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Jurisprudência STM 7000966-84.2019.7.00.0000 de 03 de dezembro de 2021

Publicado por Superior Tribunal Militar


Relator(a)

CARLOS AUGUSTO AMARAL OLIVEIRA

Revisor(a)

JOSÉ COÊLHO FERREIRA

Classe Processual

APELAÇÃO

Data de Autuação

06/09/2019

Data de Julgamento

11/11/2021

Assuntos

1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,CORRUPÇÃO,CORRUPÇÃO ATIVA. 2) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,CORRUPÇÃO,CORRUPÇÃO PASSIVA. 3) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,EXCLUDENTES,EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO. 4) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 5) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,TIPICIDADE,PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 6) DIREITO PROCESSUAL PENAL,AÇÃO PENAL,NULIDADE,CERCEAMENTO DE DEFESA. 7) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO.

Ementa

APELAÇÃO. CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA. ARTIGOS 308 E 309 DO CPM. PEDIDO DE PROVA PERICIAL. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA. PRECLUSÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. DECISÃO POR UNANIMIDADE. EMISSÃO DE TÍTULOS DE INSCRIÇÃO DE EMBARCAÇÃO. IRREGULARIDADE. PAGAMENTO E RECEBIMENTO DE PROPINA. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA IRRELEVÂNCIA DO FATO. NÃO RECONHECIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADES E AUTORIAS COMPROVADAS. NÃO PROVIMENTO DOS APELOS. DECISÃO POR UNANIMIDADE. Intimações da defesa realizadas nos autos do processo eletrônico, para que indicasse assistente técnico, apresentasse parecer e formulasse quesitos a serem respondidos por peritos em laudo complementar, não havendo, contudo, durante o prazo estabelecido, quaisquer providências da defesa nesse sentido. Correta, portanto, a decisão do Juízo de origem que, ao apreciar novo pedido da defesa de complementação do laudo, feito na fase de saneamento, indeferiu o pleito, com fundamento na preclusão consumativa. As intimações eletrônicas para a realização do ato se deram em total consonância com as disposições contidas na Lei nº 11.419/06. À luz do artigo 5º, § 6º, da referida Lei, a adesão voluntária da defesa ao sistema permite que todas as intimações relativas ao feito ocorram por modo eletrônico, não havendo se falar em cerceamento de defesa sob a alegação de que as intimações deveriam ter sido realizadas mediante publicação em órgão oficial. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa rejeitada. Decisão unânime. No mérito, o conjunto probatório comprovou que o corréu militar articulou um esquema criminoso para emitir rapidamente uma enorme quantidade de títulos de inscrição de embarcação, sem a necessidade de obediência às regras técnicas exigidas pela Marinha. Para tanto, valeu-se da confiança que lhe foi depositada por seu superior hierárquico, o Capitão dos Portos de São Paulo, o qual lhe delegou competência para assinar os aludidos documentos. Ficou demonstrado ainda ter o corréu militar se valido do "login" e da senha de acesso ao Sistema de Gerenciamento de Embarcações da Marinha pertencentes ao seu colega de farda. Em face de tal esquema, recebeu, reiteradamente, dinheiro dos proprietários e dos despachantes navais para exercer sua função pública, diga-se, de forma irregular. Quanto à corré civil, à luz do lastro probatório, carece de verossimilhança sua versão apresentada em Juízo, de que os pagamentos realizados por ela ao corréu militar se deram a título de comissão em virtude da indicação de clientes, prática essa supostamente permitida na sua profissão de despachante naval. Não se sustenta ainda a tese defensiva de que, com base em tal justificativa, a corré agiu sob o pálio do exercício regular de um direito. O exercício regular de um direito, como uma das espécies de excludente de ilicitude, prevista no inciso IV do art. 42 do Código Penal Militar, exige que a conduta esteja de acordo com o ordenamento jurídico, no qual se incluem os princípios constitucionais e infraconstitucionais. Sob esse prisma, ainda que, hipoteticamente, fosse verdade tal versão, o pagamento de "comissão" ou de "gratificação" por um despachante naval a um agente público consiste em conduta contrária aos princípios norteadores da administração pública, a citar, a legalidade, a impessoalidade e a moralidade. O panorama dos autos, a bem da verdade, não deixa dúvidas de que os depósitos bancários realizados na conta corrente do corréu militar por parte da corré nada mais eram do que pagamentos pela emissão dos títulos de inscrição de embarcação sob sua responsabilidade. No tocante ao corréu civil, igualmente, emergem dos autos elementos suficientemente idôneos de que esse contratou e efetuou pagamentos ao corréu militar, então agente público, mais especificamente Suboficial da Marinha, para que esse praticasse atos de ofício de seu interesse, emissão dos títulos de inscrição de embarcação. Foge ao bom senso que o corréu civil concebesse como normal o ato de contratar um militar da Marinha como despachante naval, cujos atos de ofício estavam diretamente imbricados com a atividade contratada, em especial na condição de responsável pela assinatura dos títulos de inscrição das embarcações. Tampouco considerasse normal que esse militar, simplesmente por sê-lo, pudesse requerer a inscrição de embarcações de sua propriedade e de seus clientes perante a Capitania, sem apresentar documento elementar, como é o caso da procuração outorgando poderes para tal ato. A conduta do corréu civil revela um alto grau de reprovabilidade consubstanciado no fato de ter pagado a um militar da Marinha, agente público, para que esse inscrevesse embarcações de seu interesse, sem a observância das normas internas da respectiva Força, o que não pode ser considerado irrelevante sob o aspecto jurídico-penal para fins de incidência do princípio da insignificância. Ademais, nos termos da Súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça, não é aplicável o princípio da insignificância no tocante a crimes praticados contra a Administração Pública, tal como ocorre na hipótese dos autos. Ainda em relação ao corréu civil, incabível a tese defensiva de aplicação do princípio da bagatela imprópria ou da irrelevância penal do fato. Para que o princípio da irrelevância penal do fato seja reconhecido, exige-se que o julgador identifique, dentre outros, o desvalor da ação, requisito esse ausente no caso. No que concerne à pena imposta ao corréu civil, não se verifica qualquer violação aos princípios constitucionais da individualização da pena, da razoabilidade e da proporcionalidade, não havendo se falar ainda em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, incisos II e III, do Código Penal, pois o Código Penal Militar, no art. 59, disciplina, de modo diverso, as hipóteses de substituição de pena cabíveis no âmbito desta Justiça Especializada. Apelos desprovidos. Decisão unânime.


Jurisprudência STM 7000966-84.2019.7.00.0000 de 03 de dezembro de 2021