Jurisprudência STF 6019 de 06 de Julho de 2021
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADI 6019
Classe processual
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator
MARCO AURÉLIO
Data de julgamento
12/05/2021
Data de publicação
06/07/2021
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-134 DIVULG 05-07-2021 PUBLIC 06-07-2021
Partes
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONCESSIONÁRIAS DE RODOVIAS - ABCR ADV.(A/S) : GUSTAVO BINENBOJM ADV.(A/S) : ALICE BERNARDO VORONOFF DE MEDEIROS ADV.(A/S) : ANDRÉ RODRIGUES CYRINO ADV.(A/S) : RAFAEL LORENZO-FERNANDEZ KOATZ INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA E INDÚSTRIA DE BASE - ABDIB ADV.(A/S) : MARICÍ GIANNICO
Ementa
Ementa: Direito constitucional e administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Prazo decadencial para o exercício do poder de autotutela pela Administração Pública estadual. 1. Ação direta contra o art. 10, I, da Lei nº 10.177/1998, do Estado de São Paulo, que estabelece o prazo decadencial de 10 (dez) anos para anulação de atos administrativos reputados inválidos pela Administração Pública estadual. 2. Lei estadual que disciplina o prazo decadencial para o exercício da autotutela pela administração pública local não ofende a competência da União Federal para legislar sobre direito civil (art. 22, I, CF/1988) ou para editar normas gerais sobre licitações e contratos (art. 22, XXVII, CF/1988). Trata-se, na verdade, de matéria inserida na competência constitucional dos estados-membros para legislar sobre direito administrativo (art. 25, § 1º, CF/1988). 3. O dispositivo impugnado não viola os princípios constitucionais da segurança jurídica e da razoabilidade. O prazo decenal não é arbitrário e não caracteriza, por si só, instabilidade das relações jurídicas ou afronta às legítimas expectativas dos particulares na imutabilidade de situações jurídicas consolidadas com o decurso do tempo. Esse é, inclusive, o prazo prescricional geral do Código Civil (art. 205) e de desapropriação indireta (Tema 1.019, STJ), dentre outros inúmeros exemplos no ordenamento jurídico brasileiro. 4. Sem embargo, o prazo quinquenal consolidou-se como marco temporal geral nas relações entre o Poder Público e particulares (v., e.g., o art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 e o art. 173 do Código Tributário Nacional), e esta Corte somente admite exceções ao princípio da isonomia quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio entre as partes. 5. Os demais estados da Federação aplicam, indistintamente, o prazo quinquenal para anulação de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados, seja por previsão em lei própria ou por aplicação analógica do art. 54 da Lei nº 9.784/1999. Não há fundamento constitucional que justifique a situação excepcional do Estado de São Paulo, impondo-se o tratamento igualitário nas relações Estado-cidadão. 6. A presente ADI foi ajuizada somente em 2018 e o art. 10, I, da Lei nº 10.177/1998 vem sendo aplicado há décadas pela Administração Pública paulista, tendo servido de base à anulação de diversos atos administrativos. A declaração de nulidade, com efeitos ex tunc, do dispositivo ora impugnado acarretaria enorme insegurança jurídica no Estado de São Paulo, com potencial de (i) refazimento de milhares de atos administrativos cuja anulação já se consolidou no tempo, (ii) ampla e indesejável litigiosidade nas instâncias ordinárias e (iii) provável impacto econômico em momento de grave crise financeira que assola o país, tendo em vista que os atos anulados haviam produzido efeitos favoráveis aos administrados 7. Desse modo, impõe-se a modulação dos efeitos desta decisão (art. 27 da Lei nº 9.868/1999), para que (i) sejam mantidas as anulações já realizadas pela Administração até a publicação da ata do julgamento de mérito desta ação direta (23.04.2021), desde que tenham observado o prazo de 10 (dez) anos; (ii) seja aplicado o prazo decadencial de 10 (dez) anos aos casos em que, em 23.04.2021, já havia transcorrido mais da metade do tempo fixado na lei declarada inconstitucional (aplicação, por analogia, do art. 2.028 do Código Civil); e (iii) para os demais atos administrativos já praticados, seja o prazo decadencial de 5 (cinco) anos contado a partir da publicação da ata do julgamento de mérito desta ação (23.04.2021). 8. Procedência do pedido, com a declaração de inconstitucionalidade do art. 10, I, da Lei nº 10.177/1998, do Estado de São Paulo, modulando-se os efeitos na forma acima descrita.
