Jurisprudência STF 5108 de 21 de Junho de 2022
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADI 5108
Classe processual
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator
DIAS TOFFOLI
Data de julgamento
28/03/2022
Data de publicação
21/06/2022
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 20-06-2022 PUBLIC 21-06-2022
Partes
REQTE.(S) : PARTIDO POPULAR SOCIALISTA ADV.(A/S) : RENATO CAMPOS GALUPPO E OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO AM. CURIAE. : UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES - UNE ADV.(A/S) : RODRIGO KOPKE SALINAS E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : LUCIANA CHRISTINA GUIMARAES LOSSIO AM. CURIAE. : MOVIMENTO ESTUDANTIL DO BRASIL (MEB) ADV.(A/S) : ALBERTO BOTELHO MENDES AM. CURIAE. : UNIÃO MUNICIPAL DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS DE SÃO PAULO - UMES/SP ADV.(A/S) : JANAINA CONCEIÇÃO DEITOS AM. CURIAE. : DIRETÓRIO CENTRAL DOS ESTUDANTES DO RIO DOS SINOS - DCE UNISINOS ADV.(A/S) : JOÃO HERMINIO MARQUES DE CARVALHO E SILVA
Ementa
EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Carteira de Identificação Estudantil. Lei Federal nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013. Expressão “filiadas àquelas” (art. 1º, § 2º e § 4º, e art. 2º, § 2º). Previsão de prévia filiação de entidades estudantis de âmbito local às de abrangência nacional para que possam emitir o documento. Violação do princípio da liberdade de associação. Interpretação conforme da expressão “entidades estaduais e municipais”. Entidades de representação estudantil. Expressão “pelas entidades nacionais antes referidas” (art. 1º, § 2º). Modelo único nacionalmente padronizado do documento. Definição e disponibilização pelas entidades nacionais. Constitucionalidade. Interpretação conforme da expressão “pelas entidades nacionais antes referidas”. Procedência parcial da ação. 1. A ordem constitucional brasileira garante a formação de associações por pessoas, naturais ou jurídicas, que queiram, juntas, perseguir finalidade lícita de forma continuada, do que decorre, além da pluralidade de atores e da estabilidade, a ideia de voluntariedade, característica que torna dissonante da estrutura que a Constituição Federal atribuiu às associações a reunião compulsória de seus membros. Ao consagrar a liberdade de associação, a Constituição fê-lo como expressão da autonomia da vontade, haja vista que à pessoa, natural ou não, foi conferido o direito de se associar, de não se associar, de permanecer associado ou de deixar de fazer parte de uma entidade associativa. 2. A expressão “filiadas àquelas”, constante dos §§ 2º e 4º do art. 1º e do § 2º do art. 2º da Lei nº 12.933/13, pressupõe uma vinculação compulsória das entidades estudantis locais e regionais às entidades nacionais (UNE, UBES e ANPG), cujo não atendimento tem como consequência a impossibilidade de aquelas associações expedirem documento de identificação em relação aos estudantes que estão a elas vinculados. Esse dever de filiação importa em intervenção direta na autonomia da entidade estudantil, que se vê obrigada a se associar a entidade não necessariamente alinhada às suas metas, princípios, diretrizes e interesses. 3. Após excluída a expressão “filiadas àquelas”, remanesceria dúvidas a respeito de quais seriam, então, as entidades estaduais e municipais referidas no § 2º do art. 1º da Lei nº 12.933/13. Da interpretação teleológica e sistemática da Lei nº 12.933/13 deflui que tais entidades estaduais e municipais são também entidades de representação estudantil. Em nenhuma medida a exclusão da expressão “filiadas àquelas” deve ser interpretada como a permitir que instituições com objetivos diversos da representação estudantil emitam o documento. A emissão de CIE por pessoa jurídica que não seja entidade de representação estudantil deve ser considerada prática ilegal e fraudulenta. 4. A adoção do modelo único nacional confere maior racionalidade ao sistema, possibilitando a padronização da identidade estudantil, o que facilita a fiscalização e o combate às fraudes. A escolha da UNE, UBES e ANPG para a definição e a disponibilização desse modelo – conjuntamente com o ITI, responsável pela certificação digital – constitui-se em opção legítima e razoável do legislador, tendo em vista a enorme representatividade e a relevância da atuação de tais entidades nacionais, as quais, por suas longas trajetórias na representação estudantil, estão habilitadas a definir um modelo adequado à garantia de racionalidade na emissão da CIE. Não obstante, o modelo único deve ser publicamente disponibilizado e possuir parâmetros razoáveis, de modo a não limitar seu acesso pelas entidades às quais a própria lei reconheceu a prerrogativa de emissão do documento. 5. Ação direta julgada parcialmente procedente para i) declarar a inconstitucionalidade, com redução de texto, da expressão “filiadas àquelas”, constante dos §§ 2º e 4º do art. 1º e do § 2º do art. 2º da Lei nº 12.933/13 e conferir interpretação conforme à Constituição à expressão “entidades estaduais e municipais”, contida também nos §§ 2º e 4º do art. 1º e no § 2º do art. 2º, para fixar o entendimento de que as entidades estaduais e municipais referidas nesses preceitos são entidades de representação estudantil; e ii) não acolher o pleito de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento da expressão “pelas entidades nacionais antes referidas”, fixando, no entanto, interpretação conforme à Constituição à expressão, no sentido de que as entidades nacionais responsáveis pela definição do modelo único nacionalmente padronizado da CIE devem fixar parâmetros razoáveis para o modelo, os quais não podem obstar o acesso a esse pelas entidades às quais a própria lei reconheceu a prerrogativa de emissão do documento, assegurando-se, ainda, a observância da previsão legal de que o documento poderá ter 50% (cinquenta por cento) de características locais (art. 1º, § 2º, da Lei nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013, parte final).
