponto, é clara a impossibilidade de extensão das obrigações paternas aos irmãos. Afinal, muito embora haja vínculo familiar e até presumidamente uma relação afetiva entre irmãos, o mero parentesco não torna penalmente responsável um irmão para com o outro, salvo, evidentemente, os casos de transferência de guarda ou tutela. A lei, ainda, expressamente prevê a assunção da figura de "garantidor" pelo agente, nas alíneas "b" e "c", quais sejam: o da pessoa que de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, e daquele que criou o risco da ocorrência do resultado a partir de seu comportamento anterior. Assim, muito embora uma irmã mais velha não possa ser enquadrada na alínea "a" do art. 13, § 2º, do CP, pois o mero parentesco não torna penalmente responsável um irmão para com o outro, caso caracterizada situação fática de assunção da figura do "garantidor" pela irmã, nos termos previstos nas duas alíneas seguintes do referido artigo ("b" e "c"), não há falar em atipicidade de sua conduta. Hipótese em que a acusada omitiu-se quanto aos abusos sexuais em tese praticados pelo seu marido na residência do casal contra suas irmãs menores durante anos. Assunção de responsabilidade ao levar as crianças para sua casa sem a companhia da genitora e criação de riscos ao não denunciar o agressor, mesmo ciente de suas condutas, bem como ao continuar deixando as meninas sozinhas em casa.
SEXTA TURMA
REsp 1.854.893-SP , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020
DIREITO PENAL
Sonegação fiscal. Teoria do domínio do fato. Inexistência de nexo de causalidade. Inaplicabilidade. Dolo. Essencialidade. Descrição de culpa em sentido estrito. Incompatibilidade com o tipo penal.
A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.
Apesar de o Código Penal prever que todo aquele que concorre para o crime é considerado autor (art. 29, caput), ainda que a sua participação seja de menor importância (art. 29, § 1º), há situações nas quais o intérprete lança mão do domínio do fato, do modo a presumir e demarcar a autoria. Entretanto, o conceito de "domínio do fato" ou "domínio final do fato" não se satisfaz com a simples referência à posição do indivíduo como administrador ou gestor (de fato ou previsto no contrato social da empresa). Vale dizer, é insuficiente considerar tal circunstância, isoladamente, para que se possa atribuir a responsabilidade penal pela prática de crime tributário. Em relação ao domínio do fato, há interessantes produções doutrinárias que chamam a atenção para os problemas que orbitam ao redor dessa teoria. O principal deles pode ser identificado logo em sua gênese, isto é, na ausência de uma construção teórico-dogmática coerente e passível de ser coordenada em harmonia com o nosso ordenamento jurídico, sobretudo na atuação jurisdicional diante de casos concretos. Fazer uso da teoria do domínio do fato pressupõe do intérprete a manutenção da coerência sistêmica. Foi com Welzel, em 1939, que surgiu uma teoria do domínio do fato como critério de delimitação de autoria e que dependeria de dois pressupostos: a) os pessoais, decorrentes da estrutura do tipo, e o b) fático, ligado ao domínio final do fato (o autor seria o senhor da decisão e da execução de sua vontade final). O domínio do fato, em sua concepção, portanto, compunha as espécies de autoria ou coautoria (direta ou mediata). Todavia, é com Roxin, sem dúvida, que a teoria do domínio do fato ganhou "sua expressão mais acabada" . Longe de ser um aprimoramento ou aperfeiçoamento da teoria de Welzel, constituiu-se ela uma construção nova, com implicações teóricas e práticas distintas. Enquanto para Welzel a teoria do domínio do fato seria um pressuposto (requisito) material para determinação da autoria, para Roxin consistiria em um critério para delimitação do papel do agente na prática delitiva (como autor ou partícipe). Ela representou, assim, uma forma de distinguir autor de partícipe e não fundamentou responsabilidade penal onde ela não existe, mas apenas distinguiu o papel desempenhado por cada agente no delito. Roxin desenvolveu uma teoria em que o domínio do fato se manifestava de três maneiras, sem a pretensão de universalidade sobre todos os casos: a) domínio da ação, nas hipóteses em que o agente realiza, por sua própria pessoa, todos os elementos estruturais do crime (autoria imediata); b) domínio da vontade, na qual um terceiro funciona como instrumento do crime (autoria mediata); e c) domínio funcional do fato, que trata da ação coordenada, com divisão de tarefas, por pelo menos mais uma pessoa. Ao tratar especificamente do domínio da vontade, Roxin distinguiu três hipóteses: (1) por coação exercida sobre terceiro, (2) por indução a erro de terceiro e (3) por um aparato organizado de poder. Esta última hipótese trata daquele que "servindo-se de uma organização verticalmente estruturada e apartada, dissociada da ordem jurídica, emite uma ordem cujo cumprimento é entregue a executores fungíveis, que funcionam como meras engrenagens de uma estrutura automática, não se limita a instigar, mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados". Mas, para Roxin, esse não seria o único critério de fundamentação e distinção da autoria e da participação. Existiriam outros delitos que não seriam influenciados pela teoria do domínio do fato, como naqueles em que há violação de dever (delitos próprios). Então, v. g., no crime de peculato, não seria estabelecida a autoria pela teoria do domínio do fato, mas por violação