Jurisprudência STF 3433 de 03 de Fevereiro de 2022
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADI 3433
Classe processual
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator
DIAS TOFFOLI
Data de julgamento
04/10/2021
Data de publicação
03/02/2022
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 02-02-2022 PUBLIC 03-02-2022
Partes
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO PARÁ INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ
Ementa
EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Disposições contidas no art. 3º da Lei Complementar nº 14/93 do Estado do Pará, que tratam da criação e da competência das varas de direito agrário, minerário e ambiental. Superveniência do parâmetro de controle. Emenda Constitucional nº 45/04. Óbice ao conhecimento da ação. Superado. Alegada violação do art. 126, caput, da Constituição Federal. Modulação dos efeitos. Procedência parcial. 1. A Emenda Constitucional nº 45/04, ao substituir a expressão “designará juízes de entrância especial”, contida no caput do art. 126 do texto constitucional, por “proporá a criação de varas especializadas”, apenas aperfeiçoou tecnicamente a redação do mencionado dispositivo, preservando, contudo, em essência, o teor específico da norma. Assim, a determinação aos tribunais de justiça para observarem a especialização dos juízos (outrora, apenas de juízes) com competência exclusiva em matéria agrária remonta ao texto original da Carta Magna promulgada em 1988, tendo a legislação pretensamente inquinada sido editada posteriormente, no ano de 1993. É impertinente, pois, a alegação de superveniência de novo parâmetro de controle. 2. O único preceito que, na presente data, detém equivalente na Constituição do Estado é o albergado no § 1º do art. 3º da lei complementar estadual. Nele se assenta a extensão da competência das varas agrárias para abranger aquela pertencente à Justiça Federal quando na localidade não houver subseção judiciária federal. Embora, em razão da falta de impugnação ao art. 167 da CE/PA, na linha da jurisprudência do STF, fosse possível não se conhecer da ação, esse óbice foi ultrapassado, de forma que a norma da Constituição paraense foi examinada, ainda que incidenter tantum, para tornar possível a análise do § 1º do art. 3º da LC 14/93, bem como do § 2º do mesmo art. 3º da lei em exame. 3. A melhor interpretação para o art. 126, caput, da Constituição Republicana caminha no sentido de que essas varas especializadas, a partir do momento em que efetivamente são implantadas pelos respectivos tribunais, excluem da competência de qualquer outra unidade jurisdicional de igual hierarquia o processo e o julgamento das causas agrárias. É dizer, só a vara especializada julga matéria agrária e, uma vez implantada, nenhuma outra vara pode apreciar matéria dessa natureza. Mas, ressalte-se, a vara especializada não julga só matéria agrária. 4. O desígnio constitucional foi criar uma jurisdição especializada para a solução dos conflitos agrários, com juízes que tivessem expertise nesse ramo tão específico do direito e que fossem, sobretudo, conhecedores das questões sociais e econômicas subjacentes a tais conflitos, os quais são peculiares e distintos em cada região do país. Há expectativa de que sejam essas as condições necessárias para o tratamento adequado das demandas agrárias, o que pode (e deve) resultar na solução mais célere desses conflitos, evitando, assim, que se degenerem em violência. 5. Não destoa dessa finalidade constitucional a expressão “além da competência geral, para os juízes de Direito, ressalvada a privativa da Justiça Federal”, contida no caput do art. 3º da lei complementar estadual. Nos termos do art. 125, § 1º, da CRFB de 1988, incumbe à lei de organização judiciária, cuja iniciativa pertence ao respectivo tribunal de justiça, especializar varas em razão da matéria, de modo a tornar mais eficiente a prestação do serviço jurisdicional em sua esfera federativa. Cabe-lhe, também, avaliar, em conformidade com as peculiaridades regionais, a possibilidade de as varas agrárias cumularem essa competência com competência geral, ou com competência para apreciar matérias afins. 