Jurisprudência STM 7000019-25.2022.7.00.0000 de 24 de junho de 2022
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
CARLOS VUYK DE AQUINO
Revisor(a)
JOSÉ COÊLHO FERREIRA
Classe Processual
APELAÇÃO
Data de Autuação
17/01/2022
Data de Julgamento
09/06/2022
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA INCOLUMIDADE PÚBLICA,CONTRA A SAÚDE,TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE OU SUBSTÂNCIA DE EFEITO SIMILAR. 2) DIREITO PENAL,CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE,CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO E USO INDEVIDO DE DROGAS,POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL,DESPENALIZAÇÃO / DESCRIMINALIZAÇÃO. 3) DIREITO PENAL MILITAR,PARTE GERAL ,APLICAÇÃO DA PENA,SUBSTITUIÇÃO DA PENA. 4) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 5) DIREITO PROCESSUAL PENAL,DENÚNCIA/QUEIXA,DESCLASSIFICAÇÃO.
Ementa
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. TRÁFICO, POSSE OU USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM LOCAL SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. PRELIMINARES. DEFESA PÚBLICA. MATÉRIAS IMBRICADAS COM O MÉRITO RECURSAL. ART. 81, § 3º DO REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. NÃO CONHECIMENTO. UNANIMIDADE. MÉRITO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO ACOLHIMENTO. ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. NÃO APLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONVENÇÕES DE NOVA YORK (1961) E DE VIENA (1988). NÃO ACOLHIMENTO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE PERIGO DE LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. NÃO RECEPÇÃO DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. NÃO ACOLHIMENTO. ATIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA DA CONDUTA, EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. ERRO DE DIREITO. ART. 35 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. USO TERAPÊUTICO DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. NÃO CABIMENTO. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. RECURSO NÃO PROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. UNANIMIDADE. Nos termos do artigo 81, § 3º, do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar, não se conhece de preliminar quando a matéria nela contida confunde-se com o mérito recursal. Preliminares não conhecidas. Unanimidade. Os elementos colhidos desde a fase inquisitorial conduzem à certeza de que a substância apreendida e encontrada sobre o armário do Acusado foi a mesma submetida a exame pericial pelo Hospital Central da Marinha, sendo oportuno salientar que o Auto de Prisão em Flagrante, de 20 de maio de 2021, descreveu minuciosamente como ocorreu a conduta delituosa narrada na Exordial Acusatória. Além disso, ao contrário do que sustentou a Defesa Pública em seu arrazoado, foi elaborado o respectivo Termo de Apreensão de Substância Entorpecente. Vale dizer que os autos demonstram que, desde o flagrante delito, o Réu admitiu como sendo sua a substância entorpecente encontrada sobre o seu armário, não pairando dúvidas sobre eventual quebra da cadeia de custódia, tampouco sobre a materialidade delitiva. A despeito da dicção do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar, alterado pela Lei nº 13.491/2017, não seria possível a perfeita adequação da conduta perpetrada pelo Acusado nos exatos termos da Lei nº 11.343/2006, devendo prevalecer o critério da especialidade da norma penal castrense, na medida em que a novel legislação de drogas não revogou nem promoveu alteração na redação do art. 290 do CPM, bastando, para tanto, o exame do art. 75 do referido Diploma. A conduta perpetrada pelo Acusado, e pela qual ele foi condenado, traz em seu bojo a figura nuclear "guardar" substância entorpecente, ou que cause dependência física ou psíquica, de sorte que a elementar "em lugar sujeito à administração militar" constitui o elemento especializante característico da norma incriminadora descrita no art. 290 do Estatuto Repressivo Castrense, encontrando perfeita adequação ao caso concreto. Embora as Convenções Internacionais de Nova Iorque e de Viena conduzam ao entendimento de que deve ser deferido ao usuário de drogas tratamento diferenciado, os mencionados Diplomas não vedam a criminalização da posse de droga para uso próprio. Além disso, ainda que as citadas Convenções estejam incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio, não detêm envergadura constitucional, conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Nessas circunstâncias, a norma penal incriminadora descrita no art. 290 do Código Penal Militar é compatível com a ordem constitucional vigente, bem como com os Tratados supramencionados. Por se tratar de crime de perigo abstrato, para a configuração do tipo descrito no art. 290 do CPM não se faz necessária a comprovação de resultado lesivo, pois em ambiente militar a potencial lesividade da substância entorpecente é suficiente para incriminar o seu possuidor, bastando, para tanto, que o agente pratique qualquer das figuras nucleares do tipo penal em apreço, sem a necessidade de efetiva comprovação da existência de qualquer lesão ou ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal, in casu, a saúde pública. A propósito, o tipo penal militar inserido no art. 290 do Código Penal Militar encerra elevado potencial de perigo justamente pelo fato de que os militares, por essência, manuseiam artefatos e instrumentos de sabida periculosidade, como armas de fogo, explosivos etc., de forma que, em circunstâncias como as descritas nos autos, coloca-se em risco não só a integridade do Acusado, como também a de terceiros. A tipificação dos delitos de perigo abstrato tem por objetivo reprimir preventivamente eventual lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, razão pela qual não se contrapõe à ordem constitucional em vigor. A aplicação do instituto previsto no art. 35 do Código Penal Militar condiciona a sua incidência à comprovação de que o agente supõe lícito o fato por ignorância ou por erro de interpretação da lei, somente se escusáveis. O erro, por sua vez, presume-se escusável quando qualquer outra pessoa, com a devida cautela e nas mesmas circunstâncias, pudesse vir a praticar ação idêntica à do autor, hipótese que não se coaduna com as circunstâncias dos autos, tampouco com as justificativas apresentadas pelo Órgão de Defesa, mormente porque nada há nos autos que evidencie, minimamente, que a substância entorpecente encontrada em poder do Acusado possuía fins medicinais. Embora a prática de crime militar e de transgressão disciplinar infrinjam os preceitos de hierarquia e de disciplina, o crime militar é uma conduta humana mais grave, consideradas as circunstâncias descritas nos autos. Por tais motivos, deve ser apurada na esfera do Direito Penal Militar. Assim, em que pese reconhecer o caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, torna-se descabida a aplicação de medida disciplinar. Além disso, o Réu foi licenciado das fileiras da Marinha do Brasil, circunstância a partir da qual deverá prevalecer o entendimento consolidado nesta Corte Castrense, dando conta da impossibilidade da conversão da sanção penal em infração disciplinar ante a condição de ex- militar. Comprovadas a autoria, a materialidade e a culpabilidade, impõe-se a condenação do agente. Negado provimento ao Apelo defensivo. Decisão por unanimidade.