Jurisprudência STM 7000637-09.2018.7.00.0000 de 13 de maio de 2019
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ
Revisor(a)
FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO
Classe Processual
APELAÇÃO
Data de Autuação
06/08/2018
Data de Julgamento
07/05/2019
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA O SERVIÇO MILITAR E O DEVER MILITAR,ABANDONO DE POSTO E DE OUTROS CRIMES EM SERVIÇO,ABANDONO DE POSTO. 2) DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR,JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA,COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. 3) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE. 4) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO.
Ementa
APELAÇÃO. ABANDONO DE POSTO. PRELIMINARES. LICENCIAMENTO DO RÉU. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO PARA O JULGAMENTO DE CIVIS EM TEMPO DE PAZ. INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA PARA O JULGAMENTO DE CIVIS. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE/ PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL MILITAR. REJEITADAS. MÉRITO. DIREITO COMPARADO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AUTORIA E MATERIALIDADE EVIDENCIADAS. PRESENÇA DA TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL. DESLOCAMENTO DO RÉU CERCA DE 50 METROS DISTANTE DO POSTO ANTES DE ADORMECER. POSTO FIXO. CONSUMAÇÃO DELITIVA. SUFICIÊNCIA DA SANÇÃO DISCIPLINAR. IMPOSSIBILIDADE. FINALIDADES PREVENTIVA GERAL E ESPECIAL, BEM COMO REPRESSIVA DA PENA. INGESTÃO DE MEDICAMENTO PELO APELANTE CUJO SONO É EFEITO COLATERAL. DOSAGEM PREVISTA NA BULA. AUSÊNCIA DE DOLO. INOCORRÊNCIA. VERIFICAÇÃO DA TIPICIDADE, ILICITUDE E CULPABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. I - Preliminar de incompetência da Justiça Militar da União para o julgamento de civis em tempo de paz: o art. 124 da Constituição Federal (CF) prevê que será de competência desta Justiça Castrense o julgamento dos crimes militares. Estabeleceu o critério ratione materiae sem fazer distinção entre a submissão de integrantes das Forças Armadas e civis. Por se tratar de órgão do Poder Judiciário composto também por juízes togados, ao contrário de outros países da América Latina nos quais se estabelece uma composição estritamente marcial, a jurisprudência consolidada desta Corte e do Supremo Tribunal Federal (STF) admite a possibilidade de submissão de não integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica aos órgãos judiciais em destaque, sobretudo quando se trata, como no caso concreto, de soldado licenciado. Preliminar rejeitada. II - Preliminar de incompetência do Conselho Permanente de Justiça para o julgamento de civis: a Lei 8.457/1992 ? Lei de Organização Judiciária Militar da União ? até a alteração inserida pela Lei 13.774/2018, não previa a possibilidade de julgamento monocrático pelo Juiz Federal da Justiça Militar. Ao contrário, estabelecia que os julgamentos em 1ª instância de civis seriam de atribuição dos Conselhos de Justiça, na forma do art. 27. Ausente a declaração de inconstitucionalidade, a jurisprudência consolidada ratificava a validade do dispositivo. Haja vista que a alteração da norma, a qual tem natureza processual, se deu após a publicação da Sentença condenatória, não deve ser aplicada à situação que ora se analisa. Preliminar rejeitada. III - Preliminar de ausência de condição de procedibilidade/prosseguibilidade da Ação Penal Militar pelo licenciamento do Apelante das fileiras do Exército: visto que não só a competência da Justiça Militar para o julgamento de civis, como o fato de que, no momento da prática da conduta delitiva, o Apelante ostentava a condição de Soldado do Exército, não há que se falar em ausência de condição de procedibilidade. Preliminar rejeitada. IV - Mérito. Direito Comparado. O crime de abandono de posto é previsto no ordenamento jurídico de outros países de origem ibérica, como Chile, Uruguai, Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru, Espanha, México e Portugal, assim como no Código Penal Militar italiano. Em sua maioria, a pena média para o delito é superior àquela aplicada no Brasil e chega à máxima, na República Uruguaia, de 5 anos de reclusão. V - O delito do art. 195 do Código Penal Militar (CPM) é uma norma de perigo abstrato, ou seja, é prescindível qualquer lesão ao bem jurídico tutelado, pois o dano é presumido pelo legislador. Não obstante o argumento defensivo, tanto a jurisprudência desta Corte Castrense, como a do Supremo Tribunal Federal reconhecem a recepção de tal espécie delitiva pela Constituição Federal de 1988, uma vez que determinadas condutas exigem uma proteção prévia, de forma a evitar um mal maior. Precedentes. VI - Caracterizada a autoria e a materialidade delitivas pela prova testemunhal e pela própria confissão do Acusado. Quanto à alegada ausência de tipicidade material, o tipo inserido no art. 195 do CPM exige o perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma, sobretudo à regularidade das Forças Armadas. Ratifica-se que, quando um militar deixa o posto desguarnecido, compromete toda a segurança do aquartelamento. A conduta possui alto grau de reprovabilidade e é apta a ensejar, como exaurimento ou crime autônomo, diversas situações vexatórias e gravosas à Administração castrense, assim como aos demais integrantes da caserna e à sociedade civil. Citem-se furtos e roubos de armamento. VII - Inviável a desclassificação do delito para transgressão disciplinar. Tampouco quanto à ausência de efetividade da sanção penal, sobretudo diante das suas finalidades de prevenção geral e especial, bem como o caráter retributivo da pena. Ademais, o art. 14, § 1º, do Regulamento Disciplinar do Exército e o art. 42, § 2º, do Estatuto dos Militares, repelem a caracterização de tal infração administrativa sobre os mesmos fatos apurados na esfera criminal. VIII - A utilização de medicamento cujo efeito da superdosagem é a sonolência, quando ingerido em consonância com a posologia constante na bula, não tem o condão de excluir o dolo. Some-se ao fato de que ao Acusado não foi imputada a conduta prevista no art. 203, mas aquela inserida no art. 195, ambos do CPM, e que, antes de adormecer, ele se deslocou cerca de 50 metros distante do local em que deveria cumprir seu quarto de hora, bem como se tratava de posto fixo. IX - Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, bem como ausentes quaisquer causas excludentes de tipicidade, ilicitude ou de culpabilidade, a manutenção da condenação se impõe. X - Preliminares rejeitadas. Apelação improcedente. Decisão unânime.