Jurisprudência STF 6327 de 19 de Junho de 2020
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADI 6327 MC-Ref
Classe processual
REFERENDO NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator
EDSON FACHIN
Data de julgamento
03/04/2020
Data de publicação
19/06/2020
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 18-06-2020 PUBLIC 19-06-2020
Partes
REQTE.(S) : SOLIDARIEDADE ADV.(A/S) : GUILHERME PUPE DA NOBREGA E OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Ementa
Ementa: REFERENDO DE MEDIDA CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. IMPUGNAÇÃO DE COMPLEXO NORMATIVO QUE INCLUI ATO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO. FUNGIBILIDADE. ADPF. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. REQUISITOS PRESENTES. CONHECIMENTO. PROBABILIDADE DO DIREITO. PROTEÇÃO DEFICIENTE. OMISSÃO PARCIAL. MÃES E BEBÊS QUE NECESSITAM DE INTERNAÇÃO PROLONGADA. NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO PERÍODO DE LICENÇA-MATERNIDADE E DE PAGAMENTO DE SALÁRIO-MATERNIDADE NO PERÍODO DE 120 DIAS POSTERIOR À ALTA. PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA COMO DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS. ABSOLUTA PRIORIDADE DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS. DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA. ALTA HOSPITALAR QUE INAUGURA O PERÍODO PROTETIVO. 1. Preliminarmente, assento, pela fungibilidade, o conhecimento da presente ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental, uma vez que impugnado complexo normativo que inclui ato anterior à Constituição e presentes os requisitos para a sua propositura. 2. Margem de normatividade a ser conformada pelo julgador dentro dos limites constitucionais que ganha relevância no tocante à efetivação dos direitos sociais, que exigem, para a concretização da igualdade, uma prestação positiva do Estado, material e normativa. Possibilidade de conformação diante da proteção deficiente. Precedente RE 778889, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016. 3. O reconhecimento da qualidade de preceito fundamental derivada dos dispositivos constitucionais que estabelecem a proteção à maternidade e à infância como direitos sociais fundamentais (art. 6º) e a absoluta prioridade dos direitos da crianças, sobressaindo, no caso, o direito à vida e à convivência familiar (art. 227), qualifica o regime de proteção desses direitos. 4. Além disso, o bloco de constitucionalidade amplia o sistema de proteção desses direitos: artigo 24 da Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto n.º 99.710/1990), Objetivos 3.1 e 3.2 da Agenda ODS 2030 e Estatuto da Primeira Infância (Lei n.º 13.257/2016), que alterou a redação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), a fim de incluir no artigo 8º, que assegurava o atendimento pré e perinatal, também o atendimento pós-natal. Marco legal que minudencia as preocupações concernentes à alta hospitalar responsável, ao estado puerperal, à amamentação, ao desenvolvimento infantil, à criação de vínculos afetivos, evidenciando a proteção qualificada da primeira infância e, em especial, do período gestacional e pós-natal, reconhecida por esta Suprema Corte no julgamento do HC coletivo das mães e gestantes presas (HC 143641, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 08-10-2018 PUBLIC 09-10-2018). 5. É indisputável que essa importância seja ainda maior em relação a bebês que, após um período de internação, obtêm alta, algumas vezes contando com já alguns meses de vida, mas nem sempre sequer com o peso de um bebê recém-nascido a termo, demandando cuidados especiais em relação a sua imunidade e desenvolvimento. A alta é, então, o momento aguardado e celebrado e é esta data, afinal, que inaugura o período abrangido pela proteção constitucional à maternidade, à infância e à convivência familiar. 6. Omissão inconstitucional relativa nos dispositivos impugnados, uma vez que as crianças ou suas mães que são internadas após o parto são desigualmente privadas do período destinado à sua convivência inicial. 7. Premissas que devem orientar a interpretação do art. 7º, XVIII, da Constituição, que prevê o direito dos trabalhadores à “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.” Logo, os cento e vinte dias devem ser considerados com vistas a efetivar a convivência familiar, fundada especialmente na unidade do binômio materno-infantil. 8. O perigo de dano irreparável reside na inexorabilidade e urgência da vida. A cada dia, findam-se licenças-maternidade que deveriam ser estendidas se contadas a partir da alta, com o respectivo pagamento previdenciário do salário-maternidade, de modo a permitir que a licença à gestante tenha, de fato, o período de duração de 120 dias previsto no art. 7º, XVIII, da Constituição. 9. Presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, defiro a liminar, a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, §1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), e assim assentar (com fundamento no bloco constitucional e convencional de normas protetivas constante das razões sistemáticas antes explicitadas) a necessidade de prorrogar o benefício, bem como considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, §2º, da CLT, e no art. 93, §3º, do Decreto n.º 3.048/99.
