Jurisprudência STF 336 de 10 de Maio de 2021
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADPF 336
Classe processual
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Relator
LUIZ FUX
Data de julgamento
01/03/2021
Data de publicação
10/05/2021
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 07-05-2021 PUBLIC 10-05-2021
Partes
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Ementa
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PENITENCIÁRIO. EXECUÇÃO PENAL. TRABALHO DO PRESO. REMUNERAÇÃO INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO. ARTIGO 29, CAPUT, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA (ARTIGO 1º, III, DA CRFB) E DA ISONOMIA (ARTIGO 5º, CAPUT, DA CRFB), BEM ASSIM AO DIREITO AO SALÁRIO MÍNIMO (ARTIGO 7º, IV, DA CRFB). CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO (ARTIGO 1º, CAPUT, DA CRFB). BUSCA DO PLENO EMPREGO (ARTIGO 170, VIII, DA CRFB). INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NA FASE DE EXECUÇÃO (ARTIGO 5º, XLVI, DA CRFB). EFEITOS DA POLÍTICA DE SALÁRIO MÍNIMO. INCERTEZA EMPÍRICA. AUTOCONTENÇÃO JUDICIAL. TRABALHO DO CONDENADO. NATUREZA DE DEVER. FINALIDADES EDUCATIVA E PRODUTIVA. ARTIGOS 28, CAPUT, 31 E 39, V, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. RESTRIÇÕES NATURAIS AO EXERCÍCIO DO TRABALHO. POTENCIAL REPERCUSSÃO NEGATIVA NA REMUNERAÇÃO DA MÃO DE OBRA. DISTINÇÃO ENTRE O TRABALHO DO PRESO E O DOS EMPREGADOS EM GERAL. LEGITIMIDADE. CARÊNCIAS BÁSICAS DO DETENTO ATENDIDAS PELO ESTADO (ARTIGOS 12 E SEGS. DA LEP). BENEFÍCIO DA REMIÇÃO DE PENA PELO TRABALHO. CONFORMIDADE COM REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O TRATAMENTO DE PRISIONEIROS DE 2015. INEXISTÊNCIA DE LESÃO AOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS APONTADOS. ADPF JULGADA IMPROCEDENTE. 1. O trabalho do preso, cuja remuneração é fixada em três quartos do salário mínimo o patamar base de remuneração do trabalho do preso (artigo 29, caput, da Lei de Execução Penal) deve ser analisada não apenas sob a ótica da regra do salário mínimo (artigo 7º, IV, da CRFB), mas também de outros vetores constitucionais, como a busca do pleno emprego (artigo 170, VIII, da CRFB) e a individualização da pena na fase de execução (artigo 5º, XLVI, da CRFB). 2. O controle judicial de políticas públicas deve preservar o âmbito de liberdade interpretativa do legislador em homenagem ao princípio democrático (artigo 1º, caput, da CRFB), ante a ubiquidade e a indeterminação semântica caracterizadoras do texto constitucional, porquanto a multiplicidade de vetores estabelecidos pelo constituinte, a serem promovidos com igual importância pelas instâncias democráticas, obriga o Parlamento à realização de escolhas políticas em matérias que normalmente carecem de certeza empírica quanto aos seus impactos na promoção daqueles valores constitucionais. 3. A margem de conformação do Parlamento aos ditames constitucionais na formulação de políticas públicas é ampla, máxime quando não há consenso científico sobre os efeitos da mesma adotada em relação ao bem-estar social, o que sói ocorrer no exame do salário mínimo quanto à distribuição da riqueza entre os trabalhadores e ao eventual aumento nos índices de desemprego. Literatura: ENGBOM, Niklas; MOSER, Christian. “Earnings Inequality and the Minimum Wage: Evidence from Brazil”. CESifo Working Paper nº 6393, mar. 2017, p. 40; NEUMARK, David; WASCHER, William. Minimum Wages and Employment, Foundations and Trends in Microeconomics, vol. 3, nº. 1+2, pp 1-182, 2007. 4. A pessoa em cumprimento de pena privativa de liberdade, por isso não está sujeita ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como que será remunerada por tabela previamente fixada, em valor não inferior a três quartos do salário mínimo (respectivamente, artigos 28, § 2º, e 29, caput, da Lei de Execução Penal). 5. O trabalho do condenado constitui um dever, obrigatório na medida de suas aptidões e capacidade, e possui finalidades educativa e produtiva, nos termos dos artigos 28, caput, 31 e 39, V, da Lei de Execução Penal, em contraste com a liberdade para trabalhar e prover o seu sustento garantida aos que não cumprem pena prisional pelo artigo 6º da Constituição. 