Jurisprudência STF 983 de 21 de Agosto de 2023
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADPF 983
Classe processual
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Relator
NUNES MARQUES
Data de julgamento
03/07/2023
Data de publicação
21/08/2023
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 18-08-2023 PUBLIC 21-08-2023
Partes
REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS ADV.(A/S) : ANDRE MOURA MOREIRA ADV.(A/S) : MICHELLE SABRINA VIEIRA HIDERIK ADV.(A/S) : ALESSANDRA STRAMBI DE ALMEIDA MITRE
Ementa
EMENTA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. BLOQUEIO INSTITUCIONAL ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. PERSISTENTE INÉRCIA QUANTO À APRECIAÇÃO DE PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO GOVERNADOR POR MEIO DO QUAL SE PRETENDE SEJA AUTORIZADO O ENTE POLÍTICO A ADERIR AO REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL. SUBSIDIARIEDADE. OBSERVÂNCIA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REITERADA INCAPACIDADE DO ESTADO-MEMBRO EM ADOTAR PROVIDÊNCIAS QUE VISEM À SUPLANTAÇÃO DE CONTEXTO DE DESEQUILÍBRIO FISCAL. INTERVENÇÃO JUDICIAL PRUDENTE. HARMONIA ENTRE OS PODERES. FEDERALISMO COOPERATIVO. MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. SUPERAÇÃO DO BLOQUEIO POLÍTICO-INSTITUCIONAL. CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE REFINANCIAMENTO DA DÍVIDA COM A UNIÃO. POSSIBILIDADE DE AUTORIZAÇÃO MEDIANTE ATO NORMATIVO DO EXECUTIVO. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO DE INCIDÊNCIA DE BENEFÍCIOS FISCAIS PREVISTO NO ART 4º-A, II, “A”, DA LEI COMPLEMENTAR N. 159/2017. 1. Considerada a natureza do quadro lesivo impugnado, não há, no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, outro instrumento, que não a ADPF, mediante o qual possam ser questionados, de forma abrangente e linear, os atos relacionados às lesões apontadas. 2. A jurisprudência do Supremo é firme no sentido da inexistência de obstáculo ao conhecimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental em que impugnada suposta omissão do poder público, total ou parcial, em âmbito normativo ou não normativo, desde que lesiva a ponto de impedir a efetividade da norma constitucional (ADPF 4, ministra Ellen Gracie; ADPF 272, ministra Cármen Lúcia; e ADPF 347 MC, ministro Marco Aurélio). 3. Surge adequada a arguição de descumprimento de preceito fundamental quando as razões veiculadas a título de causas de pedir se revestem de estatura constitucional, compreendendo, de um lado, a relação de causa e efeito entre os atos comissivos e omissivos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e, de outro, a apontada inobservância de princípios estruturais da República. 4. O regime de recuperação fiscal instituído pela Lei Complementar n. 159/2017 é medida que visa fomentar o ajuste estrutural das contas públicas e a sustentabilidade econômico-financeira dos entes federados, cabendo ao Ministério da Economia a publicação do resultado do pedido de adesão. 5. A intervenção judicial faz-se legítima e necessária ante a apatia, a inércia ou a incapacidade reiterada e persistente das instituições legislativas e administrativas na adoção de providências que visem à superação de determinado contexto de afronta a direitos fundamentais. 6. A Constituição de 1988 encerra opção incontornável pela harmonia entre os Poderes e pelo federalismo cooperativo no tocante à gestão da coisa pública. A intervenção judicial prudente, inclusive quando envolvidas escolhas orçamentárias, não representa fator de violação às capacidades institucionais dos outros Poderes se o exercício ou a omissão vier se mostrando desastrosa. 7. O Supremo, no julgamento das ACOs 3.108 e 3.235, da relatoria da ministra Rosa Weber; 3.244, Relator o ministro Roberto Barroso; e 3.270, Relator o ministro Dias Toffoli, implementou tutelas de urgência com o intuito de evitar o impacto na prestação de serviços públicos essenciais dependentes das receitas decorrentes de transferências constitucionais. Na ocasião, consignou ser o Estado de Minas Gerais elegível para aderir ao novo regime de recuperação fiscal e para celebrar o termo aditivo previsto no art. 23 da Lei Complementar n. 178/2021. 8. Não se pode postergar indefinidamente a adoção de medidas direcionadas ao ajuste fiscal de Estado-membro, sob pena de impossibilitar-se o alcance de um ambiente adequado para as providências de equacionamento, circunstância que oneraria excessivamente o ente político, a ponto de comprometer sua autonomia e independência. 