Jurisprudência STM 7000052-44.2024.7.00.0000 de 07 de junho de 2024
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
JOSÉ BARROSO FILHO
Classe Processual
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
07/02/2024
Data de Julgamento
25/04/2024
Assuntos
1) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES. 2) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 3) DIREITO PROCESSUAL PENAL,EXECUÇÃO PENAL,PENA DE MULTA. 4) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,ATOS PROCESSUAIS,NULIDADE.
Ementa
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÕES APONTADAS PELA DEFESA. CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL COMO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PREVISTO NA LEI DE LICITAÇÃO. RETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.491/2017 EM OPOSIÇÃO À INCIDÊNCIA DO ART. 339 DA LEI PENAL MILITAR. INEXISTÊNCIA. ERRO MATERIAL. NATUREZA DA CONDUTA DOLOSA. EFEITOS MODIFICATIVOS. NÃO CONCESSÃO. PREQUESTIONAMENTO. OFENSA AO ART. 5º, INCISOS XXXIX E XL, DA CF/1988, E AO ART. 9º DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. AUSÊNCIA. ACOLHIMENTO PARCIAL. DECISÃO UNÂNIME. I. Para a caracterização do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, além de se exigir o dolo genérico, qual seja, dispensar as formalidades exigidas em lei, também se exige o dolo específico, consubstanciado na vontade livre e consciente de causar prejuízo à União, conforme o entendimento jurisprudencial, à época. II. O Embargante, na função de Ordenador de Despesas, fato apontado na Sentença e no Acórdão recorrido, contratou diretamente 2 (duas) empresas, sem as devidas formalidades legais e sem atender qualquer orientação jurídica. Mesmo esclarecido sobre as necessidades de se observar as normas previstas em lei, teve a intenção de contratar empresas localizadas em outro Estado da federação, com as quais já havia negociado, em outra ocasião, sem qualquer cotação prévia de mercado do local da OM; causou prejuízo aos cofres públicos com a ocorrência de sobrepreço, conforme evidenciaram os laudos periciais. III. Não é crível admitir que um Militar, Oficial Superior, na função de Ordenador de Despesas, tome uma Decisão dessa natureza e desconheça seus resultados e consequências. Ademais, aquela Organização Militar possuía uma assessoria jurídica e uma financeira, que sequer foram consultadas pelo OD, conforme consta no Acórdão. Sequer deliberou sobre a segurança da Capitania Fluvial do Tietê-Paraná (CFTV) junto ao Conselho de Gestão, durante as reuniões pautadas. IV. A prova testemunhal, já analisada por este Tribunal e pelo Juízo de piso, afirmou que o OD, o seu ajudante e um representante de uma das empresas contratadas, a portas fechadas, deram início às contratações, sem que fosse solicitado qualquer parecer jurídico ao setor competente. V. Todo esse conjunto probatório somado à função desempenhada pelo Embargante, que exige certo ou até mesmo elevado grau de instrução e de discernimento, aponta a presença do dolo específico, qual seja, o de deliberadamente causar lesão ao erário. VI. No caso em análise, as condutas praticadas pelo então Ordenador de Despesas evidenciam como presentes os 2 (dois) elementos subjetivos característicos: o genérico e o específico. O primeiro, por dispensar, a seu bel prazer, as formalidades exigidas em lei; e o segundo, consubstanciado na vontade livre e consciente de causar prejuízo à União. VII. Em relação ao parcelamento do pagamento das obras, conforme apontado no Aresto, o óbice legal é contratar obras nos valores naquele descritos, acima do previsto em lei, como se fossem situações de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, sendo parceladas em várias notas fiscais, emitidas como se fossem obras distintas. VIII. Outro ponto ressaltado pela Defesa cinge-se à retroatividade da Lei 13.491/2017, de forma mais gravosa, em oposição à incidência do art. 339 da Lei Penal Militar. Tal matéria já foi dirimida em primeira instância e nesta Corte Recursal, em que a Lei nº 13.491/2017 por ser de natureza mista ou híbrida, ou seja, por ter ampliado a competência da Justiça Militar da União, bem como por ter ampliado o conceito de crime militar, possui efeito imediato quanto ao seu novel regramento processual. IX. No tocante ao conteúdo de direito material, poderia sugestionar um aparente conflito de normas, em razão de as condutas praticadas pelo Embargante terem ocorrido nos anos de 2016 a 2017, indagando-se se deveria incidir a regra contida no art. 339 do CPM ou no art. 89 da Lei nº 8.666/1993. A Lei 8.666/1993 é mais específica para crimes de licitação do que o Código Penal Militar, razão pela qual é aplicável ao presente caso, mesmo que a pena do CPM seja mais benéfica ao réu. X. A argumentação jurídica explanada na Sentença e no Acórdão recorrido, diante de todas as provas testemunhal e documental, permitem sanar erro material e apontar a configuração do dolo específico, sem que haja alteração na condenação do Embargante. Portanto, não havendo efeitos modificativos. XI. Prequestionamento de matéria constitucional. Inexiste qualquer ofensa ao art. 5º, incisos XXXIX e XL, da CF/1988, tampouco ao art. 9º do Pacto de São José da Costa Rica, a uma, pela natureza híbrida da Lei nº 13.491/2017; a duas, em razão de a matéria processual prevista na referida norma ter aplicação imediata; a três, em razão do princípio da especialidade das leis, no qual o elemento especializante contido nos delitos previstos na lei de licitação, a qual regulamenta dispositivo constitucional, tem prevalência sobre a aplicação do art. 339 do CPM. XII. Acolhimento parcial dos Aclaratórios. Decisão unânime.