Decisão
O Tribunal, por maioria, preliminarmente, conheceu da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e, no mérito, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, referendou a liminar deferida a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), e assim assentar a necessidade de prorrogar o benefício, bem como considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n.º 3.048/99, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que indeferia a liminar. O Ministro Gilmar Mendes acompanhou o Relator com ressalvas. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 27.3.2020 a 02.04.2020.
Indexação
- NATUREZA TRABALHISTA, LICENÇA MATERNIDADE. AUSÊNCIA, LEI, AUSÊNCIA, NORMA. AUTOCONTENÇÃO JUDICIAL, DISCRICIONARIEDADE, JULGADOR. OMISSÃO LEGISLATIVA, PROTEÇÃO DEFICIENTE. EVOLUÇÃO, LICENÇA MATERNIDADE, INGRESSO, MULHER, MERCADO DE TRABALHO, DIREITO, PROTEÇÃO À INFÂNCIA, CONVIVÊNCIA, MÃE, CRIANÇA, FILHO ADOTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE, DIFERENÇA, PRAZO, LICENÇA MATERNIDADE, FILHO BIOLÓGICO, FILHO ADOTIVO. FONTE DE CUSTEIO, PROTEÇÃO, MATERNIDADE, ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE. SALÁRIO-MATERNIDADE, BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. - FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. GILMAR MENDES: DIREITO À PROTEÇÃO DA MATERNIDADE E DA INFÂNCIA, DIREITO SOCIAL, SEGUNDA GERAÇÃO. EVOLUÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITO À PROTEÇÃO DA MATERNIDADE E DA INFÂNCIA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO PROIBIÇÃO DE EXCESSO, PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE. DEVER DE PROTEÇÃO. AFASTAMENTO, GESTANTE, TRABALHO, OPÇÃO, LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL, SALÁRIO-MATERNIDADE. TRANSFERÊNCIA, PREVIDÊNCIA SOCIAL, PAGAMENTO, SALÁRIO-MATERNIDADE. LIMITAÇÃO, ATIVIDADE JURISDICIONAL, PRINCÍPIO DA CONTRAPARTIDA, PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. VEDAÇÃO, ATUAÇÃO, PODER JUDICIÁRIO, LEGISLADOR POSITIVO, AUMENTO, BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EXIGÊNCIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INDICAÇÃO, FONTE DE CUSTEIO, EQUILÍBRIO ATUARIAL, EQUILÍBRIO FINANCEIRO, PREVIDÊNCIA SOCIAL. VINCULAÇÃO, LEGISLADOR ORDINÁRIO, DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO. - VOTO VENCIDO, MIN. MARCO AURÉLIO: PRORROGAÇÃO, TERMO INICIAL, BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, SALÁRIO-MATERNIDADE, DECORRÊNCIA, INTERNAÇÃO HOSPITALAR, MÃE, FILHO RECÉM-NASCIDO. - TERMO(S) DE RESGATE: TEORIA DO APEGO.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1934 CF-1934 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED CF ANO-1988 ART-00003 INC-00001 ART-00005 INC-00054 ART-00006 ART-00007 INC-00018 INC-00020 ART-00037 ART-00195 INC-00001 LET-A INC-00002 PAR-00005 ART-00201 "CAPUT" INC-00002 ART-00203 INC-00001 ART-00227 PAR-00001 INC-00001 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED EMC-000065 ANO-2010 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000090 ANO-2015 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED LEI-008069 ANO-1990 ART-00008 PAR-00003 PAR-00004 PAR-00006 PAR-00007 PAR-00009 ECA-1990 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE LEG-FED LEI-008213 ANO-1991 ART-00071 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-009882 ANO-1999 ART-00001 PAR-ÚNICO INC-00001 ART-00005 