6. O cumprimento da pena privativa de liberdade gera restrições naturais ao exercício do trabalho, com potencial repercussão negativa na remuneração da mão de obra, o que se extrai do peculiar regime jurídico a que se submetem os trabalhadores presos, a saber: (i) necessidade de implantação de oficinas de trabalho, por empregadores privados, referentes a setores de apoio dos presídios (artigo 34, § 2º, da LEP); (ii) a finalidade de formação profissional do condenado (artigo 34 da LEP), ainda que não produza benefício econômico para terceiros; (iii) a aquisição pelo poder público, com dispensa da concorrência pública, dos bens ou produtos do trabalho prisional, sempre que não for possível ou recomendável realizar-se a venda a particulares (artigo 35 da LEP); (iv) a necessidade de observância das cautelas contra a fuga e em favor da disciplina no trabalho externo (artigo 36 da LEP); (v) a possibilidade de revogação da autorização de trabalho externo se o preso tiver comportamento contrário aos requisitos de aptidão, disciplina e responsabilidade, bem assim quando praticar fato definido como crime ou for punido por falta grave (artigo 37, parágrafo único, da LEP) etc. 7. A legitimidade da diferenciação entre o trabalho do preso e o dos empregados em geral na política pública de limites mínimos de remuneração é evidenciada pela distinta lógica econômica do labor no sistema executório penal, que pode até mesmo ser subsidiado pelo Erário, de modo que o discrímen promove, em vez de violar, o mandamento de isonomia contido no artigo 5º, caput, da Constituição, no seu aspecto material. 8. A autorização legal para a percepção de remuneração inferior ao salário mínimo no trabalho do preso é acompanhada de medidas compensatórias, quais sejam: (i) é fixado um patamar mínimo de três quartos do salário mínimo, percentual razoável para configurar uma justa remuneração pelo trabalho humano, nos termos definidos democraticamente pelo Parlamento; (ii) são impostos ao Estado deveres de prestação material em relação ao interno, a fim de garantir o atendimento de todas as suas carências básicas; e (iii) concede-se ao preso o benefício da remição da pena, na proporção de 1 (um) dia de redução da sanção criminal para cada 3 (três) dias de trabalho. 9. O salário mínimo, na dicção do artigo 7º, IV, da Constituição, visa satisfazer as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família “com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”, ao passo que o preso, conforme previsão legal, já deve ter atendidas pelo Estado boa parte das necessidades vitais básicas que o salário mínimo objetiva atender, tais como educação (artigos 17 e seguintes da LEP), alojamento (artigo 88 da LEP), saúde (artigo 14 da LEP), alimentação, vestuário e higiene (artigo 12 da LEP). 10. A disciplina do trabalho do preso no Brasil também está em conformidade com as normas internacionais que regem o tema, porquanto o acordo sobre as regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento de prisioneiros de 2015 (denominadas “regras de Mandela”), aprovado por Resolução da Comissão sobre Prevenção de Crime e Justiça Criminal de Viena, determina seja “estabelecido sistema justo de remuneração do trabalho dos presos” (Regra 103.1), em contraste com outras disposições do mesmo diploma que exigem condições não menos vantajosas que aquelas que a lei disponha para os trabalhadores livres (v. g., Regra 101.2). 11. O soldo daqueles que exercem serviço militar obrigatório pode ser inferior ao salário mínimo definido nacionalmente, sem que isso implique lesão aos princípios da dignidade humana (artigo 1º, III, da CRFB) e da isonomia (artigo 5º, caput, da CRFB), ou à regra do artigo 7º, IV, da Carta Magna: RE 570177, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 30/4/2008. Súmula vinculante 6 deste Supremo Tribunal Federal. 12. O patamar mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto no artigo 29, caput, da Lei de Execução Penal não representa violação aos princípios da dignidade humana (artigo 1º, III, da CRFB) e da isonomia (artigo 5º, caput, da CRFB), sendo inaplicável à hipótese a garantia de salário mínimo prevista no artigo 7º, IV, da Constituição. 13. As normas insculpidas nos artigos 1º, III, 5º, caput, e 7º, IV, da Carta Magna caracterizam preceitos fundamentais, autorizando o ajuizamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental quando apontada violação direta à Carta Magna e atendido o teste da subsidiariedade. Precedentes: ADPF 388, Relator Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 9/3/2016; ADPF 33 MC, Relator Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2003). 14. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada improcedente.
