Jurisprudência STM 7000123-51.2021.7.00.0000 de 21 de agosto de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS AUGUSTO AMARAL OLIVEIRA
Revisor(a)
ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
18/02/2021
Data de Julgamento
02/05/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO,ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES,ART. 251, CPM - ESTELIONATO. 2) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE,PRESCRIÇÃO. 3) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENAS DO CÓDIGO PENAL MILITAR. 4) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. 5) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE. 6) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,VÍCIOS FORMAIS DA SENTENÇA. 7) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO. 8) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO.
Ementa
APELAÇÕES. DEFESA. ESTELIONATO. PECULATO. PRELIMINAR DE NULIDADE. PRINCÍPIOS. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. MATÉRIA. IMBRICAÇÃO. MÉRITO. NÃO CONHECIMENTO. PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO. ESTELIONATO. CONTRATAÇÕES FRAUDULENTAS. SERVIÇOS E SUBSTITUIÇÃO DE PEÇAS DE VEÍCULOS. SERVIÇOS EMPENHADOS E NÃO REALIZADOS. PRESTAÇÃO DIVERSA DO CONTRATADO. MANOBRA CONHECIDA COMO "QUÍMICA". NÃO COMPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO. RECURSOS. ORGANIZAÇÃO MILITAR. PECULATO. DESVIO DE COMBUSTÍVEIS. PREJUÍZO. COFRES PÚBLICOS. COMPROVAÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. DOLO. OCORRÊNCIA. ATENUANTE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE. APURAÇAO. FATOS. ESFERA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. A Sentença foi amplamente fundamentada, mediante a observância dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Não se vislumbra o apontado erro de valoração de prova, sendo patente, na espécie, a intenção protelatória e tumultuária do pleito Defensivo. A Matéria se encontra imbricada com o mérito, cuja análise é inviável em questão prefacial. Preliminar de nulidade não conhecida, à unanimidade. Nos termos do art. 125, § 5º, inciso I, do CPM, a instauração do processo, com o recebimento da Denúncia, constitui causa interruptiva do prazo prescricional, de sorte que não se verifica a prescrição na forma retroativa, eventualmente operada entre as datas do fato e da prolação da Sentença condenatória. Mesmo que assim não fosse, uma vez que os ilícitos ocorreram sob a égide da Lei nº 12.234/2010, o cômputo do prazo prescricional, com base na pena imposta, deve ser considerado a partir do recebimento da denúncia, na esteira do entendimento pacificado desta Justiça Castrense. Tomando-se por base a pena aplicada ao Recorrente, equivalente a 3 (três) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, não se verifica o lapso de 8 (oito) anos entre a data do recebimento da denúncia e a da publicação da Sentença condenatória, conforme o regramento disposto no art. 125, inciso V, do CPM. Preliminar de prescrição rejeitada. Decisão unânime. Quanto aos fatos relacionados às falsas realizações de retíficas em motores e de diversos outros serviços nas viaturas da Organização Militar, além da substituição de peças, as fartas provas orais e documentais carreadas aos autos apontaram que o 2º Batalhão de Fronteira realizou contratação irregular de empresas privadas, com o repasse de elevado numerário público, sem a devida contraprestação, possibilitando a percepção de lucros indevidos. Paralelamente, houve movimentação elevada e injustificada de valores entre as contas bancárias de diversos réus, militares e civis, constatando-se a ausência de qualquer controle quanto aos serviços realizados e aos respectivos pagamentos. Estão presentes os elementos objetivos e subjetivos do crime de estelionato, em coautoria e em continuidade delituosa, na forma do art. 251 c/c o art. 53, ambos do CPM, e do art. 71 do Código Penal comum, mediante a realização de diversas operações ilícitas, incluindo violações à Lei de Licitações e contratações ilegais, induzindo a Administração Militar em erro e gerando vantagem indevida, em prejuízo aos cofres públicos. Restou comprovado que o Comandante da OM e Ordenador de Despesas, ao qual incumbia autorizar a realização dos serviços e empenhar os valores às empresas contratadas, possuía total domínio do fato, evidenciando-se a omissão dolosa do referido Oficial. O esquema fraudulento ocorreu sob a coordenação de Oficial Superior responsável pelo setor de controle de solicitação, compra e aplicação de peças. Por ter sido o elemento de ligação entre o Comandante do Batalhão e os demais partícipes das fraudes, mediante a captação das empresas a serem contratadas e a determinação das atividades dos outros militares que participavam na associação criminosa, correta é a inclusão da agravante disposta no art. 53, § 2º, inciso I, do CPM, em relação ao citado Oficial. Alegada necessidade