9. O Judiciário deve atuar de forma dialogada com os outros Poderes e a sociedade, de modo que são três as balizas a serem observadas para a concessão, em parte, da prestação jurisdicional postulada: (i) intervenção judicial mínima possível, a viabilizar o alcance maximizado do objetivo de superação do quadro de bloqueio institucional, omissão legislativa, ineficiência nas ações estatais e desarmonia entre os Poderes; (ii) observância dos deveres constitucionais de cada Poder; e (iii) facilitação ou promoção de tratativas e de conduta cooperativa, transparente e solidária dos Poderes Legislativo e Executivo do Estado de Minas Gerais, bem como da União, por meio do Ministério da Economia, quanto ao regime de recuperação fiscal, com o propósito de implementar todas as providências necessárias, programáticas e estruturais aptas a corrigir os desvios que afetaram a saúde das contas públicas e a promover no ente subnacional o reequilíbrio financeiro-fiscal. 10. É prudente, a fim de restaurar o diálogo institucional e incentivar a adoção de providências em prol da sustentabilidade fiscal do Estado de Minas Gerais, a confirmação das tutelas de urgência deferidas e a procedência parcial dos pedidos, reconhecendo-se tanto a persistente apatia e omissão da Assembleia Legislativa estadual em apreciar o Projeto de Lei n. 1.202/2019 quanto o estado de bloqueio institucional que se instaurou entre os Poderes Legislativo e Executivo locais relativamente ao tema da adesão ao regime de recuperação fiscal. 11. Da leitura da legislação de regência ressai desnecessária a edição de lei autorizadora específica para a realização da operação de crédito destinada ao contrato de renegociação versado no art. 9º-A da Lei Complementar n. 159/2017, bastando constar tal previsão do plano de recuperação fiscal, conforme se infere do art. 2º da Lei Complementar n. 159/2017 e das disposições contidas no Decreto n. 10.681/2021. 12. A Lei Complementar n. 159/2017 condiciona à assinatura do contrato de refinanciamento da dívida a fruição, pelo ente federado, dos benefícios concedidos pela União na vigência do regime de recuperação fiscal (arts. 4º-A, II, “a”; e 9º) por até 12 (doze) meses. Considerando a excepcionalidade do estado de bloqueio institucional verificado e o extenso lapso ocorrido entre a adesão do Estado ao RRF e a celebração do referido acordo de vontades, há que concluir pela fixação da data da assinatura do contrato de renegociação como termo inicial da vigência do prazo de até 12 (doze) meses. 13. Referendo de tutelas de urgência convertido em exame de mérito para, confirmadas as medidas cautelares deferidas, julgar-se procedente, em parte, os pedidos, a fim de: (i) reconhecer-se a omissão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em apreciar o Projeto de Lei n. 1.202/2019, bem assim o estado de bloqueio institucional entre os Poderes Executivo e Legislativo locais quanto ao tema da adesão ao regime de recuperação fiscal (RRF); (ii) suprindo a inércia da Casa Legislativa, considerar-se atendido o requisito do art. 3º, V, do Decreto n. 10.681, de 20 de abril de 2021, de modo a ficar autorizado, inclusive, que a celebração do contrato de refinanciamento das dívidas disciplinado no art. 9º-A da Lei Complementar n. 159/2017 se dê por meio de ato normativo editado pelo Executivo; e (iii) determinar a contagem do prazo de até 12 (doze) meses de que trata o art. 4º-A, II, “a”, da Lei Complementar n. 159/2017, referente à incidência dos benefícios do RRF concedidos pela União, a partir de 20 de dezembro de 2022 – data da assinatura do Contrato n. 336/2022/CAFIN, concernente ao refinanciamento da dívida do ente federado com a União.
Decisão
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, converteu em exame de mérito a apreciação do referendo das tutelas de urgência implementadas e, confirmando-as, julgou parcialmente procedentes os pedidos, para: (i) reconhecer a omissão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em apreciar o Projeto de Lei n. 1.202/2019, bem assim o estado de bloqueio institucional entre os Poderes Executivo e Legislativo daquele ente federado quanto ao tema da adesão ao RRF; (ii) suprindo a inércia da Casa Legislativa, considerar atendido o requisito do art. 3º, V, do Decreto n. 10.681, de 20 de abril de 2021, autorizando, inclusive, que a celebração do contrato de refinanciamento das dívidas disciplinado no art. 9º-A da Lei Complementar n. 159/2017 se dê por meio de ato normativo editado pelo Executivo; e (iii) determinar a contagem do prazo de 12 (doze) meses versado no art. 4º-A, II, “a”, da Lei Complementar n. 159/2017, referente à incidência dos benefícios do RRF concedidos pela União, a partir de 20 de dezembro de 2022 – data da assinatura do Contrato n. 336/2022/CAFIN, concernente à renegociação da dívida do Estado-membro com o ente central, nos termos do voto do Relator. Falaram: pelo requerente, o Dr. Sérgio Pessoa de Paula Castro, Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais; e, pelo interessado, o Dr. Renato Luís Marques Pessoa, Procurador da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Plenário, Sessão Virtual de 23.6.2023 a 30.6.2023.
