Jurisprudência STM 7000826-79.2021.7.00.0000 de 23 de maio de 2022
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA
Classe Processual
APELAÇÃO
Data de Autuação
12/11/2021
Data de Julgamento
05/05/2022
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO,DANO,DANO SIMPLES. 2) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,CRIMES CONTRA A HONRA,INJURIA REAL. 3) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES PREVISTOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. 4) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,CRIMES CONTRA A LIBERDADE,CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 5) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 6) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO. 7) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR.
Ementa
RECURSOS DE APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA EM CONCRETO. ACOLHIMENTO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE NULIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. MÉRITO. APELO DEFENSIVO. INJÚRIA REAL. ART. 217 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. NÃO RECONHECIMENTO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DÚVIDAS QUANTO À AUTORIA DELITIVA. TESTEMUNHOS CONTRADITÓRIOS. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. NÃO ACOLHIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. ATITUDE DE INSENSIBILIDADE, INDIFERENÇA E NÃO ARREPENDIMENTO. CIRCUNSTÂNCIA FAVORÁVEL. RECONHECIMENTO. REDUÇÃO DA PENA-BASE. DANO SIMPLES. ART. 259 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DÚVIDAS QUANTO À AUTORIA DELITIVA. TESTEMUNHOS CONTRADITÓRIOS. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. NÃO ACOLHIMENTO. EXCLUSÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. ACOLHIMENTO PARCIAL. AFASTAMENTO DO RECONHECIMENTO DA ATITUDE DE INSENSIBILIDADE, INDIFERENÇA E NÃO ARREPENDIMENTO. PENA-BASE. MÍNIMO LEGAL. NÃO ACOLHIMENTO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. UNANIMIDADE. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. CONSTRANGIMENTO À CRIANÇA OU ADOLESCENTE. ART. 232 DA LEI Nº 8.069/90. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ARTIGO 222, PARÁGRAFO PRIMEIRO, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. UNANIMIDADE. Considerando a dicção do § 3º do artigo 125 do Código Penal Militar, no sentido de que, no caso de concurso de crimes ou de crime continuado, a prescrição é referida não à pena unificada, mas à cada crime considerado isoladamente, deve ser reconhecida e declarada a prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua modalidade retroativa, em relação à condenação pelo delito de dano simples, uma vez que, considerando que à época do fato delituoso o Réu era menor de 21 (vinte e um) anos de idade, transcorreu o lapso prescricional de 1 (um) ano entre a Decisão que recebeu o aditamento da Denúncia, em 10 de julho de 2020, e a publicação da Sentença condenatória de primeiro grau, ocorrida no dia 4 de outubro de 2021, nos termos do inciso VII e o § 1º do artigo 125 do Código Penal Militar, c/c o art. 129 do referido Códex Castrense. Preliminar de extinção da punibilidade acolhida. Decisão unânime. Embora a argumentação defensiva não tenha trazido uma linha sequer dos motivos da arguição de nulidade, o que leva a crer, inclusive, ter-se tratado de erro material no pedido, ainda assim, o pleito não merece acolhida. Conforme se evidencia da Peça Acusatória, a Denúncia formulada em 21 de janeiro de 2020 pelo Ministério Público Militar, bem como o seu posterior Aditamento ocorrido em 1º de julho de 2020, descreveram minuciosa e escorreitamente os fatos relativos às condutas perpetradas pelo Réu, preenchendo, pois, os requisitos delineados pelos arts. 77 e 78 do Código de Processo Penal Militar sem que houvesse qualquer insurgência relativa a eventuais nulidades ao longo da instrução processual, tampouco nas Alegações Escritas e na própria Audiência de Julgamento. Nesse contexto, considerando a dicção da alínea "a" do artigo 504 do Código de Processo Penal Militar, segundo o qual as nulidades da instrução do processo deverão ser arguidas no prazo para a apresentação das alegações escritas, o pedido defensivo resta absolutamente precluso, até mesmo porque diz respeito a eventual inépcia da Peça Pórtico. Preliminar de nulidade rejeitada. Decisão unânime. 