Informativo do STJ 593 de 24 de Novembro de 2016
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
TERCEIRA SEÇÃO
CC 148.350-PI , Rel. Min. Felix Fischer, por unanimidade, julgado em 9/11/2016, DJe 18/11/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Conflito negativo de competência. Crimes contra a honra de particular supostamente cometidos durante depoimento prestado à Procuradoria do Trabalho. Competência da Justiça estadual.
Não compete à Justiça federal processar e julgar queixa-crime proposta por particular contra particular, somente pelo fato de as declarações do querelado terem sido prestadas na Procuradoria do Trabalho.
Tratou-se de conflito de competência negativo em razão da divergência entre Juízo federal e Juízo estadual para processar e julgar ações penais privadas nas quais se buscava apurar a prática dos crimes de calúnia e difamação pelos querelados, em depoimento prestado em inquérito civil instaurado por Procuradoria Regional do Trabalho. Estando em análise nas queixas-crime a prática de delitos contra a honra, e não de falso testemunho, tampouco se vislumbrando nos autos indícios de que os depoimentos prestados por querelados perante o parquet trabalhista são falsos, estaremos diante de verdadeira relação entre particulares e não haverá nenhum interesse ou violação de direito que afete a União, de modo que a causa não se enquadrará em nenhuma das hipóteses do art. 109 da Constituição Federal e não incidirá, assim, a Súmula n. 165 do STJ, que assim dispõe: "compete a justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista."
SEGUNDA TURMA
REsp 1.469.087-AC , Rel. Min. Humberto Martins, por unanimidade, julgado em 18/8/2016, DJe 17/11/2016.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO DO CONSUMIDOR
Concessão de serviços aéreos. Transporte aéreo. Serviço essencial. Cancelamento de voos. Abusividade. Dever de informação ao consumidor.
O transporte aéreo é serviço essencial e pressupõe continuidade. Considera-se prática abusiva tanto o cancelamento de voos sem razões técnicas ou de segurança inequívocas como o descumprimento do dever de informar o consumidor, por escrito e justificadamente, quando tais cancelamentos vierem a ocorrer.
O debate diz respeito à prática no mercado de consumo de cancelamento de voos por concessionária de sem comprovação pela empresa de razões técnicas ou de segurança. As concessionárias de serviço público de transporte aéreo são fornecedoras no mercado de consumo, sendo responsáveis, operacional e legalmente, pela adequada manutenção do serviço público que lhe foi concedido, não devendo se furtar à obrigação contratual que assumiu quando celebrou o contrato de concessão com o Poder Público nem à obrigação contratual que assume rotineiramente com os consumidores, individuais e (ou) plurais. Difícil imaginar, atualmente, serviço mais "essencial" do que o transporte aéreo, sobretudo em regiões remotas do Brasil. Dessa forma, a ele se aplica o art. 22, caput e parágrafo único, do CDC e, como tal, deve ser prestado de modo contínuo. Além disso, o art. 39 do CDC elenca práticas abusivas de forma meramente exemplificativa, visto que admite interpretação flexível. As práticas abusivas também são apontadas e vedadas em outros dispositivos da Lei 8.078/1990, assim como podem ser inferidas, conforme autoriza o art. 7º, caput, do CDC, a partir de outros diplomas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiros. Assim, o cancelamento e a interrupção de voos, sem razões de ordem técnica e de segurança intransponíveis, é prática abusiva contra o consumidor e, portanto, deve ser prevenida e punida. Também é prática abusiva não informar o consumidor, por escrito e justificadamente, quando tais cancelamentos vierem a ocorrer. A malha aérea concedida pela ANAC é uma oferta que vincula a concessionária a prestar o serviço concedido nos termos dos arts. 30 e 31 do CDC. Independentemente da maior ou da menor demanda, a oferta obriga o fornecedor a cumprir o que ofereceu, a agir com transparência e a informar o consumidor.
TERCEIRA TURMA
REsp 1.631.874-SP , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
DIREITO CIVIL
Ação de abstenção de uso de marca. Marco inicial da prescrição.
A pretensão de abstenção de uso de marca nasce para seu titular com a violação do direito de utilização exclusiva.
