Jurisprudência STM 7000262-95.2024.7.00.0000 de 02 de julho de 2024
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
LOURIVAL CARVALHO SILVA
Classe Processual
HABEAS CORPUS CRIMINAL
Data de Autuação
17/04/2024
Data de Julgamento
20/06/2024
Assuntos
1) DIREITO PENAL,CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL,CORRUPÇÃO PASSIVA. 2) DIREITO PROCESSUAL PENAL,AÇÃO PENAL,TRANCAMENTO. 3) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,CRIMES CONTRA A HONRA,CALÚNIA. 4) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO, SUSPENSÃO DO PROCESSO. 5) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO.
Ementa
HABEAS CORPUS. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. PRELIMINAR DE ADMISSIBILIDADE. ART. 81, § 3º, DO RISTM. NÃO CONHECIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. MÉRITO. RÉU ACUSADO DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ENQUADRAMENTO LEGAL NO ART. 317 DO CÓDIGO PENAL COMUM. MODALIDADE DE “SOLICITAR”. ERRO NA IMPUTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO CONSTATAÇÃO. PRINCÍPIO DA SUPLEMENTARIEDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL MILITAR. IMPOSSIBILIDADE. MAGISTRADO QUE EMPREGA O RITO ORDINÁRIO COMUM, POR SER MAIS BENÉFICO AO RÉU. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. IMEDIATA APLICAÇÃO DO CPPM, COM EFEITOS EX NUNC. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1. Preliminarmente, a Defesa pugna pela admissibilidade do Remédio Heroico, em abordagem que se confunde com o mérito da insurgência, e, portanto, não merece conhecimento em sede prefacial, nos termos do preceito contido no § 3º do art. 81 do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar. Decisão por unanimidade 2. O cerne da irresignação defensiva repousa na alegação de que a conduta de “solicitar vantagem indevida”, cuja prática é imputada ao Acusado, deveria ter sido enquadrada no art. 308 do CPM, e não no art. 317 do CP comum. Assim, a Impetrante requer o trancamento da Ação Penal Militar, sustentando que o Paciente está sendo processado criminalmente de maneira equivocada, haja vista que, na época dos fatos, a figura típica da corrupção passiva no ordenamento penal castrense não contemplava o verbo “solicitar”. 3. De fato, no ano de 2021, data da prática delituosa, o art. 308 do CPM continha, em seu preceito primário incriminador, os verbos “receber” e “aceitar”. Apenas com o advento da Lei nº 14.688/2023, o verbo “solicitar” passou a integrar o núcleo elementar do referido tipo penal, juntamente com os outros dois verbos, anteriormente existentes. 4. A tese suscitada não é bastante para que a imputação atribuída ao Paciente seja considerada atípica, no momento incipiente em que a instrução processual se encontra, à vista da correspondência delitiva existente na legislação penal comum - art. 317 do CP, no qual foi enquadrada a ação do Réu. 5. O comportamento consistente em “solicitar vantagem indevida” consumou-se quando já vigente a Lei nº 13.491/2017, que promoveu o incremento da competência desta Especializada, criando a categoria denominada “crimes militares por extensão”, de modo que a Justiça Militar da União teve sua competência ampliada para processar e julgar, não somente os delitos previstos no ordenamento castrense, mas quaisquer crimes previstos na legislação penal como um todo, desde que executados nas circunstâncias estabelecidas no art. 9º, II, do CPM. 6. Mesmo antes da Lei nº 13.491/2017, em situações dessa natureza, em que as ações delitivas refletiam crimes alienígenas ao CPM, o agente via-se processado pela Justiça Comum, não havendo que se falar, por conseguinte, em atipicidade da conduta, por ausência de previsão legal no Códex Castrense. 7. Trata-se de solução jurídica decorrente do chamado princípio da suplementariedade, ferramenta hermenêutica que vem socorrer o Estado, em seu jus puniendi, em demandas cujo desate processual parece depender do preenchimento de eventual lacuna normativa, tornando possível chegar-se à solução exigida para determinada situação concreta, a partir da integração das normas no tempo, sem ultrapassar as divisas doutrinárias e principiológicas do Direito Penal Militar. 8. O trancamento de uma demanda penal regularmente instaurada, pela via estreita do Habeas Corpus, é situação excepcional, para a qual exige-se a comprovação, prontamente, da manifesta atipicidade da conduta, falta de indícios mínimos de autoria e materialidade delitiva, ou existência de causa extintiva da punibilidade. 9. In casu, a Peça Pórtico acusatória encontra-se lastreada no farto substrato probatório carreado na fase inquisitiva, demonstrando a existência de justa causa para o processamento do Acusado, não tendo sido apontado motivo ou qualquer ilegalidade hábil a justificar a suspensão prematura do trâmite da Ação Penal Militar. 10. Subsidiariamente, a Impetrante insurge-se contra o estabelecimento do rito do Código de Processo Penal comum para a condução do feito, assim fixado pelo Magistrado a quo sob a justificativa de ser mais benéfico ao Réu, ao arrepio de qualquer previsão legal. 11. Mesmo quando o delito imputado é crime militar por extensão, hipótese que se verifica no caso em apreço, não há autorização legal para o afastamento do rito especial previsto na Lei Adjetiva Castrense, que atende, suficientemente, às necessidades do processamento criminal do Paciente. 12. O fato de o rito ordinário comum ser, eventualmente, mais benéfico ao Acusado, não é critério passível de ponderação nesta Justiça Especializada, sob pena de se permitir verdadeira inovação legislativa, em decorrência da mescla de aspectos de duas legislações diversas, promovendo a criação de uma terceira regra, prática vedada e combatida por este Tribunal, que não acolhe o chamado hibridismo normativo, sobretudo em respeito ao critério especializante. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 13. Ordem concedida parcialmente, para ser aplicado ao feito o rito próprio do CPPM, preservados os atos processuais pretéritos compatíveis com a regra da norma castrense. Decisão por unanimidade.