Decisão
O Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação direta, declarando a inconstitucionalidade do art. 10, I, da Lei nº 10.177/1998 do Estado de São Paulo, nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que, preliminarmente, não conheciam da ação e, no mérito, julgavam improcedente o pedido. O Ministro Marco Aurélio (Relator) também julgava procedente o pedido, mas ficou parcialmente vencido por declarar a inconstitucionalidade do dispositivo ante a existência de vícios formal e material. Por fim, quanto à modulação dos efeitos da decisão, o julgamento foi suspenso para colheita, em assentada posterior, dos votos dos ministros que ficaram vencidos no mérito. Falaram: pela requerente, o Dr. Gustavo Binenbojm; e, pelo interessado Governador do Estado de São Paulo, o Dr. Andre Brawerman, Procurador do Estado. Plenário, Sessão Virtual de 2.4.2021 a 12.4.2021. Decisão: Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão, para que: (i) sejam mantidas as anulações já realizadas pela Administração até a publicação da ata do julgamento de mérito desta ação direta (23.04.2021), desde que tenham observado o prazo de 10 (dez) anos; (ii) seja aplicado o prazo decadencial de 10 (dez) anos aos casos em que, em 23.04.2021, já havia transcorrido mais da metade do tempo fixado na lei declarada inconstitucional (aplicação, por analogia, do art. 2.028 do Código Civil); e (iii) para os demais atos administrativos já praticados, seja o prazo decadencial de 5 (cinco) anos contado a partir da publicação da ata do julgamento de mérito desta ação (23.04.2021), nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator). O Ministro Nunes Marques acompanhou o Ministro Roberto Barroso com ressalvas. Plenário, Sessão Virtual de 30.4.2021 a 11.5.2021.
Indexação
- VOTO, MIN. MARCO AURÉLIO: DECADÊNCIA, INSTITUTO JURÍDICO, DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA, UNIÃO FEDERAL, DIREITO CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, IMPOSSIBILIDADE, JULGAMENTO, CONFLITO DE INTERESSE, CARÁTER SUBJETIVO, MODULAÇÃO DE EFEITOS. - VOTO, MIN. ALEXANDRE DE MORAES: NÃO CONHECIMENTO, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, ILEGITIMIDADE ATIVA, ENTIDADE DE CLASSE, PERTINÊNCIA TEMÁTICA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, DISTRIBUIÇÃO, COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, PRINCÍPIO DA PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE, COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, MUNICÍPIO, INTERESSE LOCAL. DISTRIBUIÇÃO, COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, FEDERALISMO COOPERATIVO, FEDERALISMO CENTRÍPETO. CONCENTRAÇÃO, MATÉRIA, IMPORTÂNCIA, CONGRESSO NACIONAL, PRINCÍPIO DA AUTONOMIA, PARTICIPAÇÃO, ESTADO-MEMBRO, MUNICÍPIO, DISTRITO FEDERAL. INTÉRPRETE, COMPETÊNCIA CONCORRENTE, AUTOGOVERNO, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, EQUILÍBRIO, FEDERAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL, PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA, DIREITO PÚBLICO, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO ADMINISTRATIVO. EQUILÍBRIO, INTERESSE PÚBLICO, ESTABILIDADE, RELAÇÃO JURÍDICA. - TERMO(S) DE RESGATE: INCONSTITUCIONALIDADE ÚTIL.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00005 "CAPUT" ART-00022 INC-00001 INC-00027 ART-00023 INC-00001 ART-00024 ART-00025 PAR-00001 ART-00030 INC-00001 ART-00037 "CAPUT" ART-00103 INC-00009 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED LEI-005172 ANO-1966 ART-00173 CTN-1966 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL LEG-FED LEI-008213 ANO-1991 ART-00103 ART-0103A LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-009868 ANO-1999 ART-00002 INC-00009 ART-00027 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-010406 ANO-2002 ART-00205 ART-02028 CC-2002 CÓDIGO CIVIL LEG-FED DEC-019398 ANO-1930 ART-00001 DECRETO LEG-FED DEC-020910 ANO-1932 ART-00001 DECRETO LEG-FED SUMSTF-000473 SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF LEG-EST LEI-010177 ANO-1998 ART-00010 INC-00001 LEI ORDINÁRIA, SP LEG-EST LEI-009784 ANO-1999 ART-00054 LPA-1999 LEI DE PROCESSO ADMINISTRATIVO