Controvérsia que se pautou em definir o termo a quo do prazo prescricional da pretensão de abstenção de uso de marca. Decidiu-se que, como a regra insculpida no art. 189 do CC/2002 estabelece que a pretensão nasce para seu titular quando violado o direito subjacente, infere-se que, tratando-se de abstenção de uso de marca, a pretensão surge a partir do momento em que se constata que o direito de utilização exclusiva foi ofendido por ato de terceiro. No caso concreto, havendo expressa manifestação de interesse da titular do direito de uso exclusivo em cessar os efeitos da autorização, a partir da data assinalada como termo final de vigência da liberalidade é que o uso da marca pela autorizada passou a representar violação ao direito de exclusividade, momento em que, via de consequência, nasceu a pretensão inibitória.
REsp 1.582.177-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
DIREITO CIVIL
Ação de usucapião extraordinária para aquisição da propriedade de coisa móvel. Registro no órgão de trânsito. Ausente. Limitação dos direitos da propriedade. Interesse de agir. Existência.
Possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária aquele que tem a propriedade de veículo registrado em nome de terceiros nos Departamentos Estaduais de Trânsito competentes.
Cingiu-se a discussão a definir se a recorrente possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária, com a finalidade de reconhecimento do domínio de veículo e regularização do registro de propriedade junto ao órgão de trânsito correspondente. De fato, a ação de usucapião extraordinária, fundamentada no art. 1.261 do Código Civil, pressupõe a posse da coisa móvel por cinco anos independentemente de justo título ou boa-fé, e tem por objeto a declaração de aquisição da propriedade. A singularidade da hipótese reside na conjugação da disciplina da usucapião extraordinária com as regras relativas à transferência de propriedade de bem móvel. A respeito da questão, de acordo com o art. 1.267 do Código Civil, presume-se proprietário de bem móvel aquele que lhe detém a posse, pela simples razão de que o domínio de bens móveis se transfere pela tradição. A despeito dessa regra geral, em se tratando de veículo, a falta de transferência da propriedade no órgão de trânsito correspondente limita o exercício da propriedade plena, uma vez que torna impossível ao proprietário que não consta do registro tomar qualquer ato inerente ao seu direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem. Dessarte, para a formalização da aquisição do domínio, bem como o exercício pleno da propriedade nos casos de veículos registrados em nome de terceiros, é indispensável que o possuidor proponha ação própria contra aquele em cujo nome a propriedade se encontre registrada. Outrossim, apesar de se observar a posse direta do bem, aquele que a detém terá de elidir a cadeia sucessória dos antigos proprietários, além dos sucessores do proprietário constante dos registros do DETRAN, para exercer a propriedade plena do veículo em questão. Sob esse prisma, a ação de usucapião poderá ser utilizada para o fim pretendido com o fito de possibilitar a transferência administrativa do veículo no órgão de trânsito.
REsp 1.577.229-MG , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 8/11/2016, DJe 14/11/2016.
DIREITO CIVIL
Pretensão de reparação baseada na garantia da evicção. Prazo prescricional. Definição.
A pretensão deduzida em demanda baseada na garantia da evicção submete-se ao prazo prescricional de três anos.
A questão controvertida girou em torno da definição do prazo prescricional aplicável à pretensão de ressarcimento pela evicção. Uma vez que o ordenamento jurídico não prevê expressamente o prazo prescricional da pretensão indenizatória em decorrência da evicção, a questão é saber sobre a possível incidência do prazo especial - três anos - insculpido no art. 206, § 3º, IV ou V, do CC/02, ou do prazo geral - dez anos - previsto no art. 205 do mesmo diploma legal. A Segunda Seção, recentemente, se manifestou sobre o tema no julgamento do REsp 1.360.969/RS (julgado em 10/8/2016, DJe de 19/9/2016), realizado pela sistemática dos recursos repetitivos, ficando assentado nos fundamentos do acórdão que "não há mais suporte jurídico legal que autorize a aplicação do prazo geral, como se fazia no regime anterior, simplesmente porque a demanda versa sobre direito pessoal". E mais, que "no atual sistema, primeiro deve-se averiguar se a pretensão está especificada no rol do art. 206 ou, ainda, nas demais leis especiais, para só então, em caráter subsidiário, ter incidência o prazo do art. 205". Na esteira desse entendimento, convém salientar que a garantia por evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial, que impõe ao alienante, dentre outras consequências, a obrigação de reparar as perdas e os danos eventualmente suportados pelo adquirente evicto. Daí se infere que, independentemente do seu nomen juris, a natureza da pretensão deduzida é tipicamente de reparação civil decorrente de inadimplemento contratual, a qual, seguindo a linha do precedente supramencionado, submete-se ao prazo prescricional de três anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02.
