Jurisprudência STM 7000411-91.2024.7.00.0000 de 06 de fevereiro de 2025
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ
Classe Processual
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Data de Autuação
18/06/2024
Data de Julgamento
07/11/2024
Assuntos
1) DIREITO PROCESSUAL PENAL,MEDIDAS ASSECURATÓRIAS,MEDIDAS PROTETIVAS. 2) DIREITO PENAL,CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL,ASSÉDIO SEXUAL.
Ementa
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (RSE). MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR (MPM). ASSÉDIO SEXUAL. PEDIDO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. PROIBIÇÃO DE CONTATO. DISTANCIAMENTO MÍNIMO. MUDANÇA DE LOCAL DE TRABALHO. ART. 319 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP). OMISSÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR (CPPM). APLICAÇÃO POR ANALOGIA. ART. 3º, ALÍNEA ‘A’, DO CPPM. ADMISSIBILIDADE. RECURSO ADMITIDO MEDIANTE RSE ANTERIOR. ENQUADRAMENTO NA HIPÓTESE DO ART. 516, ALÍNEA ‘H’, DO CPPM. OMISSÃO. CONSTATAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DO CPPM POR OMISSÃO. TRATAMENTO DESIGUAL INJUSTIFICADO. OFENSAS À PROIBIÇÃO DE EXCESSO E DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE OFENSA À LEGALIDADE. APLICABILIDADE ADMITIDA. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À ÍNDOLE DO PROCESSO PENAL MILITAR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º, INCISO III, DO CPP. INTERPRETAÇÃO CONFORME. NÃO LIMITAÇÃO DO ENTENDIMENTO A CRIMES MILITARES “POR EXTENSÃO”. APLICABILIDADE PARCIAL NO CASO CONCRETO. DEFERIMENTO DAS MEDIDAS DE AFASTAMENTO E PROIBIÇÃO DE CONTATO. PERDA DE OBJETO PELA REALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE UMA DAS MEDIDAS. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE PROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA. I – Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito interposto com fundamento art. 516, alínea “h”, do CPPM, contra Decisão que negou pedido pela aplicação de medidas diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP. II – Recurso admitido em atenção à análise feita no RSE 7000004- 85.2024.7.00.0000, no qual se afirmou que, “ainda que se questione a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, as quais não estão previstas no CPPM, cabe interpretação extensiva ao art. 516, alínea “h”, do mesmo Código, para autorizar o manejo do RSE na hipótese, de modo a evitar situação de irrecorribilidade e manter a lógica do ordenamento. Hipótese prevista originalmente para situações de prisão preventiva, que deve ser entendida como cabível para aquelas voltadas a uma menor interferência na esfera de liberdade por tutela penal cautelar (medidas diversas da prisão)”. (STM. RSE 7000004-85.2024.7.00.0000. Rel. Min. Péricles Aurélio Lima De Queiroz. Julgado em 14.3.2024. Publicado em 9.4.2024). Entendimento referendado na admissibilidade. III – O CPPM se revela omisso em face do CPP ao não tratar em absoluto de medidas cautelares diversas da prisão, de modo que não existe antinomia entre as duas legislações nem consequente razão para afastar a aplicabilidade das normas do CPP no processo penal militar por força do princípio da especialidade. A lacuna constatada no CPPM acerca da matéria demanda suprimento. IV – As garantias constitucionais a um tratamento processual isonômico (art. 5º, inciso I, da Constituição da República – CR/88) e a um devido processo legal, regido pelo contraditório e pela ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da CR/88), além do princípio da proporcionalidade, demandam que a resposta legislativa retirável do ordenamento seja equânime a todos os cidadãos em similar situação jurídica. V – Para além de ofender as referidas garantias constitucionais, a não extensão expressa pelo Legislador das mudanças trazidas com a Lei 12.403/2011 são desproporcionais e irrazoáveis ao ofenderem tanto a proibição de excesso quanto aquela de proteção insuficiente, pois denegam ao indivíduo investigado e/ou processado pelo CPPM a possibilidade de lhe imporem medidas menos gravosas que a prisão preventiva e retiram de eventuais