Jurisprudência STM 7000784-98.2019.7.00.0000 de 24 de agosto de 2020
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ
Classe Processual
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Data de Autuação
25/07/2019
Data de Julgamento
13/08/2020
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,DESACATO E DA DESOBEDIÊNCIA,DESACATO A MILITAR. 2) DIREITO PROCESSUAL PENAL,DENÚNCIA/QUEIXA,REJEIÇÃO.
Ementa
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (RSE). MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR (MPM). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. DESACATO. FATO CONSIDERADO ATÍPICO. ART. 78, ALÍNEA "A", C/C ART. 30, ALÍNEA "A", E ART. 77, ALÍNEA "E", TODOS DO CÓDIGO DE PROCESOS PENAL MILITAR (CPPM). IRRESIGNAÇÃO. PROVAS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. INDEVIDA ANTECIPAÇÃO DO MÉRITO. TESE DEFENSIVA. LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE EXPRESSÃO. INCONSTITUCIONALIDADE/ INCOMPATIBILIDADE DO TIPO DE DESACATO. MÉRITO. DENUNCIADO PRESO. RECUSA A SER ALGEMADO. AUSÊNCIA DE LESÃO AOS BENS JURÍDICOS. IRRELEVÂNCIA. SUFICIÊNCIA DAS SANÇÕES INTRACARCERÁRIAS. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA FRAGMENTARIEDADE. ATIPICIDADE CONFIRMADA. CIRCUNSTÂNCIAS ACESSÓRIAS. SÚMULA VINCULANTE 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). POSSÍVEL DESCUMPRIMENTO. ART. 234, § 1º, C/C ART. 242, ALÍNEA "F", AMBOS DO CPPM. PROVÁVEL INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA PELO APENADO. ACEITAÇÃO DA ALGEMAÇÃO AO FINAL. MANUTENÇÃO DA REJEIÇÃO. DECISÃO UNÂNIME. I - Cuida-se de RSE interposto pelo MPM contra Decisão que rejeitou a Denúncia (art. 78, alínea "a", do CPPM) ofertada em desfavor de Condenado que, no cumprimento da pena, ao recusar ser algemado para que fosse conduzido a uma visitação, desacatou os militares carcereiros. Embasamento do Julgador de piso na ausência, ainda que em tese, de fato criminoso (art. 30, alínea "a", e art. 77, alínea "e", ambos do CPPM), visto que atípicas as condutas descritas. II - Irresignado, o Órgão Ministerial buscou a reforma da recusa à Peça Acusatória sob os argumentos de que as condutas narradas, devidamente atestadas pelas provas coligadas, demonstraram a ocorrência de prováveis desacatos. Ademais, haveria o Juízo antecipado um julgamento de mérito, algo indevido nesta fase inicial. Pela Defesa, alegou-se que, além dos fundamentos apresentados na Decisão recorrida, que o tipo penal de desacato não é compatível com o ordenamento jurídico pátrio, conforme julgado recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). III - Fatos apontados na Denúncia ocorreram quando o Apenado ainda mantinha a condição de Oficial Reformado das Forças Armadas (FFAA), em que pese estivesse a cumprir pena definitiva em cela adaptada de Organização Militar. Os alegados desacatos decorreram quando o Executado não aceitou ser algemado para que fosse conduzido à visitação de um familiar. Haveria deprimido a autoridade dos carcereiros perante os demais militares, bem como, por consequência, ofendido a Administração Pública representada por esses agentes. IV - No que concerne à tese de inconstitucionalidade/incompatibilidade das figuras penais de desacato com o ordenamento pátrio, especialmente com a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), essa não se confirma. Consoante julgados do STF e do STJ, seguidos pela jurisprudência deste Superior Tribunal Militar (STM), o desacato é tipo penal compatível com a Constituição da República de 1988 (CR/88) e com as Ordenações Internacionais subscritas pelo Brasil, quer tenham sido recepcionadas como emendas à Constituição, quer sejam de natureza supralegal, tal qual a CADH. V - Aos fatos, confirmaram-se os fundamentos da Decisão de origem. Não se constatou, nem mesmo neste momento de juízo de prelibação, que as situações descritas na Denúncia encontrem enquadramento nas normas penais. Ao contrário, mostram-se suficientes as sanções previstas nas Normas de Administração do Presídio (NAP) e na Lei de Execução Penal (LEP), inclusive pela ausência de lesividade efetiva aos bens jurídicos a justificar a incidência do tipo penal, em atenção aos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade. Precedentes deste STM. VI - Acessoriamente, denotaram-se circunstâncias que reforçam a inocorrência de desacato. Pela algemação, ausente fundamento concreto para que o Apenado sofresse tal restrição, ao passo que não vislumbrado fundado receio de fuga, tal como demanda o enunciado da Súmula Vinculante 11 do STF. Além disso, por ser Oficial das Forças Armadas à época dos fatos, em consonância com o constante nas provas audiovisuais anexas à Denúncia, crível a possibilidade de erro na interpretação do disposto no art. 234, § 1º, c/c o art. 242, alínea "f", ambos do CPPM. VII - Equivocado o Apenado, uma vez que os citados dispositivos fornecem garantia a Oficial das FFAA em nunca ser algemado tão somente nas fases da investigação policial e do processo penal. Essas não subsistem quando confirmada sua delinquência por Sentença condenatória transitada em julgado que o sujeite a cumprimento de pena restritiva de liberdade. Por fim, vídeos das ocorrências demonstram que o Recorrido acatou a ordem de algemação, circunstância que elimina quaisquer resquícios de lesividade das condutas, pois indicativo da sua aceitação à autoridade dos agentes carcerários. VIII - Atipicidade tornada flagrante nesse cenário, a qual resta reforçada pelas demais conjunturas sublinhas que apontam pela provável ausência de dolo em desacatar nas ações do Denunciado. Rejeição à Denúncia que se confirma, pois constatado, já neste Juízo sumário, que não há demonstração de fato que, mesmo em tese, constitua crime (art. 30, alínea "a" e art. 77, alínea "e", c/c o art. 78, alínea "a" e "b", todos do CPPM). IX - Decisão unânime.