Jurisprudência STM 7000546-11.2021.7.00.0000 de 31 de marco de 2022
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
JOSÉ COÊLHO FERREIRA
Classe Processual
APELAÇÃO
Data de Autuação
05/08/2021
Data de Julgamento
22/03/2022
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,DESACATO E DA DESOBEDIÊNCIA,DESACATO A MILITAR. 2) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES DO SISTEMA NACIONAL DE ARMAS. 3) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A AUTORIDADE OU DISCIPLINA MILITAR,RESISTÊNCIA,RESISTÊNCIA MEDIANTE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA. 4) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,TIPICIDADE,PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 5) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE. 6) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 7) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO. 8) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. RECURSO DA ACUSAÇÃO PARA O AGRAVAMENTO DA PENA. ART. 593 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMUM. INCONSTITUCIONALIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. MÉRITO. APELO DEFENSIVO. DESACATO. ART. 299 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ESTADO DE CÓLERA. NÃO ACOLHIMENTO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE. TESTEMUNHOS CONTRADITÓRIOS. NÃO ACOLHIMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO RECONHECIMENTO. ATENUANTE DA ALÍNEA "C" DO INCISO III DO ARTIGO 72 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. NÃO INCIDÊNCIA. ENUNCIADO Nº 231 DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. UNANIMIDADE. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. AMEAÇA. ART. 223 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RESISTÊNCIA MEDIANTE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA. ART. 177 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIMIDADE. Ao contrário da pretensão defensiva dando conta de que o processo penal só pode ser concebido como instrumento de salvaguarda da liberdade, isso, em absoluto, condiciona ao entendimento segundo o qual seria inconstitucional a possibilidade de recurso ministerial tendente à reforma de uma sentença absolutória, ou mesmo do agravamento de uma pena. Nesses termos, considerando a dicção do art. 526 do Código de Processo Penal Militar, de redação semelhante à do art. 593 do CPP comum, segundo o qual caberá o Recurso de Apelação da Sentença definitiva de condenação ou de absolvição, bem como a redação do art. 510 do referido Códex processual, no sentido de que, das decisões do Conselho de Justiça ou do auditor poderão as partes interpor recurso de Apelação. Os referidos dispositivos infraconstitucionais foram recepcionados pela ordem constitucional vigente, mormente no que diz respeito à concretude do jus puniendi do Estado, na forma do inciso I do artigo 129 da Constituição Federal, que confere ao Órgão ministerial a primazia da promoção da ação penal pública. Preliminar de não conhecimento rejeitada. Decisão por unanimidade. 1) Apelo da Defensoria Pública da União: O verbo desacatar quer dizer desprezar, faltar o respeito ou humilhar, sendo o sujeito ativo qualquer pessoa, desde que o passivo secundário (o principal é o Estado) seja militar no exercício da função ou atuando em função dela. A conduta perpetrada pelo Acusado encontra perfeita adequação ao tipo penal descrito no art. 299 do Código Penal Militar, restando comprovado, inclusive, o elemento subjetivo do tipo penal incursionador, qual seja o dolo consistente no ânimo de desacatar militar no exercício de função de natureza militar ou em razão dela. Para configuração do desacato não se exige que o agente atue com ânimo calmo e refletido, pois, geralmente, a conduta é praticada em situações de alteração psicológica, agindo o agente impulsionado por sentimentos de raiva, ódio ou rancor. A simples leitura e confirmação dos impropérios proferidos pelo Acusado evidenciam o ânimo de menosprezar a função militar desempenhada pelo Ofendido, notadamente porque confirmada pela farta prova testemunhal, aí incluído o próprio filho do Réu. Ao contrário do que sustentou a Defesa ao argumentar que dos autos infere-se que não há elementos suficientemente seguros para configurar a materialidade do suposto delito praticado, bem como que a fragilidade das provas é latente, não remanescem dúvidas acerca da autoria e da materialidade delitivas, estando devidamente refutados os argumentos defensivos tendentes à absolvição do Acusado. O Princípio da Insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: "(i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) nenhuma periculosidade social da ação, (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada". No contexto da conduta descrita nos autos, as condições objetivas citadas devem ser analisadas sob o prisma da preservação dos princípios da hierarquia e da disciplina militares. Nas circunstâncias nas quais foi cometida a prática delituosa descrita nos autos, além do comportamento reprovável, é inegável que a conduta perpetrada pelo Acusado viola gravemente o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora descrita no art. 299 do Código Penal Militar, na medida em que se trata de militar com larga experiência, contando, inclusive, mais de 40 (quarenta) anos de serviço prestados ao Exército Brasileiro. Considerando que a violenta emoção, prevista como circunstância atenuante na letra da alínea "c" do inciso III do artigo 72 do Código Penal Militar, traduz-se na reação a um ato injusto, os argumentos defensivos partem de pressuposto equivocado, notadamente naquilo que diz respeito à alegação de que o Ofendido teria tentado prejudicar o Réu, quando, a bem da verdade, simplesmente fazia cumprir as atribuições inerentes ao serviço que guarnecia no Hospital Militar de Área de Manaus. Ainda que se pudesse reconhecer a atenuante descrita na alínea "c" do inciso III do artigo 72 do Código Penal Militar, considerando a pena-base aplicada pelo Juízo de primeiro grau em seu mínimo legal de 6 (seis) meses de detenção, a sua incidência encontra óbice intransponível no art. 73 do referido Códex Castrense, bem como no Enunciado nº 231 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça dando conta de que a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Recurso não provido. Decisão por unanimidade. 2) Apelo do Ministério Público Militar: Para a configuração do delito encartado no art. 223 do Código Penal Militar, pressupõe-se um anúncio de mal injusto ao Ofendido, o que se pode confirmar por palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico, sendo meio de realização da ameaça por palavra o agente que afirma que vai matar a vítima. Ocorre, no entanto, que os depoimentos colhidos ao longo da instrução processual, e mesmo na fase inquisitorial, não foram capazes de delimitar a ocorrência do delito. Portanto, restando dúvida razoável, deve ser mantida a absolvição em homenagem ao Princípio in dubio pro reo. O tipo penal previsto no art. 177 do Código Penal Militar consuma-se quando o executor da ordem ou quem o auxilia é atingido pelo ato violento ou toma conhecimento da ameaça. A toda evidência, o Réu opôs-se à execução de ordem legal, notadamente impedir o acesso em área restrita do Hospital Militar de Área de Manaus, tendo agredido com tapas o Ofendido, restando caracterizado, portanto, o delito de resistência mediante violência previsto na norma penal incriminadora. Apelo ministerial provido em parte. Decisão por unanimidade.