Jurisprudência STM 7000561-43.2022.7.00.0000 de 27 de outubro de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
23/08/2022
Data de Julgamento
21/09/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA INCOLUMIDADE PÚBLICA,CONTRA A SAÚDE,TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE OU SUBSTÂNCIA DE EFEITO SIMILAR. 2) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 3) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO E USO INDEVIDO DE DROGAS,POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL,DESPENALIZAÇÃO / DESCRIMINALIZAÇÃO. 4) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE. 5) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,TIPICIDADE,PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
Ementa
APELAÇÕES. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. TRÁFICO, POSSE OU USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM ÁREA SUJEITA À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO PARA JULGAMENTO DE EX MILITAR. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE APLICAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE NULIDADE POR VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. MÉRITO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PEQUENA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. NÃO APLICAÇÃO. ART. 28 DA LEI 11.343/2006. NÃO APLICAÇÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INCONVENCIONALIDADE DO ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONVENÇÕES DE NOVA YORK (1961) E DE VIENA (1988). NÃO ACOLHIMENTO. MACONHA ONTOLÓGICA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. RECURSOS DEFENSIVOS NÃO PROVIDOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. UNANIMIDADE. O licenciamento do Acusado do serviço ativo não constitui ausência superveniente de pressuposto de admissibilidade do Recurso, não ensejando a perda do seu objeto, tampouco afasta a competência desta Justiça Militar para processar e julgar o feito, haja vista que, ao tempo da consumação do delito, o Réu ostentava a condição de militar em serviço ativo e em local sujeito à Administração Militar. Preliminar de incompetência da Justiça Militar da União para julgar ex-militar rejeitada. Decisão unânime. O alcance normativo do Acordo de Não Persecução Penal, como se evidencia, está circunscrito ao âmbito do processo penal comum, não sendo possível invocá-lo subsidiariamente ao Código de Processo Penal Militar, sob pena de violação ao Princípio da Especialidade, uma vez que não existe omissão no Diploma Adjetivo Castrense. Somente a falta de um regramento específico possibilita a aplicação subsidiária da legislação comum, sendo impossível mesclar-se o regime processual penal comum e o regime processual penal especificamente militar, mediante a seleção das partes mais benéficas de cada um deles. Preliminar de aplicação do Acordo de Não Persecução Penal rejeitada. Decisão unânime. A possibilidade de apresentação de resposta à acusação está circunscrita ao rito processual comum, não sendo possível invocá-la subsidiariamente para o procedimento descrito no Código de Processo Penal Militar, sob pena de violação do Princípio da Especialidade. Afinal, não existe omissão no Diploma Adjetivo Castrense que contém, no Título I do Livro II, disposições específicas acerca do procedimento durante a instrução processual descritas nos arts. 384 a 450. Preliminar de nulidade por violação do devido processo legal rejeitada. Decisão unânime. O Princípio da Insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: “(...) (i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) nenhuma periculosidade social da ação, (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada”. No contexto da conduta descrita nos autos, as condições objetivas citadas devem ser analisadas sob o prisma da preservação dos princípios da hierarquia e da disciplina militares. O tráfico, posse ou uso de substância entorpecente em ambiente militar, consideradas as particularidades da carreira das armas, além de absolutamente reprovável, possui elevado grau de ofensividade e de periculosidade, representando grave violação ao bem jurídico tutelado pela norma penal descrita no art. 290 do Código Penal Militar. Embora reconheça o caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, a conduta em análise apresenta relevância penal quando se constata que a guarda ou o uso de substância entorpecente em local sujeito à Administração Militar representa efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal descrita no art. 290 do Código Penal Militar, não sendo possível acolher o argumento da atipicidade material da conduta face a sua insignificância. Se, por um lado, o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 estabelece as penas de advertência sobre os efeitos das drogas, a prestação de serviços à comunidade e medida educativa para quem "trouxer consigo", para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, a despeito da dicção do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar, alterado pela Lei nº 13.491/2017, não seria possível a perfeita adequação da conduta perpetrada pelo Acusado nos exatos termos da citada legislação, devendo prevalecer o critério da especialidade da norma penal castrense na medida em que a novel legislação de drogas não revogou nem promoveu alteração na redação do art. 290 do CPM, bastando, para tanto, o exame do art. 75 do citado Diploma. Além disso, como a conduta perpetrada pelo Acusado, e pela qual ele foi condenado, traz em seu bojo a figura nuclear "trazer consigo" substância entorpecente, ou que cause dependência física ou psíquica, a elementar "em lugar sujeito à administração militar" constitui o elemento especializante característico da norma incriminadora descrita no art. 290 do Estatuto Repressivo Castrense, encontrando perfeita adequação ao caso concreto. A Convenção de Nova York, de 1961, bem como a Convenção de Viena, de 1988, não vedam a criminalização da posse de droga para uso próprio. Além disso, embora as mencionadas Convenções Internacionais estejam incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio, não detém envergadura constitucional, conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A norma penal incriminadora descrita no art. 290 do Código Penal Militar é compatível com a ordem constitucional vigente, bem como com os Tratados supramencionados. Embora o art. 32 do Código Penal Militar considere impossível a consumação de crime cujo meio empregado seja absolutamente ineficaz ou se verifique a impropriedade do objeto, determinando a não aplicação de reprimenda, na espécie, independentemente da quantidade, o agente foi encontrado portando substância entorpecente em local sujeito à Administração Militar em circunstâncias tais que identificam o crime previsto no preceito penal incriminador do art. 290 do Estatuto Repressivo Castrense, na figura nuclear "trazer consigo". Vale dizer que, independentemente da quantidade de substância entorpecente encontrada em poder do agente, em local sujeito à Administração Militar, a configuração do delito restará caracterizada pela comprovação de que o material apreendido, in casu, evidencia a presença de THC – Tetrahidrocannabinol, afastando-se, com isso, a tese da “maconha ontológica”. Comprovadas a autoria, a materialidade e a culpabilidade, impõe-se a condenação dos agentes. Negado provimento aos Apelos. Decisões por unanimidade.