Jurisprudência STM 7000616-57.2023.7.00.0000 de 21 de junho de 2024
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
JOSÉ BARROSO FILHO
Revisor(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
04/08/2023
Data de Julgamento
22/05/2024
Assuntos
1) DIREITO PENAL,CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL,DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO, SEXO OU PORNOGRAFIA. 2) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE. 3) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO. 4) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR.
Ementa
RECURSOS DE APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. DIVULGAÇÃO DE CENA DE SEXO OU DE PORNOGRAFIA. ART. 218-C DO CÓDIGO PENAL COMUM. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. QUESTÃO DE ORDEM. DECRETAÇÃO DO SEGREDO DE JUSTIÇA NOS AUTOS PELO TRIBUNAL PLENO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE IMPRESTABILIDADE DE PERÍCIA FORENSE. NÃO CONHECIMENTO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR E DA QUEBRA DO SIGILO TELEMÁTICO. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO CONHECIMENTO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE NULIDADE POR ILEGITIMIDADE DOS ASSISTENTES DA ACUSAÇÃO PARA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. MÉRITO. AUSÊNCIA DE PROVAS VÁLIDAS PARA A CONDENAÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. IMPRESTABILIDADE DA PERÍCIA FORENSE. OMISSÃO DE FORMALIDADE QUE CONSTITUI ELEMENTO ESSENCIAL DO PROCESSO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO ACOLHIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM DA REPRIMENDA APLICADA AO ACUSADO. ACOLHIMENTO PARCIAL. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. APELO DA DEFESA. NÃO PROVIMENTO. UNANIMIDADE. RECURSO MINISTERIAL. PROVIMENTO PARCIAL. MAIORIA. De acordo com o art. 234-B do Código Penal comum, “(...) Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.”, entre os quais se incluem o delito tipificado no art. 218-C do Código Penal comum, topograficamente inserido no Capítulo II do Título VI que trata dos Crimes contra a Dignidade Sexual. Tratando-se, portanto, de mandamento legal, não há como afastar o disposto no aludido dispositivo, notadamente porque deverá prevalecer o direito à intimidade sobre o interesse público à informação, nos moldes do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1988. O Tribunal Pleno decidiu decretar o segredo de justiça do presente feito em sede de Questão de Ordem. O Réu foi denunciado pela prática do delito previsto no art. 218-C do Código Penal comum em circunstâncias que encontram perfeita adequação ao disposto no artigo 9º, inciso II, alínea “a”, do Código Penal Militar, c/c o art. 27 da Lei nº 8.457/92, ou seja, no momento da consumação do delito, o Acusado era militar da ativa do Exército Brasileiro e o crime foi praticado contra militar da ativa daquela Força Terrestre, o que atrai a competência desta Justiça Especializada para o processamento e o julgamento do feito efetivado pelo Conselho Permanente de Justiça. Preliminar de incompetência do Conselho Permanente de Justiça rejeitada. Decisão por unanimidade. Considerando que a apreciação da aludida imprestabilidade de perícia forense está imbricada com o mérito, incide a dicção do § 3º do artigo 81 do Regimento Interno desta Corte Castrense, segundo a qual “(...) Quando a preliminar confundir-se com o mérito, não deverá ser conhecida e será apreciada quando do exame de mérito.”. Preliminar de imprestabilidade de perícia forense não conhecida. Decisão por unanimidade. Por ocasião da Decisão que determinou a busca e apreensão domiciliar bem como a quebra do sigilo telemático do Réu, os alvos da investigação conduzida pela Polícia Civil da Bahia ainda não estavam completamente delineados por aquela autoridade policial, havendo apenas suspeitas de participação de militar do Exército na prática criminosa. Nessas circunstâncias, incide na espécie a Teoria do Juízo Aparente, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Preliminar de nulidade da busca e apreensão domiciliar e da quebra do sigilo telemático rejeitada. Decisão por unanimidade. Considerando que a apreciação da aludida quebra da cadeia de custódia está imbricada com o mérito, incide a dicção do § 3º do artigo 81 do Regimento Interno desta Corte Castrense, segundo a qual “(...) Quando a preliminar confundir-se com o mérito, não deverá ser conhecida e será apreciada quando do exame de mérito.”