Jurisprudência STM 7000136-21.2019.7.00.0000 de 26 de setembro de 2019
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
LUIS CARLOS GOMES MATTOS
Revisor(a)
JOSÉ BARROSO FILHO
Classe Processual
APELAÇÃO
Data de Autuação
13/02/2019
Data de Julgamento
03/09/2019
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA O SERVIÇO MILITAR E O DEVER MILITAR,DESERÇÃO,DESERÇÃO. 2) DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR,JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA,COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. 3) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO,EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
Ementa
APELAÇÃO. DESERÇÃO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE OU DE PROSSEGUIBILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR PARA JULGAR CIVIS EM TEMPO DE PAZ. COMPETÊNCIA DO CONSELHO PARA JULGAR O ACUSADO. CONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESERÇÃO EM TEMPO DE PAZ. TIPICIDADE DA CONDUTA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE CAUSAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE OU DE ILICITUDE. DELITO DELINEADO E PROVADO EM TODAS AS SUAS ELEMENTARES. NÃO PROVIMENTO. O licenciamento do Acusado das fileiras do Exército não constitui óbice para o prosseguimento da Ação Penal Militar pela prática do crime de Deserção. Rejeição, por maioria, da preliminar defensiva, na qual é arguida a nulidade da Ação Penal Militar pela perda de uma de suas condições, qual seja, a legitimidade passiva do Acusado. O julgamento de civis pela Justiça Militar da União é firmemente ditado pela lei, a partir de mandamentos originários da própria Constituição da República, certamente sob a consideração do legislador, inclusive o constituinte, da singular destinação das Forças Armadas e dos bens jurídicos que devem ser submetidos à tutela do direito penal militar como pressupostos para que tal destinação seja levada a termo de forma estável e profícua. Rejeição, por unanimidade, da preliminar defensiva, na qual argui a nulidade do processo ante a incompetência absoluta da União para julgar civis em tempo de paz. É certo que, com a entrada em vigor da Lei nº 13.774/2018, a competência dos Conselhos restou reduzida, na medida em que os Acusados civis passaram a ser julgados pelo Magistrado togado, monocraticamente. Ademais, a Lei n° 13.774/18, embora tenha provocado, por via oblíqua, significativa redução da competência dos Conselhos para julgar os réus submetidos à jurisdição da Justiça Militar, dela não retirou a de julgar aqueles que, ao tempo do crime, eram militares, independentemente de, empós, terem se tornado civis. Mas, como se tanto já não bastasse para repelir a vertente preliminar defensiva, há também a conspirar nesse sentido a circunstância de que, ao ser proferida a Sentença pelo Conselho Permanente de Justiça e, também, ao ser realizada a sua publicação, ambas em 23/11/2018, a Lei nº 13.774/2018 sequer encontrava-se em vigor, uma vez que foi assinada em 19/12/2018 e publicada em 20/12/2018, conforme registros lançados no Diário Oficial da União nº 244, Seção 1, quarta-feira, 20 de dezembro de 2018. Rejeição, por unanimidade, da preliminar defensiva, na qual argui a nulidade da Sentença sob o fundamento de que a competência para o julgamento do Acusado seria exclusivamente do Juiz togado. A tipificação do delito de Deserção como crime também em tempo de paz de nenhum modo está em conflito com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, como também de forma alguma maltrata qualquer direito fundamental do Acusado e, menos ainda, a sua dignidade como pessoa humana. Nesse fio, pois, simplesmente ignora a Defesa - e, como consectário lógico, não considera no seu juízo de ponderação dos princípios constitucionais em jogo - aquele que sobressai no caso da Deserção, qual seja, o da soberania, consagrado na Carta da República, logo no inciso I do seu artigo primeiro e principal fonte de inspiração e de justificação da existência das Forças Armadas e, naturalmente, de um direito penal atento às suas peculiaridades. À evidência, afirmada à exaustão a constitucionalidade do crime de Deserção, perde qualquer significado a alegação defensiva de que a sua tipificação seria antinormativa ou ofensiva ao conceito da tipicidade conglobante; e, como consectário lógico, também perde total substância a sua assertiva de que a conduta do Acusado muito pouco ou nada ofenderia os bens tutelados no crime de Deserção, de modo que criminalizá-la e, nessa esteira, puni-la constituiria ofensa aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da intervenção mínima. Desse modo, também inteiramente descabida é a absolvição do Acusado "por atipicidade de sua conduta", impondo-se, também no fio, o indeferimento do seu pedido de arquivamento do processo sem julgamento do mérito. Como ressai dos termos da Ata de Julgamento (evento 38), como também do conteúdo do áudio do julgamento (evento 37), as eventuais divergências quanto ao registro do óbito do avô do Acusado e quanto à integridade do prontuário médico do Hospital Militar não eram de atendimentos indispensáveis para o deslinde integral da quaestio, uma vez que já havia nos autos elementos, notadamente representados pelos documentos médicos ofertados pelo Acusado e pelo depoimento de sua própria mãe em Juízo, que as resolviam inteiramente; e, desse modo, não há de se ver qualquer cerceamento de defesa na decisão do Conselho ao não as deferir e, consequentemente, ao não suspender o julgamento. A farta prova documental, especialmente representada pelo Termo de Deserção lavrado em seu desfavor (evento 1, itens 4 e 5, do processo originário), aponta que o Acusado, sem licença ou autorização, ausentou-se da sua Unidade desde o dia 20/12/2016 até o dia 27/11/2017, desenhando, destarte, no plano objetivo, a figura típica recortada no art. 187 do Código Penal Militar. Conforme ressai com clareza meridiana dos próprios termos do seu interrogatório em Juízo, o agir do Acusado encontra-se flagrantemente permeado pelo dolo, ou seja, pela vontade livre e consciente de abandonar o quartel, independentemente de qualquer licença ou autorização de seus superiores; e isso embora sabendo que o seu proceder constituiria um ilícito penal (depoimento do Acusado, no evento 20 do processo originário). Ausência de causa de qualquer natureza que exculpe o Acusado ou afaste a ilicitude de seu proceder. No mérito, não provimento do Apelo por unanimidade.