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Jurisprudência STF 3918 de 09 de Junho de 2022

Publicado por Supremo Tribunal Federal


Título

ADI 3918

Classe processual

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator

DIAS TOFFOLI

Data de julgamento

16/05/2022

Data de publicação

09/06/2022

Orgão julgador

Tribunal Pleno

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 08-06-2022 PUBLIC 09-06-2022

Partes

REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SERGIPE

Ementa

EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 6º, inciso III, alínea d, da Lei nº 2.778 do Estado de Sergipe, de 28 de dezembro de 1989, que isenta servidores públicos do pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos no âmbito daquele Estado. Violação do princípio da isonomia ou igualdade. Procedência do pedido. 1. O princípio da igualdade situa-se no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, traduzindo-se em valor regente, informativo e irradiante da ordem constitucional e, por conseguinte, de todo o ordenamento jurídico. Nessa esteira, no caput do art. 5º da Constituição Federal consta o preceito de que todos são iguais perante a lei, o que reverbera ao longo do texto constitucional, importando não só a proibição de todas as formas de discriminação, como também a submissão de todos os indivíduos ao amparo e à força da lei de forma isonômica. 2. A noção de igualdade não se encerra em sua dimensão meramente formal, de igualdade perante a lei. Ela contempla ainda um caráter material, pelo qual se busca concretizar a justiça social e os outros objetivos fundamentais da República (art. 3º da CRFB/88). É com base nesse viés material que a lei eventualmente estabelece distinções a fim de compensar os indivíduos que se encontram em situação desprivilegiada para elevá-los ao patamar dos demais. 3. No caso em apreço, o critério utilizado pela norma para a isenção da taxa de inscrição nos concursos públicos estaduais foi a existência da qualidade de servidor público, sendo essa, inclusive, a única categoria para a qual a lei confere tal isenção. Some-se a isso que o tratamento díspare estabelecido entre servidores públicos e outros que não o são não tem a finalidade de franquear o acesso à via concursal àqueles que estão em situação de hipossuficiência econômica, ou, ainda, aos que encontram menos oportunidades no mercado de trabalho. Ao contrário, conforme declarado nos autos, pretende-se com tal medida incentivar os servidores estaduais a se manterem nos quadros de pessoal do Estado, alcançando-se, com isso, eficiência na atividade administrativa. 4. Ao conceder a isenção a uma categoria que teria condições de arcar com os custos da inscrição no certame, o Estado amplia a desvantagem daqueles que, por insuficiência de recursos, não conseguem pagar tal quantia – e, portanto, nem sequer têm a chance de concorrer a um cargo na administração estadual –, restringindo, consequentemente, o acesso à via do concurso público. A porta de entrada para o concurso público deve ser igualmente acessível a todos os cidadãos, sendo válidas as medidas que fomentem essa igualdade de acesso, mas não as que ampliem a desigualdade entre os possíveis candidatos. 5. A categoria beneficiada pela norma ora impugnada não vê sua participação em concursos públicos obstada pela exigência do pagamento da taxa de inscrição. Consequentemente, a medida ora analisada não tem a finalidade de promover a igualdade substancial, ou seja, não está voltada à mitigação de uma discriminação ou de uma desigualdade constatada na sociedade. 6. Não se constata a cogitada correlação entre a facilitação da inscrição para servidores públicos e o princípio da eficiência. De um lado, esse benefício não se presta para motivar tais servidores a continuar estudando, a participar de ações de formação continuada e/ou a se preparar para participar de outros certames no âmbito do Estado. Por outro lado, há outras formas de fomentar o bom desempenho no mister público e de valorizar a categoria, o que, porém, não pode se dar pela quebra de isonomia no acesso ao certame. 7. O fato de a taxa de concurso público não ostentar feição tributária não quer dizer que a concessão da sua isenção estaria inserida em um espaço de completa discricionariedade. Nada obriga o Estado a conceder uma isenção dessa natureza, porém, ao fazê-lo, não está autorizado a privilegiar determinados grupos de forma anti-isonômica. Isso porque todo e qualquer ato da Administração Pública se encontra submetido à tábua axiológica da Constituição. Inexistindo justificação razoável para a concessão da isenção, como no caso da lei sergipana, a medida importa em privilégio incompatível com a ordem constitucional. 8. O Supremo Tribunal Federal considera o concurso público como mecanismo que, por excelência, proporciona a realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade, motivo pelo qual, em várias ocasiões, declarou a inconstitucionalidade de normas que veiculavam quebra da igualdade entre os candidatos (v.g., ADI nº 1.350/RO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 1º/12/06; ADI nº 2.949/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, red. do ac. Min. Marco Aurélio, DJe de 28/5/15; ADI nº 2.364/AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 7/3/19; ADI nº 3.522/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 12/5/06; e ADI nº 5.776/BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 3/4/19). Por outro lado, a Suprema Corte também tem proclamado a constitucionalidade de normas que, com fulcro na ideia de igualdade material, instituem benefício em favor de grupo social desfavorecido (v.g., ADI nº 2.177, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 17/10/19; ADPF nº 186, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 20/10/14; ADI nº 2.672, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, red. do ac. Min. Ayres Britto, DJ de 10/11/06). 9. A norma estadual questionada não se amolda às hipóteses excepcionais mencionadas, pois promove o agrupamento de candidatos em dois grupos bem distintos – os que já são servidores públicos e os que não o são – e concede preferência apenas ao primeiro grupo, resultando em um discrímen desarrazoado e desprovido de fundamento jurídico. 10. Pedido julgado procedente.

