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Jurisprudência STF 635659 de 27 de Setembro de 2024

Publicado por Supremo Tribunal Federal


Título

RE 635659

Classe processual

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator

GILMAR MENDES

Data de julgamento

26/06/2024

Data de publicação

27/09/2024

Orgão julgador

Tribunal Pleno

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 26-09-2024 PUBLIC 27-09-2024

Partes

RECTE.(S) : FRANCISCO BENEDITO DE SOUZA PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO AM. CURIAE. : VIVA RIO AM. CURIAE. : COMISSÃO BRASILEIRA SOBRE DROGAS E DEMOCRACIA - CBDD ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS SOCIAIS DO USO DE PSICOATIVOS - ABESUP ADV.(A/S) : BRUNO VINICIUS FERREIRA DA VEIGA AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE CIENCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM ADV.(A/S) : DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : ROBERTO SOARES GARCIA E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : INSTITUTO SOU DA PAZ AM. CURIAE. : INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA AM. CURIAE. : PASTORAL CARCERÁRIA ADV.(A/S) : PETRA SILVIA PFALLER AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL - ADEPOL-BRASIL ADV.(A/S) : WLADIMIR SERGIO REALE AM. CURIAE. : ABGLT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS E INTERSEXOS ADV.(A/S) : RODRIGO MELO MESQUITA AM. CURIAE. : SPDM - ASSOCIAÇÃO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA ADV.(A/S) : CHRISTIANE ARAUJO DE OLIVEIRA E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS - ABEAD ADV.(A/S) : DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO E OUTRO(S) E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL PRÓ-VIDA E PRÓ-FAMÍLIA ADV.(A/S) : PAULO FERNANDO MELO DA COSTA E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : CENTRAL DE ARTICULAÇÃO DAS ENTIDADES DE SAÚDE - CADES ADV.(A/S) : ROSANE ROSOLEN DE AZEVEDO RIBEIRO E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE AMOR EXIGENTE - FEAE ADV.(A/S) : CID VIEIRA DE SOUZA FILHO E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : ANPV - ASSOCIACAO NACIONAL DOS PREFEITOS E VICE-PREFEITOS DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ADV.(A/S) : ALESSANDRA MARTINS GONCALVES JIRARDI AM. CURIAE. : GROWROOM.NET ADV.(A/S) : ROGÉRIO MAIA GARCIA E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA ADV.(A/S) : VICTOR MENDONÇA NEIVA E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : CONECTAS DIREITOS HUMANOS ADV.(A/S) : MARCOS ROBERTO FUCHS E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : REDE JURÍDICA PELA REFORMA DA POLÍTICA DE DROGAS ADV.(A/S) : PEDRO FIGUEIREDO OAB/MG 205.305 ADV.(A/S) : ERIKA SANTOS OAB/PE 50.348 AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO AM. CURIAE. : INICIATIVA NEGRA POR UMA NOVA POLÍTICA SOBRE DROGAS ADV.(A/S) : LEVI RESENDE LOPES ADV.(A/S) : RODRIGO MELO MESQUITA OAB/DF 41.509 AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO ADV.(A/S) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PERITOS CRIMINAIS FEDERAIS - APCF ADV.(A/S) : ALBERTO EMANUEL ALBERTIN MALTA