Indexação
- PRELIMINAR, PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. STF, TUTELA, RELAÇÃO JURÍDICA, CARÁTER INSTITUCIONAL, INTEGRIDADE, PACTO FEDERATIVO. MATÉRIA INTERNA CORPORIS, PODER LEGISLATIVO. MÉRITO. DEMOCRACIA. SUPERAÇÃO, PRINCÍPIO MAJORITÁRIO, ATUAÇÃO, COMBINAÇÃO, INSTITUIÇÃO, REPRESENTATIVIDADE, INDEPENDÊNCIA, ELEIÇÃO; MELHORIA, FUNCIONAMENTO, ESTADO DE DIREITO, PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE, DIREITO FUNDAMENTAL. INTERVENÇÃO, PODER JUDICIÁRIO, ELEMENTO ESSENCIAL, DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL. CONCRETIZAÇÃO, SEGURANÇA JURÍDICA, GARANTIA, JURISDICIONADO. PODER JUDICIÁRIO, INTERVENÇÃO, OBRIGAÇÃO DE FAZER, OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, DEFESA, PRECEITO FUNDAMENTAL, PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES, FEDERALISMO COOPERATIVO, SUSTENTABILIDADE, CARÁTER FISCAL, DIREITO FUNDAMENTAL. EQUILÍBRIO, CARÁTER FISCAL, ENTE FEDERADO, DIREITO FUNDAMENTAL, DIREITO DIFUSO. AUTOCONTENÇÃO JUDICIAL.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00040 PAR-00014 PAR-00015 PAR-00016 ART-00064 PAR-00001 PAR-00002 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED LCP-000159 ANO-2017 ART-00002 "CAPUT" ART-00003 "CAPUT" INC-00001 INC-00002 LET-A INC-00003 ART-0004A INC-00002 LET-A ART-00009 "CAPUT" ART-0009A LEI COMPLEMENTAR LEG-FED LCP-000178 ANO-2021 ART-00023 LEI COMPLEMENTAR LEG-FED LEI-009882 ANO-1999 ART-00001 "CAPUT" ART-00004 PAR-00001 LEI ORDINÁRIA LEG-FED DEC-010681 ANO-2021 ART-00003 INC-00005 ART-00005 ART-00007 DECRETO LEG-FED PJL-001202 ANO-2019 PROJETO DE LEI LEG-FED PJL-003568 ANO-2022 PROJETO DE LEI LEG-FED RGI ART-00208 PAR-00002 REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS LEG-EST MSG-000182 ANO-2022 MENSAGEM, MG
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (ADPF, IMPUGNAÇÃO, OMISSÃO, PODER PÚBLICO) ADPF 4 MC (TP), ADPF 272 (TP), ADPF 347 MC (TP). (STF, ATUAÇÃO, GARANTIA, DIREITO FUNDAMENTAL, INÉRCIA, PODER PÚBLICO, AUTONOMIA POLÍTICA) ADPF 822 (TP). (LIBERAÇÃO, REPASSE, VERBA, EXECUÇÃO, POLÍTICA PÚBLICA) AC 1845 MC-AgR (TP), AC 1084 MC-QO (TP), AC 2032 QO (TP). (PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE, CONSTITUIÇÃO) ADO 26 (TP). - Decisões monocráticas citadas: (UNIÃO FEDERAL, OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, INCLUSÃO, ENTE FEDERADO, CADASTRO DE INADIMPLENTES) ACO 2898 MC, ACO 2972 MC. (STF, INTERVENÇÃO, ÂMBITO JUDICIAL, POLÍTICA PÚBLICA) ADPF 709, ADPF 742 ED. (UNIÃO FEDERAL, OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, BLOQUEIO, VERBA, ENTE FEDERADO) ACO 3233 TP. (CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, STF, IMPORTÂNCIA, LEGITIMIDADE, INTERVENÇÃO, ÂMBITO JUDICIAL) ACO 2981 TA. - Veja ACO 3108, ACO 3235, ACO 3244, ACO 3270 e ADPF 938 do STF. Número de páginas: 49. Análise: 12/12/2023, DAP. Número de páginas: 49. Análise: 12/12/2023, DAP.
Doutrina
GARAVITO, César Rodríguez; FRANCO, Diana Rodríguez. Cortes y Cambio Social: cómo la Corte Constitucional transformó el desplazamiento forzado en Colombia. Bogotá: Dejusticia, 2010. p. 39.