Jurisprudência STM 7000948-29.2020.7.00.0000 de 26 de dezembro de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
JOSÉ COÊLHO FERREIRA
Revisor(a)
MARCO ANTÔNIO DE FARIAS
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
18/12/2020
Data de Julgamento
08/11/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,CORRUPÇÃO,CORRUPÇÃO PASSIVA. 2) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,CORRUPÇÃO,CORRUPÇÃO ATIVA. 3) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,CRIMES CONTRA O DEVER FUNCIONAL,VIOLAÇÃO DO DEVER FUNCIONAL COM O FIM DE LUCRO. 4) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,PECULATO,PECULATO.
Ementa
APELAÇÃO. DEFESA. CRIME CAPITULADO NO ART. 303 DO CPM. QUESTÃO DE ORDEM. ARGUIÇÃO. DEFESA. MAJORAÇÃO DE TEMPO PARA SUSTENTAÇÃO ORAL. DEFERIMENTO. PRELIMINARES: DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. DE NULIDADE DO JULGAMENTO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. DE INÉPCIA DAS DENÚNCIAS. DE NULIDADE DOS INTERROGATÓRIOS - TEORIA DO JUÍZO APARENTE. DE NULIDADE DA PROVA EMPRESTADA (INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS) – TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS - PROVAS ILÍCITAS RECONHECIDAS EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E EM AÇÃO PENAL NA JUSTIÇA FEDERAL. DE NULIDADE DE LAUDOS. DE NULIDADE DA SENTENÇA PELA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REJEITADAS. DECISÃO UNÂNIME. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONHECIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. MÉRITO. PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO. ERROR IN JUDICANDO. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE PECULATO-DESVIO PARA O CRIME DE LICITAÇÃO OU PARA O CRIME CAPITULADO NO ART. 324 DO CPM. IMPOSSIBILIDADE. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. PREQUESTIONAMENTO DOS ARTS. 1º, INCISO III, 5º, INCISOS, XXXVI, XLVI, LIV, LV, LVI, LVII, E DO ART. 93, INCISO IX, TODOS DA CF/88. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. DECISÃO MAJORITÁRIA. I – Impõe-se, na mesma linha adotada por outros Tribunais, a majoração do tempo de sustentação oral para as partes, tendo em vista o número elevado de advogados inscritos e considerando a observância das normas infraconstitucionais, do princípio do contraditório e da ampla defesa e, ainda, dos tratados subscritos pelo Estado Brasileiro, especialmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Questão de Ordem formulada pela Defesa na tribuna deferida. Decisão unânime. II – É de competência da Justiça Militar da União o crime previsto na legislação penal militar praticado por militar, ocorrido no período entre 2003 e 2005, quando a Justiça Militar da União ainda não tinha competência para processar e julgar crimes previstos na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, devendo ser considerado ultrapassado o questionamento acerca do afastamento do feito desta Justiça castrense, sob pena de violar a índole da sistemática processual penal militar e o próprio preceito constitucional insculpido no art. 124 da Constituição Federal de 1988. Preliminar de incompetência da JMU rejeitada. Decisão unânime. III – Não procede a tese da violação do princípio do juiz natural, tampouco do princípio da segurança jurídica, uma vez que compete ao juiz federal da Justiça Militar, monocraticamente, processar e julgar os feitos processados no âmbito da Justiça Militar da União, nos quais há presença de acusados civis e militares, nos termos do art. 30, inciso I-B, da Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992, alterada pela Lei nº 13.774, de 19 de dezembro de 2018. Preliminar de nulidade do julgamento por violação ao princípio do juiz natural para processar e julgar o feito e ao princípio da segurança jurídica rejeitada. Decisão unânime. IV - Rejeita-se a preliminar de inépcia das denúncias oferecidas nos presentes autos pela ausência de individualização de condutas dos agentes ou pela alegada generalidade das denúncias, visto que a matéria já foi enfrentada no âmbito da JMU e da Suprema Corte, ficando evidente que as peças acusatórias observaram todas as exigências formais do art. 77 do CPPM, a evidenciar os elementos essenciais da figura típica do delito, permitindo o entendimento das defesas sobre os fatos imputados aos acusados e lhes possibilitando o pleno exercício do direito de defesa. Decisão unânime. V –.Rejeita-se a preliminar de nulidade dos interrogatórios prestados pelos corréus perante a Justiça Federal, fundada na tese da impossibilidade de aplicação da teoria do juízo aparente, considerando que não há mais controvérsia sobre essa matéria, seja no âmbito da Justiça Militar ou da Suprema Corte, a qual entendeu que o juízo de primeira instância da Justiça Federal não tinha conhecimento de que se achavam envolvidas autoridades militares em circunstâncias aptas a atrair a competência desta Justiça castrense (RHC 153.869 AgR). Decisão unânime. VI – Rejeita-se a preliminar de nulidade da prova emprestada (interceptações telefônicas) e da nulidade do Relatório de Inteligência da Polícia Federal, arguidas com fundamento na tese da teoria da árvore dos frutos envenenados, considerando que essa matéria já foi enfrentada tanto por esta Corte castrense como pela Suprema Corte. A simples notícia de que há julgado naquela Corte em favor de um acusado, sem extensão aos demais apelantes deste processo, e de que a maioria dos apelantes foi absolvida em diversas ações de improbidade administrativa, no âmbito da Justiça Federal, não são suficientes para relativizar as condenações dos recorrentes na Ação Penal Militar. Ademais, sequer houve trânsito em julgado nos autos dos Embargos de Declaração na Apelação Criminal n. 2006.32.00.005269-6/AM, em trâmite na Terceira Turma do TRF/1ª Região. Preliminar rejeitada. Decisão