Jurisprudência STM 7000194-82.2023.7.00.0000 de 11 de dezembro de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
08/03/2023
Data de Julgamento
16/11/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA A PESSOA,LESÃO CORPORAL E RIXA,LESÃO GRAVE. 2) DIREITO PROCESSUAL PENAL,DENÚNCIA/QUEIXA,DESCLASSIFICAÇÃO. 3) DIREITO PENAL MILITAR,CRIME CULPOSO. 4) DIREITO PENAL,PARTE GERAL,EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE,PERDÃO.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. LESÃO CORPORAL GRAVE. ARTIGO 209, § 1º, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO. NÃO ACOLHIMENTO. PERDÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. NÃO APLICAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. UNANIMIDADE. Sobre o delito de lesão corporal descrito no art. 209 do Código Penal Militar, o verbo ofender designa lesionar, ferir a integridade física ou fisiopsíquica de outro ser humano. A integridade corporal (física) é ofendida quando ocorre o dano físico (anatômico) nos tecidos internos ou externos do corpo: escoriações, feridas, mutilações e equimoses. Conforme disposto no § 1º do citado dispositivo, ocorre lesão corporal grave quando se produz, dolosamente, incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias. O conceito de ocupação é sob o prisma funcional, e não econômico, e a ocupação habitual não se refere especificamente ao trabalho do ofendido, mas às suas ocupações da vida em geral: asseio corporal, recreação, lazer e demais atividades de natureza lucrativa ou não lucrativa. Se por um lado é fato que o Acusado não planejou o evento danoso sofrido pelo Ofendido, ou seja, não agiu com dolo direto de causar a lesão, a análise das circunstâncias que envolveram a conduta delituosa, como bem descreveu a Denúncia ofertada pelo Órgão ministerial, tampouco conduz ao entendimento de que ele teria agido culposamente. Afinal, os autos evidenciam que foi o Réu quem entregou o artefato explosivo ao Ofendido, tendo retirado a fita isolante aplicada pelo militar responsável pela instrução, sendo oportuno destacar que o referido graduado assim procedeu justamente para evitar a detonação da granada. Ainda que o Réu não possuísse especialização em granadas, não se pode afirmar, como tenta induzir o Órgão defensivo, que ele não agiu com dolo na sua conduta por não ter conhecimento sobre eventual consequência do manuseio do artefato. Vale dizer que a explosão do artefato que lesionou o Ofendido não decorreu de fatalidade, tampouco de eventual falha do equipamento, ou mesmo da omissão dos militares mais graduados que se encontravam presentes na instrução, mas sim, de uma conduta voluntária do Réu, cujas consequências eram e deveriam ser previsíveis para um militar experiente, que figurava como instrutor e que, tendo realizado curso na área de controle de distúrbios, tinha conhecimento relacionado ao manuseio e emprego de granadas, em especial quanto aos cuidados ao manipulá-las. Portanto, embora a conduta do Réu tenha se pautado na ausência do dever de diligência exigido pela norma, o qual restou consubstanciado pela imprudência (prática de um fato perigoso) ou pela negligência (ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado), caracterizando-se a presença da inobservância do cuidado objetivo, quanto aos requisitos relativos às previsibilidades objetiva e subjetiva, sua aferição pressupõe o exame de qual o cuidado exigível de uma pessoa prudente e de discernimento diante da situação concreta. Considerando a condição de militar experiente e treinado para o manejo de artefatos desse tipo, no contexto das circunstâncias delineadas nos autos, não se admite cogitar eventual ausência de previsão, restando afastado, portanto, o requisito da previsibilidade subjetiva, e por via de consequência a culpa. Se por um lado, o Réu não teve a intenção de causar a lesão no Ofendido, por outro, assumiu o risco de produzi-la, configurando-se o que a doutrina convencionou denominar dolo eventual. Reconhecido o dolo na conduta do Réu, resta prejudicada a análise da tese defensiva remanescente dando conta de que seria aplicável o Perdão Judicial. Nada obstante essa prejudicialidade, ainda assim a aplicação desse instituto não encontra previsão legal na legislação penal militar para o delito descrito no art. 209 do Código Penal Militar, sendo contemplada essa hipótese somente nos termos do artigo 129, § 8º, do Código Penal comum, caso em que o Julgador poderá deixar de aplicar a pena se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, não sendo possível a sua aplicação no âmbito desta Justiça Especializada, por não se tratar de omissão legislativa. Apelo defensivo não provido. Decisão por unanimidade.