Jurisprudência STF 5793 de 13 de Agosto de 2024
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADI 5793
Classe processual
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator
CRISTIANO ZANIN
Data de julgamento
01/07/2024
Data de publicação
13/08/2024
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 12-08-2024 PUBLIC 13-08-2024
Partes
REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB ADV.(A/S) : LIZANDRA NASCIMENTO VICENTE E OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPUBLICA AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTERIO PUBLICO - CONAMP ADV.(A/S) : ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA ADV.(A/S) : JULIANA MOURA ALVARENGA DILASCIO AM. CURIAE. : ASSOCIACAO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLICIA FEDERAL ADV.(A/S) : ANTONIO TORREAO BRAZ FILHO AM. CURIAE. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DOS ADVOGADOS CRIMINALISTAS - ABRACRIM ADV.(A/S) : THIAGO MIRANDA MINAGÉ ADV.(A/S) : ALEXANDRE SALOMAO AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS - ANADEP ADV.(A/S) : ILTON NORBERTO ROBL FILHO ADV.(A/S) : ISABELA MARRAFON AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL - AJUFE ADV.(A/S) : LUCIANO DE SOUZA GODOY ADV.(A/S) : RICARDO ZAMARIOLA JUNIOR
Ementa
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO N. 181, DE 7 DE AGOSTO DE 2017, DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CNMP). ATO NORMATIVO QUE DISCIPLINA TANTO O PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL (PIC) CONDUZIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO O INQUÉRITO POLICIAL. RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE INVESTIGATIVA POR PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL QUE NÃO ELIMINA RESTRIÇÕES OU CONTROLES. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER INVESTIGAÇÕES DE NATUREZA CRIMINAL. PROIBIÇÃO AO TITULAR DA AÇÃO PENAL PÚBLICA DE ASSUMIR A PRESIDÊNCIA DO INQUÉRITO, QUE REPRESENTA ATRIBUIÇÃO PRIVATIVA DA POLÍCIA. INCONSTITUCIONALIDADE DA PREVISÃO DE UM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DE NATUREZA “SUMÁRIA E DESBUROCRATIZADA”. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL. ATO NORMATIVO DO CNMP QUE ULTRAPASSOU OS LIMITES DO PODER REGULAMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO DA AÇÃO DIRETA, COM A REITERAÇÃO DAS MESMAS TESES DE JULGAMENTO FIRMADAS POR ESTE PLENÁRIO NAS ADIS 2.943, 3.309 E 3.318. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO IGUALMENTE DETERMINADA. I - Não se conhece da presente ação direta no que se refere ao art. 7º, I, II e III, e ao art. 18 da Resolução n. 181/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, diante da perda de objeto em razão da superveniente edição de novo diploma normativo tratando da matéria. II - A atribuição da função investigativa ao Ministério Público tem lastro constitucional e infraconstitucional, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já firmou a compreensão de admitir esses poderes, sob o fundamento, primordialmente, de que a promoção das diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial refletem funções constitucionalmente atribuídas ao órgão ministerial. III - A legitimação do poder investigatório do Ministério Público não significa imunidade a restrições ou controles. O órgão dispõe de competência concorrente para promover investigações de natureza criminal, podendo licitamente colaborar, no sistema acusatório, para a colheita do suporte probatório serviente a uma imputação penal, mas está proibido de assumir a presidência do inquérito, que configura atribuição privativa da polícia. IV - Os termos “sumário e desburocratizado”, constantes do art. 1º, caput, da Resolução n. 181/2017 do CNMP, padecem de manifesta inconstitucionalidade, por ofensa aos arts. 22, I, e 130-A, §2º, I, da Constituição Federal. V - Os registros, prazos e regramentos previstos para instaurar e concluir inquéritos policiais constituem imposições extensíveis aos PICs. Inexiste autorização da Constituição Federal para a instauração de procedimentos investigativos de natureza abreviada, flexível ou excepcional. VI - Procedência parcial do pedido da ação direta, com a declaração de inconstitucionalidade das expressões “sumário” e “desburocratizado” constantes do art. 1º, caput, da Resolução n. 181/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, bem como com a declaração de constitucionalidade do art. 2º, V, do mesmo ato normativo, desde que interpretado conforme a Constituição e nos termos deste voto. Reiteração das mesmas teses de julgamento firmadas por este Plenário nas ADIs 2.943, 3.309 e 3.318. Modulação dos efeitos da decisão que também se determina, consoante exposto no voto.