de dever. Além desses, os delitos culposos, omissivos (próprios e impróprios), também não seriam abrangidos pela teoria do domínio do fato. Observa-se, portanto, que a referida teoria opera em um plano de abstração e funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si mesma e se conceitualmente considerada, para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É insuficiente e equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado aos fatos, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo (comprovação da existência de um plano delituoso comum ou a contribuição relevante para a ocorrência do fato criminoso). Não há, portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva. Também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja ela qual for e de que forma esteja constituída - implicam o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros. O delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua configuração, que a conduta do agente seja dolosa, consistente na utilização de procedimentos (fraude) que violem de forma direta a lei ou o regulamento fiscal, com objetivo de favorecer a si ou terceiros, por meio da sonegação. Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo com a utilização de expedientes espúrios e motivado por interesses pessoais. Na hipótese, o quadro fático descrito na imputação é mais indicativo de conduta negligente ou imprudente. A constatação disso é reforçada pela delegação das operações contábeis sem a necessária fiscalização, situação que não se coaduna com o dolo, mas se aproxima da culpa em sentido estrito, não prevista no tipo penal em questão.
HC 581.315-PR , Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 19/10/2020.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Execução Penal. Progressão de regime. Crime hediondo. Reincidente não específico. Requisito objetivo. Lei n. 13.964/2019 (Pacote anticrime). Lacuna na nova redação do art. 112 da LEP. Interpretação in bonam partem .
A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com resultado morte deve observar o que previsto no inciso VI, a, do artigo 112 da Lei de Execução Penal.
Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que, nos termos da legislação de regência, mostra-se irrelevante que a reincidência seja específica em crime hediondo para a aplicação da fração de 3/5 na progressão de regime, pois não deve haver distinção entre as condenações anteriores (se por crime comum ou por delito hediondo) (AgRg no HC n. 494.404/MS, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20/5/2019). Contudo, tal entendimento não pode mais prevalecer diante da nova redação do art. 122 da Lei de Execução Penal, trazida com a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Com efeito, a Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime, é o que se depreende da leitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). Já a Lei n. 13.964/2019 trouxe significativas mudanças na legislação penal e processual penal, e, nessa toada, revogou o referido dispositivo legal. Agora, os requisitos objetivos para a progressão de regime foram sensivelmente modificados, tendo sido criada uma variedade de lapsos temporais a serem observados antes da concessão da benesse. A leitura da atual redação do dispositivo em comento revela, porém, que a situação em exame (condenado por crime hediondo, reincidente não específico) não foi contemplada na lei. Vejamos: Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: […] V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; […] VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. Dessa forma, em relação aos apenados que foram condenados por crime hediondo mas que são reincidentes em razão da prática anterior de crimes comuns não há percentual previsto na Lei de Execuções Penais, em sua nova redação, para fins de progressão de regime, visto que os percentuais de 60% e 70% se destinam unicamente aos reincidentes específicos, não podendo a interpretação ser extensiva, vez que seria prejudicial ao apenado. Assim, por ausência de previsão legal, o julgador deve integrar a norma aplicando a analogia in bonam partem. No caso (condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente não específico), diante da lacuna na lei, deve ser observado o lapso temporal relativo ao primário. Impõe-se, assim, a aplicação do contido no inciso VI, a, do referido artigo da Lei de Execução Penal, exigindo-se, portanto, o cumprimento de 50% da pena para a progressão de regime.
HC 596.603-SP , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 22/09/2020
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Habeas corpu s individual e coletivo. Tráfico privilegiado. Art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006. Crime não hediondo. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Regime prisional. Proporcionalidade. Súmulas e jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores. Força normativa. Desrespeito ao sistema de precedentes. Necessidade de segurança jurídica, estabilidade e isonomia do jurisdicionado. Busca da racionalidade punitiva.
As diretrizes para individualização da pena e segregação cautelar dos autores de crime de tráfico privilegiado, por decorrerem de precedentes qualificados das Cortes Superiores, devem ser observadas, sempre ressalvada, naturalmente, a eventual indicação de peculiaridades do caso examinado, a permitir distinguir a hipótese em julgamento da que fora decidida nos referidos precedentes.
