Jurisprudência STM 7000183-19.2024.7.00.0000 de 07 de outubro de 2024
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
LOURIVAL CARVALHO SILVA
Revisor(a)
ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
22/03/2024
Data de Julgamento
19/09/2024
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA INCOLUMIDADE PÚBLICA,CONTRA A SAÚDE,ART. 290, CPM - TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE OU SUBSTÂNCIA DE EFEITO SIMILAR. 2) DIREITO PROCESSUAL PENAL,AÇÃO PENAL,PROVAS,PROVA ILÍCITA. 3) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,TIPICIDADE,PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 4) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO E USO INDEVIDO DE DROGAS,POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL,DESPENALIZAÇÃO / DESCRIMINALIZAÇÃO. 5) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO.
Ementa
APELAÇÕES. MPM. DPU. CONDENAÇÃO. ART. 290 DO CPM. PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE E INCONVENCIONALIDADE DO ART. 290 DO CPM. REJEIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CADEIA DE CUSTÓDIA PRESERVADA. PRINCÍPIOS DA “MESMIDADE E DA DESCONFIANÇA”. NÃO VIOLAÇÃO. DOLO CONFIGURADO. PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA, DA SUBSIDIARIEDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE. LEI Nº 13.491/2017. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. NÃO INCIDÊNCIA. PEDIDO DE PREQUESTIONAMENTO. NÃO ACOLHIMENTO. APELOS DESPROVIDOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA A QUO. DECISÃO UNÂNIME. 1. A Defesa sustenta que o art. 290 do CPM seria inconstitucional, por força da incorporação, ao ordenamento jurídico brasileiro, da Convenção de Nova York e da Convenção de Viena. Os dois regramentos tratam tanto de políticas estatais de combate às drogas quanto de ações voltadas aos usuários, o que não significa que o Direito interno dos países aderentes não possa estabelecer as próprias normas, para atender suas peculiaridades e necessidades específicas. 2. A adesão às convenções representa a aquiescência ao seu propósito. Contudo, não se identifica qualquer incompatibilidade entre as citadas normas internacionais e o art. 290 do CPM, que não se enquadra como regra de aplicabilidade geral, estando restrito à seara do Direito Castrense, cuja baliza é o critério especializante, com o escopo de preservar a hierarquia e a disciplina no âmbito das Forças Armadas, valores inconjugáveis com qualquer permissibilidade a respeito da utilização ou porte de substâncias entorpecentes. 3. Preliminar rejeitada por unanimidade. 4. O Réu foi flagrado portando entorpecente nas dependências da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, conduta que se adequa com perfeição ao tipo penal insculpido no art. 290 do CPM. Nesse contexto, a autoria é inconteste e sequer foi questionada, inclusive porque o próprio Acusado admitiu, ao ser interrogado em Juízo, trazer consigo o material ilícito. 5. Ambas as insurgências questionam a lisura da cadeia de custódia do elemento probante, em decorrência de haver supostas falhas no iter procedimental seguido até a constatação da substância encontrada. Todavia, não foi demonstrada, efetivamente, a existência de mácula na cadeia de custódia, em razão da suposta manipulação inapropriada do objeto do delito, até a elaboração do laudo pericial definitivo, que comprovou ser a substância ilícita. 6. Não prospera a alegação ministerial de que foram feridos “os princípios da mesmidade e da desconfiança”, atinentes à produção da prova no processo penal, os quais representam os fundamentos da instituição de uma cadeia de custódia da prova, como garantia de um processo penal justo e equânime. Da leitura da Sentença vergastada, exsurge, em termos cristalinos, que o Juízo, ao decidir pela preservação da cadeia de custódia da prova, considerou todo o conjunto probatório e o panorama dos fatos. Logo, a materialidade encontra-se delineada e provada. 7. O dolo que permeia a atitude do Réu desponta, com clareza, de sua ação consciente e voluntária de adentrar com a droga na Organização Militar e colocá-la no bolso de sua farda, assumindo o risco de praticar o crime tipificado no art. 290 do CPM. 8. A alegação de ser a conduta atípica, por ausência de lesão ao bem jurídico tutelado (princípio da insignificância), não encontra abrigo no Direito Penal Castrense, haja vista encontrar-se superado o argumento de que estariam presentes os requisitos para se considerar a conduta do Acusado um insignificante penal. Ultrapassando a proteção à saúde, o tipo previsto no art. 290 do CPM visa a zelar pela ordem hierárquico-disciplinar das Organizações Militares, enquanto elementos fundamentais e basilares das Forças Armadas brasileiras, tutelados constitucionalmente. 9. De igual modo, não repercutem no caso em apreço as alegações acerca do caráter eminentemente fragmentário e subsidiário do Direito Penal. Segundo firmemente assentado pela jurisprudência deste Sodalício d’Armas, a simples presença da substância entorpecente nos quartéis, em desacordo com as normas legais e regimentais, significa muito mais do que um delito de perigo para a saúde individual e coletiva, representando um risco concreto. 10. A tese de que a temática das drogas na seara militar sofreu a incidência de novatio legis in mellius, em decorrência da Lei 13.491/2017, buscando a aplicação do art. 28 da Lei n° 11.343/2006, não encontra suporte nos autos. Diante das peculiaridades da vida militar, prepondera a máxima lex specialis derrogat legi generali, ou seja, a lei especial (Código Penal Militar) afasta a aplicação da lei comum (Lei 11.343/2006), entendimento materializado no Enunciado n° 14 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal Militar. 11. Quanto ao pleito de prequestionamento por suposta ofensa ao art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, em que pese a necessidade de prequestionamento da matéria como requisito à admissibilidade de eventual recurso extraordinário a ser interposto no STF, não se identifica a alegada violação no presente Voto, tampouco na Sentença. 12. Apelos desprovidos, devendo permanecer íntegra a Sentença condenatória. Decisão por unanimidade.