Jurisprudência STM 7000313-43.2023.7.00.0000 de 21 de maio de 2024
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
20/04/2023
Data de Julgamento
25/04/2024
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR,DESACATO E DA DESOBEDIÊNCIA,INGRESSO CLANDESTINO. 2) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE E O PATRIMÔNIO GENÉTICO,CRIMES CONTRA A FAUNA. 3) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. INGRESSO CLANDESTINO. ART. 302 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ART. 29 DA LEI Nº 9605/1998. CRIME CONTRA A FAUNA. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE SUSCITADA PELA PROCURADORIA-GERAL DA JUSTIÇA MILITAR. INOBSERVÂNCIA DO RITO ESPECIAL DA LEI Nº 9.605/98. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE APLICAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL SUSCITADA PELA PROCURADORIA-GERAL DA JUSTIÇA MILITAR. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. PRELIMINAR DE NULIDADE POR INOBSERVÂNCIA DO ART. 433 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. REJEIÇÃO. MAIORIA. MÉRITO. INGRESSO CLANDESTINO. AUSÊNCIA DE PROVAS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE DOLO. NÃO ACOLHIMENTO. CRIME CONTRA A FAUNA. DELITO DE AÇÃO MÚLTIPLA OU CONTEÚDO VARIADO. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA NA MODALIDADE MATAR. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. NÃO ACOLHIMENTO. VERBO NUCLEAR CAÇAR EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. MULTA. PRECEITO SECUNDÁRIO. ART. 29 DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. INCIDÊNCIA. NON REFORMATIO IN PEJUS. NEGADO PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO. MAIORIA. A despeito dos bem lançados argumentos sustentados pelo Órgão ministerial, a pretensão de incidência dos arts. 21, 22, 23 e 24 da Lei nº 9.605/98 encontra óbice intransponível na própria dicção dos citados dispositivos, na medida em que os seus teores dispõem taxativamente que a sua aplicabilidade é restrita às penas impostas a Pessoas Jurídicas, o que, a toda evidência, não constitui o caso dos autos vertentes. Embora o art. 79 da Lei nº 9.605/98 preveja que se aplicam “(...) subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.”, não poderia o Juízo de primeiro grau aplicar o disposto no referido dispositivo legal c/c os arts. 698 e 767, ambos do Código de Processo Penal comum, sob pena de violação ao Princípio da Especialidade, pois não há qualquer omissão na legislação castrense sobre esse aspecto. O primeiro dos dispositivos legais citados pela Procuradoria-Geral da Justiça Militar diz respeito ao art. 16 da Lei de Crimes Ambientais, cujo teor trata da suspensão condicional da pena quando a condenação não for superior a 3 (três) anos. No entanto, ao compulsar detidamente a Sentença de primeiro grau, verifica-se que esse instituto foi devidamente aplicado pelo Juízo a quo em respeito ao Princípio da Especialidade, uma vez que não há qualquer omissão na legislação castrense sobre esse aspecto. Já em relação ao pedido de anulação do processo para fins de “(...) análise da substituição de pena e observância dos artigos 27 e 28 (...)” da Lei nº 9.605/98, embora sejam identificadas benesses aos Acusados, em relação aos chamados institutos despenalizadores da transação penal e da suspensão condicional do processo previstos na Lei nº 9.099/95, não só o art. 90-A do citado Diploma normativo veda a sua aplicação no âmbito Castrense, como o próprio Enunciado nº 9 da Súmula de Jurisprudência desta Corte Militar estabelece que “A Lei n° 9.099, de 26.09.95, que dispõe sobre os Juízos Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União.”. Quanto à análise da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, prevista no art. 8º da Lei nº 9.605/98 e na Parte Geral do Código Penal comum, como cediço, embora em se tratando de crime militar por extensão que, in casu, estabelece na legislação especial a possibilidade dessa conversão, ainda assim, o art. 79 do referido Diploma remete à Parte Geral do Código Penal comum, o que, a toda evidência, obstaculiza a modificação, porquanto deve ser aplicada a Parte Geral do Código Penal Militar que não contempla essa possibilidade. Em todo o contexto acima exposto, ainda que se tenham identificado supostamente benesses aos Acusados, já restou devidamente demonstrado que seriam inaplicáveis na espécie. Por outro lado, ainda que se pudesse considerar tal desiderato, ainda assim, a declaração de nulidade com vistas à aplicação dos institutos acima elencados encontraria óbice intransponível no Princípio do pas de nullité sans grief inserto no art. 499 do Código de Processo Penal Militar, segundo o qual “(...) Nenhum ato judicial será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (...)”, cuja redação é semelhante à do art. 563 do Código de Processo Penal comum, uma vez que não houve qualquer insurgência das Partes nem nas Razões nem nas Contrarrazões recursais. Finalizada a análise dos aspectos benéficos da legislação especial, cujos fundamentos anteriormente expendidos afastam a sua aplicação no contexto dos autos vertentes, em relação aos arts. 17, 18, 19 e 20 da Lei nº 9.605/98, muito menos caberia eventual acolhimento da pretensão deduzida pelo insigne Subprocurador-Geral da Justiça Militar que oficiou nos presentes autos, mormente porque constituiria grave prejuízo aos Acusados em patente afronta aos Princípios do Contraditório, do Tantum devolutum quantum apellatum e da non reformatio in pejus indireta. A toda evidência, por ocasião da emissão do Parecer, a Procuradoria-Geral da Justiça Militar deve atuar como Custos Legis. No caso dos autos, sendo o Recurso exclusivamente defensivo, eventual acolhimento da nulidade suscitada pelo Fiscal da Lei encontraria óbice instransponível no Enunciado nº 160 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “(...) É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.”