Jurisprudência STM 7000823-90.2022.7.00.0000 de 20 de setembro de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
JOSÉ BARROSO FILHO
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
25/11/2022
Data de Julgamento
31/08/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA O SERVIÇO MILITAR E O DEVER MILITAR,ABANDONO DE POSTO E DE OUTROS CRIMES EM SERVIÇO,ABANDONO DE POSTO. 2) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 3) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,EXCLUDENTES,ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE. 4) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. ABANDONO DE POSTO. ART. 195 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NATUREZA FRAGMENTÁRIA DO DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE MEDIDA DISCIPLINAR. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. INAPLICABILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE. ART. 39 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. NÃO RECONHECIMENTO. CONFISSÃO DO RÉU. ATENUANTE GENÉRICA. ARTIGO 72, INCISO III, ALÍNEA "D", DO CÓDIGO PENAL MILITAR. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. RECURSO NÃO PROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. UNANIMIDADE. Conforme a dicção do tipo penal incursionador encartado no art. 195 do Código Penal Militar, comete o referido delito o agente que abandona, sem ordem superior, o posto ou o local de serviço que lhe tenha sido designado e, nesse contexto, os autos revelam que foi exatamente o que ocorreu no dia dos fatos. Tratando-se de delito de mera conduta, não há elemento subjetivo específico para o tipo penal descrito no art. 195 do Código Penal Militar. Nada obstante, os autos revelam que o Réu agiu impulsionado pelo dolo consistente na vontade livre e consciente de abandonar o lugar de serviço para o qual foi designado, tendo plena consciência de que deveria permanecer até a sua rendição. Ainda que se identifique na dicção dos itens 17 e 19 do artigo 10 do Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975, que aprovou o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAER), semelhante conduta, o caput do referido dispositivo estabelece que as práticas por ele elencadas são transgressões disciplinares, quando não constituírem crime, e o caput do artigo 9º preconiza que no concurso de crime militar e transgressão disciplinar, ambos de idêntica natureza, será aplicada somente a penalidade relativa ao crime. Ademais, como cediço, por se tratar de crime de perigo abstrato, o sujeito é punido pela simples desobediência à lei, sem a necessidade de efetiva comprovação da existência de lesão ou ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal. A tipificação dos delitos de perigo abstrato tem por objetivo reprimir preventivamente eventual lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, razão pela qual não se contrapõe à ordem constitucional em vigor, tampouco está em desacordo com o Direito Penal. A conduta praticada pelo Acusado e tipificada no art. 195 do Código Penal Militar feriu os princípios norteadores do direito castrense, a saber, hierarquia e disciplina, sendo inquestionável sua relevância dentro das Organizações Militares, onde os serviços de escala são a base funcional dos Quartéis, não cabendo, portanto, o referido desvio de conduta sob análise nos autos ser tratado simplesmente na esfera administrativa a título de transgressão disciplinar. Nas circunstâncias narradas nos autos, não incide o Princípio da Bagatela Imprópria, pois não se verificam preenchidos os atributos da ínfima culpabilidade, da pronta confissão da autoria do delito e da ausência de violação aos Princípios da hierarquia e da disciplina, haja vista que a conduta perpetrada pelo Acusado revela-se altamente reprovável, afrontando, por via de consequência, os princípios basilares que regem a vida na caserna. Além disso, a autoria delitiva foi imediatamente conhecida por intermédio da Ficha de Controle de Entrada e Saída de Pedestre da ALA 11. Constitui ônus da Defesa demonstrar a existência da excludente de culpabilidade. Para tanto, deverá se utilizar de provas idôneas e contundentes que caracterizem a inexigibilidade de conduta diversa do Acusado. In casu, a despeito de as alegações defensivas dando conta de que o Réu deixou a Organização Militar e consequentemente o serviço ao qual estava escalado para prestar assistência ao seu filho, a ausência ainda assim é injustificada, pois o Réu sequer comunicou aos seus superiores sobre o problema por ele enfrentado, circunstância que afasta, de pronto, pelo menos um dos requisitos do estado de necessidade exculpante previsto no art. 39 do Código Penal Militar, pois, a toda evidência, era exigível conduta diversa. O reconhecimento da atenuante da confissão espontânea prevista no artigo 72, inciso III, alínea “d”, do Código Penal Militar, exige que a autoria do delito seja ignorada ou imputada a outrem, o que não se identifica nos autos vertentes. Mais para além, tendo em vista que a pena aplicada pelo Juízo a quo foi no mínimo legal, ou seja, 3 (três) meses de detenção, o pedido da Defesa encontra óbice intransponível não só no art. 73 do Código Penal Militar, como também no Enunciado nº 231 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Negado provimento ao Apelo defensivo. Decisão unânime.