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Jurisprudência STM 7000692-18.2022.7.00.0000 de 14 de fevereiro de 2024

Publicado por Superior Tribunal Militar


Relator(a)

JOSÉ COÊLHO FERREIRA

Revisor(a)

CARLOS VUYK DE AQUINO

Classe Processual

APELAÇÃO CRIMINAL

Data de Autuação

11/10/2022

Data de Julgamento

07/12/2023

Assuntos

1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,LESÃO CORPORAL E RIXA,LESÃO GRAVE. 2) DIREITO PENAL MILITAR,CRIME CULPOSO. 3) DIREITO PROCESSUAL PENAL,DENÚNCIA/QUEIXA,DESCLASSIFICAÇÃO. 4) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR. 5) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE,PRESCRIÇÃO.

Ementa

APELAÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. LESÃO CORPORAL GRAVE. ARTIGO 209, § 1º, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ABSOLVIÇÃO E CONDENAÇÃO POR DESCLASSIFICAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. ART. 210 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. RECURSO MINISTERIAL. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. DOLO EVENTUAL NA CONDUTA. NÃO CONFIGURAÇÃO. LESÃO QUALIFICADA PELO RESULTADO. ARTIGO 209, § 3º, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDUTA PRETERDOLOSA. RECONHECIMENTO. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 5 DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PENA EM CONCRETO. RECONHECIMENTO E DECLARAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. MAIORIA. RECURSO DEFENSIVO. DÚVIDAS QUANTO À AUTORIA DELITIVA. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. NÃO ACOLHIMENTO. COAUTORIA. ART. 53 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LESÃO LEVE. ART. 209 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. IMPOSSIBILIDADE. INCAPACIDADE POR MAIS DE 30 (TRINTA) DIAS. DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ARTIGO 72, INCISO III, ALÍNEA “D”, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA CONHECIDA. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DO ARREPENDIMENTO EFICAZ. ARTIGO 72, INCISO III, ALÍNEA “B”. IMPOSSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE SOCORRO DECORRENTE DE ORDEM RECEBIDA. PROVIMENTO PARCIAL. MAIORIA. 1. Primeiro Réu. Embora o Acusado tenha admitido, por ocasião do Auto de Prisão em Flagrante, a sua participação no trote, durante o seu interrogatório prestado em Juízo ele negou peremptoriamente qualquer participação no evento denominado “pacote”. Além disso, o Parquet Castrense arrolou como testemunhas militares que sequer presenciaram o fato e, por via de consequência, não contraditaram a versão apresentada pelo Réu de que não teria participado dos fatos, e nem mesmo o Ofendido, ouvido na fase inquisitorial, confirmou a participação do Acusado no trote. É válida a prova feita na fase do inquérito policial, quando não infirmada por outros elementos colhidos na fase judicial, mas no caso vertente, ao contrário do que argumentou o Ministério Público Militar, em Juízo, não sobreveio nenhuma prova tendente a se contrapor à versão apresentada pelo Acusado, razão pela qual não há como impor-lhe um Decreto condenatório. Não há nada produzido durante a instrução processual, ou seja, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que permita concluir que o Acusado, de fato, tivesse praticado a conduta delituosa descrita na Exordial acusatória, o que implica no fato de que o Órgão ministerial não se desincumbiu, minimamente, de demonstrar a autoria delitiva do Réu. 2. Segundo Réu. Ainda que o Acusado tenha admitido na fase inquisitorial que participou da agressão ao Ofendido desferindo “pisões” contra o militar, considerando a sua condição de revel e, portanto, não tendo sido oportunizada a sua contradita, é de se pressupor que os demais elementos de prova colhidos durante a instrução processual corroborassem a versão por ele apresentada na fase inquisitorial. Todavia, nenhuma das testemunhas inquiridas em Juízo confirmou a suposta participação do Acusado no evento que resultou nas lesões sofridas pelo Ofendido, tampouco houve quem o identificasse. Além disso, o Parquet Castrense arrolou como testemunhas militares que sequer presenciaram o fato e, por via de consequência, não contraditaram a versão apresentada pelo Réu de que não teria participado dos fatos, e nem mesmo o Ofendido, ouvido na fase inquisitorial, confirmou