Ementa

Recurso extraordinário com repercussão geral. Porte de drogas para consumo pessoal. Declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, para afastar a repercussão criminal do dispositivo em relação ao porte de cannabis sativa para uso pessoal. Risco de estigmatização do usuário. Deslocamento do enfoque para o campo da saúde pública. Implementação de políticas públicas de prevenção ao uso de drogas e de atenção especializada ao usuário. Manutenção do caráter ilícito do porte de drogas. Possibilidade de apreensão da substância e de aplicação das sanções previstas em lei (incisos I e III do art. 28), mediante procedimento não penal. Instituição de critérios objetivos para distinguir usuários e traficantes. 1. Discussão sobre a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006 (Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo). 2. Caso em que o Tribunal não discute o tratamento legislativo do tráfico de drogas. Tal conduta é criminalizada com base em determinação constitucional (art. 5º, XLIII). Quem comercializa, distribui e mantém em depósito drogas ilícitas pratica crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia e incide nas penas do art. 33 da Lei 11.343/2006, as quais alcançam 15 anos de prisão. 3. Respeito às atribuições do Legislativo; cabe aos parlamentares – e a ninguém mais – decidir sobre o caráter ilícito do porte de drogas, ainda que para uso pessoal. Caso em que a Corte cogita apenas a supressão da repercussão criminal das condutas tipificadas no art. 28 da Lei 11.343/2006, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas nos incisos I e III do dispositivo, em procedimento a ser regulamentado pelo CNJ. Propósito de humanizar o tratamento dispensado por lei aos usuários, deslocando os esforços do campo penal para o da saúde pública. 4. A atribuição de natureza penal às sanções cominadas pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 aprofunda a estigmatização do usuário e do dependente, ofuscando as políticas de prevenção, atenção especializada e tratamento, expressamente definidas no Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas. 5. O segundo ponto abordado no recurso diz respeito à necessidade de previsão de critérios objetivos para distinguir usuários e traficantes, de modo a reduzir a discricionariedade das autoridades na capitulação do delito. O estado atual do sistema, caracterizado pela vagueza de conceitos jurídicos que podem importar a prisão de usuários, é incompatível com a ordem constitucional e com a própria intenção do legislador. 6. Com a edição do art. 28 da Lei 11.343/2006, pretendeu o legislador apartar a conduta do tráfico de drogas, que repercute negativamente em toda a sociedade, do porte para uso pessoal, cuja ofensividade se limita à esfera pessoal do usuário. Porém, na prática, o que se observou foi o contrário. Em vez de suavizar a punição cominada para o delito de porte de drogas para uso pessoal, os conceitos jurídicos indeterminados previstos na lei (“consumo pessoal” e “pequena quantidade”) recrudesceram o tratamento dispensado aos usuários. 7. Nota-se que, em vez de representar invasão de competência do Congresso Nacional, a fixação de parâmetros objetivos se alinha com a opção do legislador. Evita-se que disfuncionalidades do sistema de Justiça deformem o programa normativo da Lei 11.343/2006. 8. Conforme deliberado pelo Plenário, presume-se como usuário de drogas aquele que é encontrado na posse de até 40 gramas de maconha ou de 6 plantas-fêmeas, sem prejuízo do afastamento dessa presunção por decisão fundamentada do Delegado de Polícia, fundada em elementos objetivos que sinalizem o intuito de mercancia. A solução vale até que o Congresso Nacional delibere sobre o assunto, concebendo mecanismos capazes de reduzir a discricionariedade policial na aplicação do art. 28 da Lei 11.343/2006. 9. Por todo o exposto, fixa-se a seguinte tese de repercussão geral: (i) não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); (ii) as sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/2006 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; (iii) em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/2006 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; (iv) nos termos do §2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; (v) a presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; (vi) nesses casos, caberá ao delegado de polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; (vii) na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; (viii) a apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário. 10. Apelo para que os Poderes avancem no tema, estabelecendo uma política focada não na estigmatização, mas no engajamento dos usuários, especialmente os dependentes, em um processo de autocuidado contínuo que lhes possibilite compreender os graves danos causados pelo uso de drogas; e na agenda de prevenção educativa, implementando programas de dissuasão ao consumo de drogas; na criação de órgãos técnicos na estrutura do Executivo, compostos por especialistas em saúde pública, com atribuição de aplicar aos usuários as medidas previstas em lei. 11. Para viabilizar a concretização dessa política pública – especialmente a implementação de programas de dissuasão contra o consumo de drogas e a criação de órgãos especializados no atendimento de usuários – caberá ao Executivo e ao Legislativo assegurar dotações orçamentárias suficientes para essa finalidade. Para isso, a União deverá liberar o saldo acumulado do Fundo Nacional Antidrogas, instituído pela Lei 7.560/1986, e deixar de contingenciar os futuros aportes no fundo – recursos que deverão ser utilizados em programas de esclarecimento sobre os malefícios do uso de drogas.