Decisão
O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para: 1) declarar a inconstitucionalidade, com redução de texto, da expressão “filiadas àquelas”, constante dos §§ 2º e 4º do art. 1º e do § 2º do art. 2º, todos da Lei nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013 e conferir interpretação conforme à Constituição à expressão “entidades estaduais e municipais”, contida também nos §§ 2º e 4º do art. 1º e § 2º do art. 2º, para fixar o entendimento de que as entidades estaduais e municipais referidas nesses preceitos são entidades de representação estudantil; e 2) não acolher o pleito de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento da expressão “pelas entidades nacionais antes referidas”, mas fixar interpretação conforme à Constituição à expressão, no sentido de que as entidades nacionais responsáveis pela definição do modelo único nacionalmente padronizado da Carteira de Identificação Estudantil (CIE) devem fixar parâmetros razoáveis para o modelo, os quais não podem obstar o acesso a este pelas entidades às quais a própria lei reconheceu a prerrogativa de emissão do documento, assegurando-se, ainda, a observância da previsão legal de que o documento poderá ter 50% (cinquenta por cento) de características locais (art. 1º, § 2º, da Lei nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013, parte final), nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Edson Fachin. Falou, pelo amicus curiae Diretório Central dos Estudantes do Rio dos Sinos - DCE UNISINOS, o Dr. João Herminio Marques de Carvalho e Silva; e, pelo amicus curiae União Nacional dos Estudantes - UNE, a Dra. Luciana Christina Guimarães Lóssio. Plenário, Sessão Virtual de 18.3.2022 a 25.3.2022.
Indexação
- HISTÓRIA, DIREITO, MEIA-ENTRADA, ESTUDANTE, ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. CONTEXTO HISTÓRICO, LEI FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, EXPEDIÇÃO, CARTEIRA DE ESTUDANTE, PREVENÇÃO, FRAUDE. LEI FEDERAL, ESTRUTURAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, ESTUDANTE, ENSINO SUPERIOR. DOUTRINA, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. AUTONOMIA, ASSOCIAÇÃO, AUSÊNCIA, CARÁTER ABSOLUTO. - FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. ALEXANDRE DE MORAES: DIREITO FUNDAMENTAL, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. VEDAÇÃO, ORGANIZAÇÃO PARAMILITAR. RESPONSABILIZAÇÃO, PODER PÚBLICO, INTERFERÊNCIA, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. LEGITIMIDADE DA PARTE, ENTIDADE ASSOCIATIVA, SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL, AUTORIZAÇÃO, ASSOCIADO. EXIGÊNCIA, FILIAÇÃO, COOPERATIVA, SINDICATO, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO, PRINCÍPIO DA LIBERDADE SINDICAL. LEI FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, EXPEDIÇÃO, CARTEIRA DE ESTUDANTE, PREVENÇÃO, FRAUDE. - FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. GILMAR MENDES: DIREITO FUNDAMENTAL, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. PESSOA JURÍDICA, TITULARIDADE, DIREITO FUNDAMENTAL, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. DIMENSÃO NEGATIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, DOUTRINA. PRECEDENTE, STF, EXIGÊNCIA, FILIAÇÃO, COOPERATIVA, SINDICATO, RECEBIMENTO, BENEFÍCIO. PRECEDENTE, STF, LEGISLAÇÃO ESTADUAL, DELEGAÇÃO, ASSOCIAÇÃO, PROCURADOR DO ESTADO, REGULAÇÃO, CRITÉRIO DE RATEIO, HONORÁRIOS, ADVOGADO PÚBLICO, CONTRARIEDADE, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. LEI FEDERAL, REGULAÇÃO, EMISSÃO, CARTEIRA DE ESTUDANTE, EXIGÊNCIA, FILIAÇÃO, ASSOCIAÇÃO, CARÁTER NACIONAL, OFENSA, AUTONOMIA, ENTIDADE ASSOCIATIVA. - VOTO VENCIDO, MIN. EDSON FACHIN: DISTINÇÃO, REPRESENTAÇÃO, ASSOCIAÇÃO. LEI FEDERAL, REGULAÇÃO, EMISSÃO, CARTEIRA DE ESTUDANTE, CONSTITUCIONALIDADE, EXIGÊNCIA, EXERCÍCIO, DIREITO.