a participação do Acusado no trote. É válida a prova feita na fase do inquérito policial, quando não infirmada por outros elementos colhidos na fase judicial, mas no caso vertente, ao contrário do que argumentou o Ministério Público Militar, em Juízo, não sobreveio nenhuma prova tendente a se contrapor à versão apresentada pelo Acusado, razão pela qual não há como impor-lhe um Decreto condenatório. Não há nada produzido durante a instrução processual, ou seja, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que permita concluir que o Acusado, de fato, tivesse praticado a conduta delituosa descrita na Exordial acusatória, o que implica no fato de que o Órgão ministerial não se desincumbiu, minimamente, de demonstrar a autoria delitiva do Réu. 3. Terceiro, quarto e quinto Réus. Os Réus agiram com o chamado dolo eventual no antecedente, ao participar das agressões desferidas contra o Ofendido, mas, quanto à consequência, ou seja, no que se refere à lesão de natureza grave efetivamente ocorrida, a ação dos Acusados foi praticada a título de culpa, uma vez que não admitiram como possível o resultado. Não há a menor sombra de dúvida de que os Réus agiram impulsionados pela vontade livre e consciente de promover as agressões consubstanciadas no chamado “pacote”, mas em nenhum momento admitiram como possível as graves lesões sofridas pelo Ofendido que, aliás, segundo as declarações dos envolvidos, também costumava participar de eventos semelhantes. Nesse aspecto, é de fundamental importância para corroborar as conclusões acima expendidas que era rotina naquela Unidade tais eventos, porém, jamais ocorreram lesões como as que se identificaram nos autos vertentes. Não havendo nenhuma experiência cuja consequência sequer se assemelhasse às graves lesões sofridas pelo Ofendido, não se poderia esperar nem a imprevisão do previsível, pois o resultado não era previsto, tampouco que teria agido com dolo, pois, se previsse o resultado, e ainda assim continuasse a ação, estar-se-ia no terreno do dolo. A bem da verdade, sequer se poderia dizer que o resultado seria previsível e não foi previsto pelos Acusados, o que afasta a tipificação pelo delito culposo orquestrada na Sentença de primeiro grau. Trata-se, portanto, de claro exemplo de crime preterdoloso, no qual a conduta produz um resultado mais grave que o pretendido pelo sujeito. O agente quer um minus e seu comportamento causa um majus, de maneira que se conjugam o dolo na conduta antecedente e a culpa no resultado (consequente). Daí falar-se que o crime preterdoloso é um misto de dolo e culpa: dolo no antecedente e culpa no consequente, derivada da inobservância do cuidado objetivo. Constitui elemento subjetivo-normativo do tipo (o dolo é o elemento subjetivo; a culpa, o normativo). Embora não tenha sido objeto de requerimento defensivo nesse sentido, tampouco houvesse formulação nesses termos pelo Órgão ministerial nas Alegações Escritas, essa desclassificação encontra eco no Enunciado nº 5 da Súmula de Jurisprudência desta Corte Castrense, sendo possível a emendatio libelli nesta sede recursal, uma vez que a desclassificação para o delito preterdoloso previsto no artigo 209, § 3º, do referido Códex evidencia, além de uma melhor adequação ao contexto fático descrito nos autos, também, e principalmente, uma classificação jurídica mais benéfica para os Réus. Ratificada a condenação imposta ao Réu, é de se reconhecer e declarar a causa extintiva da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal, mormente porque entre a data do recebimento da Denúncia e a da publicação da Sentença condenatória transcorreu o lapso superior a 1 (um) ano, conforme disposto no inciso VI do artigo 125 do Código Penal Militar, aí considerando que, na data do fato, os Réus eram menores de 21 (vinte e um) anos de idade, aplicando-se, por conseguinte, a dicção do art. 129 do referido Códex 4. Sexto Réu 4.1. Recurso Ministerial. O Réu agiu com o chamado dolo eventual no antecedente, ao participar das agressões desferidas contra o Ofendido, mas, quanto à consequência, ou seja, no que se refere à lesão de natureza grave efetivamente ocorrida, a ação do Acusado foi praticada a título de culpa, uma vez que não admitiu como possível o resultado. Não há a menor sombra de dúvida de que o Réu agiu impulsionado pela vontade livre e consciente de