. Preliminar de nulidade por inobservância do rito especial da Lei nº 9.605/98 rejeitada. Decisão por unanimidade. O alcance normativo do Acordo de Não Persecução Penal, como se evidencia, está circunscrito ao âmbito do processo penal comum, não sendo possível invocá-lo subsidiariamente ao Código de Processo Penal Militar, sob pena de violação ao Princípio da Especialidade, uma vez que não existe omissão no Diploma Adjetivo Castrense. O Enunciado nº 18 da Súmula de Jurisprudência desta Corte Castrense é claro ao consolidar o entendimento segundo o qual o art. 28-A do Código de Processo Penal comum, que dispõe sobre o Acordo de Não Persecução Penal, não se aplica à Justiça Militar da União. Preliminar de aplicação do Acordo de Não Persecução Penal rejeitada. Decisão por unanimidade. A Lei nº 13.774/2018 alterou o Diploma normativo que Organiza a Justiça Militar da União (Lei nº 8.457/1972), de sorte que, a despeito do julgamento monocrático pelo Juiz Federal da Justiça Militar introduzido no ordenamento jurídico pela novel legislação, o rito procedimental estabelecido pelo Código de Processo Penal Militar não foi alcançado pela modificação legislativa, devendo, pois, ser mantido em sua integralidade. A Decisão do Magistrado de primeiro grau, que dispensa as formalidades inerentes à Sessão de Julgamento e, por via de consequência, inviabiliza a sustentação oral que poderia ser requerida pelo Órgão Defensivo, pelas Defesas constituídas, ou mesmo pelo Ministério Público Militar, não só desvirtua o rito procedimental estatuído no Código de Processo Penal Militar, como também, e principalmente, viola os Postulados constitucionais do Devido Processo Legal e da Ampla Defesa, assim dispostos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Carta Magna. Todavia, no caso dos autos, inegavelmente, não se identifica eventual prejuízo para as Partes, circunstância que, se por um lado não impede o reconhecimento da nulidade, que se verifica na espécie conforme disposto no inciso IV do artigo 500 do referido Códex processual, por outro afasta a sua declaração, na forma do art. 499 do Código de Processo Penal Militar, segundo o qual “(...) Nenhum ato judicial será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.”. Vale dizer que, para a aplicação do citado dispositivo, que constitui a essência do Princípio pas de nullité sans grief, exige-se a demonstração efetiva do prejuízo. Preliminar de nulidade por inobservância do art. 433 do Código de Processo Penal Militar rejeitada. Decisão por maioria. Em relação ao crime de ingresso clandestino previsto no art. 302 do Código Penal Militar, a doutrina preceitua que o tipo penal em comento significa ingressar em algum lugar, porém com caráter de invasão, tratando-se, pois, de crime de mera conduta, cuja essência não exige dolo específico. Quanto à autoria e à materialidade delitivas, em que pese os Réus terem declarado em Juízo que não teriam entrado em área sob a Administração Militar, bem como que eles foram interceptados pela Guarda fora das cercanias do Quartel, as provas carreadas nos autos, notadamente a prova testemunhal, bem como o próprio Auto de Prisão em Flagrante não deixam margem para dúvidas de que os Acusados ingressaram clandestinamente no aquartelamento. No que concerne à tese defensiva de ausência de dolo no crime de ingresso clandestino, os argumentos não merecem acolhida na medida em que o delito em testilha é de mera conduta, não se exigindo a produção de nenhum resultado naturalístico. Em relação ao crime contra a Fauna previsto no caput do artigo 29 da Lei nº 9.605/98, a doutrina classifica-o como delito de ação múltipla ou de conteúdo variado, perfazendo-se por qualquer das ações perpetradas. Quanto à autoria e à materialidade delitivas, apesar de os Réus não admitirem serem os autores do delito em seus depoimentos prestados em Juízo, a farta prova testemunhal e material colhida ao longo do processo permite concluir que, pelo menos, a modalidade caçar restou absolutamente comprovada. As provas coligidas aos autos confluem para evidenciar que os Réus tiveram convergência de vontades para a prática dos verbos nucleares “caçar” e “matar” de que trata o caput do artigo 29 da Lei nº 9.605/98, sobretudo por terem sido flagrados na posse dos objetos apreendidos, além da própria carcaça de um tatu ainda com sangue e sem cabeça. Tais circunstâncias são aptas a demonstrar não só a relação de causalidade próxima com a morte do animal silvestre, mas também a coincidência com o acervo probatório colhido em Juízo, o que torna eventual indício da autoria dos Acusados elemento probatório nos termos dos artigos 382 e 383 do Código de Processo Penal Militar, ainda que eles não tenham confessado em Juízo a prática do crime descrito no caput do artigo 29 da Lei nº 9.605/98. No que tange à alegação de ausência de perícia para corroborar a versão dos Acusados de que o animal teria sido abatido pelo cão, ainda assim essa constatação não afasta o reconhecimento da prática delituosa, pois, nos termos do art. 326 do Código de Processo Penal Militar “(...) O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte (...)”. O Decreto condenatório, inadvertidamente, deixou de observar a jurisprudência forjada nesta Corte Castrense, no sentido de que, nos delitos militares por extensão, é cabível a aplicação da penalidade de multa descrita no preceito secundário do tipo penal incursionador. Todavia, tratando-se de Recurso exclusivo da Defesa, a eventual aplicação do preceito secundário acima aludido encontraria óbice intransponível no Princípio da non reformatio in pejus. Negado provimento ao Apelo defensivo. Decisão por maioria.