Jurisprudência STM 7000414-17.2022.7.00.0000 de 15 de agosto de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
LEONARDO PUNTEL
Revisor(a)
MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
21/06/2022
Data de Julgamento
04/05/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,CRIMES CONTRA A LIBERDADE,VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. 2) DIREITO PENAL,CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL,ASSÉDIO SEXUAL. 3) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR. 4) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE.
Ementa
APELAÇÃO. MPM. ART. 216-A DO CÓDIGO PENAL. ASSÉDIO SEXUAL. PRELIMINAR. PGJM. INCOMPETÊNCIA DA JMU. REJEIÇÃO POR UNANIMIDADE. AUTOR E VÍTIMA MILITARES DA ATIVA. HOTEL DE TRÂNSITO. ÁREA SUJEITA À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. MÉRITO. PREVALÊNCIA DA CONDIÇÃO DE SUPERIOR HIERÁRQUICO. INGRESSO E PERMANÊNCIA DESAUTORIZADA NO QUARTO DA VÍTIMA. CONVITE INDECOROSO. CONSTRANGIMENTO. CONFIGURAÇÃO. TIPIFICAÇÃO. DISPENSA DE AMEAÇA. PROVIMENTO. CONDENAÇÃO. DECISÃO UNÂNIME. 1 - Segundo a jurisprudência do STM, hotel de trânsito é considerado área sob a Administração Militar, local em que imperam, exclusivamente, as regras da caserna. Extrai-se do aludido entendimento que toda a área do hotel de trânsito, incluindo o estacionamento, está sujeita à Administração Militar, a qual respeita a intimidade, o domicílio e a vida privada dos hóspedes. Por essa razão, não se adentra aos quartos sem a autorização do visitante, de modo que a necessidade do assentimento para o ingresso no aposento não significa que a área deixou de estar sob os auspícios da Administração Castrense. 2 - Tratando-se de autor e de vítima militares da ativa, com perfeito enquadramento na hipótese prevista no art. 9º, II, alínea “a”, do CPM, com destaque para a condição de superioridade hierárquica do réu, a validação da tese de incompetência apresentada esvaziaria, equivocadamente, a competência da JMU para a apreciação de crimes que trazem grandes abalos às Forças Armadas, especialmente à integridade dos seus valores. Preliminar de incompetência da JMU rejeitada por unanimidade. 3 - O art. 216-A CP está inserto no capítulo I do título VI do CP e trata-se de crime contra a dignidade sexual, cuja norma busca a preservação da liberdade sexual do indivíduo e, de acordo com a doutrina, para a sua caracterização, exige-se que o comportamento do agente seja realizado com prevalecimento de condição de superioridade ou de ascendência do autor, que se aproveita, se utiliza de determinada situação e tem como elemento subjetivo o dolo, caracterizado pelo especial fim de agir, qual seja obter vantagem ou favorecimento sexual. 4 - O crime em apreço é formal e tutela a liberdade sexual do indivíduo e também a honra e o direito a não ser discriminado nas relações de trabalho. A liberdade sexual é vista em dois aspectos: em seu aspecto positivo, ou seja, liberdade de praticar o ato sexual desde que entre adultos, em privado e com consentimento, e, em seu aspecto negativo, representado pela liberdade de não ser objeto de atos de cunho sexual não desejados. 5 - A conduta narrada na Denúncia restou inconteste nos autos. In casu, o Acusado, prevalecendo-se da condição de superior hierárquico, ingressou clandestinamente no quarto em que a vítima ocupava e a constrangeu, com intuito de que tivesse com ela relacionamento íntimo de natureza sexual. 6 - O entendimento do STM trilha no sentido de que a ação típica de constranger com intuito de obter vantagem sexual é, em síntese, a insistência importuna de alguém em posição privilegiada, que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de subalterno. Assim, a conduta narrada na Denúncia restou inconteste nos autos. 7 - O legislador ordinário, em momento algum, exigiu a comprovação da ocorrência de ameaças ou represálias por parte do agente assediador para se configurar a prática do delito de assédio sexual. 8 - Quanto à eventual caracterização de infração disciplinar, é cediço que as esferas penal, cível e administrativa são independentes entre si, de modo que, pelo mesmo fato, pode haver responsabilização nas 3 (três) esferas, sem que isso configure bis in idem, sendo de competência da Administração Militar o enquadramento às infrações disciplinares, e, portanto, impossível juridicamente, transformar crime contra a dignidade sexual em infração disciplinar, haja vista que ao magistrado é vedada a invasão à esfera Administrativa, posto que essa decisão é da esfera exclusiva da administração militar. 9 - Na primeira fase da dosimetria, deve a pena-base ser fixada acima do mínimo legal quando as circunstâncias judiciais previstas no art. 69 do CPM forem desfavoráveis ao réu. 10 - Constatado o perceptível estado de embriaguez, faz-se imperiosa a incidência da agravante prevista no art. 70, II, alínea “c”, do CPM. 11 - Apelo conhecido e provido. Decisão unânime.