Há anos são perceptíveis, em um segmento da jurisdição criminal, os reflexos de uma postura judicial que, sob o afirmado escudo da garantia da independência e da liberdade de julgar, reproduz política estatal que se poderia, não sem exagero, qualificar como desumana, desigual, seletiva e preconceituosa. Tal orientação, que se forjou ao longo das últimas décadas, parte da premissa equivocada de que não há outro caminho, para o autor de qualquer das modalidades do crime de tráfico - nomeadamente daquele considerado pelo legislador como de menor gravidade -, que não o seu encarceramento. Essa insistente desconsideração de alguns órgãos judicantes às diretrizes normativas derivadas das Cortes de Vértice produz um desgaste permanente da função jurisdicional, com anulação e/ou repetição de atos, e implica inevitável lesão financeira ao erário, bem como gera insegurança jurídica e clara ausência de isonomia na aplicação da lei aos jurisdicionados. Em suma, diante da mesma situação factual - tráfico de pequena monta, agente primário, sem antecedentes penais, sem prova de vínculo com organização criminosa e de exercício de atividade criminosa (que não seja, é claro, a específica mercancia ilícita eventual que lhe rendeu a condenação) -, há de reconhecer-se que: A Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), em seu art. 112, § 5º (com a redação que lhe conferiu a Lei n. 13.964/2019) é expressa em dizer que "§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006"; O Ministério Público, a par da função exclusiva de exercitar a ação penal pública, é também constitucionalmente incumbido da "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, caput, da C.R.), e deve agir de acordo com critérios de objetividade, compromissado, pois, com o direito (custos iuris) e com a verdade. Logo, a acusação formulada pelo Ministério Público há de consubstanciar uma imputação responsavelmente derivada da realidade fático-jurídica evidenciada pelo simples exame do inquérito policial, muitas vezes já indicativa de que não se cuida de hipótese de subsunção da conduta do agente ao crime de tráfico de drogas positivado no caput do art. 33 da LAD. A jurisprudência dos Tribunais Superiores - quer por meio de Súmulas (verbetes n. 718 e 719 do STF e 440 do STJ), quer por meio de julgamentos proferidos pela composição Plena do Supremo Tribunal Federal, seguidos por inúmeros outros julgamentos da mesma Corte e do STJ - é uníssona e consolidada no sentido de que: Não se pode impor regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito e sem a idônea motivação, que não pode decorrer da mera opinião do julgador; O condenado por crime de tráfico privilegiado, nos termos do art. 33. § 4º, da Lei n. 11.343/2006, a pena inferior a 4 anos de reclusão, faz jus a cumprir a reprimenda em regime inicial aberto ou, excepcionalmente, em semiaberto, desde que por motivação idônea, não decorrente da mera natureza do crime, de sua gravidade abstrata ou da opinião pessoal do julgador; O condenado por crime de tráfico privilegiado, nas condições e nas ressalvas da alínea anterior, faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; O autor do crime previsto no art. 33, § 4º da LAD não pode permanecer preso preventivamente, após a sentença (ou mesmo antes, se a segregação cautelar não estiver apoiada em quadro diverso), porque: a) O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal - e copiosa jurisprudência das Cortes Superiores - afastou a vedação à liberdade provisória referida no art. 44 da LAD; b) Não é cabível prisão preventiva por crime punido com pena privativa máxima igual ou inferior a 4 anos (art. 313, I do Código de Processo Penal); c) O tempo que o condenado eventualmente tenha permanecido preso deverá ser computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade (art. 387, § 2º do CPP), o que, a depender do tempo da custódia e do quantum da pena arbitrada, implicará imediata soltura do sentenciado, mesmo se fixado o regime inicial intermediário, ou seja, o semiaberto (dado que, como visto, não se mostra possível a inflição de regime fechado ao autor de tráfico privilegiado).
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
ProAfR no REsp 1.870.891-PR , Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com os REsp 1.870.815/PR e REsp 1.870.793/RS, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: Possibilidade, ou não, para fins de cálculo do benefício de aposentadoria, de sempre se somar as contribuições previdenciárias para integrar o salário-de-contribuição, nos casos de atividades concomitantes (artigo 32 da Lei n. 8.213/91), após o advento da Lei n. 9.876/99, que extinguiu as escalas de salário-base.
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
ProAfR no REsp 1.867.199-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 09/10/2020
DIREITO CIVIL
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.845.943/SP a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: Definir a legalidade da cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado
ProAfR no REsp 1.870.834-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 09/10/2020
DIREITO CIVIL
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.872.321/SP, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: Definição da obrigatoriedade de custeio pelo plano de saúde de cirurgias plásticas em paciente pós-cirurgia bariátrica.
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - AFETAÇÃO
ProAfR no REsp 1.817.302-SP , Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 29/09/2020, DJe 09/10/2020. ( Tema 8 )
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A Primeira Seção acolheu a proposta de instauração de incidente de assunção de competência, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: Reconhecimento da legalidade de cobrança promovida por concessionária de rodovia, em face de autarquia de prestação de serviços de saneamento básico, pelo uso da faixa de domínio da via pública concedida.