REsp 1.626.020-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 8/11/2016, DJe 14/11/2016.
DIREITO CIVIL
Previdência Complementar Privada. Recebimento de valor a maior por erro da entidade. Devolução. Impossibilidade. Boa-fé do assistido.
Os valores recebidos de boa-fé pelo assistido, quando pagos indevidamente pela entidade de previdência complementar privada em razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de norma do regulamento, não estão sujeitos à devolução.
A discussão ora destacada diz respeito à possibilidade ou não de abatimento na complementação de aposentadoria de valores pagos a maior por erro da própria entidade de previdência privada. Na Previdência Pública, o entendimento já pacificado é de que os valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em virtude de erro imputável ao INSS, a exemplo de equívoco na interpretação ou na aplicação da lei, não estão sujeitos à repetição, máxime em face da natureza alimentar da verba, afastando-se a tese de enriquecimento ilícito. Desse modo, a Autarquia Previdenciária, após constatar o pagamento errôneo de valores, pode efetuar a correção do ato administrativo e suspender novos pagamentos, mas não promover o abatimento das importâncias indevidamente recebidas pelo beneficiário se ele estava de boa-fé, mesmo porque não pode ser prejudicado por algo que não deu causa. Nesse contexto, apesar de os regimes normativos das entidades abertas e fechadas de previdência complementar e da Previdência Social diferirem entre si, possuindo cada qual especificidades intrínsecas e autonomia em relação à outra, o mesmo raciocínio quanto à não restituição das verbas recebidas de boa-fé pelo segurado ou pensionista e com aparência de definitividade deve ser aplicado, a harmonizar os sistemas. Ambos os benefícios se regem pelo postulado da boa-fé objetiva, a resultar, nesse aspecto, na inequívoca compreensão, pelo beneficiado, do caráter legal e definitivo da quantia recebida administrativamente. Cumpre esclarecer que a hipótese dos autos é diversa daquelas envolvendo a devolução de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada, pois, nestes casos, prevalecem a reversibilidade da medida antecipatória, a ausência de boa-fé objetiva do beneficiário e a vedação do enriquecimento sem causa.
REsp 1.622.331-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 8/11/2016, DJe 14/11/2016.
DIREITO CIVIL
Sucessão. Herança. Aceitação tácita. Impossibilidade de renúncia posterior ao ajuizamento de ação de inventário e arrolamento de bens.
O pedido de abertura de inventário e o arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança.
A questão abordada no recurso especial cingiu-se a analisar se o pedido de abertura de inventário e arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança. Inicialmente, cabe destacar que a referida demanda foi ajuizada em conjunto pelo pai e irmão da falecida, sendo que o genitor veio a óbito 30 dias após a realização do ato. Em virtude desse fato, o inventariante, filho do falecido e irmão da pré-morta, formulou o pedido de renúncia em nome do genitor à herança da falecida. Com efeito, impõe-se o reconhecimento tácito da aceitação da herança da filha pré-morta visto ter ocorrido a regularização processual no inventário por parte do seu genitor, que veio a falecer 30 (trinta) dias após o ingresso da referida ação. A sua aceitação infere-se da prática de um ato próprio de quem se reputa herdeiro e demonstra de forma concludente sua intenção em aderir à herança. O exercício do direito pela via judicial conferiu a qualidade de herdeiro ao pai do recorrente.
REsp 1.624.005-DF , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Ação de despejo. Purgação da mora. Contestação e depósito parciais. Art. 62, III, da Lei nº 8.245/1991. Complementação. Incompatibilidade.
Em ação de despejo por falta de pagamento, a intimação do locatário para fins de purgação complementar da mora (prevista no art. 62, III, da Lei n. 8.245/91) é incompatível com a manifestação contrária de sua parte, em contestação, quanto à intenção de efetuar o pagamento das parcelas não depositadas.