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-010421 ANO-2002 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-012010 ANO-2009 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-013257 ANO-2016 LEI ORDINÁRIA LEG-INT CVC ANO-1989 ART-00024 NÚMERO-1 NÚMERO-2 LET-A LET-D LET-E CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA LEG-FED DEL-005452 ANO-1943 ART-00392 PAR-00001 PAR-00002 PAR-00003 CLT-1943 CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO LEG-FED DLG-000028 ANO-1990 DECRETO LEGISLATIVO - APROVA A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA LEG-FED DEC-099710 ANO-1990 DECRETO - PROMULGA A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA LEG-FED DEC-003048 ANO-1999 ART-00093 PAR-00003 DECRETO LEG-FED PEC-000181 ANO-2015 PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (PROTEÇÃO À INFÂNCIA, MÃE, GESTANTE, PRISÃO) HC 143641 (2ªT). (SUBSIDIARIEDADE, CABIMENTO, ADPF) ADPF 378 MC (TP), ADPF 446 (TP). (PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE) ADI 4079 (TP), ADI 4163 (TP). (REQUISITO, ADPF, PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL SENSÍVEL) ADPF 33 MC (TP). (AUMENTO, PERÍODO, PRAZO, LICENÇA MATERNIDADE, MÃE, PARTO PREMATURO) RE 778889 (TP). (OMISSÃO LEGISLATIVA, SALÁRIO MÍNIMO) ADI 1458 MC (TP). (DIFERENÇA, PRAZO, LICENÇA MATERNIDADE, FILHO BIOLÓGICO, FILHO ADOTIVO) RE 778889 (TP). (EXTENSÃO, LICENÇA MATERNIDADE, INTERNAÇÃO HOSPITALAR, PARTO PREMATURO) 05137979520164058100. (AUMENTO, BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, INDICAÇÃO, FONTE DE CUSTEIO, LEGISLADOR POSITIVO) RE 778889 (TP), RE 597389 QO-RG (TP). - Acórdão(s) citado(s) - outros tribunais: (EXTENSÃO, LICENÇA MATERNIDADE, INTERNAÇÃO HOSPITALAR, PARTO PREMATURO) JFDF: 0026282-36.2016.4.01.3400, TJSP: AC 1002865-29.2018.8.26.0428, TRT17: MS 0000364-80.2017.5.17.0000. - Legislação estrangeira citada: Art. 2, II, da Lei Fundamental, da Corte Constitucional alemã. - Decisões estrangeiras citadas: BverfGE, 39, 1 e s.; BverfGE 46, 160 (164); BverfGE 49, 89 (140 e s.); BverfGE 53, 50 (57 e s.); BverfGE 56, 54 (78); BverfGE 66, 39 (61); BverfGE 77, 170 (229 s.); BverfGE 77, 381 (402 e s.); BverfGE 77, 170 (214), BverfGE 88, 203, 1993, da Corte Constitucional alemã. - Veja os objetivos de desenvolvimento sustentável 3.1 e 3.2, da Agenda ODS 2030, da ONU. Número de páginas: 38. Análise: 17/03/2021, JSF.
Doutrina
BARROSO, Luís Roberto O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 298. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2003. p. 798 et seq. CANARIS, Claus-Wilhelm. Grundrechtswirkungen und Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts. JuS, 1989. p. 161-163. ______. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra: Almedina, 2003. CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 273. DIETLEIN, Johannes. Die Lehre von den grundrechtlichen Schutzpflichten. Berlin, 1991. p. 17 e 18. GARGARELLA, Roberto. Democracia deliberativa y judicialización de los derechos sociales. ALEGRE, Marcelo; GARGARELLA, Roberto (Coord). El derecho a la i gualdad: aportes para un constitucionalismo igualitario. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina 2007. p. 121-144 e 134-135. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 21-22. MÜNCH, Ingo. Grundgesetz-Kommentar, Kommentar zu Vorbemerkung Art 1-19, nº 22. RICHTER, Ingo; SCHUPPERT, Gunnar Folke. Casebook Verfassungsrecht. 3. ed. München, 1996. p. 35-36 e 37.