1) Apelo da Defensoria Pública da União: 1.1 Injúria Real No crime de injúria real, o autor ofende moralmente o sujeito passivo com agressões físicas que, por sua natureza ou pelo meio empregado, são humilhantes, sendo certo que o elemento subjetivo do tipo penal incursionador é o dolo consubstanciado na intenção especial de ofender, magoar, macular a honra alheia. A toda evidência, até mesmo pelos depoimentos colhidos ao longo da instrução processual, os Ofendidos foram submetidos à ofensa aviltante mesmo após estarem rendidos e de joelhos em local sujeito à Administração Militar, razão pela qual a conduta perpetrada pelo Réu encontra perfeita adequação ao tipo penal descrito no art. 217 do Código Penal Militar. O estrito cumprimento do dever legal, quando muito, alberga a conduta do Acusado tão somente em relação à abordagem para averiguação dos Ofendidos que, a toda evidência, encontravam-se em local sujeito à Administração Militar. Todavia, o modus operandi após a contenção foi de todo equivocado e caracterizou a prática criminosa. É cediço que o Princípio da Individualização da Pena permite que o Julgador, dentro dos limites abstratamente cominados pelo legislador, fixe a reprimenda objetivando a prevenção e a repressão do crime perpetrado, conferindo-lhe, pois, certo grau de discricionariedade em todas as fases da dosimetria. Por ocasião da primeira fase da dosimetria da pena aplicada ao Acusado, ao analisar o art. 69 do Código Penal Militar, o Conselho Julgador de primeiro grau considerou como desfavoráveis as circunstâncias judiciais relativas ao lugar do crime, bem como a atitude de insensibilidade, indiferença ou não arrependimento. Embora, de fato, os autos demonstrem que o Acusado e os demais integrantes da Patrulha, ao retornarem para a sede do Batalhão, não reportaram a ocorrência, em verdadeiro "acordo de cavalheiros" após a orientação do próprio Acusado de que fossem omitidas as agressões e os danos contra os Ofendidos, tendo sido o delito descoberto, tão somente, porque os Civis alertaram os seus pais que, por sua vez, denunciaram as agressões na Seção de Inteligência da Unidade, em seu depoimento prestado em Juízo, ao ser questionado pela Defesa constituída sobre as circunstâncias narradas na Denúncia, o Réu declarou que "(...) se eu pudesse voltar no tempo, teria feito tudo diferente, com a cabeça que tenho hoje, com a experiência do Batalhão na minha vida militar. Teria feito tudo diferente.". Nada obstante essa constatação, é adequada a majoração da pena-base em 1 (um) mês em relação ao mínimo legal, perfazendo, portanto, 2 (dois) meses de detenção, tendo em vista que a fixação da pena em patamar superior encontra guarida na jurisprudência dos Pretórios e na doutrina, uma vez que apenas se todas as circunstâncias judiciais forem favoráveis tem cabimento a aplicação da pena no mínimo. Não sendo, deve ela situar-se acima da previsão mínima feita pelo legislador, recaindo, portanto, na discricionariedade anteriormente delineada. 1.2 Dano Simples O delito de dano (simples, atenuado ou qualificado) se consuma com a efetiva destruição, inutilização, deterioração ou desaparecimento da coisa alheia. Destruir significa quebrar totalmente, fazer em pedaços, desfazer, subverter a coisa, e que fazer desaparecer resume-se no ato de sumir, tornar inalcançável. As circunstâncias descritas e comprovadas ao longo da instrução processual revelam, a toda evidência, que a atitude correta que deveria ter sido procedida pelo Acusado seria a de recolher os objetos, jamais determinar que fossem retirados dos Ofendidos para, posteriormente, quebrar o aparelho celular e arremessá-lo, juntamente com as correntes, na direção do matagal, o que, inclusive, redundou na perda dos objetos pertencentes aos Civis. Por ocasião da primeira fase da dosimetria da pena aplicada ao Acusado, ao analisar o art. 69 do Código