Ultrapassada a questão relativa à tempestividade da purgação da mora, passou-se a examinar - via de consequência - se o fato de o locatário efetuar depósito judicial em quantia inferior à apresentada pelo locador e contestar os valores remanescentes, impõe ao juiz a obrigação de intimá-lo para fins de purgação complementar da mora, na forma do art. 62, III, da Lei nº 8.245/1991. De fato, não faz nenhum sentido intimar o locatário para fins de purgação complementar da mora se já houve manifestação negativa de sua parte, em contestação, quanto à intenção de efetuar o pagamento de determinadas parcelas. Observa-se, em tal hipótese, a ocorrência de preclusão lógica. Assim, se há contestação de parte do débito exigido, o locatário praticou ato incompatível com a vontade de purgar a mora, ao menos em relação aos valores questionados, no caso, valores relativos ao IPTU/TLP.
REsp 1.444.008-RS , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Internet. Comércio eletrônico. Provedor de pesquisa. Intermediação não caracterizada. Vício da mercadoria ou inadimplemento contratual. Ausência de responsabilidade.
O provedor de buscas de produtos à venda on-line que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.
O cerne da insurgência apreciada pelo STJ limitou-se a definir se, no comércio eletrônico - isto é, nas compras realizadas na internet -, há responsabilidade solidária, nos termos do art. 7º do CDC, entre o vendedor do produto e o provedor de serviços de buscas de mercadorias à venda on-line. Nesse contexto, cabe destacar que o serviço prestado pela recorrente (Shopping Uol) é um mecanismo de busca orientado ao comércio eletrônico, em que é possível encontrar os produtos e serviços vendidos em ambiente virtual, bem como realizar comparações de preços entre eles, sem realizar qualquer intermediação entre consumidor e vendedor. Da mesma forma que os provedores de busca na internet, apesar da evidente relação de consumo que se estabelece entre a recorrente e aqueles que utilizam seu serviço, a responsabilidade pelas compras de produtos e mercadorias expostos nos resultados deve ser limitada à natureza da atividade por ela desenvolvida. Essa análise do modo como o serviço é prestado na internet é de importância fundamental para se identificar as hipóteses de responsabilidade em cada situação, pois são muitos os modelos de negócios que existem em ambiente virtual. Nesse ponto, portanto, há de ser feita uma distinção fundamental para este julgamento. De um lado, existem provedores de serviço na internet que, além de oferecerem a busca de mercadorias ao consumidor, fornecem toda a estrutura virtual para que a venda seja realizada. Nesses casos, a operação é realizada inteiramente no site desse prestador. Sendo um contrato interativo, a comunicação do consumidor se perfaz somente com os recursos virtuais fornecidos pelo prestador de serviço e, dessa forma, também passa a fazer parte da cadeia de fornecimento, nos termos do art. 7º do CDC, junto com o vendedor do produto ou mercadoria. Nessas situações, é comum a cobrança de comissões sobre as operações realizadas. Há, contudo, uma situação muito distinta quando o prestador de buscas de produtos se limita a apresentar ao consumidor o resultado da busca, de acordo com os argumentos de pesquisa fornecidos por ele próprio, sem participar da interação virtual que aperfeiçoará o contrato eletrônico. Nessas hipóteses, após a busca, o consumidor é direcionado ao site ou recurso do vendedor do produto, interagindo somente com o sistema eletrônico fornecido por este, e não pelo prestador de busca de produtos. Também se diferencia da situação anterior, pela ausência da cobrança de comissões sobre as operações realizadas, pois nessas circunstâncias os rendimentos dos prestadores de busca se originam da venda de espaço publicitário. O Tribunal de origem, ao afirmar que a recorrente integra a cadeia de fornecedores e, assim, é responsável pelo inadimplemento contratual, bastando para isso o simples fato de ela realizar a aproximação entre consumidores e fornecedores, desconsiderou as diferentes formas de buscas voltadas ao comércio eletrônico. Responsabiliza-la por todas as vendas propiciadas pelas buscas por ela realizadas, seria como lhe impor a obrigação de filtrar e verificar a ausência de fraude de cada uma das lojas virtuais existentes na internet - o que não encontra guarida em nosso direito, tampouco na jurisprudência do STJ.
REsp 1.624.005-DF , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação de despejo. Purgação da mora. Prazo. Termo inicial. Mandado. Juntada.
