Jurisprudência STM 7000424-32.2020.7.00.0000 de 05 de novembro de 2020
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA
Classe Processual
APELAÇÃO
Data de Autuação
26/06/2020
Data de Julgamento
22/10/2020
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA INCOLUMIDADE PÚBLICA,CONTRA A SAÚDE,TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE OU SUBSTÂNCIA DE EFEITO SIMILAR. 2) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,TIPICIDADE,PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 3) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 4) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO. 5) DIREITO PROCESSUAL PENAL,DENÚNCIA/QUEIXA,DESCLASSIFICAÇÃO. 6) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,APLICAÇÃO DA PENA,SUBSTITUIÇÃO DA PENA.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. TRÁFICO, POSSE OU USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM LOCAL SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. DEVOLUÇÃO PLENA DA QUESTÃO LITIGIOSA. PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM. CRIME IMPOSSÍVEL. INEFICÁCIA ABSOLUTA DO MEIO. QUANTIDADE ÍNFIMA DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. NÃO ACOLHIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE DOS DELITOS DE PERIGO ABSTRATO. NÃO ACOLHIMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO. ART. 202 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. NÃO APLICAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. ARTIGO 291, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO I. NÃO APLICAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. NÃO APLICAÇÃO. INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA LEI Nº 9.099/1995. NÃO APLICAÇÃO. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. ART. 44 DO CÓDIGO PENAL COMUM. NÃO APLICAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. UNANIMIDADE. O Princípio tantum devolutum quantum appellatum limita a atuação do Tribunal ad quem, condicionando-a à insurgência contida no apelo ou nas razões ou contrarrazões recursais. Embora o art. 32 do Código Penal Militar considere impossível a consumação de crime cujo meio empregado seja absolutamente ineficaz ou se verifique a impropriedade absoluta do objeto, determinando a não aplicação de reprimenda, na espécie, independentemente da quantidade, o agente foi encontrado portando substância entorpecente em local sujeito à Administração Militar em circunstâncias tais que identificam o crime previsto no preceito penal incriminador descrito no art. 290 do Estatuto Repressivo Castrense, nas figuras nucleares "ter em depósito" e "guardar". Vale dizer que, independentemente da quantidade de substância entorpecente encontrada em poder do agente, em local sujeito à Administração Militar, a configuração do delito restará caracterizada pela comprovação de que o material apreendido, in casu, evidencia a presença de THC, substância entorpecente proscrita em lei. A tipificação dos delitos de perigo abstrato tem por objetivo reprimir preventivamente eventual lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, razão pela qual não se contrapõe à ordem constitucional em vigor. Por se tratar de crime de perigo abstrato, para a configuração do tipo descrito no art. 290 do CPM não se faz necessária a comprovação de resultado lesivo, pois em ambiente militar a potencial lesividade da substância entorpecente é suficiente para incriminar o seu possuidor, bastando, para tanto, que o agente pratique qualquer das figuras nucleares do tipo penal em apreço, sem a necessidade de efetiva comprovação da existência de qualquer lesão ou ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal, in casu, a saúde pública. A propósito, o tipo penal inserido no art. 290 do Código Penal Militar encerra elevado potencial de perigo justamente pelo fato de que os militares, por essência, manuseiam artefatos e instrumentos de sabida periculosidade, como armas de fogo, explosivos etc., de forma que, em circunstâncias como as descritas nos autos, coloca-se em risco não só a integridade do Acusado, como também de terceiros. O Supremo Tribunal Federal não só entendeu como inaplicável o Princípio da Insignificância no âmbito desta Justiça Castrense, como também assentou não ser desproporcional a condenação pelo delito de tráfico, posse ou uso de substância entorpecente em local sujeito à Administração Militar, ainda que pequena a quantidade da droga. O Princípio da Insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: "(i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada". No contexto da conduta de tráfico, posse ou uso de substância entorpecente em local sujeito à Administração Militar, os citados requisitos devem ser analisados sob o prisma da preservação dos Princípios da hierarquia e da disciplina militares. O tráfico, posse ou uso de substância entorpecente em ambiente militar, consideradas as particularidades da carreira das armas, além de absolutamente reprovável, possui elevado grau de ofensividade e de periculosidade, representando grave violação ao bem jurídico tutelado pela norma penal descrita no art. 290 do CPM. O delito descrito no art. 202 do Estatuto Repressivo Castrense exige para a sua configuração a demonstração de que o agente se encontra no denominado "estado de embriaguez", ou seja, revela-se imprescindível a comprovação de que o autor do fato ingeriu a substância inebriante. Ainda que se pudesse admitir que a conduta acima tipificada se configurasse pela ingestão de substância entorpecente, no caso dos autos o Acusado foi flagrado guardando a maconha apreendida em sua mochila, durante uma revista pessoal em local sujeito à Administração Militar, circunstância que, por si só, afasta a pretensão defensiva de desclassificação da conduta delituosa. O delito previsto no inciso I do parágrafo único do artigo 291 do Código Penal Militar reclama para a sua incidência que o agente tenha a substância entorpecente em sua guarda ou cuidado, em farmácia, laboratório, consultório, gabinete ou depósito militar. Ou seja, deve o agente ser o responsável lícito pela droga, hipótese esta que não encontra adequação aos fatos apurados nos presentes autos, haja vista que o Acusado tinha em depósito/guardava a substância entorpecente no interior da sua carteira, portanto, ilicitamente. A aplicação da Lei nº 11.343/2006 é inviável no âmbito da Justiça Militar da União, em razão do Princípio da Especialidade, pois não houve revogação nem alteração na redação do art. 290 do Código Penal Militar. Além disso, a expressão em "local sujeito à administração militar" contida na norma penal castrense descrita pelo art. 290 do Código Penal Militar delimita a especialidade desse delito em relação à Lei antidrogas (Lei nº 11.343/2006), devendo a conduta perpetrada pelo Acusado ser apreciada sob esse prisma. A Lei nº 9.099/1995 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais não é aplicável no âmbito desta Justiça Especializada, por força da vedação legal contida no seu art. 90-A. Consoante a reiterada jurisprudência desta Corte castrense, o art. 44 do Código Penal comum é incompatível com a matéria disciplinada no artigo 290 do Código Penal Militar, plenamente recepcionado pela Constituição de 1988, sendo que o critério adotado, neste caso, é o da especialidade. Negado provimento ao Apelo defensivo. Decisão por unanimidade.