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (LEGITIMIDADE ATIVA, CONTROLE CONCENTRADO, PERTINÊNCIA TEMÁTICA) ADI 2747 (TP), ADI 2903 (TP), ADI 4009 (TP), ADI 4400 (TP), ADI 4722 AgR (TP), ADI 5837 AgR (TP), ADI 1507 MC-AgR (TP). (MODULAÇÃO DE EFEITOS, SEGURANÇA JURÍDICA, INTERESSE SOCIAL, BOA-FÉ) ADI 3666 (TP), ADI 4414 (TP), RE 640905 (TP). (PRAZO DECADENCIAL, PRINCÍPIO DA ISONOMIA) ADI 1910 MC (TP), ADI 1753 MC (TP). - Acórdão(s) citado(s) - outros tribunais: (PRAZO DECADENCIAL, DEZ ANOS, LEI ESTADUAL) STJ: REsp 1251769, REsp 1684556. (MODULAÇÃO DE EFEITOS, SEGURANÇA JURÍDICA, INTERESSE SOCIAL, BOA-FÉ) STJ: RMS 21070, AR 5101. Número de páginas: 56. Análise: 06/03/2022, KBP.
Doutrina
ATALIBA, Geraldo. República e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 10. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 317. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional, 2020. p. 512. CANOTILHO, J. J.; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo; STRECK, Lenio. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. Saraiva, 2018. p. 767. CANOTILHO, José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina, p. 87. DINIZ, Helena Diniz. Direito administrativo. 31. ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 318. DUVERGER, Maurice. Droit constitutionnel et institutions Politiques. Paris: Universitaires de France, 1955, p. 265 et seq. FAGUNDES, Seabra. Novas perspectivas do federalismo brasileiro. Revista de Direito Administrativo, n. 99. p. 1. FERRANDO BADÍA, Juan. El estado unitário: El federal y El estado regional. Madri: Tecnos, 1978. p. 77. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado federal brasileiro na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo, n. 179. p. 1. HORTA, Raul Machado. Tendências atuais da federação brasileira. Cadernos de direito constitucional e ciência política, n. 16. p. 17. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, ebook. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/91049397/v13/ document/157101012/anchor/a-157101012. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 451-454. LEVI, Lúcio. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. (Coord.). Dicionário de política. v. 1. p. 482. LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución. Barcelona: Ariel, 1962. p. 362. MALBIN, Michael J. A ordem constitucional americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987, p. 144. MARINHO, Josaphat. Rui Barbosa e a federação. Revista de Informação Legislativa, n. 130. p. 40. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 1990. Tomo 1, p. 13-14. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais do processo administrativo no Direito brasileiro. Revista de informação legislativa, v. 34, n. 136: 05-28, 1997, p. 10-11. SILVA, Almiro do Couto e. Os princípios da legalidade da Administração Pública e da segurança jurídica no Estado de Direito contemporâneo, Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 57: 13-34, 2003, p. 13-14. TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracia na América: leis e costumes. São Paulo: Martins Fontes, 1988. p. 37 et seq. VELLOSO, Carlos Mário. Estado federal e estados federados na Constituição brasileira de 1988: do equilíbrio federativo. Revista de Direito Administrativo, n. 187. p. 1.