6. Embora não haja consenso entre os estudiosos sobre as matérias incluídas na competência das varas agrárias e, em uma primeira análise, sobre as questões agrárias relacionadas aos litígios cíveis que envolvam a posse e a propriedade de terras em áreas rurais, não há no texto constitucional óbice à competência das varas agrárias também em matéria criminal. 7. O caput do art. 126 da Constituição Federal adotou as expressões genéricas “conflitos fundiários” e “questões agrárias”, não restringindo a competência das varas especializadas a questões somente de natureza cível. Por outro lado, as questões agrárias, muitas vezes, estão intrinsecamente relacionadas com conflitos de natureza penal, como a grilagem de terras, o desmatamento ilegal, a apropriação indevida de terras públicas, o esbulho possessório, dentre outros. No caso específico do Estado do Pará, é fundamental considerarem-se os conflitos agrários juntamente com a violência perpetrada contra trabalhadores, indígenas, pequenos proprietários ou posseiros, não se podendo limitar tais conflitos a seus aspectos meramente cíveis. 8. A criação por lei estadual de varas agrárias em razão de proposta do respectivo tribunal de justiça decorre da competência legislativa dos estados-membros para dispor sobre organização e divisão judiciária, nos termos do art. 125, § 1º, da Constituição Federal, bem como de expressa disposição do já mencionado art. 126, caput, da Carta Magna. Assim sendo, a alínea e do art. 3º da Lei Complementar nº 14/93 cuida de distribuição interna de atribuições dos órgãos do Poder judiciário estadual, tema concernente à organização judiciária, e não de matéria processual. 9. Em relação aos §§ 1º e 2º do art. 3º da lei complementar paraense, esses dispositivos, longe de darem aplicabilidade ao art. 109, § 3º, da Constituição Federal, em verdade, ofendem o referido dispositivo constitucional. Não estão incluídas na competência da justiça estadual, quando a comarca não seja sede de vara do juízo federal, as causas relacionadas às questões agrárias. E não detêm os estados-membros competência legislativa para dispor sobre competência da Justiça Federal. Diante disso, constatou-se que os §§ 1º e 2º do art. 3º da LC 14/93 invadem indevidamente matéria legislativa estranha à competência do legislador estadual, porquanto é atribuição do Congresso Nacional a edição da lei em comento. Incide no mesmo vício o § 2º do art. 167 da Constituição do Estado do Pará, já que, na mesma linha, o legislador constituinte decorrente não deteria dita competência. Declaração de inconstitucionalidade incidental. 10. Por questões de segurança jurídica, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, propôs-se a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, para dar efeitos prospectivos à decisão, de modo que essa somente produza seus efeitos a partir de seis meses da data de encerramento do julgamento desta ação, tempo hábil para que a Justiça do Pará adote as medidas necessárias ao cumprimento da decisão. 11. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 3º da Lei Complementar nº 14/93 do Estado do Pará; incidentalmente, declarou também a inconstitucionalidade do § 2º do art. 167 da Constituição do Estado do Pará; e modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade (art. 27 da Lei nº 9.868/99), para dar efeitos prospectivos à decisão, de modo que somente produza seus efeitos a partir de seis meses da data de encerramento do julgamento desta ação, tempo hábil para que a Justiça do Pará adote as medidas necessárias ao cumprimento da decisão, nos termos do voto do Relator. O Ministro Gilmar Mendes acompanhou o Relator com ressalvas. Plenário, Sessão Virtual de 24.9.2021 a 1.10.2021.