Na ação de despejo, o prazo de 15 (quinze) dias para purgação da mora deve ser contado a partir da juntada aos autos do mandado de citação ou aviso de recebimento devidamente cumprido.
Cingiu-se a controvérsia, inicialmente, a definir se o prazo para purgação da mora, realizada conjuntamente com a contestação e em quantia inferior àquela discriminada na planilha apresentada pela autora, deve ser contado a partir da citação ou da juntada do respectivo mandado aos autos. A purgação da mora é feita mediante depósito judicial vinculado à respectiva ação de despejo, ou seja, é ato intrínseco ao processo (endoprocessual) e nele deve ser comprovada. Assim, o art. 62, II, da Lei n. 8.245/1991, em sua redação atual, por estabelecer prazo para a prática de ato processual, deve ser interpretado em conjunto com o disposto no art. 241, II, do CPC/1973, segundo o qual começa a correr o prazo, quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos autos do respectivo mandado devidamente cumprido. Por óbvio, se a citação ou a intimação for pelo correio, começa a correr o prazo da data de juntada aos autos do aviso de recebimento (art. 241, I, do CPC/1973). Essa orientação, aliás, ao conferir um prazo mais dilatado ao locatário para fins de purgação da mora, é mais consentânea com o princípio da preservação dos contratos, garantindo-se o cumprimento de sua função social.
REsp 1.278.545-MG , Rel. Min. João Otávio de Noronha, por unanimidade, julgado em 2/8/2016, DJe 16/11/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Remição. Art. 788 do CPC de 1973. Crédito trabalhista. Direito de preferência. Inexistência de concurso singular de credores.
O pedido de remição feito com base no art. 788 do CPC de 1973, já estando aperfeiçoado com decisão concessiva transitada em julgado e registro no cartório competente, não deve ser revogado por ter-se apurado posterior crédito privilegiado de credor que não efetivou prévia penhora do bem alienado.
A questão posta em discussão cingiu-se a saber se depois de alienado o bem na execução singular, o fisco ou o credor trabalhista que não efetivaram a penhora podem exercitar o seu direito de privilégio. Em execução por quantia certa, há dois sistemas: a execução concursal ou universal e a execução singular. A primeira pressupõe insolvência, regida pelo princípio da par conditio creditorum, que nivela todos os credores e, consequentemente, credores de mesma categoria submetem-se a um concurso de credores. Já na execução singular vigora o princípio prior in tempore, potior in jure (primeiro no tempo, primeiro no direito), ou seja, o princípio da ordem das prelações da penhora. O credor que penhorou em primeiro lugar recebe seu crédito antes do credor que penhorou em segundo, e assim sucessivamente. Quanto ao direito de preferência, a lei processual civil estabelece que a prioridade é por data de penhora: quem primeiro penhorou tem a preferência, não importando as datas de ajuizamento das ações. Assim, na execução singular, só há concurso de credores quando há coincidência de penhora, ou seja, quando os credores penhoram o mesmo bem. Isso é o que está no art. 612, que estabelece a preferência, cuja interpretação deve ser feita considerando-se os arts. 709, 710 e 711. Embora o inciso II do art. 709 do Código de Processo Civil de 1973 preveja que, antes de entregar o dinheiro ao credor, verificar-se-á se não há uma preferência ou um privilégio, estas só existirão se o credor dessa condição, que pode ser o trabalhista ou o fiscal, penhorar o bem. Depois de alienado o bem na execução, o fisco ou o credor trabalhista que não efetivaram a penhora não podem exercitar o seu direito de privilégio.
QUARTA TURMA
REsp 963.199-DF , Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 7/11/2016.
DIREITO CIVIL
Aquisição de propriedade imóvel. Pagamento de construção em terreno de terceiro não contratante. Responsabilidade desse terceiro.
O construtor proprietário dos materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida pela construção, quando não puder havê-la do contratante.