vítimas a possibilidade de melhor serem protegidas de acordo com a realidade concreta. VI – Em específico, a não extensão das mencionadas medidas aos processos regidos pelo CPPM mostra-se uma alteração legislativa que, por meio de omissão, não reflete finalidade legítima que possa ser alcançada com tal tratamento distinto (necessidade), é igualmente inadequada para atingir um resultado adequado (adequação) e traz nítida desproporcionalidade em termos práticos (proporcionalidade em sentido estrito). VII – Por força desses fundamentos, não se justifica o tratamento desigual fornecido pelo CPPM a atores processuais, tanto aos Acusados de determinado delito quanto aos Ofendidos pela suposta prática, em denegar a concessão de medidas cautelares diversas da prisão quando aqueles que atuam em processos regido pelo CPP detêm acesso a tais instrumentos. VIII – A extensão das referidas medidas ao processo penal militar por meio de suprimento judicial não acarreta ofensa à garantia da legalidade (art. 5º, inciso XXXIX, da CR/88), ao passo que, embora elas afetem diretamente a liberdade de ir e vir do indivíduo, não há criação por ato judicial de medidas atípicas, mas sim adoção, por analogia, de previsão legal expressa. Necessário, ainda, que se proceda à ponderação entre as garantias constitucionais ora analisadas, razão pela qual aquela da legalidade, por não ser absoluta, não pode preponderar de forma isolada, em negação total às demais citadas (art. 5º, incisos I, LIV e LV, da CR/88). IX – Cenário pelo qual se percebe condizente com o paradigma constitucional e com o princípio da proporcionalidade a adoção, mediante analogia, das medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP) nos processos regidos pelo CPPM. X – Analogia possibilitada pelo art. 3º, alínea “a”, do CPPM, sem que haja ofensa à “índole do processo penal militar”, uma vez que as medidas cautelares diversas da prisão, analisadas em tese, não trazem prejuízo aos princípios condutores da força militar, a hierarquia e a disciplina. XI – Inconstitucionalidade da interpretação do art. 1º, inciso III, do CPP, pela qual se vede o suprimento da omissão apontada, ao passo que referida falha legislativa traz ofensas de estatura constitucional (contra a igualdade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e proporcionalidade), de modo que a interpretação literal ao citado dispositivo salvaguardaria tal inconstitucionalidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal que apontam pela aplicabilidade de normas do CPP nos ritos do CPPM (HC 127.900, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 3.3.2016, publicado em 3.8.2016; RHC 142.608, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 12.12.2023, publicado em 12.4.2024). XII – É impossível a limitação do entendimento de aplicabilidade das medidas diversas da prisão aos crimes militares por extensão, isto é, aqueles delitos previstos fora do Código Penal Militar, por não haver diferença fundamental entre as mencionadas práticas delituosas que autorize o tratamento distinto ao Acusado no rito processual. XIII – No caso concreto, foram constatados provas de materialidade (art. 254, alínea “a”, do CPPM) e indícios de autoria (art. 254, alínea “b”, do CPPM), em especial pelos relatos testemunhais colhidos na fase investigatória. XIV – Presentes razões justificadoras da necessidade da medida de afastamento no caso concreto, uma vez que as condutas narradas indicam possibilidade de ofensa aos pilares da hierarquia e da disciplina (art. 255, alínea “e”, do CPPM) e a presença de periculosidade concreta do Acusado em face da vítima (art. 255, alínea “c”, do mesmo diploma legal). XV – Razoabilidade de ambas as medidas requeridas, tanto de transferência de local de trabalho do Acusado quanto de distanciamento físico mínimo e impossibilidade de contato. XVI – Aplicação unicamente da medida de distanciamento físico de 200 metros e de vedação de contato com a Ofendida, pois prejudicada a análise da transferência de lotação por perda superveniente de objeto. XVII – Recurso conhecido em parte e nessa parte provido. Decisão por maioria.