Indexação
- CRÍTICA, DOUTRINA, REDAÇÃO ORIGINAL, TEXTO CONSTITUCIONAL, JUÍZO COMPETENTE, CONFLITO FUNDIÁRIO, OFENSA, PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL, JUÍZO COMPETENTE, PREEXISTÊNCIA, CONFLITO. CONHECIMENTO, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, IMPUGNAÇÃO, TOTALIDADE, COMPLEXO NORMATIVO. CONTEXTO HISTÓRICO, CRIAÇÃO, VARA ESPECIALIZADA, COMPETÊNCIA EXCLUSIVA, DIREITO AGRÁRIO. DEFINIÇÃO, DIREITO AGRÁRIO, DOUTRINA. CONFLITO FUNDIÁRIO, PECULIARIDADE, CADA, REGIÃO, PAÍS. JURISPRUDÊNCIA, STF, CONSTITUCIONALIDADE, CRIAÇÃO, VARA ESPECIALIZADA, JULGAMENTO, CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. - RESSALVA DE ENTENDIMENTO, MIN. GILMAR MENDES: JURISPRUDÊNCIA, STF, DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE, STF, EFICÁCIA ERGA OMNES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, LEI ESTADUAL, DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE, CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, EFEITO VINCULANTE, EFICÁCIA ERGA OMNES. - TERMO(S) DE RESGATE: CONTEXTO HISTÓRICO, PROPOSTA, CRIAÇÃO, JUSTIÇA AGRÁRIA. DOUTRINA, DIREITO AGRÁRIO, PRINCÍPIO DA MOBILIDADE, FACULDADE DO JUIZ, DESLOCAMENTO, LOCAL, CONFLITO FUNDIÁRIO. FÓRUM NACIONAL DE MONITORAMENTO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS E URBANOS, CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), PROPOSTA, SOLUÇÃO, PREVENÇÃO, CONFLITO FUNDIÁRIO.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00022 INC-00001 ART-00052 INC-00010 ART-00109 PAR-00003 ART-00125 PAR-00001 ART-00126 "CAPUT" CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED EMC-000045 ANO-2004 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED LEI-005010 ANO-1966 ART-00015 INC-00001 INC-00002 INC-00003 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-009055 ANO-1995 ART-00002 LEI ORDINÁRIA LEG-FED LEI-009868 ANO-1999 ART-00027 LEI ORDINÁRIA LEG-FED DEL-003689 ANO-1941 ART-00070 CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED PRT-000491 ANO-2009 PORTARIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ LEG-EST CES ANO-1989 ART-00167 PAR-00001 LET-A LET-B LET-C LET-D LET-E PAR-00002 PAR-00003 PAR-00004 PAR-00005 CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, PA LEG-EST EMC-000030 ANO-2005 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-EST LCP-000014 ANO-1993 ART-00002 ART-00003 "CAPUT" LET-E PAR-00001 PAR-00002 LEI COMPLEMENTAR, PA
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (CONHECIMENTO, ADI, IMPUGNAÇÃO, TOTALIDADE, COMPLEXO NORMATIVO) ADI 2174 (TP). (CONSTITUCIONALIDADE, CRIAÇÃO, VARA ESPECIALIZADA, JULGAMENTO, CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO) HC 85060 (1ªT), HC 88660 (TP). (DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE, STF, EFICÁCIA ERGA OMNES) ADI 3406 (TP), ADI 3470 (TP). - Decisão monocrática citada: (CONSTITUCIONALIDADE, CRIAÇÃO, VARA ESPECIALIZADA, JULGAMENTO, CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO) RE 602589. Número de páginas: 30. Análise: 14/09/2022, JAS.
Doutrina
COUTO, José Pedro do. Estruturação do juízo agrário estadual, segundo exegese do art. 126 da Carta Política, in: Julgados da Justiça de Rondônia, Porto Velho, v. 7, n. 8, p. 73-111, dez. 1992. FERREIRA, Valéria Aroeira B. D. A justiça agrária na Constitucional Federal, in: Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 136, out./dez., 1997. MIGUEL NETO, Sulaimen. Questão agrária. Campinas: Bookseller, 1997. p. 188. ROCHA, Ibrahim. Manual de direito agrário constitucional: lições de direito agroambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 29.