Cuidou-se, na Corte de origem, entre outras questões, de debate sobre a possibilidade de proprietário de terreno, não contratante da edificação erguida em seu imóvel, e sem qualquer vínculo obrigacional com o responsável pela obra construída, arcar com pagamento do débito originado da mencionada edificação, de acordo com o parágrafo único do art. 1.257 do CC/2002. Conforme doutrina, "o art. 1.256 do Código Civil refere-se a certas situações em que é o proprietário, e não apenas o possuidor, que age de má-fé. Seria uma espécie de má-fé bilateral. Nada obstante, manterá o proprietário a titularidade do imóvel. Presume-se tal estado quando as construções e plantações perfazem-se na presença do proprietário, sem que a este fato venha ele se opor. Todavia, como consequência de sua desídia e omissão em relação à vigilância do que lhe pertencer, deverá ser condenado a indenizar o possuidor de má-fé pelas acessões, consoante exposto no parágrafo único do próprio dispositivo". Por outro lado, o Código Civil, no parágrafo único do art. 1.257, estabeleceu que o direito de pedir a devida indenização ao proprietário do solo igualmente se estende ao proprietário dos materiais empregados na construção, quando não puder havê-la do terceiro que construiu a acessão. Com efeito, é possível extrair das normas em destaque, especialmente do parágrafo único do art. 1.257 do CC/2002, a conclusão no sentido de que o proprietário dos materiais utilizados, poderá cobrar do proprietário do solo, a indenização devida pela construção, quando não puder recebê-la do construtor da obra.
REsp 1.346.171-PR , Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 7/11/2016.
DIREITO CIVIL
Cláusula penal em contrato de prestação de serviços advocatícios. Rescisão unilateral. Direito potestativo do cliente e do advogado. Direito de revogação sem ônus para os contratantes.
Não é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado.
O ponto nodal do debate foi definir sobre a possibilidade de incidência de cláusula penal em contrato de prestação de serviços advocatícios, notadamente em razão de sua natureza personalíssima. Inicialmente, insta destacar que em face da relação de confiança entre advogado e cliente, por se tratar de contrato personalíssimo (intuitu personae), dispõe o Código de Ética e Disciplina da OAB (arts. 8° a 24), no tocante ao advogado, que "a renúncia ao patrocínio deve ser feita sem menção do motivo que a determinou" (art. 16). Em relação ao cliente, estabelece o art. 17 que "a revogação do mandato judicial por vontade do cliente não o desobriga do pagamento das verbas honorárias contratadas, assim como não retira o direito do advogado de receber o quanto lhe seja devido em eventual verba honorária de sucumbência, calculada proporcionalmente em face do serviço efetivamente prestado". Nesse contexto, trata-se de direito potestativo do advogado renunciar ao mandato e, ao mesmo tempo, do cliente revogá-lo, sendo anverso e reverso da mesma moeda, do qual não pode se opor nem mandante, nem mandatário. No caso em exame, discutiu-se a respeito da possibilidade de previsão de cláusula penal inserta em contrato de honorários advocatícios, notadamente em razão da especificidade e da essência da relação advogado/cliente e tendo-se em conta, ainda, os princípios éticos e morais ditados pelo Estatuto da OAB e pelo Código de Ética da profissão. Deveras, justamente por haver regulamentação específica, é que o Código Civil deixa de disciplinar o mandato judicial (art. 692), reservando-se à aplicação supletiva no silêncio das normas processuais (cíveis, penais e trabalhistas) e regulamentares da profissão. Com isso, só há falar em cláusula penal, no contrato de prestação de serviços advocatícios, para as situações de mora e/ou inadimplemento e desde que os valores sejam fixados com razoabilidade, sob pena de redução (CC, arts. 412/413). Por outro lado, não se mostra possível a estipulação de multa para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato, independentemente de motivação, respeitados, no tocante ao advogado, o recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado.
REsp 1.381.603-MS , Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 11/11/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação Monitória. Prova escrita. Juízo de Probabilidade. Correspondência eletrônica. E-mail. Documento hábil a comprovar a relação contratual e existência de dívida.
O correio eletrônico (e-mail) pode fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações.