Decisão
Após os votos dos Ministros Luiz Fux (Relator) e Alexandre de Moraes, que julgavam improcedente a ação; e do voto do Ministro Edson Fachin, que a julgava procedente, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 27.3.2020 a 2.4.2020. Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Plenário, Sessão Virtual de 19.2.2021 a 26.2.2021.
Indexação
- OBSERVÂNCIA, PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. POLÍTICA SALARIAL, PRESIDIÁRIA, OBJETIVO, GARANTIA, TRABALHO, PRESO. - VOTO, MIN. NUNES MARQUES: IMPROCEDÊNCIA, ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, AUSÊNCIA, GARANTIA CONSTITUCIONAL, SALÁRIO MÍNIMO, TRABALHADOR, PRESO. AUSÊNCIA, SUJEIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. VONTADE, LEGISLADOR, PREVISÃO, DIFERENÇA. - VOTO VENCIDO, MIN. EDSON FACHIN: PROCEDÊNCIA, ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, DESCABIMENTO, SUPERVENIÊNCIA, ALTERAÇÃO, PREVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA DE SALÁRIO MÍNIMO, DECORRÊNCIA, APLICAÇÃO IMEDIATA. DESCABIMENTO, COMPARAÇÃO, HIPÓTESE, POLÍTICA SALARIAL, SERVIÇO MILITAR, CLASSE INICIAL, DECORRÊNCIA, PREVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGIME REMUNERATÓRIO, MILITAR. DESCABIMENTO, TRABALHO, PRESO, CARACTERIZAÇÃO, PENA. IMPOSSIBILIDADE, SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA, RESTRIÇÃO, CAPACIDADE LABORATIVA, FINALIDADE, RESSOCIALIZAÇÃO, PRESO.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00001 "CAPUT" INC-00003 ART-00002 ART-00005 "CAPUT" INC-00046 INC-00047 LET-C PAR-00001 ART-00006 ART-00007 INC-00004 ART-00039 PAR-00003 ART-00142 PAR-00003 INC-00008 ART-00170 INC-00008 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED LEI-007210 ANO-1984 ART-00003 "CAPUT" ART-00010 PAR-ÚNICO ART-00011 INC-00001 INC-00002 INC-00003 INC-00004 INC-00005 INC-00006 ART-00012 ART-00014 ART-00017 ART-00018 ART-0018A INC-00001 INC-00002 INC-00003 ART-00019 PAR-ÚNICO ART-00028 "CAPUT" PAR-00002 ART-00029 "CAPUT" PAR-00001 LET-A LET-B LET-C LET-D PAR-00002 ART-00031 ART-00034 PAR-00002 ART-00035 ART-00036 ART-00037 PAR-ÚNICO ART-00039 INC-00005 ART-00041 INC-00002 INC-00007 ART-00088 ART-00126 LEP-1984 LEI DE EXECUÇÃO PENAL LEG-FED LEI-009882 ANO-1999 ART-00001 INC-00001 ART-00005 PAR-00002 LEI ORDINÁRIA LEG-FED DEL-005452 ANO-1943 CLT-1943 CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO LEG-FED SUV-000006 SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (SOLDO, SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO, INFERIORIDADE, SALÁRIO MÍNIMO) RE 570177 (TP). (ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, REQUISITO, AJUIZAMENTO) ADPF 33 MC (TP), ADPF 388 (TP). (ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE) ADPF 33 (TP), ADPF 190 (TP). - Decisão estrangeira citada: caso FCC v. Beach Communications, Inc. 508 U.S. 307 (1993), da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Número de páginas: 37. Análise: 11/04/2022, BMP.
Doutrina
COUTINHO, Aldacy Rachid. “Trabalho e Pena”. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, 32, p. 15. ENGBOM, Niklas; MOSER, Christian. “Earnings Inequality and the Minimum Wage: Evidence from Brazil”. CESifo Working Paper nº 6393, mar. 2017, p. 40. GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Comentário à Lei de Execução Penal. Belo Horizonte: Editora CEI, 2018, p. 63-64. JALES, Hugo. “Estimating the Effects of the Minimum Wage in a Developing Country: A Density Discontinuity Design Approach”. (out. 2015). NEUMARK, David; WASCHER, William. Minimum Wages and Employment, Foundations and Trends in Microeconomics, vol. 3, nº. 1+2, pp 1-182, 2007. VERMEULE, Adrian. Law’s Abnegation. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 130, 134-135.