promover as agressões consubstanciadas no chamado “pacote”, mas em nenhum momento admitiu como possível as graves lesões sofridas pelo Ofendido que, aliás, segundo as declarações dos envolvidos, também costumava participar de eventos semelhantes. Nesse aspecto, é de fundamental importância para corroborar as conclusões acima expendidas que era rotina naquela Unidade tais eventos, porém, jamais ocorreram lesões como as que se identificaram nos autos vertentes. Não havendo nenhuma experiência cuja consequência sequer se assemelhasse às graves lesões sofridas pelo Ofendido, não se poderia esperar nem a imprevisão do previsível, pois o resultado não era previsto, tampouco que teria agido com dolo, pois, se previsse o resultado, e ainda assim continuasse a ação, estar-se-ia no terreno do dolo. A bem da verdade, sequer se poderia dizer que o resultado seria previsível e não foi previsto pelo Acusado, o que afasta a tipificação pelo delito culposo orquestrada na Sentença de primeiro grau. Trata-se, portanto, de claro exemplo de crime preterdoloso, no qual a conduta produz um resultado mais grave que o pretendido pelo sujeito. O agente quer um minus e seu comportamento causa um majus, de maneira que se conjugam o dolo na conduta antecedente e a culpa no resultado (consequente). Daí falar-se que o crime preterdoloso é um misto de dolo e culpa: dolo no antecedente e culpa no consequente, derivada da inobservância do cuidado objetivo. Constitui elemento subjetivo-normativo do tipo (o dolo é o elemento subjetivo; a culpa, o normativo). Embora não tenha sido objeto de requerimento defensivo nesse sentido, tampouco houvesse formulação nesses termos pelo Órgão ministerial nas Alegações Escritas, essa desclassificação encontra eco no Enunciado nº 5 da Súmula de Jurisprudência desta Corte Castrense, sendo possível a emendatio libelli nesta sede recursal, uma vez que a desclassificação para o delito preterdoloso previsto no artigo 209, § 3º, do referido Códex evidencia, além de uma melhor adequação ao contexto fático descrito nos autos, também, e principalmente, uma classificação jurídica mais benéfica para o Réu. 4.2. Recurso Defensivo. O incursionamento do Acusado se deu na forma do art. 53 do Código Penal Militar, quando os agentes praticam em coautoria atos típicos da execução, há divisão de tarefas, ou seja, os agentes cooperam conscientemente, conjugam esforços no sentido de produzir o resultado, com idêntico nexo subjetivo. O coautor, portanto, é aquele que contribui para o evento final realizando parte do delito, mediante atuação consciente. Nesse sentido, ao aderir às ações praticadas pelos demais militares no contexto do chamado “pacote”, o Réu agiu em unidade de desígnios com os demais corréus, causando as lesões de natureza grave no Ofendido. A simples leitura do tipo penal incursionador conduz ao entendimento segundo o qual o agravamento da pena decorre da gravidade das lesões, sendo possível o reconhecimento dessa agravante quando se verifica, tal como no caso em exame, a ocorrência de uma incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias. O reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, segundo a reiterada jurisprudência desta Corte, está condicionado aos casos em que a autoria do crime for ignorada e imputada a outrem, fato que não ocorreu in casu, pois, a toda evidência, a elucidação do delito não decorreu da confissão do Acusado que, aliás, foi preso em flagrante. Inexistem nos autos quaisquer evidências que demonstrem que o Acusado teria socorrido o Ofendido por sua espontânea vontade e com eficiência, com vistas a reduzir-lhe a extensão das lesões causadas pela agressão sofrida. Ao revés, conforme ele próprio declarou em seu depoimento colhido em Juízo, quando muito, cumpriu determinação de superior hierárquico e foi buscar gelo para aplicar nos olhos do Ofendido. Considerando a condenação imposta ao Acusado, não socorre à Defesa o alegado reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal na medida em que o prazo prescricional descrito no inciso VI do artigo 125 do Código Penal Militar é de 4 (quatro) anos a contar da condenação imposta em primeiro grau, ressalvando a inocorrência da modalidade retroativa. Apelos ministerial e defensivo parcialmente providos. Decisões por maioria.


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