unânime. VII – Rejeita-se a preliminar de nulidade do Laudo de Avaliação indireta e do Laudo pericial elaborado por perito sem conhecimento técnico, considerando que os laudos foram confeccionados seguindo o rito previsto no art. 48 do CPPM, cujo dispositivo não exige que a perícia seja realizada por profissional de nível superior, disciplinando, tão somente, uma margem de preferência, e não uma obrigatoriedade. Além disso, não há qualquer respaldo legal ou jurisprudencial na pretensão das Defesas dos apelantes para anulação ou desentranhamento de Laudos elaborados por peritos designados por Encarregado de IPM, ou seja, peças produzidas na fase inquisitorial que foram valoradas pelo Juízo a quo em conjunto com outras provas produzidas nos autos. Preliminar rejeitada. Decisão unânime. VIII – Rejeita-se a Preliminar de nulidade do laudo de exame financeiro colhido na Justiça Federal, tendo em vista que a prova emprestada tem aptidão para servir de elemento indiciário no bojo do acervo probatório. Ademais, a tese defensiva restou fragilizada, uma vez que o mencionado laudo se encontrava nos autos desde o início da instrução criminal e sujeito ao crivo do contraditório para todos os envolvidos no processo-crime. Decisão unânime. IX – Embora seja factível ajustar a fundamentação da Sentença na parte referente à dosimetria da pena, não procede a arguição de nulidade do provimento judicial atacado, com fundamento no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, uma vez que não há espaço para relativizar a condenação dos apelantes, tão somente, porque o Tribunal de Contas da União teria considerado legais os procedimentos licitatórios, sobretudo porque há segurança jurídica para invocar a independência das decisões penais e administrativas. Preliminar de nulidade da Sentença pela ausência de fundamentação rejeitada. Decisão unânime. X – Para análise dos preceitos constitucionais visando à nulidade da sentença na parte referente à condenação e à dosimetria da pena, sob o argumento de que houve violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena (arts. 1º, inciso III, e 5º, inciso XLVI, ambos da Constituição Federal de 1988), é necessário uma detida análise do mérito da quaestio. Portanto, impõe-se o não conhecimento da preliminar de nulidade da sentença. Decisão unânime. XI – Refuta-se a tese defensiva de que não houve crime de peculato-desvio e que o citado delito deveria ser desclassificado para crimes licitatórios previstos na Lei nº 8.666/1993 ou, ainda, para o crime de inobservância de lei, regulamento ou instrução, previsto no art. 324 do CPM, prevalecendo o entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça segundo o qual “não é possível a desclassificação do crime de peculato para o previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993 quando a licitação fraudulenta é o meio necessário para o desvio de recursos” (AgRg no HC 550.199/RN). XII - As teses absolutórias formuladas pelas Defesas, visando à reforma da sentença recorrida, com fulcro no art. 439, incisos “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, foram motivadamente refutadas na mesma linha do provimento condenatório, uma vez que, seja perante a Suprema Corte ou no âmbito desta Justiça castrense, as Defesas dos apelantes não obtiveram êxito em anular as provas decorrentes das interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal, bem como outras provas carreadas aos autos, ficando evidente a formação de um juízo de certeza para a condenação dos réus mediante a comprovação das autorias e das materialidades dos delitos, motivo pelo qual o Juízo a quo, acertadamente, julgou procedente as denúncias por se tratarem de fatos típicos, antijurídicos e culpáveis, não havendo quaisquer causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade. XIII – É cabível a reforma da sentença condenatória que, mediante avaliação equivocada do disposto no art. 69 CPM, considerou a existência de 10 (dez) circunstâncias judiciais para imposição da pena-base, ao passo que o legislador reservou ao julgador apenas 8 (oito) circunstâncias. Isso porque a gravidade do crime e a personalidade do réu não podem ser consideradas como acréscimo de mais duas circunstâncias judiciais para compor o cálculo para fixação da pena-base. A primeira compreende justamente as circunstâncias judiciais de caráter objetivo, refletidas na maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano, os meios empregados, o modo de execução, e as circunstâncias de tempo e lugar, enquanto que a segunda, personalidade do réu, engloba a intensidade do dolo ou grau da culpa, os motivos determinantes, os antecedentes do réu e a sua atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime. XIV – Impõe-se, também, a revisão da dosimetria da pena, sob pena de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena (arts. 1º, inciso III, e 5º, inciso XLVI, ambos da Constituição Federal de 1988), para ajustar os equívocos verificados na sentença recorrida por incorrer em violação ao princípio do no bis in idem, pois o Juízo a quo, pelo mesmo fato gerador, permitiu a exasperação da pena pela circunstância judicial referente à extensão do dano e a sua majoração com base no art. 303, § 1º, do CPM, e, ainda, aplicou, incorretamente, a continuidade delitiva em relação a determinado apelante. XV – Relativamente aos demais preceitos constitucionais prequestionados (arts. 5º, incisos XXXVI, LIV, LV, LVI, LVII, e 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal de 1988), caberá à Defesa, oportunamente e se for o caso, demonstrar a relevância e a transcendência das questões discutidas nos autos, com o intuito de comprovar a existência de repercussão geral na forma do art. 1.030 do Código de Processo Civil. XVI – No mérito, Apelos parcialmente providos. Decisão majoritária.