Penal Militar, o Conselho Julgador de primeiro grau considerou como desfavoráveis as circunstâncias judiciais relativas ao lugar do crime e ao modo de execução, bem como a atitude de insensibilidade, indiferença ou não arrependimento. Embora, de fato, os autos demonstrem que o Acusado e os demais integrantes da Patrulha, ao retornarem para a sede do Batalhão, não reportaram a ocorrência, em verdadeiro "acordo de cavalheiros" após a orientação do próprio Acusado de que fossem omitidas as agressões e os danos contra os Ofendidos, tendo sido o delito descoberto, tão somente, porque os Civis alertaram os seus pais que, por sua vez, denunciaram as agressões na Seção de Inteligência da Unidade, em seu depoimento prestado em Juízo, ao ser questionado pela Defesa constituída sobre as circunstâncias narradas na Denúncia, o Réu declarou que "(...) se eu pudesse voltar no tempo eu teria feito tudo diferente, com a cabeça que eu tenho hoje, com a minha experiência do Batalhão na minha vida militar. Teria feito tudo diferente.". Nada obstante essa constatação, é adequada a majoração da pena-base em 1 (um) mês em relação ao mínimo legal, perfazendo, portanto, 4 (quatro) meses de detenção, tendo em vista que a fixação da pena em patamar superior encontra guarida na jurisprudência dos Pretórios e na doutrina, uma vez que apenas se todas as circunstâncias judiciais forem favoráveis tem cabimento a aplicação da pena no mínimo. Não sendo, deve ela situar-se acima da previsão mínima feita pelo legislador, recaindo, portanto, na discricionariedade anteriormente delineada. Recurso defensivo parcialmente provido. Decisão unânime. 2) Apelo do Ministério Público Militar: Constranger significa forçar alguém a fazer alguma coisa ou tolher seus movimentos para que deixe de fazer. A violência e a grave ameaça são os meios primários de se cometer o delito de constrangimento ilegal. Os argumentos ministeriais partem da premissa, de todo equivocada, de que os Ofendidos teriam sido colocados de joelhos, com as mãos na cabeça para serem agredidos pelos militares integrantes da Patrulha, o que, a toda evidência, não corresponde à realidade, a uma porque as agressões desferidas, aqui identificadas como os tapas no rosto dos Civis, tiveram outro contexto o qual foi relacionado ao delito de injúria real, pelo qual, inclusive, os Sargentos foram condenados. Em segundo lugar, se o constrangimento ilegal não poderia ser reconhecido na conduta dos Sargentos, quiçá o seria para o Cabo e os demais Soldados integrantes da Patrulha, até mesmo pela posição hierárquica desses militares, bem como porque, por ocasião da abordagem, cujo procedimento foi absolutamente correto até a contenção dos Civis, eles não participaram desse ato, senão para guarnecer a retaguarda sem que proferissem qualquer ordem ou palavra de cunho ofensivo que pudesse constranger os Ofendidos que, sabidamente, foram encontrados em atitude suspeita em área sujeita à Administração Militar. Afinal, o local onde foram encontrados era situado nos fundos da Unidade Militar, fazendo divisa com uma região conhecidamente perigosa e que, segundo as provas testemunhais, era rotineiramente utilizada para o consumo de substâncias entorpecentes, bem como era lugar no qual foram abandonados veículos produtos de ilícitos cometidos nas cercanias da Organização. Os autos revelam que, nas circunstâncias em que foram encontrados no interior do aquartelamento, os Ofendidos, em absoluto, teriam sido submetidos a constrangimento. Nesse contexto, tanto quanto se revela atípica a conduta descrita no art. 222 do Código Penal Militar, o mesmo raciocínio vale para a conduta tipificada no art. 232 da Lei nº 8.069/90, que atribui responsabilidade criminal a quem submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento. Os tipos, portanto, possuem a mesma essência, tratando-se o segundo de conduta dirigida a quem constranger criança ou adolescente. Portanto, absolutamente necessária e justificada a abordagem realizada nos Civis, naquilo que diz respeito à contenção para averiguação. Apelo ministerial a que se nega provimento. Decisão unânime.