Cingiu-se a controvérsia em definir se a correspondência eletrônica - e-mail - constitui documento hábil a embasar a propositura de ação monitória. Extrai-se do art. 1.102 do CPC/1.973 os requisitos para a propositura da ação monitória: comprovação da relação jurídica por meio de prova escrita; ausência de força executiva do título e dívida referente a pagamento de soma em dinheiro ou de entrega de coisa fungível ou bem móvel (vide também o art. 700 e incisos do CPC/2.015). Nesse passo, o legislador não definiu o termo "prova escrita", tratando-se, portanto, de conceito eminentemente doutrinário-jurisprudencial. Com efeito, a prova hábil a instruir a ação monitória, a que alude o artigo 1.102-A do Código de Processo Civil, não precisa, necessariamente, ter sido emitida pelo devedor ou nela constar sua assinatura ou de um representante. Basta que tenha forma escrita e seja suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado. Ademais, para a admissibilidade da ação monitória, não é imprescindível que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do juiz, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado. Nesse contexto, nota-se que a legislação brasileira, ainda sob à luz do CPC de 1.973, não proíbe a utilização de provas oriundas de meio eletrônico. Imbuído desse mesmo espírito da "era digital", o novo Código de Processo Civil, ao tratar sobre as provas admitidas no processo, possibilita expressamente o uso de documentos eletrônicos, condicionando, via de regra, a sua conversão na forma impressa. Especificamente sobre a questão controvertida, o maior questionamento quanto à força probante do correio eletrônico está adstrito ao campo da veracidade e da autenticidade das informações, principalmente sobre a propriedade de determinado endereço de e-mail. Em outras palavras, consiste em saber se uma "conta de e-mail" pertence às partes da demanda monitória, bem como se o seu conteúdo não foi alterado durante o tráfego das informações. Entretanto, há mecanismos capazes de garantir a segurança e a confiabilidade da correspondência eletrônica e a identidade do emissor, permitindo a trocas de mensagens criptografadas entre os usuários. É o caso do e-mail assinado digitalmente, com o uso de certificação digital. Nesse caminho, esse exame sobre a validade, ou não, da correspondência eletrônica deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora. De fato, se a legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial não possa ser comprovada por trocas de mensagens via e-mail.
QUINTA TURMA
RHC 67.379-RN , Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em 20/10/2016, DJe 9/11/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Crime de tráfico de drogas. Situação de flagrância. Extração de provas advindas de troca de mensagens por aparelho de telefone celular. Ausência de autorização judicial. Desconsideração das provas obtidas.
Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática.
A temática do especial, entre outras questões, cuidou de avaliar a licitude do acesso pela autoridade policial, por ocasião da prisão em flagrante, dos dados armazenados no aparelho celular da pessoa detida, sem a obtenção de autorização judicial prévia. O art. 6º do CPP estabelece que a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, deve apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais e colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias. Por outro lado, a Lei n. 9.294/1996 preleciona: "Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática". Por seu turno, a Lei n. 9.472/1997, que versa sobre a organização dos serviços de telecomunicações, dispõe: "Art. 3º O usuário de serviços de telecomunicações tem direito: [...] V - à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas". A Lei n. 12.965/2014, ao estabelecer os princípios, garantias e deveres para o uso da internet no Brasil, prevê: "Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial." Ademais, o art. 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do sigilo telefônico, da correspondência, das comunicações telegráficas e telemáticas e de dados bancários e fiscais, devendo a mitigação de tal preceito, para fins de investigação ou instrução criminal, ser precedida de autorização judicial, em decisão motivada e emanada por juízo competente (Teoria do Juízo Aparente), sob pena de nulidade. Nesse contexto, embora seja despicienda ordem judicial para a apreensão dos celulares, ainda que verificada a situação de flagrância, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que deve abranger igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, através de sistemas de informática e telemática. Logo, a fim de proteger tanto o direito individual à intimidade quanto o direito difuso à segurança pública, deve a autoridade policial, após a apreensão do telefone, requerer judicialmente a quebra do sigilo dos dados nele armazenados. Além disso, somente é admitida a quebra do sigilo quando houve indício razoável da autoria ou participação em infração penal; se a prova não puder ser obtida por outro meio disponível, em atendimento ao princípio da proibição de excesso; e se o fato investigado constituir infração penal punido com pena de reclusão.
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
Pet 11.805-DF , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 16/11/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A Terceira Seção, na sessão de 09/11/2016, decidiu afetar o julgamento de questão de ordem a fim de propor a revisão da tese firmada no REsp 1.097.042/DF, relator para acórdão o Ministro Jorge Mussi (art. 927, § 4º, do CPC e art. 256-S do RISTJ - Emenda Regimental nº 24, de 28 de setembro de 2016), acerca da: "natureza da ação penal nos crimes de lesão corporal cometidos contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar. " TEMA 177.