Decisão

Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, resolveu questão de ordem no sentido de admitir o ingresso no feito na condição de amicus curiae, bem como o direito à sustentação oral, da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDF), da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), da Central de Articulação das Entidades de Saúde (CADES) e da Federação de Amor-Exigente (FEAE). Em seguida, após o relatório e as sustentações orais, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo recorrente, o Dr. Rafael Munerati, Defensor Público do Estado de São Paulo; pelo recorrido Ministério Público do Estado de São Paulo, o Dr. Márcio Fernando Elias Rosa, Procurador-Geral de Justiça; pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República; pelo amicus curiae Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, o Dr. Cristiano Ávila Maronna; pelo amicus curiae Viva Rio, o Dr. Pierpaolo Cruz Bottini; pelo amicus curiae Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o Dr. Augusto de Arruda Botelho; pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra Trabalho e Cidadania e pela Pastoral Carcerária, o Dr. Rafael Carlsson Custódio; pelo amicus curiae Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transgêneros - ABGLT, o Dr. Rodrigo Melo Mesquita; pelo amicus curiae Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos - ABESUP, a Dra. Luciana Boiteux; pelo amicus curiae Associação dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL, o Dr. Wladimir Sérgio Reale; pelos amici curiae Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina - SPDM e Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas - ABEAD, o Dr. David Azevedo; pelo amicus curiae Central de Articulação das Entidades de Saúde - CADES, a Dra. Rosane Rosolen Azevedo Ribeiro; pelo amicus curiae Federação de Amor-Exigente - FEAE, o Dr. Cid Vieira de Souza Filho, e pelo amicus curiae Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), o Dr. Paulo Fernando Melo da Costa. Ausente o Ministro Dias Toffoli, participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, da 2ª Assembleia Geral e Conferência Internacional da Associação Mundial de Órgãos Eleitorais, organizadas pela Associação Mundial de Órgãos Eleitorais (AWEB). Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.08.2015. Decisão: Após o voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator), dando provimento ao recurso extraordinário, pediu vista dos autos o Ministro Edson Fachin. Ausentes, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli, participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, da 2ª Assembleia Geral e Conferência Internacional da Associação Mundial de Órgãos Eleitorais, organizadas pela Associação Mundial de Órgãos Eleitorais (AWEB), e a Ministra Cármen Lúcia, participando do 11º Fórum Brasileiro de Controle da Administração Pública, no Rio de Janeiro/RJ. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 20.08.2015. Decisão: Após o voto-vista do Ministro Edson Fachin, que dava parcial provimento ao recurso, e o voto do Ministro Roberto Barroso, dando-lhe provimento, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 10.09.2015. Decisão: Em continuidade de julgamento, após o voto-vista do Ministro Alexandre de Moraes, que, no caso concreto, acompanhava o Ministro Gilmar Mendes (Relator) e dava provimento ao recurso extraordinário para, atribuindo intepretação conforme ao art. 28 da Lei 11.343/2006, excluir a incidência do tipo penal à conduta do recorrente, determinando sua absolvição, e, quanto à tese (tema 506 da repercussão geral), divergia parcialmente do Relator, propondo-a nos seguintes termos: “1. Não tipifica o crime previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, a substância entorpecente `maconha´, mesmo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; 2. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, será presumido usuário aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trazer consigo, uma faixa fixada entre 25,0 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas, dependendo da escolha mais próxima do tratamento atual dado aos homens brancos, maiores de 30 anos e com nível superior; 3. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas mesmo quando a quantidade de maconha for inferior à fixada, desde que, de maneira fundamentada, comprovem a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes; 4. Nas hipóteses de prisão em flagrante por quantidades inferiores à fixada no item 2, para afastar sua presunção relativa, na audiência de custódia, a autoridade judicial, de maneira fundamentada, deverá justificar a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e a manutenção da persecução penal, apontando, obrigatoriamente, outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes, tais como a forma de acondicionamento, a diversidade de entorpecentes, a apreensão de outros instrumentos como balança, cadernos de anotação, celulares com contatos de compra e venda (entrega `delivery´), locais e circunstâncias de apreensão, entre outras características que possam auxiliar na tipificação do tráfico; 5. Nas hipóteses de prisão em flagrante por quantidades superiores à faixa de 25,0 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas, dependendo da escolha mais próxima do tratamento atual dado aos homens brancos, maiores de 30 anos e com nível superior, na audiência de custódia, a autoridade judicial deverá permitir ao suspeito a comprovação de tratar-se de usuário”, o julgamento foi adiado por indicação do Ministro Gilmar Mendes (Relator). Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 2.8.2023. Decisão: Após o voto reajustado do Ministro Gilmar Mendes (Relator), no sentido de restringir a declaração de inconstitucionalidade a apreensões relativa à substância entorpecente tratada nos autos do presente recurso (cannabis sativa), bem como para incorporar os parâmetros objetivos sugeridos pelo Ministro Alexandre de Moraes, presumindo como usuário o indivíduo que estiver em posse de até 60 gramas de maconha ou de seis plantas fêmeas, sem prejuízo da relativização dessa presunção por decisão fundamentada do Delegado de Polícia, fundada em elementos objetivos que sinalizem o intuito de mercancia; do voto do Ministro Cristiano Zanin, que negava provimento ao recurso extraordinário e propunha a seguinte tese: “I - É constitucional o art. 28 da Lei nº 11.343; II - Para além dos critérios estabelecidos no parágrafo 2º do art. 28 da Lei nº 11.343, para diferenciar o usuário de maconha do traficante, o Tribunal fixa como parâmetro adicional a quantia de 25 gramas ou 6 plantas fêmeas - tal como sugerido pelo eminente Ministro Luís Roberto Barroso -, para configuração de usuário da substância, com a possibilidade de reclassificação para tráfico mediante fundamentação exauriente das autoridades envolvidas”; e do voto antecipado da Ministra Rosa Weber (Presidente), acompanhando o voto do Relator, pediu vista dos autos o Ministro André Mendonça. Aguardam os demais Ministros. Plenário, 24.8.2023. Decisão: Após o voto reajustado do Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente), que acompanhava os votos dos Ministros Gilmar Mendes (Relator) e Alexandre de Moraes, o qual, nesta assentada, fixava o quantitativo de 60g ou 6 plantas fêmeas como critério para a distinção entre consumo pessoal e tráfico; do voto-vista do Ministro André Mendonça, que acompanhava o Ministro Cristiano Zanin no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário, mas propunha a seguinte tese: “I - É constitucional o art. 28 da Lei nº 11.343, de 2006; II - Fica estabelecido o prazo de 180 dias para o Congresso Nacional estabelecer critérios objetivos para diferenciar aquele que porta drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei nº 11.343, de 2006) do traficante de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343, de 2006), parâmetros que não impedirão que, no caso concreto, seja afastada a presunção mediante fundamentação idônea da autoridade competente”, e conferia interpretação conforme a Constituição ao art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343/2006, para esclarecer, até que o Congresso Nacional delibere sobre o tema, que: I - Será presumido usuário e, portanto, sujeito às consequências jurídicas elencadas pelo art. 28, caput e incisos I, II e III, o indivíduo que estiver em posse de até 10 gramas de maconha; II - Tal presunção poderá ser desconstituída, no caso concreto, com base em fundamentação idônea pela autoridade competente, à luz dos demais parâmetros estabelecidos pelo art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343, de 2006; do voto do Ministro Nunes Marques, que acompanhava o voto do Ministro Cristiano Zanin, negando provimento ao recurso e assentando a constitucionalidade do dispositivo impugnado, fixando a quantidade de 25g ou 6 plantas fêmeas para a distinção entre consumo pessoal e tráfico; e do voto do Ministro Edson Fachin, que ratificava o seu voto no sentido de acompanhar o Relator relativamente ao dispositivo impugnado, mas considerava que o estabelecimento da quantidade de maconha seria atribuição do Poder Legislativo, pediu vista antecipada dos autos o Ministro Dias Toffoli. Não vota o Ministro Flávio Dino, sucessor da Ministra Rosa Weber, que votara, em assentada anterior, acompanhando o voto do Relator. Plenário, 6.3.2024. Decisão: Após o voto-vista do Ministro Dias Toffoli, que, no caso concreto, negava provimento ao recurso extraordinário, determinava que a condenação do recorrente não gere efeitos penais e propunha a fixação da seguinte tese (tema 506 da repercussão geral): “a) reconhecer a constitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006; b) reconhecer que a aplicação das medidas previstas nos incisos I a III desse dispositivo não acarreta efeitos penais; c) Fazer apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que, no prazo de 18 meses, formulem e efetivem uma política pública de drogas, conforme previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, interinstitucional, multidisciplinar, baseada em evidências científicas, a qual deverá compreender, obrigatoriamente, a regulamentação das medidas previstas nos incisos I a III do art. 28, a fixação de critérios objetivos de diferenciação entre usuário e traficante de cannabis e a formulação de programas voltados ao tratamento e à atenção integral ao usuário e dependentes; d) Determinar que a política pública referida no item ‘c’ envolva todos os órgãos federais com atuação nas áreas de saúde (Ministério da Saúde e ANVISA), educação (Ministério da Educação e Conselho Nacional de Educação), trabalho e emprego (Ministério do Trabalho e Emprego e Conselho Nacional do Trabalho), segurança pública (Ministério da Justiça e Segurança Pública e Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos), dentre outros cuja temática necessariamente deva permear a política nacional de drogas como condição para a sua efetividade e eficácia; e) Fazer apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que, com o fito de viabilizar a política pública referida nos itens anteriores, garantam dotações orçamentárias suficientes e a respectiva liberação de valores para cumprimento das medidas previstas no art. 28 e das demais iniciativas voltadas à implementação da política descriminalizante, mediante os devidos ajustes financeiros e orçamentários; e f) Propor que o Poder Executivo inicie uma campanha permanente de esclarecimento público sobre os malefícios do uso de drogas, tal como foi realizada a bem-sucedida campanha antitabagismo”, o julgamento foi suspenso. Não vota o Ministro Flávio Dino, sucessor da Ministra Rosa Weber, que votara, em assentada anterior, acompanhando o voto do Relator. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 20.6.2024. Decisão: Após o voto do Ministro Luiz Fux, que negava provimento ao recurso extraordinário, declarando constitucional o art. 28 da Lei nº 11.343/2006, sem fixação de quantitativo para a distinção entre consumo pessoal e tráfico; do voto da Ministra Cármen Lúcia, que acompanhava o voto do Ministro Edson Fachin no sentido do parcial provimento do recurso, declarando a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, para dar interpretação conforme, e, até que sobrevenha a atuação do Legislador, acompanhava o voto do Ministro Alexandre de Moraes no tocante ao critério quantitativo; e do voto ora reajustado do Ministro André Mendonça, que aderia ao entendimento do Ministro Dias Toffoli quanto aos itens “c” (prazo de 18 meses) e “f” (proposição de campanha sobre os malefícios do uso de droga), deixando de estabelecer uma fixação de quantitativo de droga, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 25.6.2024. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 506 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para i) declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de modo a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal, ficando mantidas, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas, vencidos os Ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Luiz Fux; e ii) absolver o acusado por atipicidade da conduta, vencidos os Ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux. Não votou, no mérito, o Ministro Flávio Dino, sucessor da Ministra Rosa Weber, que já havia proferido voto em assentada anterior. Em seguida, por maioria, fixou a seguinte tese: “1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário”. Ficaram vencidos: no item 1 da tese, os Ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux; no item 2 da tese, os Ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques; no item 3 da tese, o Ministro Luiz Fux; no item 4 da tese, os Ministros Flávio Dino e Luiz Fux; e, nos itens 5 e 7 da tese, o Ministro Luiz Fux. Votou na fixação da tese o Ministro Flávio Dino. Por fim, o Tribunal deliberou, ainda, nos termos do voto do Relator: 1) Determinar ao CNJ, em articulação direta com o Ministério da Saúde, Anvisa, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Tribunais e CNMP, a adoção de medidas para permitir (i) o cumprimento da presente decisão pelos juízes, com aplicação das sanções previstas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06, em procedimento de natureza não penal; (ii) a criação de protocolo próprio para realização de audiências envolvendo usuários dependentes, com encaminhamento do indivíduo vulnerável aos órgãos da rede pública de saúde capacitados a avaliar a gravidade da situação e oferecer tratamento especializado, como os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas - CAPS AD; 2) Fazer um apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem medidas administrativas e legislativas para aprimorar as políticas públicas de tratamento ao dependente, deslocando o enfoque da atuação estatal do regime puramente repressivo para um modelo multidisciplinar que reconheça a interdependência das atividades de (a) prevenção ao uso de drogas; (b) atenção especializada e reinserção social de dependentes; e (c) repressão da produção não autorizada e do tráfico de drogas; 3) Conclamar os Poderes a avançarem no tema, estabelecendo uma política focada não na estigmatização, mas (i) no engajamento dos usuários, especialmente os dependentes, em um processo de autocuidado contínuo que lhes possibilite compreender os graves danos causados pelo uso de drogas; e (ii) na agenda de prevenção educativa, implementando programas de dissuasão ao consumo de drogas; (iii) na criação de órgãos técnicos na estrutura do Executivo, compostos por especialistas em saúde pública, com atribuição de aplicar aos usuários e dependentes as medidas previstas em lei; 4) Para viabilizar a concretização dessa política pública - especialmente a implementação de programas de dissuasão contra o consumo de drogas e a criação de órgãos especializados no atendimento de usuários - caberá aos Poderes Executivo e Legislativo assegurar dotações orçamentárias suficientes para essa finalidade. Para isso, a União deverá liberar o saldo acumulado do Fundo Nacional Antidrogas (Funad), instituído pela Lei 7.560/86 e gerido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), e se abster de contingenciar os futuros aportes no fundo, recursos que deverão ser utilizados, inclusive, para programas de esclarecimento sobre os malefícios do uso de drogas. Por fim, a Corte determinou que o CNJ, com a participação das Defensorias Públicas, realize mutirões carcerários para apurar e corrigir prisões decretadas em desacordo com os parâmetros fixados no voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro André Mendonça, que já havia proferido voto em assentada anterior. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 26.6.2024.

Tese

1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.

Tema

506 - Tipicidade do porte de droga para consumo pessoal.