Jurisprudência STM 7000654-06.2022.7.00.0000 de 11 de setembro de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
LEONARDO PUNTEL
Revisor(a)
ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
27/09/2022
Data de Julgamento
10/08/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES. 2) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO.
Ementa
APELAÇÃO. MPM. CRIME EM LICITAÇÃO. FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. ART. 90 DA LEI 8.666/93. APLICABILIDADE DO ART. 90 DA LEI 8.666/93. CONTINUIDADE TÍPICO NORMATIVA. NÃO INCIDÊNCIA DE NOVA TIPIFICAÇÃO MAIS GRAVOSA. ART. 337-F DO CÓDIGO PENAL. CRIME FORMAL. PRESCINDÍVEL A OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO OU OBTENÇÃO DE VANTAGEM. FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. COMPROVAÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS QUANTO A UM DOS APELADOS. ACUSADO SÓCIO E ADMINISTRADOR DE FATO DE DUAS EMPRESAS PARTICIPANTES DE CERTAME. OFERTA DE LANCES SIMULTÂNEOS. PROPOSTAS VENCEDORAS. INJUSTA VANTAGEM SOBRE OS CONCORRENTES. REFORMA DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. INCIDÊNCIA DA PENA DE MULTA. PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO QUANTO ÀS APELADAS. DOLO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. ANUÊNCIA À PRÁTICA CRIMINOSA. NÃO COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. DECISÃO POR MAIORIA. Embora revogado pela Lei nº 14.133/2021, o crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 permanece aplicável aos fatos ocorridos ao tempo de sua vigência, não havendo que falar em abolitio criminis. Assim, os crimes previstos na lei revogada agora constam do Código Penal (CP). No que tange à frustração do caráter competitivo de licitação, a nova tipificação está prevista no art. 337-F do CP, sendo este mais gravoso e, portanto, inadmissível, no presente caso, a incidência da lex gravior. Precedente do STM. De acordo com o Enunciado nº 645 da Súmula de Jurisprudência do STJ, o crime em tela é formal, bastando, para sua consumação, a demonstração da frustração da competição pela conduta perpetrada, independentemente do recebimento da vantagem indevida pelo agente e da comprovação de dano ao erário. A prova da materialidade restou cristalina, já que as empresas participaram do Pregão Eletrônico nº 01/2018 e possuíam como dirigentes o mesmo grupo de pessoas, o que possibilitou aos administradores das empresas se valerem de ajustes, combinações ou expedientes diversos, com intuito de obter vantagem e frustar o caráter competitivo do procedimento licitatório, não por menos, uma das empresas do grupo se sagrou vencedora do certame, em que pese não ter sido efetivamente contratada ante a descoberta da fraude. De acordo com os autos, não há como se afirmar, com a plena certeza, que as Acusadas tenham aderido, de forma voluntária e consciente, à prática delitiva, no intuito de frustrar o caráter competitivo do certame, pois sequer tinham conhecimento do que se passava no interior das empresas, que eram administradas pelos seus respectivos cônjuges, mormente porque os autos não trazem elementos outros que comprovem, com a certeza necessária para a condenação, que as Acusadas tivessem o mínimo conhecimento de que um dos Acusados estariam se utilizando do subterfúgio de participar de licitação fazendo uso de dois CNPJ’s para se sagrar vencedor do certame. In casu, mostrou-se inadequado inferir que a outorga de poderes de gestão empresarial pelas Acusadas teve por finalidade a prática do crime em questão, haja vista o extenso lapso temporal entre a data da assinatura de instrumento procuratório e a prática do crime. O Órgão acusatório não conseguiu provar, de forma cabal, a participação das Acusadas, seja na prática dos atos executórios, seja na anuência à sua prática e também não se desincumbiu desse ônus. Em contrapartida, os elementos de prova se mostraram aptos a demonstrar que, apesar de comporem o quadro societário de uma das empresas envolvidas no certame, não participavam da gestão da sociedade e sequer tinham conhecimento do que se passava no interior da empresa, que era gerenciada pelos seus respectivos cônjuges, afastando, por consequência, o dolo exigido pelo tipo penal, consistente na vontade livre e consciente de frustrar o caráter competitivo do certame licitatório. Escorreita a Sentença, na parte em que absolveu as Acusadas, eis que em consoância com os elementos de prova constantes dos autos. A prática delitiva por um dos Apelados, nestes autos, se mostrou comprovada e se deu por intermédio de duas pessoas jurídicas por meio dos seus sócios administradores, que possuíam ingerência e poder de decisão, não sendo crível que apenas um dos sócios atuava, deliberadamente, sem o conhecimento do outro sócio que participava ativamente da gestão. Embora tenha apresentado Declaração de Elaboração Independente de Proposta, na qual declarou que o conteúdo da proposta não foi, no todo ou em parte, direta ou indiretamente informado, discutido ou recebido de qualquer outro participante potencial ou de fato do pregão eletrônico 1/2018, um dos sócios atuou no certame em nome de duas empresas, também administradas pelo Apelado, com dois CNPJ’s distintos, ofertando lances de um mesmo computador, o que demonstrou não só o conhecimento acerca das propostas de ambas as empresas, como também a decisão acerca de qual lance ofertar para vencer a licitação, quebrando a isonomia entre os participantes, com fraude ao certame. A burla consistia, primeiramente, em conhecer previamente as propostas das empresas que representava e, segundo, em possuir vantagem pela “quebra” do bloqueio temporal, consistente no intervalo mínimo previsto para o envio dos lances, pois o Edital estabelecia que um mesmo licitante não poderia enviar lances com intervalos inferiores a 20 (vinte) segundos, de modo que o mesmo licitante deveria aguardar o transcurso desse tempo para poder ofertar novo lance. Reforçou a constatação da fraude o fato de a empresa vencedora do certame ter sido desclassificada e não ter sequer apresentado recurso ou tentado informar que seus arquivos já constavam do sistema, demonstrando notária possibilidade de que seria irrelevante vencer ou passar o item para a próxima colocada - empresa também administrada pelo Recorrido. Não se tratou da mera participação de duas empresas com composição societária semelhante, mas de ativa e ardilosa manobra de empresas, dirigidas pelo mesmo grupo de pessoas, que frustrou o caráter competitivo do certame. Não havendo, nos autos, elementos que possam eximir a responsabilidade dos sócios administradores das Empresas, a condenação é medida que se impõe a ambos. Necessidade de reforma da Sentença na parte em que absolveu o Acusado sócio administrador de ambas as sociedades empresariais envolvidas na ilegalidade. Imperiosa a imposição da pena de multa, quando disposta no preceito secundário do tipo penal, a qual deve levar em consideração o princípio da proporcionalidade e atender à situação econômica do réu, em atenção ao disposto nos arts. 49 e 60, ambos do Código Penal. Seguindo orientação jurisprudencial consolidada do STM, deve-se excetuar a alínea “a” do art. 626 do CPPM das exigências para o cumprimento do sursis. Apelo conhecido e parcialmente provido. Decisão por maioria.