. Preliminar de quebra da cadeia de custódia não conhecida. Decisão por unanimidade. Diversamente do que estabelece o Código de Processo Penal comum quando restringe a interposição de recurso pelo Assistente de Acusação às hipóteses taxativamente previstas naquele Códex, o Código de Processo Penal Militar, por sua vez, traz em seu bojo as atribuições específicas do Assistente de Acusação e, nesse ponto, vale destacar a dicção da alínea “e” do artigo 65, segundo a qual a ele somente será permitido “(...) arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público (...)”, e, ainda assim, desde que com a aquiescência do juiz e ouvido o Órgão Ministerial. A jurisprudência desta Corte Militar forjou-se no sentido de que a atuação do Assistente de Acusação, no âmbito desta Justiça Castrense, é apenas complementar à do Órgão ministerial, titular da ação penal militar. Preliminar de nulidade por ilegitimidade dos Assistentes da Acusação para interposição do recurso de Apelação rejeitada. Decisão por unanimidade. O crime de divulgação de cena de nudez previsto no art. 218-C, parte final, do Código Penal comum, caracteriza-se como delito contra a dignidade sexual, não exigindo uma qualidade especial do sujeito ativo, visto que se trata de delito comum e não necessita de produção de resultado e, por ser de forma livre, pode ser praticado, inclusive, por meio de comunicação de massa ou sistema informatizado, tal qual o aplicativo WhatsApp. Quanto à autoria e materialidade, a despeito de o Acusado não ter confessado a prática delituosa, o depoimento da Ofendida, em Juízo, detalhou o modus operandi do Réu, inclusive, dando conta de que se tratava de uma pessoa próxima, que tinha conhecimento da sua rotina, acesso, por longo período de tempo, ao mesmo computador utilizado por ela na Seção de Saúde e, também, acesso a dados pessoais de vários militares da Organização Militar na qual servia. As provas testemunhais colhidas em Juízo, ao serem cotejadas com as declarações da Ofendida, confirmam tais declarações. O Relatório Técnico de Análise de Dados nº 1541, elaborado pela Superintendência de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, detalhou que o Acusado fez uso de sua própria linha telefônica para rotear internet para o próprio aparelho e para outros aparelhos cadastrados em nome de terceiros. Embora o referido Laudo Pericial, devidamente elaborado por expertos compromissados nos termos legais, seja prescindível por não interferir diretamente na materialidade delitiva, ele aponta a conclusão dos peritos que corroboram as provas orais coligidas aos autos quanto à maneira pela qual o Acusado obteve acesso aos “nudes” da Ofendida para perpetrar o crime previsto no art. 218-C do Código Penal comum. Além disso, da análise do arcabouço probatório, inicialmente produzido pelo serviço técnico especializado, ou seja, por servidores públicos da Superintendência de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, Órgão oficial do Governo daquele Estado, dotado de fé pública, não se identifica adulteração da prova material, notadamente porque os vestígios foram recebidos e processados de forma idônea. Nesse contexto, a despeito da irresignação defensiva, não é possível identificar eventual quebra na cadeia de custódia, tampouco que essa irregularidade viesse a comprometer a comprovação da materialidade delitiva visto que, em delitos desse jaez, como já demonstrado, a perícia é dispensável, sendo irrelevante para a sua caracterização onde ou como o agente tenha conseguido as fotos íntimas da Ofendida, mas, sim, que as tenha disseminado pelo aplicativo WhatsApp sem o seu consentimento, restando, portanto, com essa conduta, consumado o delito encartado no art. 218-C do Código Penal Comum. Na dosimetria da pena, embora o Juízo a quo tenha se utilizado de critério matemático para exasperar a pena-base, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o quantum fixado violou os Princípios da Proporcionalidade e da Vedação à Proteção Deficiente. Apelo da defesa não provido. Decisão por unanimidade. Apelo ministerial provido parcialmente. Decisão por maioria.