de realização da chamada “química” para a execução da "Operação Arco Verde", mediante autorização do Comando da OM a "pegar carona” em pregões em andamento e a alterar, por outros, os serviços empenhados e as compras de real necessidade da Unidade. Ausência de comprovação de que o valor obtido da "química" foi revertido à mencionada Operação. Tal prática nada mais é do que um artifício para a realização de ilicitudes em procedimentos licitatórios e de outras práticas delituosas, como, na espécie, estelionato e peculato. Não se verifica ofensa aos princípios da correlação, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Foram regularmente observadas as fases processuais, garantindo-se ao réu o pleno exercício desses direitos constitucionais. Além disso, a Sentença pautou-se na Denúncia e nas provas produzidas, demonstrando a estreita correlação entre as imputações constantes na Inicial Acusatória e nos fundamentos da condenação. É consabido que deve prevalecer o princípio da independência entre as instâncias administrativa, cível e penal, de forma que as decisões emanadas pelo Tribunal de Contas da União não vinculam o Poder Judiciário. Precedentes desta Corte. Na espécie, a Corte de Contas examinou as condutas dos Oficiais unicamente sob o prisma da figura do Ordenador de Despesas, ao qual incumbe fiscalizar os atos administrativos da OM, com o fim de evitar a ocorrência de prejuízos ao erário. O extenso acervo probatório revela que as ações criminosas extrapolaram a ausência de fiscalização pelos Ordenadores de Despesas. Correspondem a uma variedade de atividades ilegais e de atos fraudulentos liderados por Oficial Superior, responsável pelo controle de solicitação e de compras, quanto aos dois grupos de fatos narrados na peça acusatória, comprovados na instrução processual e praticados em razão da ocupação de cargo público, tudo com o fim de obtenção de vantagens pessoais e de terceiros em detrimento da Administração Militar. Além da forte prova testemunhal, os ilícitos penais se confirmam mediante o exame da movimentação bancária obtida mediante Quebra de Sigilo Bancário dos Apelantes, incluindo os Oficiais temporários responsáveis pelo Pelotão de Manutenção e Transporte, setor encarregado da identificação das necessidades de serviços especializados de manutenção, e pelo Almoxarife, incumbido de assinar as Partes Requisitórias das manutenções das viaturas de Unidade. Os documentos bancários examinados indicaram a realização de operações financeiras não justificadas nos autos, as quais se afiguram incompatíveis com os vencimentos dos militares do Exército Brasileiro. Ao deixar de prestar os serviços e de fornecer as peças contratadas, os civis obtiveram, de modo fraudulento, vantagens indevidas em detrimento da Administração Militar, evidenciando-se as respectivas condutas criminosas de estelionato. No tocante às condutas relacionadas ao desvio de combustível, constatou-se um descontrole premeditado, visando ao favorecimento dos envolvidos e de terceiros. Os fatos se comprovaram por exames periciais, aliados às demais provas documentais e à farta prova oral produzida. São significativas as diferenças entre o quantitativo que deveria conter no tanque de combustíveis da OM e o efetivamente encontrado, em relação à gasolina e ao óleo diesel, causando vultosos danos ao erário, apurados em laudo pericial contábil. Estão preenchidos, portanto, os requisitos objetivos e subjetivos do tipo penal do crime de peculato-desvio, tipificado no art. 303, § 1º, do CPM, praticado em concurso de agentes e em continuidade delitiva pelos referidos Oficiais Superiores, com a agravante de ter sido perpetrado em detrimento da Administração Militar, uma vez que o bem desviado consiste em combustível adquirido com dinheiro público distribuído ao Batalhão, visando ao suprimento das viaturas militares, aos geradores e aos demais equipamentos da referida OM. Igualmente, em relação ao crime de peculato, apurou-se que o Oficial Superior encarregado pelo setor de controle de solicitação, de compra e de aplicação de peças era o mentor e o responsável pelas manobras utilizadas para a cessão de combustíveis a terceiros, tendo coordenado e dirigido o esquema criminoso, razão pela qual afigura-se correto o agravamento da respectiva pena, previsto no art. art. 53, § 2º, inciso I, do CPM. A gravidade do ocorrido e o enquadramento das condutas nos citados tipos penais não autorizam a pretensão Defensiva de apurar os fatos unicamente na esfera administrativa ou disciplinar. Não se aplica a atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 72, inciso III, alínea “d”, do CPM, uma vez que as práticas delituosas não foram confessadas pelos réus na sua integralidade. Para a incidência da citada atenuante, a confissão deve efetivamente surtir efeito na investigação dos fatos, o que não ocorreu no caso concreto. Apelações desprovidas, à unanimidade.