JurisHand AI Logo
|

Jurisprudência STM 7000834-22.2022.7.00.0000 de 23 de maio de 2023

Publicado por Superior Tribunal Militar


Relator(a)

CARLOS VUYK DE AQUINO

Revisor(a)

JOSÉ BARROSO FILHO

Classe Processual

APELAÇÃO CRIMINAL

Data de Autuação

01/12/2022

Data de Julgamento

04/05/2023

Assuntos

1) DIREITO PENAL,CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. 2) DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR,JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA,COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. 3) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 4) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR.

Ementa

APELAÇÃO. DEFESA CONSTITUÍDA. DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO OU DE CENA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, DE CENA DE SEXO OU DE PORNOGRAFIA. ART. 218-C DO CÓDIGO PENAL COMUM. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO PARA O PROCESSAMENTO E O JULGAMENTO DO FEITO. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINARES DE NULIDADE PELA INÉPCIA DA DENÚNCIA E PELA AUSÊNCIA DE DOLO. NÃO CONHECIMENTO. UNANIMIDADE. MÉRITO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. DÚVIDA SOBRE A MATERIALIDADE DELITIVA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE DOLO. ALEGAÇÃO DE BRINCADEIRA. NÃO ACOLHIMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. REDUÇÃO DA PENA. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. UNANIMIDADE. O comando constitucional insculpido no art. 124 atribui à Justiça Militar da União a competência para o processamento e o julgamento dos crimes militares definidos no Código Penal Militar, de sorte que o legislador constituinte conferiu ao legislador ordinário a competência para definir tais condutas. Assim, quando a novel redação do inciso II do artigo 9º do Estatuto Repressivo Castrense, alterado pela Lei nº 13.491/2017, considerou crime militar os previstos na legislação comum, nas circunstâncias delineadas nas alíneas subsequentes, a conduta perpetrada pelos Acusados encontra melhor adequação ao que se convencionou denominar crime militar por extensão, atraindo, por via de consequência, a competência desta Justiça Especializada para o processamento e o julgamento do feito, tal como se procedeu. Na espécie, os Acusados foram denunciados pela prática do delito previsto no art. 218-C do Código Penal comum, em circunstâncias que encontram perfeita adequação à dicção do artigo 9º, inciso II, alínea “a”, do Código Penal Militar, o que atrai a competência desta Justiça Especializada para o processamento e o julgamento do feito, tendo sido levado a efeito pelo Conselho Permanente de Justiça, nos exatos termos da legislação de regência. Preliminar rejeitada. Decisão por unanimidade. Consoante a reiterada jurisprudência desta Corte Castrense, é incabível a discussão de inépcia da denúncia em sede de Apelação. A alegação de nulidade requer a demonstração cabal do prejuízo suportado pela Parte, em atenção ao brocardo pas de nullité sans grief, nos termos da dicção do art. 499 do Código de Processo Penal Militar, bem assim, segundo o comando inserido na alínea “a” do artigo 504 do Código de Processo Penal Militar, as nulidades da instrução devem ser indicadas até a apresentação das alegações escritas, circunstâncias que não se identificaram nos presentes autos, tornando preclusa a irresignação defensiva. Quanto à alegação de supostas inconsistências da Peça Acusatória pela ausência de dolo na conduta dos Acusados, o tema se imiscui com o mérito propriamente dito, de sorte que deve ser aplicada a dicção do artigo 81, § 3º, do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar. Preliminares de nulidade não conhecidas. Decisões por unanimidade. O crime de divulgação de cena de nudez previsto no art. 218-C, parte final, do Código Penal comum, é crime de mera conduta ou simples atividade, consumando-se com a prática das ações descritas no tipo, e caracteriza-se como delito contra a dignidade sexual, não exigindo uma qualidade especial do sujeito ativo, visto que se trata de delito comum e não necessita de produção de resultado e, por ser de forma livre, pode ser praticado, inclusive, por meio de comunicação de massa ou sistema informatizado, tal qual o aplicativo WhatsApp. A argumentação de falta de perícia para afastar a prova da materialidade delitiva não merece acolhida, pois a sua ausência, por si só, não afasta a responsabilidade penal dos Acusados. Afinal, é possível supri-la por outros meios lícitos de prova, o que se evidencia nos autos vertentes na medida em que as testemunhas confirmaram terem visto o vídeo. Nessas circunstâncias, aliado ao nítido constrangimento dos Ofendidos, é inaplicável o Princípio in dubio pro reo, até mesmo porque a filmagem foi visualizada por vários integrantes do grupo do aplicativo. Os autos evidenciam o elemento subjetivo do tipo penal incursionador consubstanciado no dolo consistente no ânimo de praticar contra alguém e sem a sua anuência o crime de divulgação de cena de nudez, independentemente de qualquer finalidade específica, circunstância que afasta a alegação defensiva de que tudo não passava de uma brincadeira. Conforme ressai do disposto no art. 32 do Código Penal Militar, nenhuma pena será aplicada quando, pela ineficácia absoluta do meio empregado ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumar-se o crime, hipótese que não se verifica nos autos na medida em que um dos Acusados compartilhou o vídeo gravado pelo outro no citado grupo de WhatsApp, divulgando novamente as imagens de nudez de seus colegas de farda, quando, sabidamente, os Ofendidos teriam que anuir com tal desiderato, o que evidentemente não ocorreu no caso em comento. A aplicação do arrependimento posterior descrito no art. 16 do Código Penal comum, com vistas à redução da pena na terceira fase da dosimetria da pena, a toda evidência, não merece acolhida, na esteira da reiterada jurisprudência desta Corte Castrense no sentido de que o referido instituto não se aplica ao processo penal militar, em razão do Princípio da Especialidade. Embora os autos presentes tratem de conduta caracterizada como crime militar por extensão, a Parte Geral do Código Penal comum não foi albergada pela novel modificação, devendo ser mantida a constante do Estatuto Repressivo Castrense que, como destacado acima, não contempla o arrependimento posterior. Nada obstante, ainda que se pudesse considerar eventual aplicação do referido instituto no âmbito desta Justiça Especializada, no contexto dos fatos apurados não caberia essa possibilidade, pois, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “(...) o benefício do arrependimento posterior exige a reparação integral do dano, por ato voluntário, até o recebimento da denúncia (...)”. In casu, o fato de ter sido apagado o vídeo não faz desaparecerem as consequências danosas enfrentadas pelas vítimas. Em circunstâncias como a descrita nos autos vertentes não há como se voltar ao status quo anterior, simplesmente porque não é possível apagar da mente de quem já havia visto o vídeo a referida imagem e ideia sobre o fato. Apelo defensivo não provido. Decisão por unanimidade.


Jurisprudência STM 7000834-22.2022.7.00.0000 de 23 de maio de 2023 | JurisHand AI Vade Mecum