Jurisprudência STM 7000898-95.2023.7.00.0000 de 05 de maio de 2025
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
LEONARDO PUNTEL
Revisor(a)
MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
31/10/2023
Data de Julgamento
13/03/2025
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A AUTORIDADE OU DISCIPLINA MILITAR,INSUBORDINAÇÃO,ART. 166, CPM - PUBLICAÇÃO OU CRÍTICA INDEVIDA. 2) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,CRIMES CONTRA A HONRA,ART. 214, CPM - CALÚNIA. 3) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,CRIMES CONTRA A HONRA,ART. 216, CPM - INJÚRIA. 4) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE. 5) DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR,JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA,COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. 6) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,TIPICIDADE,PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
Ementa
DIREITO PENAL MILITAR. APELAÇÃO. MPM E DPU. CRÍTICA INDEVIDA. CALÚNIA. DIFAMAÇÃO. INJÚRIA. OFENSA À HONRA DE SUPERIOR HIERÁRQUICO. ARTS. 166, 214, 215 E 216 DO CPM. PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JMU. JULGAMENTO DE CIVIS EM TEMPO DE PAZ. NÃO OCORRÊNCIA. REJEIÇÃO. PRELIMINAR. NULIDADE. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOBSERVÂNCIA DOS ARTS. 396 E 396-A DO CPP. REJEIÇÃO. MÉRITO. PUBLICAÇÃO DE VÍDEO EM PLATAFORMA ON-LINE. CRÍTICAS AO COMANDANTE DA OM. ENQUADRAMENTO DAS CONDUTAS. DISTINÇÃO ENTRE INJÚRIA, DIFAMAÇÃO E CALÚNIA. CONDENAÇÃO POR PUBLICAÇÃO OU CRÍTICA INDEVIDA. MANUTENÇÃO. CRIME DE CALÚNIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. INJÚRIA. DESCLASSIFICAÇÃO. DIFAMAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. OFENSA À HONRA OBJETIVA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DEFENSIVO. NÃO PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. RECURSO MINISTERIAL. PROVIMENTO. DECISÃO POR MAIORIA. 1 - Esta Corte firmou entendimento no sentido de que a interpretação da Lei nº 8.457/92, após as alterações promovidas pela Lei nº 13.774/18, deve levar em consideração a situação do acusado (civil ou militar) para a fixação da competência, no momento da prática do delito, em respeito à Teoria da Atividade quanto ao tempo do crime. Ademais, mesmo no caso de o acusado ser civil no momento da prática de crime militar, este Tribunal possui entendimento consolidado de que o julgamento de civis pela Justiça Militar não viola a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 2 - A Lei nº 8.457/92, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.774/18, estabelece, em seu art. 27, II, a competência do Conselho Permanente de Justiça para o julgamento dos crimes militares praticados por militares e ex-militares, conforme consolidado no IRDR nº 7000425-51.2019.7.00.0000, transitado em julgado em 17/12/2020. O referido entendimento, positivado na Súmula nº 17 do STM, reforça que a perda da condição de militar não descaracteriza a natureza militar do crime nem desloca a competência do julgamento para a Justiça Comum. Preliminar de incompetência absoluta da JMU para julgamento de civis em tempo de paz rejeitada. Decisão unânime. 3 - Consoante entendimento do STM, embora o CPPM não preveja expressamente a defesa prévia, prevista nos arts. 396 e 396-A do CPP, o Ordenamento Castrense assegura plenamente as garantias constitucionais dos acusados, especialmente os princípios da ampla defesa e do contraditório, não havendo omissão legislativa que justifique a aplicação subsidiária do CPP com fundamento no art. 3º do CPPM. Trata-se de sistemas normativos distintos, devendo prevalecer a legislação processual penal militar em respeito ao Princípio da Especialidade. No entanto, em recente decisão, o STF determinou a aplicação dos referidos dispositivos à Justiça Militar da União, modulando os efeitos de sua decisão para que o rito da resposta à acusação seja adotado apenas nos processos penais militares cuja instrução não tenha se iniciado até 19/12/2023, salvo quando a parte houver requerido expressamente essa oportunidade em momento oportuno, o que não se verifica no presente caso. Preliminar de violação ao devido processo legal rejeitada. Decisão unânime. 4 - O crime de publicação ou crítica indevida, previsto no art. 166 do Código Penal Militar, resguarda os princípios da disciplina e da hierarquia militares, reprimindo manifestações públicas que afrontem a autoridade de superior ou resoluções do Governo. Nesse contexto, o Plenário do STF, quando do julgamento da ADPF nº 475, reconheceu a constitucionalidade da norma que prevê pena de detenção para militares que publicamente critiquem atos de superiores ou decisões governamentais, concluindo pela sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988. 5 - A liberdade de expressão não é absoluta, devendo ser exercida de forma compatível com os princípios da hierarquia e da disciplina, conforme reiterado entendimento do STM. 6 - O crime previsto no art. 166 do CPM tem como bem jurídico tutelado a disciplina militar, comprometida pela afronta decorrente de publicações ou críticas indevidas. Quando a conduta ofensiva se dirige a atos de um superior, atinge também sua autoridade, abalando a hierarquia e a ordem da instituição militar. As condutas típicas consistem na publicação e na crítica, exigindo a prática dolosa, ou seja, a intenção consciente de realizá-las. 7 - No caso concreto, restou comprovado que o acusado realizou crítica indevida a ato de superior hierárquico por meio de publicação de vídeo em plataforma on-line de amplo alcance, expondo negativamente a autoridade militar e comprometendo a disciplina. 8 - Para a configuração do crime de calúnia, previsto no art. 214 do CPM, é imprescindível a imputação falsa e inequívoca de um fato criminoso a outrem, com a intenção clara de atribuir-lhe a prática de infração penal (animus caluniandi). A mera publicação de críticas que ofendam a honra objetiva de terceiros não caracteriza, por si só, o referido delito, caso não haja prova contundente de que o agente tinha ciência da falsidade da imputação ou o dolo específico de atribuir um crime. A jurisprudência desta Corte reforça que a qualificação das acusações deve ser precisa e satisfatória, não bastando alegações genéricas ou imputações sem respaldo probatório mínimo. 9- O CPM prevê os crimes de injúria e difamação como formas de proteção à honra, diferenciando-se quanto ao bem jurídico tutelado. A injúria ofende a honra subjetiva da vítima, atingindo sua dignidade pessoal por meio de expressões depreciativas ou insultos diretos. Já a difamação compromete a honra objetiva, afetando a reputação da vítima perante terceiros ao imputar-lhe fato desonroso, verdadeiro ou não. In casu, a conduta do Acusado não se limitou a ofender diretamente o Ofendido, mas buscou macular sua imagem e prejudicar seu conceito profissional perante a comunidade militar, configurando difamação, o que impõe a desclassificação do crime para o tipo previsto no art. 215 do CPM, em observância ao princípio da verdade real. 10- A reclassificação da tipificação não configura reformatio in pejus, quando há recurso ministerial postulando a condenação por infração penal de maior gravidade, desde que derivada da mesma matéria fática e juridicamente compatível com a imputação originalmente formulada. 11 - Apelos do MPM e da DPU conhecidos. Recurso da defesa não provido à unanimidade. Recurso ministerial parcialmente provido para reclassificar a conduta prevista no art. 216 do CPM (injúria) para o tipo penal previsto no art. 215 do CPM (difamação). Decisão por maioria. 12- Sentença parcialmente reformada para correção do enquadramento legal, com a consequente fixação da pena adequada.