Jurisprudência STM 7000630-12.2021.7.00.0000 de 24 de outubro de 2022
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
JOSÉ BARROSO FILHO
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
08/09/2021
Data de Julgamento
06/10/2022
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,HOMICÍDIO,HOMICÍDIO. 2) DIREITO PENAL MILITAR,CRIME CULPOSO. 3) DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR,JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA,COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. 4) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 5) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE. 6) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO. 7) DIREITO PENAL,PARTE GERAL,EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE,PERDÃO.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. HOMICÍDIO CULPOSO. ARTIGO 206, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR ERROR IN PROCEDENDO. REJEIÇÃO. MAIORIA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO EM VIRTUDE DA REALIZAÇÃO DO ATO DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO POR VIDEOCONFERÊNCIA. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. MÉRITO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ELEMENTOS DO CRIME CULPOSO. DEVER DE CUIDADO OBJETIVO. NEGLIGÊNCIA. PREVISIBILIDADES OBJETIVA E SUBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE PROVAS. NÃO ACOLHIMENTO. PERDÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. SILÊNCIO ELOQUENTE. INAPLICABILIDADE. PENA-BASE. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. PREJUDICIALIDADE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO INCIDÊNCIA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. UNANIMIDADE. Conforme a reiterada jurisprudência dos Pretórios, a natureza jurídica do perdão judicial é de causa extintiva de punibilidade e deve estar prevista em lei, de sorte que, tal como se verificou nos presentes autos, o Juiz Federal da Justiça Militar conduziu o julgamento, naquilo que dizia respeito à aplicação do referido instituto, questionando, tão somente, aos membros do Colegiado Julgador que se manifestaram pela condenação do Réu sobre o cabimento do benefício, não sendo possível, por motivos óbvios, qualquer manifestação dos integrantes do Conselho que votaram pela absolvição do Réu. O entendimento segundo o qual somente é cabível a aplicação do instituto do perdão judicial nos casos de condenação do acusado decorre da própria dicção do § 5º do artigo 121 do Código Penal comum, segundo o qual (...) Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências (sic) da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.. Por tais motivos, a premissa defensiva de que os votos absolutórios deveriam ser computados como concessivos do perdão judicial é de toda equivocada. Preliminar de nulidade rejeitada. Decisão por maioria. Considerando que o atropelamento ocorreu em via pública em frente ao Portão de entrada da Unidade, segundo a dicção da alínea c do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar a conduta perpetrada pelo Réu é considerada crime militar, atraindo, por via de consequência, a competência desta Justiça Especializada para o processamento e o julgamento do Acusado, na forma do art. 124 da Constituição Federal, sendo irrelevante para o caso em exame que os fatos narrados na Exordial Acusatória tenham ocorrido anteriormente à vigência da Lei nº 13.491/2017, pois a conduta encontra perfeito enquadramento típico no delito de homicídio culposo previsto no art. 206 do Estatuto Repressivo Castrense. Preliminar de nulidade rejeitada. Decisão por unanimidade. Durante o período da pandemia, o Poder Judiciário, por ser atividade essencial e ininterrupta, realizou normalmente os atos processuais, restando suspensas, tão somente, e por motivos óbvios, as atividades in loco. Vale dizer que as audiências e as sessões de julgamento continuaram ocorrendo em todas as instâncias por meio virtual ou por videoconferência, sem que tal desiderato configurasse qualquer prejuízo às Partes, mormente porque foram observadas em sua integralidade as garantias constitucionais dos Acusados. Preliminar de nulidade rejeitada. Decisão por unanimidade. A análise das circunstâncias que envolveram a conduta delituosa, como bem descreveu a Denúncia ofertada pelo Órgão ministerial, revela que o atropelamento decorreu de uma conduta voluntária do Réu, quando manobrou o veículo militar sem observar o dever de cuidado que lhe era exigido, de forma negligente e imprudente, vindo a atropelar a vítima, a qual veio a óbito. O próprio depoimento do Acusado, se por um lado revela a inexistência de intenção em provocar o atropelamento que levou a óbito o Civil, por outro evidencia a inobservância do dever de cuidado manifestado pela negligência, mormente porque ele admite a dificuldade na manobra do veículo, justamente pela baixa visibilidade, mas, ainda assim, mesmo tendo consigo um colega de farda, não se acautelou de pedir-lhe ajuda para deslocar a viatura, o que seria uma obrigação. A aferição dos requisitos da previsibilidade objetiva e subjetiva pressupõe o exame de qual o cuidado exigível de uma pessoa prudente e de discernimento diante da situação concreta, sendo que, em relação à primeira, questiona-se a possibilidade de antevisão do resultado, esta de caráter genérico. Analisando as circunstâncias nas quais se deu a conduta, é inegável a presença da previsibilidade objetiva, na medida em que a qualquer homem médio era possível, diante das dificuldades de visualização da própria viatura, antever um resultado como o que ocorreu. Bem assim, tratando-se o Réu, como ele próprio declarou em Juízo, de condutor habilitado e profissional, é de seu conhecimento que a manobra efetuada poderia causar risco à segurança de pedestres, não por acaso figurando como infração da natureza grave prevista no art. 194 do Código de Trânsito Brasileiro. Portanto, embora não tenha previsto o atropelamento que resultou na morte do Ofendido, pois se assim o fosse estaríamos no terreno do dolo e não da culpa, a conduta do Réu evidenciou o elemento da previsibilidade subjetiva, caracterizado pela imprevisão do previsível. O perdão judicial não encontra previsão legal na legislação penal militar para o delito descrito no art. 206 do Código Penal Militar, sendo contemplada essa hipótese somente nos termos do artigo 121, § 5º, do Código Penal comum, caso em que o Julgador poderá deixar de aplicar a pena se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, não sendo possível a sua aplicação no âmbito desta Justiça Especializada, por não se tratar de omissão legislativa. A despeito da existência de precedente desta Corte favorável à aplicação dessa medida em caráter excepcional, ainda assim os autos não indicam o preenchimento de tais requisitos, na medida em que o legítimo sofrimento do Réu pelo ocorrido decorreu do fato de que a sua conduta negligente tirou a vida do Civil, o que, por si só, não justifica o perdão judicial. A análise do requerimento defensivo de aplicação da pena em seu patamar mínimo resta prejudicada, na medida em que o Colegiado Julgador de primeiro grau já fixou a pena-base em seu patamar mínimo. O que se identifica na referida dosimetria é que, a despeito da pena-base ter sido fixada no mínimo legal, na segunda fase é possível observar a incidência da agravante prevista no § 1º do artigo 206 do Código Penal Militar, o que, a toda evidência, foi perfeitamente fundamentada pelo Juízo de primeiro grau, visto que o Acusado era um motorista qualificado, ou, como ele próprio declarou em Juízo, profissional. Na espécie, longe de se tratar de omissão legislativa, esta sim que poderia contemplar a possibilidade de aplicação analógica do dispositivo inserido no § 5º do artigo 121 do Código Penal comum, evidencia-se o silêncio eloquente, dadas as particularidades que regem a carreira das armas, bem como os bens jurídicos tutelados pela norma penal castrense, sempre em harmonia com os Postulados de índole constitucional da Hierarquia e da Disciplina. Segundo o entendimento reiterado desta Corte Castrense, o reconhecimento da atenuante da confissão prevista na alínea d do inciso III do artigo 72 do Código Penal Militar deverá ser levado a efeito quando a autoria do crime for ignorada e imputada a outrem, fato que não ocorreu no caso em exame. Negado provimento ao Apelo defensivo. Decisão por maioria.