Jurisprudência STM 7000264-36.2022.7.00.0000 de 04 de novembro de 2022
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS AUGUSTO AMARAL OLIVEIRA
Revisor(a)
JOSÉ BARROSO FILHO
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
19/04/2022
Data de Julgamento
13/10/2022
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA INCOLUMIDADE PÚBLICA,CONTRA A SAÚDE,TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE OU SUBSTÂNCIA DE EFEITO SIMILAR. 2) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO E USO INDEVIDO DE DROGAS,POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL,DESPENALIZAÇÃO / DESCRIMINALIZAÇÃO. 3) DIREITO PROCESSUAL PENAL,DENÚNCIA/QUEIXA,DESCLASSIFICAÇÃO. 4) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,APLICAÇÃO DA PENA,SUBSTITUIÇÃO DA PENA. 5) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. POSSE DE ENTORPECENTE. ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. TESES DEFENSIVAS. AUSÊNCIA DE LACRE. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. PEQUENA QUANTIDADE. CRIME IMPOSSÍVEL. AUSÊNCIA DE PERIGO EFETIVO DE LESÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES ABSTRATOS. RECLASSIFICAÇÃO. CRIMES ASSEMELHADOS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. PRESQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA. DESPROVIMENTO DO APELO. DECISÃO UNÂNIME. Militar flagrado no interior da organização militar, portando substância entorpecente vulgarmente conhecida como maconha, incorre na prática do crime previsto no art. 290 do Código Penal Militar. Materialidade e autoria delitivas comprovadas à luz das provas testemunhais e periciais. A ausência de registros atinentes à numeração e ao lacre não tem o condão de suscitar dúvida razoável de que a substância periciada não se trata da apreendida na posse do apelante, levandose em consideração a existência de termo de apreensão da droga, de documento comprobatório da remessa da substância à perícia, e, ainda, de informações convergentes entre os laudos preliminar e toxicológico definitivo. Não há como se reconhecer, no caso, a incidência do instituto do crime impossível, previsto no art. 32 do Código Penal Militar, muito menos a de ausência de perigo efetivo de lesão, com base na alegação de ser ínfima a quantidade da droga. Quando o militar pratica qualquer um dos verbos nucleares previstos no artigo 290 do Código Penal Militar, evidentemente, consuma conduta incompatível com a atividade militar, pois inconcebível a ideia de um militar, após fazer uso de drogas, manusear ou controlar instrumentos bélicos ou maquinários pesados, sem expor a perigo seus colegas de farda ou mesmo o cidadão comum. Por essa razão, prevalece o entendimento de que o porte de substância entorpecente, em ambiente militar, ainda que não utilizada e independentemente da quantidade, representa, sim, um perigo em potencial à regularidade e ao funcionamento das instituições militares, objeto tutelado pelo artigo em questão. Logo, não se pode conferir a tal conduta o mesmo tratamento que o direito penal comum confere àquele que tem idêntico comportamento fora de local sob a administração militar. Impende ressaltar que tanto a doutrina como a jurisprudência já reconheceram a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, entre os quais se inclui o art. 290 do Código Penal Militar. Neles, exsurge a necessidade de uma tutela prévia do objeto social resguardado, ainda que o prejuízo não se concretize, levando-se em conta o grande potencial lesivo de tais condutas de atingir o bem jurídico tutelado que, no caso do art. 290 do Código Penal Militar, ultrapassa a proteção da saúde pública e da saúde pessoal do usuário, para alcançar também os princípios da hierarquia e da disciplina militar, bases organizacionais das instituições militares. Remansosa ainda a jurisprudência a afirmar a conformidade do art. 290 do Código Penal Militar com o princípio da proporcionalidade e, por via de consequência, a recepção do artigo em questão pelo texto constitucional. Ademais, a discussão envolvendo a tipificação da conduta de posse de drogas cinge-se à competência do Poder Legislativo. Logo, é incabível a pretensa reclassificação da conduta do apelante para o crime de embriaguez em serviço e dos casos assimilados de receita ilegal, previstos no artigo 202 e no artigo 292, inciso I, parágrafo único, ambos do Código Penal Militar, a fim de obter apenamento mais brando. A Lei nº 13.491/2017, tão somente, acrescentou à competência da Justiça Militar da União o julgamento dos crimes previstos na legislação penal comum, quando praticados no contexto das alíneas previstas no inciso II do art. 9º do Código Penal Militar. Trata-se, assim, de competência suplementar a ser aplicada quando não houver, para a espécie, previsão no próprio Código Penal Militar. Portanto, não há se falar em aplicação do art. 28 da Lei nº 11.343, de 2006, com os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099, de 1995, sob pena de violação ao princípio da especialidade que rege a legislação penal militar. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal, pois o Código de Processo Penal Militar, no art. 59, disciplina, de modo diverso, as hipóteses de substituição de pena cabíveis no âmbito desta Justiça Especializada. Ante a manifesta intenção de prequestionar o art. 1º, inciso III, e o art. 5º, caput, e incisos XLVI, alínea d, XLVII, alínea e, LIV e LV, ambos da Constituição Federal, é imperativo reconhecer que a pena de reclusão cominada ao crime do art. 290 do Código Penal Militar não infringe os princípios da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, tampouco ofende à vedação constitucional de proibição de penas cruéis e à previsão de substituição por penas alternativas. Desprovimento do apelo. Decisão unânime.