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00005 INC-00017 INC-00018 INC-00019 INC-00020 INC-00021 ART-00008 INC-00002 INC-00003 ART-00217 INC-00001 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED LEI-001079 ANO-1950 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-004898 ANO-1965 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-007395 ANO-1985 ART-00001 ART-00002 ART-00003 ART-00004 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-009868 ANO-1999 ART-00010 ART-00012 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-010406 ANO-2002 ART-00059 "CAPUT" PAR-ÚNICO CC-2002 CÓDIGO CIVIL LEG-FED LEI-012933 ANO-2013 ART-00001 PAR-00002 PAR-00004 PAR-00010 ART-00002 PAR-00002 LEI ORDINÁRIA LEG-FED MPR-002002 ANO-2001 MEDIDA PROVISÓRIA LEG-FED MPR-002208 ANO-2001 ART-00001 MEDIDA PROVISÓRIA LEG-FED MPR-002208 ANO-2001 MEDIDA PROVISÓRIA - CONVERTIDA NA LEI-12933/2013 LEG-FED MPR-000895 ANO-2019 MEDIDA PROVISÓRIA LEG-FED DEC-008537 ANO-2015 ART-00003 PAR-00001 PAR-00002 DECRETO LEG-FED PJL-000188 ANO-2007 PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL - SF LEG-EST LEI-001004 ANO-1991 LEI ORDINÁRIA, AC LEG-EST LEI-007844 ANO-1992 LEI ORDINÁRIA, SP LEG-EST LEI-009869 ANO-1993 LEI ORDINÁRIA, RS LEG-EST LEI-010859 ANO-1993 LEI ORDINÁRIA, PE LEG-EST LEI-011052 ANO-1993 LEI ORDINÁRIA, MG LEG-EST LEI-003491 ANO-1994 LEI ORDINÁRIA, SE LEG-EST LEI-012355 ANO-1994 LEI ORDINÁRIA, GO LEG-EST LEI-001368 ANO-2003 LEI ORDINÁRIA, TO
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (DIREITO, MEIA-ENTRADA, ESTUDANTE) ADI 1950 (TP). (DIREITO, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO) ADI 3045 (TP), RE 432106 (1ªT). (LEGITIMIDADE DA PARTE, ENTIDADE ASSOCIATIVA, SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL, AUTORIZAÇÃO, ASSOCIADO) RE 573232 (TP), RMS 21514 (2ªT). (LEGISLAÇÃO ESTADUAL, DELEGAÇÃO, ASSOCIAÇÃO, PROCURADOR DO ESTADO, REGULAÇÃO, CRITÉRIO DE RATEIO, HONORÁRIOS, ADVOGADO PÚBLICO) ADI 6170 (TP). (EXIGÊNCIA, FILIAÇÃO, COOPERATIVA, SINDICATO, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO, PRINCÍPIO DA LIBERDADE SINDICAL) ADI 3464 (TP). - Decisão monocrática citada: (VIOLAÇÃO, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO, DIMENSÃO NEGATIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS) ADI 5108 MC. Número de páginas: 74. Análise: 20/03/2023, JAS.
Doutrina
ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt: Suhrkamp, 1986. p. 174. HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg: C. F. Müller, 1995. p. 112 e 133. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 391-394. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva; IDP, 2019. p. 172 e 308. MICHAEL, Lothar. MORLOK, Martin. Direitos Fundamentais. Tradução: António Francisco de Sousa. São Paulo: Saraiva; IDP, 2016. p. 272. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 1990. p. 420. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 37. ed. Capítulo 3, item 18. PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais. 2. ed. Tradução: António Francisco de Sousa. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 160. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009. p. 28. SILVIA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 269-270.