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação direta e julgou-a parcialmente procedente para, na parte conhecida: a) declarar a inconstitucionalidade das expressões “sumário” e “desburocratizado” constantes do art. 1º, caput, da Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público; b) declarar a constitucionalidade do art. 2º, V, do mesmo ato normativo, desde que interpretado conforme a Constituição e nos termos deste voto, vedando-se ao Ministério Público assumir a presidência do inquérito, que representa atribuição privativa da autoridade policial. Em seguida, reportando-se ao que ficou decidido nas ADIs 2.943, 3.309 e 3.318, endossou as seguintes teses de julgamento: “1. O Ministério Público dispõe de atribuição concorrente para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição (tema 184); 2. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público tem por exigência: (i) comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição; (ii) observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para conclusão de inquéritos policiais; (iii) necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas; iv) distribuição por dependência ao Juízo que primeiro conhecer de PIC ou inquérito policial a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidade de investigações; v) aplicação do artigo 18 do Código de Processo Penal ao PIC (Procedimento Investigatório Criminal) instaurado pelo Ministério Público; 3. Deve ser assegurado o cumprimento da determinação contida nos itens 18 e 189 da Sentença no Caso Honorato e Outros versus Brasil, de 27 de novembro de 2023, da Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, no sentido de reconhecer que o Estado deve garantir ao Ministério Público, para o fim de exercer a função de controle externo da polícia, recursos econômicos e humanos necessários para investigar as mortes de civis cometidas por policiais civis ou militares; 4. A instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá ser motivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes ou ferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes. Havendo representação ao Ministério Público, a ausência de instauração do procedimento investigatório deverá ser sempre motivada; 5. Nas investigações de natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos”. Por fim, na mesma linha do voto conjunto já referido, a fim de preservar os atos que porventura tenham sido praticados, determinou a modulação dos efeitos da presente decisão, "dispensando o registro para as ações penais já iniciadas e para aquelas que se encontrem encerradas. Nas investigações em curso que ainda não tenham sido objeto de denúncia, o registro deverá ser realizado no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da ata de julgamento. Efetuado o registro, impende a observância dos prazos para a conclusão dos procedimentos investigatórios, assim como a exigência de autorização judicial para os pedidos de prorrogação, nos termos já delineados". Tudo nos termos do voto do Relator. Falaram: pelo requerente, a Dra. Manuela Elias Batista; e, pelo amicus curiae Associação Nacional dos Defensores Públicos - ANADEP, o Dr. Ilton Norberto Robl Filho. Plenário, Sessão Virtual de 21.6.2024 a 28.6.2024.
Indexação
- PODER DE INVESTIGAÇÃO, MINISTÉRIO PÚBLICO, EFETIVIDADE, PERSECUÇÃO PENAL, CONTROLE EXTERNO, POLÍCIA JUDICIÁRIA. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL, SUBMISSÃO, CONTROLE JUDICIAL, LIMITE LEGAL, INQUÉRITO POLICIAL. - TERMO(S) DE RESGATE: GARANTIA DA INDEPENDÊNCIA DAS PERÍCIAS.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00004 INC-00002 ART-00005 PAR-00003 ART-00022 INC-00001 ART-00058 PAR-00003 ART-00103 INC-00007 ART-00127 "CAPUT" PAR-00001 ART-00128 ART-00129 INC-00001 INC-00002 INC-00006 INC-00007 INC-00008 INC-00009 ART-00130 ART-0130A PAR-00002 INC-00001 ART-00144 PAR-00004 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED LCP-000075 ANO-1993 ART-00008 INC-00001 LET-A LET-B INC-00002 INC-00003 INC-00004 INC-00005 INC-00006 INC-00007 INC-00008 INC-00009 LEI COMPLEMENTAR LEG-FED LEI-008625 ANO-1993 ART-00026 INC-00001 INC-00002 INC-00003 INC-00004 INC-00005 INC-00006 INC-00007 INC-00008 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-009868 ANO-1999 ART-00002 INC-00007 ART-00005 "CAPUT" LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-013964 ANO-2019 LEI ORDINÁRIA LEG-INT CVC ANO-1969 ART-00068 CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA), DE 22 DE NOVEMBRO DE 1969 LEG-FED DEL-003689 ANO-1941 ART-00004 ART-00012 ART-00018 ART-00027 ART-0028A ART-00039 PAR-00005 ART-00046 PAR-00001 ART-00047 CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-001002 ANO-1969 ART-00008 CPPM-1969 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR LEG-FED DLG-000027 ANO-1992 DECRETO LEGISLATIVO - APROVA A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA), DE 22 DE NOVEMBRO DE 1969 LEG-FED DEC-000678 ANO-1992 DECRETO - PROMULGA A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA), DE 22 DE NOVEMBRO DE 1969 LEG-FED RES-000181 ANO-2017 ART-00001 "CAPUT" ART-00002 INC-00005 ART-00007 INC-00001 INC-00002 INC-00003 ART-00018 RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CNMP LEG-FED RES-000183 ANO-2018 RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CNMP LEG-FED SUV-000014 SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO, LEI IMPUGNADA, PERDA DO OBJETO) ADI 4125 (TP), ADPF 426 (TP), ADI 6062 MC-Ref (TP). (MINISTÉRIO PÚBLICO, PODER DE INVESTIGAÇÃO) RHC 81326 (2ªT), Inq 1957 (TP), HC 84367 (1ªT), HC 89837 (2ªT), HC 90099 (2ªT), RE 535478 (2ªT), HC 94173 (2ªT), RE 593727 (TP), HC 96638 (1ªT). (PERÍCIA CRIMINAL, AUSÊNCIA, EXCLUSIVIDADE, POLÍCIA CIVIL) ADI 2575 (TP), ADI 6621 (TP). (JUIZ DAS GARANTIAS) ADI 6298 (TP), ADI 6299 (TP), ADI 6300 (TP), ADI 6305 (TP). - Decisões monocráticas citadas: (REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO, LEI IMPUGNADA, PERDA DO OBJETO) ADI 5790. (MINISTÉRIO PÚBLICO, PODER DE INVESTIGAÇÃO) RMS 36362. - Veja ADI 2943, ADI 3309 e ADI 3318 do STF. - Decisão estrangeira citada: Caso Favela Nova Brasília; Caso Honorato e outros vs. Brasil, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Número de páginas: 39. Análise: 22/08/2024, KBP.
Doutrina
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. p. 173. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 9. ed. 2014. CAMPOS, Walfredo Cunha. Curso completo de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 109. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. 9. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 100. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 644. NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Direito constitucional brasileiro: curso completo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 1034. NUCCI, Guilherme. Código Penal Comentado. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 59. OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 16. ed. São Paulo: Juspodivm, 2024. p. 58. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 95.