Decisão

O Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 6º, inciso III, alínea d, da Lei nº 2.778, de 28 de dezembro de 1989, do Estado de Sergipe, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Plenário, Sessão Virtual de 6.5.2022 a 13.5.2022.

Indexação

- VOTO VENCIDO, MIN. RICARDO LEWANDOWSKI: PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO, PRINCÍPIO DA ISONOMIA. AUSÊNCIA, OFENSA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONCESSÃO, LEI ESTADUAL, ISENÇÃO, PAGAMENTO, TAXA, INSCRIÇÃO, CONCURSO PÚBLICO, SERVIDOR PÚBLICO.

Legislação

LEG-FED CF ANO-1988 ART-00003 ART-00005 "CAPUT" INC-00013 ART-00006 "CAPUT" ART-00019 INC-00003 ART-00037 "CAPUT" INC-00001 INC-00002 ART-00061 PAR-00001 ART-00150 INC-00002 ART-00170 INC-00008 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-EST LEI-002778 ANO-1989 ANEXO-00002 ART-00006 INC-00003 LET-D LEI ORDINÁRIA, SE LEG-EST LEI-004318 ANO-2000 LEI ORDINÁRIA, SE LEG-EST LEI-006663 ANO-2001 LEI ORDINÁRIA, ES

Observação

- Acórdão(s) citado(s): (CONCURSO PÚBLICO, PRINCÍPIO DA ISONOMIA, PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE) ADI 1350 (TP), ADI 2364 (TP), ADI 2949 (TP), ADI 3522 (TP), ADI 5776 (TP). (CONCURSO PÚBLICO, IGUALDADE, CARÁTER MATERIAL, JUSTIÇA SOCIAL) ADI 2177 (TP), ADI 2672 (TP), ADPF 186 (TP). (BENEFÍCIO, MEIA-ENTRADA, DOADOR, SANGUE) ADI 3512 (TP). (CONCURSO PÚBLICO, ISENÇÃO, TAXA, INSCRIÇÃO) RE 456722 AgR (1ªT), RE 467722 AgR (2ªT), RE 396468 AgR (1ªT). (CONCURSO PÚBLICO, PRINCÍPIO DA ISONOMIA, ISENÇÃO, TAXA) ADI 2177 (TP), ADI 2672 (TP). - Legislação estrangeira citada: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, promulgada em 26/8/1789. Número de páginas: 37. Análise: 25/01/2023, JSF.

Doutrina

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 10. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 4. ed. Salvador: JusPodium, 2021. p. 21-22. MENEZES, Paulo Lucena de. A ação Afirmativa (affirmative action) no Direito norteamericano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 153-154. MOTTA, Fabrício. Direito público moderno. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.


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